Marxismo ocidental e imperialismo: um diálogo

 

 

John Bellamy Foster e Gabriel Rockhill (*)

 

 

Gabriel Rockhill (GR): Gostaria de iniciar esta discussão abordando, antes de mais, um equívoco relativo ao marxismo ocidental, que sei ser de nosso interesse mútuo. O marxismo ocidental não é equivalente ao marxismo no Ocidente. Em vez disso, é uma versão particular do marxismo que, por razões muito materiais, se desenvolveu no núcleo imperial, onde existe uma pressão ideológica significativa para que se conforme com os seus ditames. Como ideologia dominante em relação ao marxismo, condiciona a vida daqueles que trabalham no núcleo imperial e, por extensão, nos Estados capitalistas de todo o mundo, mas não determina rigorosamente os estudos e a organização marxista nessas regiões. A prova mais simples disso é o facto de não nos identificarmos como marxistas ocidentais, embora sejamos marxistas a trabalhar no Ocidente, tal como o filósofo italiano Domenico Losurdo, cujo livro Western Marxism foi recentemente publicado pela Monthly Review Press. O que pensas sobre a relação entre o "marxismo ocidental" e o "marxismo no Ocidente"?

 

John Bellamy Foster (JBF): Não gosto do termo "marxismo ocidental", em parte porque foi adotado como forma de autoidentificação por pensadores que rejeitavam não só o marxismo soviético, mas também grande parte do marxismo clássico de Karl Marx e Friedrich Engels, bem como o marxismo do Sul global. Ao mesmo tempo, grandes partes do marxismo praticado no Ocidente, incluindo as análises político-económicas e históricas mais materialistas, tenderam a ser excluídas deste tipo de marxismo ocidental, que, no entanto, se apresentou como o árbitro do pensamento marxista e dominou a marxologia. Normalmente, ao abordar teoricamente a questão do marxismo ocidental, indico que estamos perante uma tradição filosófica específica. Esta começou com Maurice Merleau-Ponty (não Georgy Lukács, como vulgarmente se supõe) e caracterizou-se pelo abandono do conceito de dialética da natureza, associado a Engels (mas também a Marx). Isto significou que a noção de marxismo ocidental foi sistematicamente afastada de um materialismo ontológico em termos marxistas tendo gravitado para o idealismo, o que se coadunava bem com a deserção em relação à dialética da natureza.

 

Além disso, embora não fizesse parte da autodefinição do marxismo ocidental, mas foi corretamente enfatizado por Losurdo, representava um recuo na crítica ao imperialismo e de todo o problema da luta revolucionária no Terceiro Mundo ou no Sul global. Neste sentido, os autodesignados marxistas ocidentais tendiam para uma perspetiva eurocêntrica, negando frequentemente a importância do imperialismo, e, por isso, podemos falar antes de um marxismo eurocêntrico ocidental.

 

Por conseguinte, ao tratar estas questões, tendo a enfatizar estes dois aspetos, a saber: (1) uma tradição filosófica marxista ocidental que rejeitou a dialética da natureza e o materialismo ontológico, distanciando-se assim tanto do marxismo clássico de Marx como do de Engels; e (2) um marxismo eurocêntrico ocidental, que rejeitou a noção da fase imperialista do capitalismo (e do capitalismo monopolista) e minimizou a importância das lutas revolucionárias do Terceiro Mundo e das novas ideias revolucionárias que elas geraram. O marxismo, nesta estreita encarnação marxista ocidental, tornou-se, assim, um mero campo académico, preocupado com o círculo da reificação, ou com estruturas sem sujeito: a própria negação de uma filosofia da práxis.

 

GR: De facto, essas são características significativas do chamado marxismo ocidental, que concordo ser uma expressão que pode facilmente prestar-se a mal-entendidos. É por isso que, na minha opinião, uma abordagem dialética é tão importante: permite-nos estar atentos às discrepâncias entre os conceitos simplificados e as complexidades da realidade material, ao mesmo tempo que nos esforçamos por explicar esta última, matizando e refinando ao máximo as nossas categorias conceptuais e análises. Para além das duas características que salientaste, acrescentaria também, pelo menos para o núcleo teoricamente orientado do marxismo ocidental - como na obra das principais luminárias da Escola de Frankfurt e em grande parte do marxismo teórico francês e britânico do pós-guerra - a tendência para se afastar da economia política em favor da análise cultural, bem como a rejeição crítica de muitos, se não de todos, os projetos de construção de Estados socialistas do mundo real (o que, obviamente, se sobrepõe ao teu segundo ponto).

 

Ao tentar identificar com a maior precisão possível os contornos do marxismo ocidental e as forças motrizes por detrás do mesmo, considero importante situar a sua forma singular de produção intelectual dentro das relações gerais de produção teórica, que, por sua vez, se aninham nas relações sociais de produção de uma forma mais geral. Por outras palavras, uma análise marxista do marxismo ocidental exige, a algum nível, um envolvimento com a economia política da produção, circulação e consumo do conhecimento. É isso que nos permitirá identificar as forças socioeconómicas em ação por detrás desta orientação ideológica específica, sem deixar de reconhecer, naturalmente, a semiautonomia da ideologia.

 

Baseando-se na obra de Marx e Engels, Vladimir Ilitch Lenine diagnosticou incisivamente como a existência material de uma "aristocracia operária" no núcleo imperial, ou seja, um sector privilegiado da classe operária global, era a força motriz por detrás da tendência da esquerda ocidental para se alinhar mais com os interesses da sua burguesia do que ao lado do proletariado na periferia colonial e semicolonial. Parece-me que, se queremos ir à raiz dos problemas, precisamos de aplicar esta mesmo quadro analítico básico à compreensão das revisões fundamentais do marxismo ocidental e da sua tendência para ignorar, minimizar ou mesmo denegrir e rejeitar o marxismo revolucionário do Sul global, que não se limitou a interpretar o mundo, mas o alterou fundamentalmente ao romper as correntes do imperialismo. Não serão os marxistas ocidentais, em geral, membros daquilo a que poderíamos chamar a aristocracia operária intelectual, no sentido em que beneficiam de algumas das melhores condições materiais de produção teórica do mundo, o que é fácil de perceber quando comparado, por exemplo, com o marxismo desenvolvido por Mao Zedong no campo chinês, Ho Chi Minh no Vietname sitiado, Ernesto "Che" Guevara na Sierra Maestra, ou outros exemplos semelhantes? Não beneficiam, como a aristocracia operária em geral, das migalhas que caem da mesa do banquete imperialista da classe dominante, e esta realidade material não condiciona - sem determinar rigorosamente - a sua perspetiva?

 

JBF: O ponto sobre o afastamento da economia política que caracterizou grande parte do marxismo ocidental é importante. Iniciei os meus estudos de pós-graduação na Universidade de York, em Toronto, em meados da década de 1970. Anteriormente, tinha formação em economia, incluindo economia neoclássica e economia política marxista. Foram os anos em que a União para a Economia Política Radical, nos Estados Unidos da América, liderou uma revolta na economia. Mas também me interessava pela teoria crítica e pelos estudos hegelianos. No domínio filosófico, estudei, para além de Marx, a Fenomenologia do Espírito de Georg Wilhelm Friedrich Hegel, a maior parte da obra de Herbert Marcuse, A Teoria da Alienação de Marx de István Mészáros e muitos outros textos de filosofia crítica. Assim, ingressei na pós-graduação com a expectativa de prosseguir estudos tanto em economia política marxista como em teoria crítica. Visitei York em 1975, mas quando lá cheguei um ano depois para iniciar os meus estudos de pós-graduação, fiquei surpreendido ao descobrir que o programa de Pensamento Social e Político de York (e, em certa medida, a esquerda no departamento de Ciência Política de lá) tinha sofrido uma cisão fragmentada, separando aqueles que eram chamados os "economistas políticos" dos "teóricos críticos". Isto ocorreu na altura em que alguns dos principais escritos da Escola de Frankfurt, de pensadores como Theodor Adorno e Max Horkheimer, estavam a ser disponibilizados, pela primeira vez, em traduções para inglês. Por exemplo, O Conceito de Natureza em Marx, de Alfred Schmidt, foi traduzido para inglês em 1971, Dialética do Iluminismo, de Horkheimer e Adorno, em 1972, e Dialética Negativa, de Adorno, em 1973. Isto não significou apenas uma espécie de aprofundamento das discussões no seio do marxismo, como constituiu, de muitas formas, uma rutura com o marxismo clássico, frequentemente criticado em tais obras. Assim, a primeira coisa que ouvi ao entrar numa aula de teoria crítica foi que a dialética da natureza era inadmissível. As primeiras discussões "antropológicas" de Marx sobre as interações entre a humanidade e a natureza foram sumariamente descartadas. O único curso sobre Hegel ministrado era sobre o Hegel de Alexandre Kojève, que era então a febre, tanto para a esquerda francesa como, paradoxalmente, para alguns pensadores conservadores. Nesses anos, passei a concentrar-me mais na economia política marxista. Mészáros, que foi um grande atrativo para mim na decisão de ir para York, partiu no mesmo ano em que eu cheguei, no seu desgosto com ambos os lados da cisão.

 

Nesse primeiro ano em York, estava a trabalhar com um professor liberal que era uma autoridade sobre a China. Demonstrou estar confuso sobre o desenvolvimento do marxismo e entregou-me o livro Considerações sobre o Marxismo Ocidental, de Perry Anderson, pedindo-me que o lesse e lhe explicasse do que se tratava. Sentei-me e li o livro de Anderson, tendo ficado bastante chocado na altura, dado que ele utilizou diversas técnicas para enfatizar uma mudança na teoria marxista em direção à filosofia e à cultura, afastando-se da economia política e da história - o que não era exatamente o caso, mas encaixava nos pensadores que escolheu para enaltecer. Assim, o "marxismo ocidental", nos termos de Anderson, excluía sobretudo os economistas políticos e os historiadores. Além disso, era visto como separado do "marxismo clássico", incluindo as principais ênfases dos próprios Marx e Engels. Naturalmente, Anderson não podia negar completamente a existência de economistas políticos e historiadores marxistas na sua discussão sobre o "marxismo ocidental", mas a sua exclusão era bastante evidente.

 

Deixando de lado as formas específicas como os pensadores políticos e económicos foram descartados, basta olhar para o índice para ver a natureza das demarcações de Anderson. Os filósofos e teóricos culturais são proeminentes na sua caracterização dos marxistas ocidentais. Assim, Louis Althusser é mencionado em trinta e quatro páginas, Lukács em trinta e uma, Jean-Paul Sartre em vinte e oito, Marcuse em vinte e cinco, Adorno em vinte e quatro, Galvano Della Volpe em dezanove, Lucio Colletti em dezoito, Horkheimer em doze, Henri Lefebvre em doze, Walter Benjamin em onze, Lucien Goldmann em oito, Merleau-Ponty em três, Bertolt Brecht em dois e Fredric Jameson numa. No entanto, quando nos voltamos para economistas políticos e historiadores marxistas (incluindo historiadores culturais) aproximadamente do mesmo período, temos um quadro bem diferente: Isaac Deutscher é mencionado em quatro páginas, Paul M. Sweezy em quatro, Ernest Mandel em duas, Paul A. Baran em uma, Michał Kalecki em uma, Nicos Poulantzas em uma, Piero Sraffa em uma e Raymond Williams em uma.

 

Os cientistas marxistas não são mencionados, como se todos fossem inexistentes. Enquanto alguns marxistas, que eram centrais nas discussões no Ocidente, foram considerados por Anderson mais orientais do que ocidentais, por terem escolhido viver do outro lado da chamada cortina de ferro, nomeadamente Brecht, que é mencionado em duas páginas, e Ernst Bloch, cujo nome não aparece em nenhuma.

 

Para mim, então, a caracterização que Anderson faz do "marxismo ocidental" foi peculiar desde o início. Embora Anderson, como qualquer pensador, tenha o direito de enfatizar aqueles que estão mais próximos da sua análise, a sua abordagem à classificação dos "marxistas ocidentais", enfatizando principalmente aqueles presentes nos domínios da filosofia e da cultura, rompeu decisivamente com o marxismo clássico, a economia política, a luta de classes e a crítica ao imperialismo. O "marxismo ocidental", na caracterização de Anderson, era então uma espécie de negação de aspetos centrais do marxismo clássico, juntamente com o marxismo soviético. Anderson não deve ser totalmente criticado por isso. Ele estava a lidar com algo real. Mas a realidade aqui era a enorme distância em relação ao marxismo clássico, mesmo que tenham sido feitos grandes avanços teóricos em algumas áreas.

 

Não há dúvida, portanto, de que o marxismo ocidental, segundo a definição de Anderson, ou mesmo de acordo com a demarcação mais teórica determinada pelo abandono da dialética da natureza, foi despojado de grande parte da crítica marxista original, ainda que explorasse mais profundamente algumas questões como a dialética da reificação. Ao excluir os economistas políticos, os historiadores e os cientistas marxistas e, por conseguinte, o materialismo, o marxismo ocidental, nestes termos, afastou-se também da classe e do imperialismo e, por conseguinte, da própria ideia de luta. O resultado foi a criação de um clube exclusivo, ou aquilo a que Lukács chamou criticamente um conjunto de pensadores que se sentavam no "Grande Hotel do Abismo", cada vez mais afastados até da ideia da prática revolucionária. Não creio que faça muito sentido ligar isto diretamente à aristocracia operária (embora esta análise seja importante em si mesma). Em vez disso, estes pensadores emergiram como alguns dos membros mais elitistas da academia burguesa, aí dificilmente concebidos de todo como marxistas, e muito menos como trabalhadores, ocupando frequentemente cátedras e sendo cobertos de honrarias. Certamente, no geral, estavam em melhor situação económica do que aqueles que se mantinham firmemente dentro da tradição marxista clássica.

 

GR: Nos seus dois livros sobre o tema, Anderson oferece uma abordagem marxista ocidental do marxismo ocidental. Isto é, na minha opinião, precisamente aquilo que constitui os pontos fortes e as fraquezas inelutáveis da sua abordagem. Por um lado, oferece um diagnóstico perspicaz de aspetos selecionados da sua orientação ideológica fundamental, incluindo o seu afastamento da política prática em favor da teoria e a sua adoção do derrotismo político. Por outro lado, nunca vai ao cerne da questão, situando o marxismo ocidental, tal como o entende, dentro das relações sociais globais de produção (incluindo a produção teórica) e da luta de classes internacional. Em última análise, fornece-nos uma abordagem que não é rigorosamente materialista, pois não se envolve seriamente na economia política da produção, circulação e consumo do conhecimento, nem coloca o imperialismo no centro da sua análise.

 

De um ponto de vista marxista, acima e para além da sua contrafação ocidental, não são as ideias que impulsionam a história, mas sim as forças materiais. A história intelectual, incluindo a história do marxismo como empreendimento teórico, precisa, portanto, de ser claramente situada em relação a estas forças, embora, naturalmente, reconheça que a ideologia funciona de forma semiautónoma em relação à base socioeconómica. Os intelectuais marxistas na Europa do final do século XIX e início do século XX trabalhavam frequentemente fora da academia, por vezes como organizadores políticos ou jornalistas, e tendiam a estar muito mais organicamente ligados à luta de classes prática de várias formas. Quando se deu a cisão no movimento socialista durante a Primeira Guerra Mundial, alguns destes intelectuais viraram as costas ao proletariado internacional e alinharam-se, consciente ou inconscientemente, com os interesses das suas burguesias nacionais. Outros, porém, concordavam com Lenine em que a única guerra que valia a pena apoiar era uma guerra de classes internacional, claramente manifestada na Revolução Russa, e não a rivalidade interimperialista da classe dominante capitalista. É por isso que Losurdo utiliza esta cisão para estruturar o seu livro sobre o marxismo ocidental, e é essa uma das razões pelas quais este é vastamente superior à abordagem de Anderson: o marxismo ocidental é a tradição que emergiu do chauvinismo social da tradição marxista europeia, que torceu o nariz às revoluções anticoloniais extraeuropeias. Como Lenine demonstrou decisivamente, tal não ocorreu simplesmente porque os intelectuais marxistas ocidentais tenham cometido erros teóricos. A razão foi a existência de forças materiais que condicionavam a sua orientação ideológica: enquanto membros da aristocracia operária no núcleo capitalista, tinham um interesse pessoal em preservar a ordem mundial imperialista.

 

Esta cisão original transformou-se numa grande divisão à medida que a rivalidade interimperialista da Primeira Guerra Mundial continuou durante a Segunda Guerra Mundial e acabou por conduzir a uma espécie de impasse global, opondo o vitorioso do campo imperialista (os Estados Unidos da América) ao crescente campo socialista liderado pelo país que desempenhou um papel decisivo na derrota do fascismo e no apoio a muitas revoluções anticoloniais em todo o mundo (a União Soviética). No contexto da Guerra Fria, os marxistas ocidentais eram cada vez mais professores universitários no Ocidente, tendiam a ser céticos em relação aos desenvolvimentos práticos do marxismo no Sul global e empenhavam-se em revisões teóricas significativas do marxismo clássico de Marx, Engels e Lenine. Por razões muito materiais, o seu revisionismo anticomunista tendia a reforçar a sua posição no seio das instituições ocidentais e da indústria teórica. Isto não ocorreu de uma só vez, pois que as forças sociais objetivas e as orientações subjetivas não marcharam em sincronia, dado que existia uma série de contradições que caracterizavam estes desenvolvimentos.

 

As principais figuras da Escola de Frankfurt, nomeadamente Adorno e Horkheimer, eram críticos anticomunistas dogmáticos do socialismo realmente existente, e foram financiados e apoiados pela classe dominante capitalista e pelos principais Estados imperialistas para apresentarem estas visões. Em França, Sartre descobriu a sua versão subjetivista do marxismo durante a Segunda Guerra Mundial, apoiou alguns aspetos do movimento comunista global na sua sequência, mas também demonstrou cada vez mais ceticismo à medida que a Guerra Fria se arrastava. Althusser alinhou pelo Partido Comunista Francês do pós-guerra, mas também abraçou a moda teórica antidialética do estruturalismo, e particularmente do lacanianismo.

 

Estas contradições devem ser levadas a sério, reconhecendo-se também que o arco geral da história levou, por exemplo, a que um althusseriano sartreano como Alain Badiou fosse considerado o marxista ocidental mais famoso na França de hoje. Agitando uma bandeira vermelha teórica e afirmando ser um dos únicos comunistas vivos, sustenta que "nem os Estados socialistas, nem as lutas de libertação nacional, nem, finalmente, o movimento operário constituem mais referentes históricos capazes de garantir a universalidade concreta do marxismo". Assim, "o marxismo hoje... está historicamente destruído", e tudo o que resta é a nova "ideia de comunismo", que Badiou propõe, proveniente de uma das principais instituições académicas do Ocidente imperial (1). Se o marxismo como teoria materializada na prática está morto, somos, no entanto, encorajados a celebrar o seu renascimento espiritual através de uma versão marxista da teoria francesa. Combinando descaradamente o seu messianismo com a autopromoção oportunista, o slogan implícito de Badiou para o marketing da sua obra soa como uma perversão cristológica da famosa declaração de Marx sobre a revolução: "O marxismo está morto. Viva a minha ideia de comunismo!". No seu entusiasmo pela ressurreição teórica, porém, Badiou não refere que a sua ideia supostamente nova, na sua essência prática, é na verdade uma ideia muito antiga, que já foi duramente criticada por Engels. Trata-se da ideia do socialismo utópico.

 

Esta é uma das razões pelas quais uma avaliação dialética do marxismo ocidental é tão importante. Permite-nos realizar uma análise variada dos pensadores e movimentos individuais, destacando onde e quando se alinham com a ideologia dominante do marxismo ocidental, mas também como se podem distanciar dela em determinados aspetos ou em momentos específicos (como Sartre e Althusser). Além disso, esta abordagem dialética necessita de ser completamente materialista, baseando-se numa análise das relações sociais da produção intelectual. Os marxistas ocidentais contemporâneos mais conhecidos são professores universitários no núcleo imperial, alguns dos quais são superestrelas globais na indústria imperial da teoria, e isso teve definitivamente um impacto no tipo de trabalho que realizam.

 

Ademais, a integração do marxismo na academia burguesa submeteu-o a uma série de mudanças significativas. No núcleo central capitalista, não existem academias de marxismo onde se possa treinar, e depois educar outros, no marxismo como uma ciência total que abrange os mundos natural e social. Em vez disso, existe um sistema de taylorismo intelectual, fundado na divisão disciplinar do trabalho entre as ciências naturais, as ciências sociais e as humanidades. Este sistema, como parte da superestrutura, é, em última análise, impulsionado por interesses capitalistas. Neste sentido, o marxismo tem sido, em grande medida, marginalizado ou rejeitado como base teórica para as ciências naturais burguesas, e frequentemente reduzido a um paradigma interpretativo - incorreto ou insuficiente - em grande parte das ciências sociais burguesas. Muitos dos marxistas ocidentais mais conhecidos lecionam nas humanidades ou em departamentos de ciências sociais adjacentes às humanidades e traficam com ecletismo teórico, combinando intencionalmente a teoria marxista com modas teóricas burguesas.

 

Perante este contexto material, não é de estranhar que os marxistas ocidentais tendam a rejeitar a ciência materialista, abandonem os compromissos rigorosos com a economia política e a história materialista e se entreguem, eles próprios, à teoria e à análise cultural burguesa. O objetivo da teoria marxista, para os marxistas ocidentais mais grosseiros, como Slavoj Žižek, não é mudar o mundo que os promove como destacadas luminárias, mas sim interpretá-lo de tal forma que as suas carreiras avancem na academia imperial e nas indústrias culturais. O sistema objetivo e material de produção do conhecimento condiciona-lhes as suas contribuições subjetivas. O que tendem a não ter é uma avaliação autocrítica e dialético-materialista das suas próprias condições de produção intelectual, o que se deve, em parte, à forma como foram ideologicamente treinados pelo próprio sistema que os promove. São ideólogos do marxismo imperial.

 

JBF: O que apresentas aqui é uma crítica histórico-materialista clássica com foco nos fundamentos de classe da ideologia, em relação à tradição marxista ocidental. Foi a partir de Marx, como Karl Mannheim explicou na sua obra Ideologia e Utopia, que surgiu a crítica da ideologia. No entanto, Mannheim acusou o marxismo de ter falhado na autocrítica necessária para uma sociologia do conhecimento desenvolvida, devido à sua incapacidade de se dissociar da sua perspetiva proletária revolucionária (falha que atribuiu a Lukács em particular). No entanto, ao contrário disto, é esta autocrítica, ou seja, mudanças radicais na teoria e na prática revolucionárias em resposta às mudanças nas condições materiais de classe, como defendia Mészáros, que ajuda a explicar a contínua vitalidade teórica da teoria marxista, para além das revoluções reais no Sul global.

 

Para o marxismo ocidental enquanto tradição distinta, tal autocrítica era, obviamente, impossível, sem revelar todo o jogo. Não é por acaso que as polémicas mais amargas dos marxistas ocidentais foram dirigidas contra Lukács, quando este estendeu a sua crítica ao irracionalismo, por implicação, à esquerda ocidental e seu fascínio pelo anti-humanismo de Martin Heidegger. Na tradição filosófica marxista ocidental, todas as ontologias positivas, mesmo as de Marx e Hegel, foram rejeitadas, juntamente com a análise histórica. O que ficou foi uma dialética circunscrita, reduzida a uma lógica de signos e significantes, divorciada da ontologia materialista, da luta de classes e até da mudança histórica. O humanismo, até mesmo o humanismo marxista, tornou-se o inimigo. Tendo abandonado todo o conteúdo real, os autodesignados marxistas ocidentais ajudaram a introduzir a viragem discursiva. Isto levou à sua fusão com o pós-marxismo, o pós-estruturalismo, o pós-modernismo, o pós-humanismo, o pós-colonialismo e o pós-capitalismo. Aqui, o "pós" significava frequentemente um rastejamento para trás, em vez de um avanço.

 

Podemos resumir grande parte da nossa discussão até aqui dizendo que a tradição marxista ocidental, embora tenha proporcionado uma riqueza de vislumbres críticos, foi apanhada numa quádrupla retirada: (1) a retirada da classe; (2) a retirada da crítica ao imperialismo; (3) a retirada da natureza/materialismo/ciência; e (4) a retirada da razão. Sem uma ontologia positiva remanescente, tudo o que foi retido, na esquerda pós-modernista e pós-marxista, foi a Palavra ou um mundo de discurso vazio, fornecendo uma base para a desconstrução da realidade, mas vazio de qualquer projeto emancipador.

 

A tarefa atual, então, é a recuperação e reconstituição do materialismo histórico como teoria e prática revolucionárias, no contexto da crise planetária do nosso tempo. Max Weber proferiu a famosa frase de que o materialismo histórico não é um automóvel que se possa conduzir a qualquer lugar. Pode responder-se que o marxismo, no seu sentido clássico, não visa transportar a humanidade para todo o lado. Em vez disso, o destino é um reino de igualdade substantiva e sustentabilidade ecológica: o socialismo completo.

 

GR: Esta quádrupla retirada constitui um afastamento da realidade material para o reino do discurso e das ideias. Trata-se, portanto, de uma inversão ideológica do marxismo clássico que vira o mundo de pernas para o ar. A principal consequência política de tal orientação é o abandono da complexa e frequentemente contraditória tarefa de construir o socialismo no mundo real. As quatro retiradas, que eliminaram aquilo a que Lenine chamou o núcleo revolucionário do marxismo, alimentam, assim, um afastamento da tarefa prática primordial do marxismo, a saber, mudar o mundo, e não simplesmente interpretá-lo.

 

Para manter uma análise completamente dialética, é importante insistir no facto de que os Quatro Recuos e o abandono geral do socialismo no mundo real não funcionam como princípios mecânicos que determinam redutivamente todos os aspetos de todo o discurso marxista ocidental. Trata-se, antes, de características de um amplo campo ideológico que poderia ser cartografado em termos de um diagrama de Venn. Cada discurso específico pode ocupar posições bastante diferentes dentro deste campo ideológico. Num extremo, existem discursos idealistas supersticiosos que abandonaram todas as formas de análise materialista em favor de várias orientações «pós» - pós-marxismo, pós-estruturalismo, pós-modernismo e assim por diante - que são profundamente regressivas. No outro extremo, existem discursos que se afirmam solidamente marxistas e se envolvem, em certa medida, com uma versão racionalista da análise de classe. No entanto, interpretam mal a dinâmica de classe fundamental em ação no imperialismo e tendem a rejeitar o socialismo do mundo real como um projeto anti-imperialista de construção do Estado em favor de versões de socialismo utópicas, populistas ou com influências anarquistas rebeldes (Losurdo diagnosticou perspicazmente todas estas três tendências no seu livro sobre o marxismo ocidental).

 

Embora as várias orientações "pós" sejam relativamente fáceis de contestar de um ponto de vista materialista rigoroso, a análise marxista ocidental pode ser mais difícil de contestar, devido ao seu poder institucional e à sua ostensiva dedicação ao materialismo histórico. Por isso, é de crucial importância, ao assumir a tarefa de revitalizar o materialismo dialético e histórico, como teoria e prática revolucionárias, combater os autodeclarados marxistas que deturpam o imperialismo e a luta histórico-mundial contra ele. Os teus recentes ensaios sobre este tema na Monthly Review são de leitura essencial, porque vão ao cerne de uma das questões mais importantes da luta de classes contemporânea em teoria, nomeadamente, como compreender o imperialismo (2). À medida que prossegues a tua análise crítica, espero que continues a lançar luz sobre uma das mais perversas inversões ideológicas marxistas ocidentais: a representação dos países envolvidos na luta anti-imperialista - da China à Rússia, ao Irão e mais além - como sendo fundamentalmente imperialistas, espelhando o Ocidente coletivo nos seus atos e ambições, ou mesmo empenhando-se numa forma mais autoritária e repressiva de imperialismo do que as democracias burguesas do Ocidente.

 

JBF: A relação do marxismo ocidental com o imperialismo é enormemente complexa. Parte do problema é que o que precisamos de analisar primeiro é o eurocentrismo intrínseco à cultura ocidental (incluindo, claro, não só a Europa, mas também os Estados coloniais: os Estados Unidos da América e o Canadá na América do Norte e a Austrália e a Nova Zelândia na Australásia, além, num contexto ligeiramente diferente, de Israel). Martin Bernal argumentou em Athena Negra que o mito ariano em relação à Grécia Antiga, que constituiu o verdadeiro início do eurocentrismo, surgiu na época da invasão do Egito por Napoleão, no final do século XVIII - embora existam certamente vestígios dele antes disso. O eurocentrismo ganhou um novo impulso com a ascensão daquilo a que Lenine chamou a fase imperialista do capitalismo, no final do século XIX e início do século XX, simbolizada pela partilha mútua de África pelas grandes potências.

 

O eurocentrismo não deve ser visto simplesmente como um tipo de etnocentrismo. Em vez disso, o eurocentrismo é a visão expressa de forma mais aguda por Weber na introdução à sua Sociologia das Religiões (publicada como "introdução do autor" na principal tradução inglesa de Talcott Parsons de A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo). Aí, Weber assumiu a posição de que a cultura europeia era a única cultura universal. Certamente, existiam outras culturas particulares em todo o mundo, na sua visão, algumas delas muito avançadas, mas todas eram forçadas a conformar-se à cultura universal da Europa, se quisessem modernizar-se, o que significava desenvolver-se em termos racionalistas e capitalistas europeus. Outros países, nesta visão, poderiam desenvolver-se, mas apenas abraçando a cultura universal, que era vista como a base da modernidade, um produto específico da Europa. É o eurocentrismo, precisamente neste sentido, que Joseph Needham abordou criticamente no seu Dentro dos Quatro Mares (1969) e que Samir Amin desconstruiu historicamente no seu Eurocentrismo (1988).

 

O pensamento europeu do século XIX desenvolveu-se num contexto de um eurocentrismo emergente, neste sentido. Pode pensar-se no modelo colonialista e racista do mundo apresentado em Filosofia da História de Hegel. No entanto, a obra de Marx e Engels permaneceu notavelmente intocada por tal eurocentrismo. Além disso, no final da década de 1850, ainda na casa dos trinta, e a partir daí, apoiaram firmemente as lutas e revoluções anticoloniais na China, Índia, Argélia e África do Sul. Expressaram também a sua profunda admiração pelas nações da Confederação Iroquesa na América do Norte. Nenhum outro grande pensador do século XIX, quando comparado com Marx, condenou tão veementemente aquilo a que chamou "extirpação, escravização e enterramento em minas da população indígena das Américas", nem se opôs tão veementemente à escravatura capitalista. Marx foi o mais feroz opositor europeu das Guerras do Ópio britânicas e francesas contra a China e das fomes que a política imperial britânica gerou na Índia. Defendia que a sobrevivência da comuna russa, ou mir, significava que a Revolução Russa se poderia desenvolver em termos diferentes das europeias, possivelmente até ignorando o caminho do desenvolvimento capitalista. Engels introduziu o conceito de aristocracia operária (posteriormente desenvolvido por Lenine) para explicar a quietude dos trabalhadores britânicos e as fracas perspetivas para o socialismo naquele país. O último parágrafo, para além de algumas cartas, que Engels escreveu, dois meses antes da sua morte, em 1895, era uma referência - nas linhas finais da sua edição do volume III de O Capital, de Marx - à forma como o capital financeiro (ou a bolsa) das principais potências europeias tinha fragmentado África. Esta era a própria realidade que iria fundamentar a conceção de Lenine sobre o estádio imperialista do capitalismo.

 

Mas dificilmente se pode dizer que a posição dos marxistas da geração seguinte tenha estado intimamente ligada aos problemas do imperialismo ou sido fortemente simpática para com os povos colonizados. Na Primeira Guerra Mundial, quase todos os partidos socialistas da Europa apoiaram os seus próprios Estados-nação imperiais naquilo que era principalmente, como Lenine explicou, uma disputa sobre qual(is) a(s) nação(ões) que exploraria(m) as colónias e semicolónias. Apenas o Partido Bolchevique de Lenine e a pequena Liga Espartaquista de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht lutaram contra isso.

 

Após a Primeira Guerra Mundial, a análise de Lenine sobre o imperialismo em Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo foi adotada e desenvolvida, com o apoio de Lenine, na Internacional Comunista (Comintern). Foi nos documentos da Internacional Comunista que assistimos ao primeiro aparecimento do que viria a ser chamado a teoria da dependência, que foi depois desenvolvida na América Latina e noutros lugares e posteriormente expandida para a análise da troca desigual e para a teoria do sistema-mundo. Este foi um período de revoluções e descolonização em todo o Sul global. Em resposta a estes desenvolvimentos, o marxismo dividir-se-ia radicalmente. Alguns teóricos marxistas no Ocidente assumiram a posição, mais claramente enunciada por Sweezy, na década de 1960, de que a revolução, e com ela, o proletariado revolucionário e o foco apropriado da teoria marxista, se tinham deslocado para o Terceiro Mundo ou para o Sul global. Em contraste, a maioria dos que pertenciam à autodefinida tradição marxista ocidental considerava o marxismo uma propriedade peculiar do Ocidente, onde tinha tido origem, embora as principais lutas revolucionárias em todo o globo estivessem a ocorrer noutros locais. Naturalmente, isto andou de mãos dadas com uma marginalização, na melhor das hipóteses, e, na pior, com uma rejeição completa do fenómeno do imperialismo.

 

Esta dinâmica foi interrompida por algumas das principais revoluções do Terceiro Mundo, impossíveis de ignorar, como as revoluções argelina e vietnamita. Assim, uma figura como Marcuse, que pertencia geralmente à tradição filosófica marxista ocidental, foi profundamente afetado pela Revolução do Vietname. Mas, ainda assim, isso estava bastante distante do seu trabalho teórico. Na sua maior parte, a tradição marxista ocidental, na sua forma académica mais abstrata, agia como se a Europa permanecesse o centro das coisas, ignorando os profundos efeitos do imperialismo na estrutura social do Ocidente e tendo relativamente pouco respeito pelos teóricos marxistas fora da Europa.

 

John S. Saul, cujo trabalho se centrou nas lutas de libertação em África, incutiu-me a noção de "contradição primária". Lenine via a contradição primária do capitalismo monopolista como o imperialismo, e, de facto, revolução após revolução no Sul global (e as respostas contrarrevolucionárias no Norte global) confirmaram-no. Mas isto não só foi frequentemente ignorado pela esquerda ocidental, como também assistimos a movimentos cada vez mais desesperados para negar que o Norte explorava economicamente o Sul e para rejeitar a ideia de que isto estava no cerne da teoria de Lenine. Isto foi acompanhado por frequentes ataques às teorias da dependência, da troca desigual e da teoria do sistema-mundo. Pensemos no trabalho de Bill Warren, que tentou argumentar que Marx via o imperialismo como o "pioneiro do capitalismo", isto é, desempenhando um papel progressista (mesmo que Lenine não o fizesse); e na tentativa de Robert Brenner, na New Left Review, de designar Sweezy, Andre Gunder Frank e Immanuel Wallerstein como "marxistas neosmithianos" com base no facto de eles, tal como Adam Smith (e supostamente em oposição a Marx), criticarem a exploração dos países nos arredores ou na periferia do capitalismo. (As próprias críticas de Smith eram dirigidas ao mercantilismo e a favor do comércio livre.)

 

Nos Estados Unidos da América, a economia política marxista foi muito proeminente na década de 1960. A maioria dos que chegaram ao marxismo nessa altura não o fizeram por causa dos partidos de esquerda, que eram praticamente inexistentes, bem como de um movimento operário radical. Assim, os esquerdistas foram atraídos para o materialismo histórico nas décadas de 1960 e 1970, em grande parte pela crítica ao imperialismo e pela raiva provocada pela Guerra do Vietname. Além disso, o marxismo nos Estados Unidos da América sempre foi profundamente influenciado pelo movimento radical negro, que sempre se concentrou na relação entre capitalismo, imperialismo e raça, desempenhando um papel preponderante na compreensão destas relações.

 

No entanto, tanto na América do Norte como na Europa, a crítica ao imperialismo diminuiu no final dos anos 1970 e nos anos 1980, devido ao eurocentrismo predominante. Havia também o problema, em termos mais oportunistas, de ser-se excluído da academia e dos movimentos de esquerda, caso se desse demasiada ênfase ao imperialismo. Obviamente, a esquerda fez certas escolhas neste campo. Nos Estados Unidos da América, todas as tentativas de criar um movimento de esquerda liberal ou social-democrata esbarraram no facto de que não nos devemos opor ativamente ao militarismo ou ao imperialismo norte-americano, nem apoiar movimentos revolucionários no exterior, se quisermos ter alguma hipótese no sistema político "democrático". Mesmo na academia, existem controlos não explícitos a este respeito.

 

Hoje, vemos um movimento crescente entre os intelectuais que se professam marxistas, que rejeitam abertamente a teoria do imperialismo no sentido de Lenine e no sentido da teoria marxista do último século ou mais. São utilizados vários argumentos, incluindo a redução do imperialismo simplesmente aos conflitos entre as grandes potências (i.e., vê-lo principalmente em termos horizontais); a substituição do imperialismo por um conceito amorfo de globalização ou transnacionalização; a negação de que um país possa explorar outro; a redução do imperialismo a uma categoria moral, de modo a que este seja associado a Estados autoritários e não a "democracias"; ou a ubíqua ineficácia do conceito de imperialismo, esquecendo o facto de que os atuais países do G7 (com o acréscimo do Canadá) são exatamente as mesmas grandes potências imperiais do capitalismo monopolista que Lenine designou há mais de um século. Isto representa uma mudança radical que está a dividir a esquerda, em que a Nova Guerra Fria contra a China - também uma guerra contra o Sul Global - está a levar grande parte da esquerda a aliar-se às potências ocidentais, vistas como de alguma forma "democraticamente" superiores e, portanto, menos imperialistas.

 

Tudo isto nos remete para a questão do eurocentrismo. Os teóricos pós-coloniais têm condenado ultimamente o marxismo como pró-imperialista ou eurocêntrico. As tentativas de atribuir tais visões a Marx, Engels e Lenine são fáceis de refutar com base em factos. Como disse Baruch Spinoza, "a ignorância não é um argumento". Mas este torna-se um problema mais profundo na medida em que muitos teóricos póscoloniais tomam como sua medida do marxismo as principais conceções culturais e filosóficas marxistas ocidentais, das quais a própria teoria pós-colonial descende em grande parte. Não há dúvida de que os teóricos marxistas ocidentais, com os olhos postos apenas na Europa ou nos Estados Unidos da América, eram frequentemente propensos ao eurocentrismo. Além disso, o marxismo ocidental projetou uma visão do marxismo clássico como um determinismo económico e, por isso, insensível às questões nacionais e culturais. Tudo isto levou a distorções do registo histórico e teórico.

 

De facto, existe todo um universo de análises marxistas, a maior parte delas decorrentes de lutas materiais. Tenho estado a ler um livro interessante de Simin Fadaee intitulado Marxismo Global: Descolonização e Política Revolucionária, publicado pela Manchester University Press em 2024. Ela defende que o marxismo é global e oferece capítulos separados sobre Mao, Ho, Amílcar Cabral, Frantz Fanon, Che e outros. Ela escreve no final da introdução do livro: "É de facto eurocêntrico afirmar que o marxismo é eurocêntrico, porque isso implica descartar a pedra angular de alguns dos movimentos e projetos revolucionários mais transformadores da história humana recente. Em vez de fazer afirmações tão apressadas, um envolvimento mais frutífero com a história encorajar-nos-ia a aprender com a experiência do Sul global com o marxismo e a questionar o que podemos aprender com a relevância global do marxismo".

 

GR: O marxismo ocidental é um produto ideológico do imperialismo, cuja principal função é obscurecer ou ocultar o imperialismo, ao mesmo tempo que interpreta erradamente a luta contra ele. Refiro-me ao "imperialismo" no sentido mais lato, como um processo de estabelecimento e imposição de transferências sistemáticas de valor de determinadas regiões do mundo, nomeadamente o Sul global, para outras (o Norte global), através da extração de recursos naturais, da utilização de mão-de-obra gratuita ou barata, da criação de mercados para o escoamento de mercadorias, entre outros. Este processo socioeconómico tem sido a força motriz por detrás do subdesenvolvimento da maior parte do planeta e do hiperdesenvolvimento do núcleo imperial, incluindo as suas indústrias de produção de conhecimento. Nos principais países imperialistas, isto deu origem a uma superestrutura imperial, composta pelo aparelho político-legal do Estado e por um sistema material de produção, circulação e consumo cultural a que podemos chamar, seguindo Brecht, "aparato cultural". As indústrias dominantes de produção de conhecimento no núcleo imperial fazem parte do aparelho cultural dos principais Estados imperialistas.

 

Ao afirmar que o marxismo ocidental é um produto ideológico do imperialismo, quero dizer, então, que se trata de uma versão específica do marxismo que surgiu no seio da superestrutura - e mais concretamente do aparelho cultural - dos principais Estados imperialistas. Trata-se de uma forma particular de marxismo que perde o contato com a ambição universal do marxismo de elucidar cientificamente e transformar na prática a ordem mundial capitalista. No meu próximo livro pela Monthly Review Press, Who Paid the Pipers of Western Marxism?, situo esta versão do marxismo dentro da superestrutura imperial e examino as forças político-económicas que a têm impulsionado. Uma característica notável é a medida em que a classe dominante capitalista e os Estados imperialistas a financiaram e apoiaram diretamente.

 

Para citar apenas um exemplo revelador, os Rockefeller - que estão entre os mais notórios barões ladrões da história do capitalismo norte-americano - investiram o hoje equivalente a milhões de dólares num "Projecto Marxismo-Leninismo" internacional. O seu principal objetivo era promover o marxismo ocidental como arma ideológica de guerra contra a forma de marxismo apostada no desenvolvimento do socialismo no mundo real como baluarte contra o imperialismo. Marcuse esteve no centro deste projeto, assim como o seu amigo próximo e apoiante académico Philip Mosely, que era um conselheiro de alto nível e de longa data da CIA, profundamente envolvido na guerra doutrinária. Para além de ser um dos marxistas ocidentais mais conhecidos, Marcuse trabalhou durante anos como uma das principais autoridades em comunismo para o Departamento de Estado dos E.U.A.. Isto é significativo porque realça até que ponto elementos do Estado burguês trabalharam em estreita colaboração com fações da burguesia para promover o marxismo ocidental. Partilham o mesmo objetivo fundamental, a saber, cultivar uma versão do marxismo que pudesse ser amplamente divulgada, porque, em última análise, serve os seus interesses. Não há dúvida de que se trata de um compromisso de classe, dado que os imperialistas prefeririam eliminar o marxismo de forma generalizada. No entanto, como não o conseguiram fazer, adotaram uma abordagem de venda suave (“soft-sell”), esforçando-se por promover o marxismo ocidental como a única forma aceitável e respeitável de marxismo.

 

A questão central, em muitos aspetos, é que o marxismo ocidental não compreende a contradição primária da ordem mundial capitalista, que é o imperialismo. Também não compreende cientificamente a emergência dialética do socialismo no seio do mundo imperialista e não reconhece que os projetos de construção de Estados socialistas em todo o Sul global têm sido a principal oposição ao imperialismo. A sua falta de compreensão do imperialismo e da luta contra ele significa que, em última análise, é desprovido de rigor científico. Ao ofuscar a contradição principal e a sua superação material através do socialismo no mundo real, inverte ideologicamente a realidade material de diversas formas. Embora existam diferentes graus de marxismo ocidental, como já abordámos acima, este apresenta sempre uma dose de acientificidade. A sua rejeição da ontologia materialista é uma extensão do seu recuo geral em relação à ciência materialista. Espero que isto seja óbvio, mas a "ciência" não é aqui entendida em termos da versão positivista frequentemente vilipendiada pelos marxistas ocidentais. A ciência, ou aquilo a que Marx e Engels chamaram Wissenschaft, que tem um significado muito mais amplo em alemão, refere-se ao processo contínuo e falível de estabelecer coletivamente a melhor estrutura explicativa possível, testando-a constantemente na realidade material e modificando-a com base na experiência prática.

 

Fechando o círculo, poderíamos então dizer que o marxismo ocidental seria melhor descrito como "marxismo imperial" no sentido preciso de que é um produto ideológico da superestrutura imperial que, em última análise, obscurece o imperialismo - a fim de o promover - enquanto combate o socialismo realmente existente. O projeto universal do marxismo, por outro lado, é resolutamente anti-imperialista no mundo em que vivemos e rigorosamente científico: reconhece a realidade material que faz dos projetos de construção de Estados socialistas a principal forma de combater o imperialismo e de caminhar para o socialismo. Isto não implica, naturalmente, que os marxistas universalistas abracem acriticamente qualquer projeto que agite a bandeira do socialismo ou se afirme anti-imperialista. Na sua dedicação ao rigor científico, o marxismo universal investe no escrutínio crítico e na avaliação materialista precisa.

 

Para ser claro, isto não significa que todo o trabalho realizado na tradição do marxismo imperial deva ser descartado. Devemos, em vez disso, abordá-lo dialeticamente, reconhecendo quando contribuiu, por exemplo, para a análise do capitalismo e da teoria marxista de diversas formas. Isto faz todo o sentido, dado o elevado nível de desenvolvimento material da superestrutura imperial que o suporta. No entanto, é de suma importância salientar que um marxismo que não compreende a principal contradição da ordem socioeconómica mundial não pode ser considerado científico ou emancipador. É igualmente crucial reconhecer por que razão esta versão se tornou a forma dominante de marxismo na indústria imperial da teoria. Em vez de combater o imperialismo e contribuir para a luta prática pela construção do socialismo, é ideologicamente compatível com os interesses imperialistas.

 

JBF: Numa perspetiva marxista, dizer que o imperialismo é a principal contradição do capitalismo no nosso tempo é dizer que é a realidade das lutas revolucionárias contra o imperialismo que constitui a principal contradição do capitalismo. Há mais de um século que ocorrem revoluções contra o imperialismo no Sul global, enraizadas nas ações das classes oprimidas e realizadas em nome ou inspiradas pelo marxismo. As lutas contra a estrutura do capitalismo monopolista por parte dos trabalhadores do Norte global podem ser vistas objetivamente como parte dessa mesma dialética.

 

A tradição marxista ocidental foi definida inicialmente pela sua extrema oposição ao marxismo soviético na sua totalidade, não apenas na sua forma estalinista. Os marxistas ocidentais apoiaram, por isso, frequentemente os esforços do Ocidente durante a Guerra Fria, com a sua estrutura imperialista. Ideologicamente, os marxistas ocidentais condenaram Engels e tudo o que veio depois dele, na Segunda e Terceira Internacionais, a par da dialética materialista. As revoluções contra o imperialismo no Sul global foram tratadas como largamente irrelevantes para a teoria e prática marxistas, que eram vistas como um produto exclusivo do Ocidente. Embora os movimentos eurocomunistas europeus tenham apresentado, durante algum tempo, alternativas mais radicais, esses movimentos foram amplamente repudiados, mesmo no seu auge, pela tradição marxista ocidental, antes de sucumbirem completamente às políticas sociais-democratas.

 

Tudo o que restava do marxismo clássico, portanto, dentro do marxismo ocidental, apesar das suas grandes pretensões intelectuais, era uma esfera limitada de arabescos filosóficos inspirados pela crítica de Marx ao capital. O marxismo ocidental estava divorciado da classe operária no Ocidente e, globalmente, da revolução do Terceiro Mundo, da oposição ao imperialismo e, em última análise, da razão. Recorde-se que Marx e Engels deram à sua obra inicial, A Sagrada Família, o subtítulo Uma Crítica da Crítica Crítica. Opuseram-se veementemente a uma análise que tinha decaído para nada mais do que um "criticismo crítico", um puro "idealismo especulativo" que nada tinha a ver com "humanismo real", história real e materialismo real. Esta crítica crítica, desligada do materialismo e da práxis, não só deixou de se identificar com as lutas dos trabalhadores, como ficou aquém da luta da própria burguesia revolucionária. Desapareceria por completo após a revolução de 1848.

 

Uma esquerda ocidental que repudia ou fecha os olhos às principais lutas revolucionárias que ocorrem no mundo e que ignora ou minimiza o papel da exploração imperialista, promovida pelo Ocidente há séculos, cortou, em consequência de tais afastamentos da realidade, todas as relações práticas com o marxismo, por oposição às meramente filosóficas. Neste sentido, o marxismo ocidental, enquanto paradigma particular, necessita de dar lugar a uma perspetiva dialética mais global, representada pelo marxismo clássico e, hoje, por aquilo a que poderíamos chamar marxismo global ou marxismo universal. As quatro retiradas podem ser revertidas, uma vez que o atual sistema global de acumulação reúne as lutas dos trabalhadores de todo o mundo em bases materialistas.

 

As tuas referências a Marcuse, no entanto, realçam para mim a questão de que o que estamos aqui a fazer é uma crítica, e não uma condenação absoluta, da tradição marxista ocidental do pós-Segunda Guerra Mundial (excluindo a questão da teoria francesa pós-modernista e a viragem para o irracionalismo). Marcuse era definitivamente um marxista ocidental, e não apenas um marxista do Ocidente. Mas era muito mais radical do que Adorno ou Horkheimer e, na verdade, criticava duramente ambos pela sua trajetória cada vez mais à direita.

 

Fui fortemente influenciado por Marcuse enquanto jovem, durante os meus dois primeiros anos de faculdade. Sempre tive profundas reservas em relação a O Homem Unidimensional, devido à dialética da retirada que lhe é inerente. Marcuse deixou claro, ali e noutros lugares, que abandonara a dialética materialista. Afastou-se também de qualquer crença na classe trabalhadora como tal. O imperialismo também não era parte integrante da sua análise geral. A Grande Recusa, perante uma sociedade de massas unidimensional, era uma conceção demasiado fraca para constituir razão e práxis críticas, como em Marx. A sua afirmação na conclusão de O Homem Unidimensional, onde escreveu que "em bases teóricas e empíricas, o conceito dialético pronuncia a sua própria desesperança", ia contra o espírito do seu livro anterior, Razão e Revolução: Hegel e a Ascensão da Teoria Social. Marcuse foi fortemente influenciado por Sigmund Freud e Martin Heidegger. O seu livro Eros e Civilização, embora uma obra importante da esquerda freudiana, representou um movimento em direção ao psicologismo que tendia a desconstruir o sujeito em nome de uma maior concretude, dando menos ênfase à história, às condições materiais e à estrutura. De Heidegger, Marcuse adotou uma visão da tecnologia que, embora crítica, estava amplamente dissociada da questão das relações sociais, incorporando uma visão negativa e anti-iluminista, que era discordante de grande parte do resto do seu pensamento. Foram estas influências de Freud e Heidegger, este último remontando aos seus primeiros anos, somadas à falta de uma análise histórica genuína, que resultaram numa visão dos Estados Unidos da América dos anos 1950 como algo mais sólido e estabelecido do que realmente eram, o que deu origem a uma noção de capitalismo sem crises e à dialética sem esperança de O Homem Unidimensional.

 

Ainda assim, Razão e Revolução de Marcuse, publicado em 1941 (precedendo, portanto, a era da Guerra Fria), foi um tipo de obra totalmente diferente e mais revolucionária. Ainda me lembro da minha excitação quando o encontrei no final da adolescência. Isto levou-me, e a muitos outros, a um estudo intensivo da Fenomenologia de Hegel. Depois, no meio das crises económica e energética de 1973-1975, escreveu o seu livro Contrarrevolução e Revolta. O seu capítulo "A Esquerda sob a Contrarrevolução" era claro sobre o imperialismo, mesmo que uma mais ampla integração teórica deste estivesse ausente na sua análise geral. Não se podem esquecer facilmente as linhas iniciais, onde declarou: "Massacres em massa na Indochina, Indonésia, Congo, Nigéria, Paquistão e Sudão são desencadeados contra tudo o que se chama 'comunista' ou que está em revolta contra governos subservientes aos países imperialistas". No seu capítulo sobre "Natureza e Revolução", procurou aplicar uma perspetiva marxista ambientalista a um movimento ecológico emergente, chegando ao ponto de romper, a certa altura, com a proscrição marxista ocidental contra o naturalismo dialético. O capítulo sobre "Arte e Revolução", que apontaria para a sua obra posterior A Dimensão Estética, foi a sua última tentativa de crítica ao capitalismo.

 

Mas havia outro aspeto na biografia de Marcuse que parece incongruente com este. Como explicamos o seu envolvimento direto, durante um período, no projeto anticomunista e marxista-leninista a que te referes? Só mais tarde, na pós-graduação, é que li o seu livro Marxismo Soviético, dos anos 1950, que parecia ser uma mistura de realismo e propaganda, infelizmente com mais deste último do que do primeiro. Era uma obra que representava claramente uma cortina de ferro dentro do próprio marxismo. Marcuse, tal como outros importantes pensadores marxistas que se juntaram às forças armadas na Guerra Anti-Nazi, incluindo Sweezy e Franz Neumann, foi destacado para o Gabinete de Serviços Estratégicos (OSS, no acrónimo em língua inglesa), o precursor da CIA. A investigação de Marcuse no OSS, como revelam os seus relatórios, tinha como objetivo fornecer uma análise do Reich alemão sob Adolf Hitler. No entanto, continuou a trabalhar para os serviços de informação nos primeiros anos da Guerra Fria e, em 1949, escreveu um relatório sobre "Os Potenciais do Comunismo Mundial" para o Gabinete de Investigação de Informações, que viria a ser a base do seu livro Marxismo Soviético. Isso dá um tom completamente diferente às coisas.

 

No entanto, havia uma qualidade radical duradoura na obra de Marcuse, dentro dos limites autoimpostos do marxismo ocidental. Manteve-se empenhado na crítica do capitalismo e na libertação revolucionária, e as grandes obras pelas quais é mais conhecido, desde Eros e Civilização (1952) a O Homem Unidimensional (1964), são talvez menos importantes do que as suas tentativas mais confusas de apoiar os movimentos radicais dos anos 1960. Isto é algo para o qual dificilmente estava preparado, pois significava inverter a sua própria avaliação da unidimensionalidade da sociedade de massas. No entanto, desde Um Ensaio sobre a Libertação (1969) até talvez A Dimensão Estética (1978), vemos um Marcuse, já não o supremo conferencista, mas o intelectual nas trincheiras que era amado pelo movimento estudantil nas décadas de 1960 e 1970.

 

Marcuse, portanto, talvez represente toda a tragédia do marxismo ocidental, ou, pelo menos, da parte da Escola de Frankfurt no mesmo. Embora Adorno e Horkheimer se tenham tornado cada vez mais regressivos na sua busca incessante de reificações, Marcuse manteve uma perspetiva radical. A sua posição final aliou um pessimismo do intelecto a um esteticismo da vontade. A arte tornou-se a base última de resistência e, embora ele tendesse a vê-la de uma forma bastante elitista, tem o potencial de ser incorporada numa perspetiva genuinamente materialista.

 

Isto sugere que a crítica, incorporando o elemento positivo em vez da condenação absoluta, é a abordagem apropriada para o que pode ser genuinamente chamado de marxismo ocidental, nos casos em que, como em Marcuse, se encontra uma retirada quádrupla, mas não uma capitulação completa. O problema da tradição marxista ocidental, no sentido em que Anderson a abordou e na forma como Losurdo a criticou, é que representava uma dialética da derrota, mesmo durante as décadas em que a revolução se expandia por todo o globo.

 

Sempre existiu um marxismo, desde os tempos de Marx e Engels até ao presente, no qual não há espaço para um recuo fundamental ou um compromisso duradouro com o sistema, e que é incondicionalmente anticapitalista e anti-imperialista, pois encontra a sua base em lutas revolucionárias genuínas em todo o globo. Em qualquer crítica ao marxismo ocidental, a existência simultânea de um marxismo mais global ou universal, mesmo no Ocidente, deve eventualmente ser tida em conta. Mas isso é algo que não podemos abordar aqui. Ainda assim, é importante reconhecer que a razão pela qual uma crítica ao marxismo eurocêntrico ocidental é tão importante hoje é a atual divisão da Nova Guerra Fria, entre uma esquerda eurocêntrica e o marxismo global. A esquerda eurocêntrica minimiza, nega ou - em casos extremos - até abraça as principais potências imperialistas. O marxismo global não é menos determinado na sua total oposição. O marxismo eurocêntrico ocidental está no seu último fôlego, minado, como Jameson salientou, pela globalização. Considerando-se a si próprio como a base autêntica de toda a marxologia, o marxismo ocidental está a ser substituído pelo marxismo universal ou global, na tradição de Marx, Engels, Lenine e dos principais teóricos do capitalismo monopolista e do imperialismo. Aqui, a análise não se limita àquele pequeno canto do mundo, no noroeste da Europa, onde o capitalismo industrial e o colonialismo/imperialismo surgiram, mas encontra a sua base material nas lutas do proletariado mundial.

 

GR: Concordo plenamente quanto à importância de evitar abordagens não dialéticas do marxismo ocidental, que fomentam ou a celebração acrítica ou a condenação completa. A crítica dialética evita esta dicotomia reducionista ao elucidar os contributos do marxismo ocidental, bem como as suas limitações, ao mesmo tempo que fornece uma explicação materialista de ambos. O objetivo geral de tal crítica é promover o projeto positivo do marxismo universal e internacional, que pode ser mais claramente realçado e desenvolvido pela superação das perversões do marxismo que são, a um certo nível, um subproduto da história do imperialismo. A principal razão para identificar os problemas desta tradição não é, portanto, de modo algum, entregar-se à denúncia completa ou à arrogância teórica. É aprender com as suas limitações e superá-las, alcançando um nível mais elevado de elucidação científica e de relevância prática. Foi precisamente isto que Marx e Engels fizeram nas suas críticas à filosofia dialética, à economia política burguesa e ao socialismo utópico (para citar as três componentes do marxismo astutamente diagnosticadas por Lenine). A crítica dialética empenha-se numa Aufhebung teórica e prática, no sentido de uma superação que integra quaisquer elementos úteis daquilo que é superado.

 

A avaliação dialética do marxismo ocidental inclui, como foi referido acima, uma análise da amplitude do seu campo ideológico e das suas variações, que podem ser mapeadas de várias formas, como em termos de um diagrama de Venn das Quatro Retiradas. Este mapeamento do campo ideológico objetivo necessita de ser combinado com uma descrição detalhada das posições subjetivas dentro do mesmo e das suas variações ao longo do tempo. É precisamente a análise conjunta das complexidades do campo ideológico e das especificidades das posições subjetivas no seu interior que nos fornece uma descrição mais completa e refinada do marxismo ocidental como uma ideologia que se manifesta diferencialmente em projetos subjetivos com as suas próprias morfologias específicas. Isto é o oposto de uma abordagem reducionista que tenta reduzir a totalidade das posições do sujeito a uma ideologia única e monolítica que as determina mecanicamente.

 

O caso de Marcuse é altamente revelador a este respeito, e muito tempo poderia ser dedicado a detalhar as mudanças subjetivas na sua obra e a situá-las no campo ideológico mais vasto do marxismo ocidental. Destacando apenas as suas posições mais extremas, poderíamos dizer que deixou de ser um importante agente anticomunista do Departamento de Estado durante o início da Guerra Fria para se tornar um teórico radical que manifestou o seu forte apoio a certos aspetos dos movimentos estudantil, antiguerra, feminista, antirracista e ecologista. O seu trabalho para o Departamento de Estado e para o OSS não foi tão benigno como viria a alegar mais tarde, e os registos de arquivo demonstram claramente que colaborou de perto com a CIA durante anos e esteve mesmo envolvido na preparação de pelo menos duas Estimativas Nacionais de Inteligência (o mais importante documento de inteligência, no principal império do mundo). Além disso, este trabalho correlacionou-se sem falhas com o papel que desempenhou no centro dos projetos de guerra ideológica conduzidos pela classe dominante capitalista contra o marxismo soviético - e, de um modo mais geral, o marxismo oriental. No entanto, no final da década de 1960 e início da década de 1970, foi radicalizado pelos movimentos da Nova Esquerda da época, o que o colocou em forte conflito com marxistas imperiais da Escola de Frankfurt, como Adorno. Embora o homem promovido pela imprensa burguesa como o padrinho da Nova Esquerda nunca tenha rompido seriamente com o anticomunismo ou o marxismo ocidental, o seu extenso arquivo do FBI demonstra que certos elementos do Estado burguês o consideravam uma potencial ameaça.

 

Outro aspeto da obra de Marcuse que vale a pena mencionar é o seu ecletismo e, mais especificamente, a sua tentativa - como sucedeu com tantos outros marxistas ocidentais - de fundir o marxismo com discursos não marxistas, frequentemente os subjetivistas, como a fenomenologia e o existencialismo, bem como a psicanálise. Um dos pressupostos orientadores de certos marxistas ocidentais é que o marxismo clássico enfatiza em demasia as forças sociais objetivas em detrimento da experiência subjetiva e, por isso, são necessários discursos mais subjetivistas como corretivo. Esta é uma das principais razões pelas quais o freudo-marxismo tem sido tão essencial ao marxismo ocidental, tendência que persistiu no lacaniano-althusserianismo de figuras contemporâneas como Badiou e Žižek. Seria necessário muito tempo para desvendar os múltiplos problemas desta orientação. Isso necessitaria de começar com a caracterização errónea da abordagem dialética da subjetividade e da objetividade dentro do marxismo clássico como não estando suficientemente atenta à experiência subjetiva ou à psicologia, o que claramente deturpa a sua abordagem da ideologia. Teria também de incluir uma avaliação crítica do que significa defender a afirmação fundamental de que o materialismo dialético e histórico precisa de ser fundido com a ideologia liberal (a estrutura orientadora do freudismo), em vez de, por exemplo, se envolver numa crítica dialética da psicanálise a partir de uma perspetiva marxista (um projeto para o qual figuras como Lev Vygotsky e Valentin Voloshinov contribuíram).

 

Não há aqui espaço para analisar este aspeto da persistência da ideologia liberal dentro do marxismo ocidental, mas é importante notar que o subjetivismo de grande parte desta tradição está frequentemente ligado à sua tendência para abraçar o culturalismo e o psicologismo, em detrimento da análise de classe. Todd Cronan argumentou, a este propósito, que Adorno e Horkheimer postularam elementos superestruturais como identidades raciais, étnicas ou religiosas como primários, permitindo que a infraestrutura económica recuasse para segundo plano, enquanto tendiam a reinterpretar a classe como uma questão primordialmente de poder. Adorno, tal como Marcuse, também se empenhou abertamente no psicologismo, procurando, por exemplo, interpretar o fascismo - tal como o comunismo! - em termos da chamada personalidade autoritária. O culturalismo, como explicou Amin, é um dos mais antigos inimigos do marxismo, e o mesmo se aplica ao psicologismo e a outras modalidades subjetivistas de explicação.

 

O que temos aqui, em síntese, é uma inversão do entendimento marxista da relação entre a superestrutura e a infraestrutura. Grande parte do marxismo ocidental dedica-se a elevar o cultural e o subjetivo acima das forças objetivas da base socioeconómica. Esta é uma das razões pelas quais considero a abordagem marxista ocidental à arte e à cultura tão fundamentalmente problemática. A ideia de que a arte - e muito mais especificamente o conceito e a prática burgueses da arte, dado que este é o foco principal dos marxistas ocidentais - poderá ser um importante local de resistência tende a colocar em segundo plano as relações sociais materiais da produção cultural, ou apenas considerá-las criticamente no caso da arte de massas e do entretenimento, e não da arte erudita e da teoria. Esta abordagem trafica também com a ideologia burguesa da arte, tratando esta última como se operasse numa esfera única de produção que escapa, ou pelo menos aspira a escapar, às gerais relações sociais de produção na sociedade.

 

É verdade que Adorno escreveu sobre os impactos da industrialização nas formas populares de cultura, e alguns dos seus trabalhos mais perspicazes analisam os efeitos das tecnologias de gravação na música. No entanto, a sua abordagem da autonomia da arte, que é a inspiração direta para A Dimensão Estética, de Marcuse, está imbuída de uma dose significativa de fetichismo da mercadoria cultural. Assim, em vez de fornecer uma análise materialista das forças socioeconómicas em ação na produção, distribuição e consumo da arte burguesa, Marcuse celebra as obras de arte isoladas como repositórios mágicos de resistência, sem nunca elucidar claramente como afetam mudanças sociais significativas. Além disso, os marxistas ocidentais, como Marcuse e Adorno, tendem a ignorar ou a denegrir a arte socialista (a não ser que esta tenha sido integrada no cânone burguês). Em vez de identificar, como Brecht e outros fizeram, como a arte pode fornecer uma imagem adequada da realidade e ferramentas para a transformar coletivamente, os teóricos da arte burguesa de persuasão marxista ocidental desviam as energias políticas das pessoas para uma crença supersticiosa nos poderes mágicos da arte burguesa. Como nunca conseguiram explicar como é que ler Charles Baudelaire ou ouvir música atonal poderia levar a uma transformação social revolucionária, deve ficar claro que o seu esteticismo derrotista é um projeto de classe que, em última análise, preserva o status quo. Consolida a ordem cultural burguesa e sustenta o estrato pequeno-burguês como guardião teórico da ideologia burguesa, ao mesmo tempo que geralmente denigre ou ignora as artes populares da classe trabalhadora e os esforços socialistas para democratizar a cultura. Se a única solução política que estes intelectuais ocidentais têm para oferecer é recrutar pessoas para investir em interpretações teóricas elevadas da arte burguesa, isso equivale, na prática, a desenvolver ainda mais a intelectualidade pequeno-burguesa como guardiã da cultura burguesa. Tal projeto de classe não serve os interesses das massas trabalhadoras e oprimidas do mundo. Em vez disso, encoraja as pessoas a retirarem-se da luta de classes e a investirem na arte burguesa - ou seja, na ideologia burguesa - como o verdadeiro local de resistência. Este esteticismo derrotista complementa, portanto, o derrotismo político do marxismo ocidental, e ambos contribuem para o abandono da luta de classes a partir de baixo em favor de uma crença ideológica nos poderes mágicos da alta teoria e da cultura burguesa (que, em última análise, contribuem para a luta de classes a partir de cima).

 

Gostaria de concluir esclarecendo a principal razão pela qual esta crítica dialética do marxismo imperial é importante. A teoria só se torna realmente uma força no mundo quando deixa de existir no domínio restrito da intelectualidade e passa a dominar as massas. A principal razão pela qual é necessária uma luta ideológica contra o marxismo ocidental deve-se aos seus efeitos mais amplos na desorientação da esquerda. Com o agravamento das contradições globais, a Nova Guerra Fria e a ascensão do fascismo em todo o mundo imperialista, temos uma situação, no centro imperial e em parte da periferia capitalista, em que a esquerda, incluindo elementos da autodeclarada esquerda socialista ou comunista, é explícita ou implicitamente pró-imperialista e anticomunista (o que, em muitos casos, se deve à influência do marxismo ocidental). Se ultrapassar as quatro retiradas e rejuvenescer o marxismo anti-imperialista é uma das tarefas mais urgentes da luta de classes na teoria atual, tal não se deve simplesmente à necessidade de correção teórica. É, antes, que, se queremos enfrentar com sucesso os problemas mais urgentes dos nossos dias - incluindo o ecocídio, os riscos de apocalipse nuclear, o incessante homicídio social capitalista, o fascismo crescente e assim por diante - precisamos de reconstruir e rejuvenescer uma poderosa frente de luta anti-imperialista e socialista, fundamentada na tradição do materialismo dialético e histórico. Este é o objetivo final da crítica dialética ao marxismo ocidental.

 

JBF: O que me impressiona na nossa discussão sobre Marcuse e os outros marxistas ocidentais é o grau em que sucumbiram à ideologia do sistema, particularmente à visão dos Estados Unidos da América como uma sociedade de massas omni-abrangente e o resultado racionalista do Iluminismo. Nisso, perderam de vista a análise de classe, ao mesmo tempo que adotaram estruturas culturalistas e idealistas, bem como formas de psicologismo distantes do materialismo (incluindo o materialismo cultural) que teriam minado a sua análise. Esta era uma abordagem que tinha mais em comum com Weber - com o seu culturalismo, o seu idealismo neokantiano e a sua conceção do capitalismo como simplesmente o triunfo da sociedade racionalista tecnocrática - do que com Marx. Marcuse estava preso na jaula de ferro de Weber, tão completamente como o próprio Weber. A crítica unidimensional da tecnologia por Heidegger impressionou tanto Marcuse que transformou a gaiola de ferro de Weber na sua própria. O marxismo ocidental, e particularmente a Escola de Frankfurt, neste sentido, foi um produto do seu tempo, daquilo a que C. Wright Mills, ironicamente, chamou a "Celebração Americana". A teoria francesa apenas deu mais um passo em frente, cedendo inteiramente à ideologia norte-americana num processo de desconstrução que não se assemelhava a nada mais do que ao marketing pós-moderno.

 

Para o marxismo ocidental, incluindo os principais representantes da Escola de Frankfurt, a extensão do recuo é alarmante. Foram feitas escolhas reais para se juntarem ao Ocidente na sua luta e atacarem os marxistas no Leste. A Grande Recusa de Marcuse não o impediu de trabalhar para a inteligência nacional dos E.U.A. durante o início da Guerra Fria. Nem a versão de Adorno do marxismo ocidental o impediu, juntamente com Horkheimer, de aceitar o apoio das autoridades norte-americanas na Alemanha Ocidental ocupada após a Segunda Guerra Mundial ou de atacar violentamente Lukács numa publicação criada pelo Exército dos E.U.A. e financiada pela CIA (Die Monat), enquanto estava sentado na varanda do "Grande Hotel Abismo". É significativo que as condenações mais ácidas dos escritos de Lukács até aos nossos dias, como as de Fredric Jameson e Enzo Traverso, se tenham dirigido ao epílogo de A Destruição da Razão. Aí, Lukács, escrevendo na época da Guerra da Coreia, assinalou que os Estados Unidos da América eram herdeiros de toda a tradição do irracionalismo, com a implicação de que a esquerda ocidental, ao continuar a abraçar Friedrich Nietzsche, juntamente com Heidegger e Carl Schmitt - ambos importantes ideólogos nazis -, estava a semear o irracionalismo em si mesma; algo de que Lukács parece ter estado consciente antes de qualquer outra pessoa.

 

A parte principal da esquerda ocidental foi, portanto, apanhada numa retirada quádrupla que, por vezes, parecia uma debandada total, evidenciando uma sensação de derrota e pânico, na qual tendiam a reproduzir a ordem vigente repetidamente como sendo intransponível. Em toda a análise das contradições do sistema capitalista, a real fragilidade deste e os seus horrores foram raramente realçados. A morte infligida a milhões pelo Ocidente foi essencialmente ignorada. Mas nem todos os marxistas, é preciso sublinhá-lo, caíram nessa mesma armadilha. Gostaria de terminar citando uma carta de Paul Baran, amigo de longa data de Marcuse, uma amizade que remontava ao tempo em que ambos estudavam no Instituto de Investigação Social de Frankfurt (onde Baran era investigador económico de Friedrich Pollock). Baran prosseguiu o seu caminho, bem diferente do trilhado pelos principais representantes daquilo que seria identificado como a tradição marxista ocidental, escrevendo, em 1957, A Economia Política do Crescimento, a maior obra marxista sobre imperialismo do seu tempo, e depois Capitalismo Monopolista (“Monopoly Capital”) com Paul Sweezy (1966). A 10 de Outubro de 1963, Baran escreveu, numa carta a Sweezy, o que penso que resume muito do que temos vindo a dizer:

 

“O que está em causa neste momento, da forma mais urgente, é a questão de saber se a dialética marxista se rompeu, ou seja, se é possível que a Scheisse [merda] se acumule, coagule, cubra toda a sociedade (e boa parte do mundo relacionado) sem produzir a contraforça dialética que a romperia e a lançaria para o ar. Hic Rhodus, hic salta! Se a resposta for afirmativa, então o marxismo, na sua forma tradicional, tornou-se obsoleto. Previu a miséria, explicou perfeitamente as causas do seu alastramento como aconteceu; errou, no entanto, na sua tese central de que a miséria gera, ela própria, as forças da sua abolição.

 

Acabei de ler o novo livro de Marcuse (MS) [O Homem Unidimensional], que, de forma laboriosa, defende a própria posição que se chama Grande Recusa ou Negação Absoluta. Tudo é porcaria (“dreck”): o capitalismo monopolista e a União Soviética, o capitalismo e o socialismo como o conhecemos; a parte negativa da história de Marx tornou-se realidade - a sua parte positiva permaneceu um produto da imaginação. Voltamos ao estado dos utópicos, pura e simplesmente; deveria existir um mundo melhor, mas não há nenhuma força social à vista para o trazer à existência. Não só o socialismo não é uma resposta, como também, de qualquer forma, não há ninguém que dê essa resposta. Da Grande Recusa e da Negação Absoluta à Grande Retirada e à Traição Absoluta é apenas um pequeno passo. Tenho a forte sensação de que isto está, neste momento, no centro do pensamento (e do sentimento) dos intelectuais - não só aqui, mas também na América Latina e noutros lugares - e de que deverá ser nosso compromisso sich damit Auseinander zu setzen [confrontar e pôr um termo a esse sentimento]. Quase não há mais ninguém por perto. A esquerda oficial simplesmente grita [vocês foram vitimados] como é o caso da Political Affairs [revista do Partido Comunista dos E.U.A.], outros estão perplexos.

 

O que é necessário é uma análise fria de toda a situação, a restauração de uma perspetiva histórica, um lembrete das dimensões temporais relevantes e muito mais. Se pudéssemos fazer um bom trabalho nisso [em Monopoly Capital]... daríamos uma grande contribuição e realizaríamos, em intenção de muitos, um ato verdadeiramente «libertador»” (3).

 

O que Baran estava aqui a abordar era o que ele denominou, noutro lugar, "o confronto da realidade com a razão". Isto exigiria o restabelecimento de uma abordagem histórica, abrangendo uma visão mais ampla, ao mesmo tempo que se religava a dialética marxista ao materialismo. Isso esclareceria a necessidade e, portanto, a possibilidade de uma "contraforça dialética", no presente como história, vislumbrando caminhos para a libertação em todo o mundo. Esta visão, que é a perspetiva de um marxismo irrestrito (“unqualified”), universal e sem hifenização, continua a ser a tarefa do nosso tempo - não apenas em teoria, mas concebida como uma filosofia da práxis. Exige uma rutura com o marxismo ocidental, que conduziu a um beco sem saída histórico.

 

A toupeira vermelha está a ressurgir mais uma vez nos nossos tempos, mas de formas novas e mais globais, já não confinadas ao Ocidente.

 

 

 

 

 

 

(*) John Bellamy Foster (n. 1953) é professor de Sociologia na Universidade de Oregon (E.U.A.) e o atual diretor da indispensável revista marxista norte-americana Monthly Review. Amigo de Paul Sweezy e continuador da escola de pensamento crítico por este fundada (com Paul Baran e Harry Magdoff), tem escrito sobre a crise ecológica e sua interseção com a economia política do capitalismo, bem como sobre história do pensamento, desenvolvimentos científicos, atualidade política e muitos outros temas. É um espírito inquieto e verdadeiramente enciclopédico. Entre as suas obras publicadas em volume, merecem destaque: The Vulnerable Planet: A Short Economic History of the Environment (1994); Marx’s Ecology: Materialism and Nature (2000); Ecology Against Capitalism (2002); Naked Imperialism: The U.S. Pursuit of Global Dominance (2006); The Great Financial Crisis: Causes and Consequences, com Fred Magdoff (2009); The Ecological Revolution: Making Peace with the Planet (2009); The Ecological Rift: Capitalism's War on the Earth, com Brett Clark e Richard York (2010); What Every Environmentalist Needs To Know about Capitalism: A Citizen's Guide to Capitalism and the Environment, com Fred Magdoff (2011); The Endless Crisis, com R. W. McChesney (2012); The Theory of Monopoly Capitalism (2014); Marx and the Earth, com Paul Burkett (2016); Trump in the White House: Tragedy and Farce (2017); The Robbery of Nature: Capitalism and the Ecological Rift (2020), com Brett Clark; The Return of Nature: Socialism and Ecology (2020); Capitalism in the Anthropocene: Ecological Ruin or Ecological Revolution, com Hannah Holleman (2022) e The Dialectics of Ecology: Socialism and Nature (2024).

Gabriel Rockhill (n. 1972) é um filósofo e crítico cultural norte-americano. Frequentou o Grinnell College, em Iowa, onde se licenciou em 1995. Mudou-se depois para Paris para estudar Filosofia. Obteve o grau de mestre, sob a orientação de Jacques Derrida e Luce Irigaray, pela Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais, e o de doutor, sob a orientação de Alain Badiou pela Universidade Paris 8, onde Étienne Balibar liderou a comissão de avaliação de dissertações. É diretor executivo do Critical Theory Workshop / Atelier de Théorie Critique e professor de Filosofia e Estudos Interdisciplinares Globais na Universidade de Villanova, na Pensilvânia. Publicou já em volume Logique de l’histoire: Pour une analytique des pratiques philosophiques (Paris: Editions Hermann, 2010); Radical History & the Politics of Art (New York: Columbia University Press, 2014); Interventions in Contemporary Thought: History, Politics, Aesthetics (Edinburgh University Press, 2016) e Contre-histoire du temps présent: interrogations intempestives sur la mondialisation, la technologie, la démocratie (CNRS Éditions, 2017), publicado em inglês como Counter-History of the Present: Untimely Interrogations into Globalization, Technology, Democracy (Duke University Press, 2017). Atualmente, está a concluir o seu quinto livro em autoria única, Who Paid the Pipers of Western Marxism?, bem como um manuscrito, coescrito com Aymeric Monville, Requiem for French Theory, ambos a serem lançados pela Monthly Review Press. Artigos seus têm aparecido em publicações como CounterPunch, Black Agenda Report, New York Times, Libération, Los Angeles Review of Books e World Marxist Review.

Este diálogo foi publicado originalmente no Volume 76, N.º 10 (março de 2025) da revista Monthly Review. Todos os direitos reservados. A tradução é da responsabilidade de Ângelo Novo.

 

 

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NOTAS:

 

(1) Alain Badiou, Can Politics Be Thought?, trans. Bruno Bosteels (Durham, North Carolina: Duke University Press, 2018), pp. 57, 60.

 

(2) Ver John Bellamy Foster, “The New Denial of Imperialism on the Left, Monthly Review, vol. 76, n.º 6 (November 2024), bem como John Bellamy Foster, “The New Irrationalism, Monthly Review, vol. 76, n.º 9 (February 2023).

 

(3) Paul A. Baran para Paul M. Sweezy, 10 de outubro de 1963, in Paul A. Baran e Paul M. Sweezy, The Age of Monopoly Capital: Selected Correspondence, 1949–1964, eds. Nicholas Baran e John Bellamy Foster (New York: Monthly Review Press, 2017), pp. 429-30.