A República Popular da China aos 75 anos:

Transição espinhosa, destino incerto

 

Onurcan Ülker (*)

 

 

Este ano assinala-se o 75.º aniversário da fundação da República Popular da China (RPC). O estabelecimento da “Nova China” foi oficialmente proclamado numa cerimónia de massas realizada na Praça Tiananmen, em Pequim, em 1 de Outubro de 1949, no meio de uma guerra civil que ainda não tinha terminado totalmente, e sob a ameaça de bombardeamento pelas forças reacionárias nacionalistas de Chiang Kai-shek (1). Na altura da sua fundação, mesmo Mao Zedong, o reconhecido líder da revolução, não estava otimista quanto ao facto de o resto do mundo reconhecer este “novo estado socialista” (2).

 

No início da década de 1950, a China era um país em ruínas, ficando atrás até da maioria das outras nações pobres e subdesenvolvidas, em termos de muitos indicadores de desenvolvimento económico e humano. A sua população era predominantemente rural e analfabeta, e a sua força de trabalho era, na sua maioria, pouco qualificada e pouco saudável. Embora as terras aráveis da China fossem tradicionalmente inférteis e escassas, a sua economia baseava-se em grande parte na agricultura e faltava-lhe uma base industrial moderna (3). No período que se inicia com a Primeira Guerra do Ópio (1839-42), a que os chineses chamam frequentemente o “Século da Humilhação Nacional” (百年国耻 bainian guochi), o país foi invadido e ocupado muitas vezes pelas potências estrangeiras. O que as intermináveis guerras, guerras civis, rebeliões e fomes deixaram foi uma sociedade esmagada sob o peso das “três grandes montanhas”, ou seja, o imperialismo, o feudalismo e o capitalismo burocrático, nas palavras de Mao. A China era tão subdesenvolvida naqueles anos que a sua produção industrial per capita era apenas 1/90 da da pequena Bélgica (4). Não deveria surpreender que, nos primeiros anos da República Popular, alguns membros da elite norte-americana estivessem convencidos de que o Partido Comunista da China (PCC) não conseguiria alimentar o povo chinês, acontecesse o que acontecesse (5).

 

Este quadro alterou-se completamente em apenas algumas décadas. Como escreveu C. P. Fitzgerald, um proeminente historiador britânico da China do século XX, com o derrube do regime nacionalista corrupto e decrépito em 1949, a China “fraca e dividida” foi gradualmente substituída por um “Estado unitário forte, em completo controlo civil e militar de todas as partes do território continental, com um governo central poderoso, uma administração honesta e um exército eficaz e bem disciplinado”. Este novo Estado construiu uma nação “forte e independente”, suprimindo a desordem, abolindo a corrupção, dando paz ao país e estabilizando a moeda (6). A transformação económica, social, política e cultural que a RPC experimentou ao longo das primeiras três décadas após a sua criação em 1949 foi, como a maioria dos académicos chineses, independentemente da sua atitude em relação ao governo do então PCC, concordam substancialmente, enorme e em muitos aspetos única. Nas vésperas da sua transformação orientada para o mercado, a China já não era o “homem doente da Ásia Oriental” ou – para usar os termos de Mao – uma “sociedade semicolonial e semifeudal”. Embora o discurso dominante, hoje em dia, seja o de que o desenvolvimento da China como um todo foi iniciado pelas reformas orientadas para o mercado, mesmo um estudo do Banco Mundial do início da década de 1980, que não era de forma alguma pró-socialista, sugeriu que tanto o desenvolvimento económico como o desenvolvimento humano foram surpreendentes nas primeiras décadas da RPC (7).

 

No discurso oficial do PCC pós-Mao, cada acontecimento na história da “Nova China” é tratado como uma peça interligada de um puzzle, e as peças que não cabem no puzzle são muitas vezes varridas para debaixo do tapete. Uma história em estilo cartoon, publicada na conta oficial do WeChat do Diário do Povo, a 1 de julho de 2021, é um exemplo claro desta abordagem historiográfica. Este chamado “manual pictórico” ( - tujian) pretendia fornecer uma visão panorâmica da história centenária do PCC. No entanto, alguns marcos significativos desta história foram deliberadamente omitidos. As campanhas de mobilização em massa na China de Mao, por exemplo, nem sequer foram mencionadas, como se nunca tivessem acontecido. No “manual pictórico”, a história chinesa pós-1949 foi retratada como um período caracterizado apenas por uma série de sucessos económicos, tecnológicos, científicos, militares e diplomáticos alcançados por uma nação harmoniosa e integrada, unida voluntariamente sob a liderança de um quase omnipotente e omnisciente Partido-Estado (8).

 

Contrariamente a esta narrativa, contudo, os 75 anos de história da RPC não podem ser considerados simplesmente como uma continuidade sem rotura (9). O golpe de 1976, que resultou na purga dos seguidores radicais de Mao, e a subsequente política de “Reforma e Abertura”, anunciada no final de 1978, marcaram um importante ponto de viragem na história chinesa contemporânea, tal como 1949. A reintegração da China no sistema mundial capitalista de mercado, a partir do final da década de 1970, na verdade, proporcionou um alívio temporário à economia mundial capitalista-imperialista, que estava então a debater-se com uma grave crise estrutural. A emergência da China em cena como a “fábrica do mundo”, com as suas inúmeras oficinas (“sweatshops”) trabalho-intensivas orientadas para a exportação e com um vasto mercado de consumidores, foi de facto uma bênção para o capital monopolista ocidental. Se o chamado “milagre chinês” se tivesse limitado a isto, teria sido tolerável para os imperialistas. Mas a China não se ficou por aqui; em vez disso, evoluiu cada vez mais para se tornar um rival e, portanto, um incómodo.

 

Quando a transformação orientada para o mercado começou, a China era ainda um país em desenvolvimento, embora com algumas vantagens muito significativas, em comparação com muitos outros países na Ásia, África e América Latina. Ao longo das últimas décadas, os “ajustamentos estruturais” orientados para o mercado transformaram muitos países em desenvolvimento em neocolónias/semicolónias ou reforçaram o seu estatuto como tal. No caso da China, a situação é diferente. Embora existam razões perfeitamente plausíveis para que a China possa ainda ser considerada, nas palavras de Xi Jinping, “um membro da grande família dos países em desenvolvimento” (10), não é de todo realista dizer que é uma “neocolónia/semicolónia” do capital monopolista ocidental. A China é hoje mais uma grande potência independente ou mesmo uma forte candidata ao estatuto de superpotência, ansiando por “um papel mais central nos assuntos globais”, no dizer de alguns analistas (11). Como é argumentado por um especialista na China de renome – e também um oficial militar dos E.U.A. – num estudo recente, embora “[a] ideia de que a China poderia desafiar os Estados Unidos da América globalmente, económica e militarmente, fosse incompreensível”, há apenas algumas décadas, “o desequilíbrio de poder relativo” entre os dois países “diminuiu significativamente, com a China a avançar em alguns campos” nos últimos anos (12).

 

De acordo com as estatísticas oficiais, em termos de taxa de câmbio de mercado, a quota do produto interno bruto (PIB) da China na economia global aumentou de 11,3% em 2012 para 18,5% em 2021 (13). No entanto, é de notar aqui que o PIB per capita da China, por mais rápido que tenha aumentado, ainda está muito atrás do das nações capitalistas avançadas (14). Em 2021, a China era a segunda maior economia do mundo, o segundo maior mercado consumidor, o maior fabricante, o maior comerciante e o país com as maiores reservas cambiais (15).

 

No seu plano estratégico nacional “Made in China 2025” (MIC25), o Conselho de Estado da RPC estabeleceu o objetivo de a China se tornar uma nação tecnologicamente autossuficiente e uma “grande potência produtora” (制造强国 - zhizao qiangguo) com uma grande capacidade de inovação, elevada eficiência na utilização dos recursos e profunda integração entre informatização e industrialização (16). É evidente que a China já fez progressos significativos no sentido deste objetivo. Só entre 2012 e 2017, as despesas da China em investigação e desenvolvimento (I&D) aumentaram 70%, ultrapassando a média dos primeiros quinze países da U.E. em percentagem do PIB (17). Até 2022, a despesa total da China em I&D já tinha ultrapassado os 3 mil milhões de RMB – um aumento de 10% em relação ao ano anterior (18) – e se continuar a aumentar a este ritmo, prevê-se que ultrapasse os E.U.A. no futuro próximo (19).

 

Embora a China pós-reforma tenha dependido, até recentemente, do investimento direto estrangeiro (IDE) e da importação de tecnologia para a produção industrial mais avançada (20), é hoje abertamente reconhecida como uma “superpotência científica” nas principais publicações ocidentais, e admite-se que poderá em breve pôr fim ao domínio absoluto dos E.U.A. no domínio da tecnologia (21). Um relatório recentemente publicado pelo Australian Strategic Policy Institute (ASPI), que avalia o desempenho científico e tecnológico e a competitividade de um país com base na quantidade de publicações de investigação de “alto impacto” que produz, revela que os E.U.A. foram os líderes na investigação de 60 entre 64 “tecnologias críticas” e a China liderou em apenas 3 entre os anos 2003-2007. Hoje, a China ocupa o primeiro lugar em 57 campos, enquanto os E.U.A. lideram apenas nos restantes 7 (22). Este salto não é de forma alguma acidental e depende fortemente da força de trabalho “qualificada” da China: em 2022, a China tinha 6,354 milhões de pessoas empregues a tempo inteiro em I&D (quase um aumento para o dobro em comparação com há uma década atrás), criando a maior concetração mundial de recursos científicos e talento tecnológico (23).

 

Mas talvez mais importante ainda, a China está agora a desenvolver alguns concorrentes significativos para os principais pilares da chamada “ordem internacional liberal”, nomeadamente as instituições financeiras internacionais (IFI) controladas pelos E.U.A.. As IFI controladas pelos E.U.A. surgiram após a Segunda Guerra Mundial e foram ainda mais consolidadas pela reestruturação neoliberal, especialmente após o fim da Guerra Fria. À medida que se aprofunda a crise da governação económica global, dominada por aquilo a que Peet chama a “Trindade Profana” – nomeadamente o F.M.I., o Banco Mundial e a O.M.C. (24) –, a China tem vindo a criar novos mecanismos financeiros, sem desafiar diretamente a globalização capitalista e o sistema de mercado existente. Instituições como o Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas (BAII) e o Fundo da Rota da Seda (FRS) não pretendem apenas mobilizar os recursos necessários para levar a cabo os projetos orientados para as infraestruturas da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR), que garantirão o acesso da China aos recursos naturais em todo o mundo e abrirão novas oportunidades de exportação e investimento para o capital chinês, mas também demonstrarão o facto de que a China tem agora recursos e audácia suficientes para desafiar – e até ser um contrapeso – à hegemonia dos E.U.A. no sistema financeiro e comercial global. Isto está em linha com a estratégia de longo prazo da China para estabelecer uma “nova ordem financeira global” (25). Hoje, os meios de comunicação oficiais da China são suficientemente francos para publicar artigos de opinião sugerindo que a China está agora “ativa e urgentemente” a explorar alternativas, a fim de construir uma ordem internacional “nova, mais justa, equitativa e razoável”, como resposta ao “desaparecimento gradual” da ordem liberal liderada pelos E.U.A. (26).

 

As conversas sobre a “ameaça da China” têm proliferado no Ocidente nos últimos anos, muitas vezes com conotações racistas. Isto foi ainda mais alimentado pela mais recente narrativa do “pico da China”, que sugere que o desenvolvimento da China já atingiu o seu cume, estando agora em declínio, daí resultando que a liderança do PCC pode recorrer a qualquer coisa, incluindo medidas militares, para evitar um possível colapso (27). Seria ingénuo pensar que tal conversa não está relacionada com a crescente competitividade do capital estatal e privado da China face às corporações capitalistas monopolistas ocidentais.

 

Um mito a desmascarar: o mercado como “varinha mágica”

 

Como foi brevemente referido acima, a narrativa convencional, hoje em dia, tanto na China como no Ocidente, tende a associar o chamado “milagre chinês” à “teoria unilateral do ‘desenvolvimentismo’” (28) ou “PIBismo” (29) da era pós -Mao. Vê-se o desenvolvimento das forças produtivas e o rápido crescimento económico como sendo a chave para a resolução de todos os problemas sociais. Uma segunda tendência, por vezes combinada com a primeira, liga este “milagre” ao projecto nacional pós-Mao de mercantilização gradual, mas sustentada, liderada pelo Estado, baseada na máxima – muitas vezes atribuída de forma incorrecta a Deng Xiaoping – de “atravessar o rio tocando nas pedras” (摸着石头过河 mozhe shitou guohe), em vez da “terapia de choque” neoliberal praticada nos países da antiga órbita soviética. Não é incomum que alguns estudiosos chineses do marxismo e teóricos do PCC se refiram à era Mao como um período de “socialismo de pobreza” (贫穷社会主义 pinqiong shehuizhuyi). Afirmam que a China era fraca e o povo chinês era pobre sob Mao, defendendo que a superioridade do socialismo sobre o capitalismo estava limitada ao domínio da propaganda, até que a política de “Reforma e Abertura” foi iniciada (30).

 

Os estudiosos que tratam o próprio “mercado” como uma “varinha mágica” e minimizam as conquistas das políticas maoístas ignoram o papel que precisamente os legados da independência (ou “desconexão”, para usar a terminologia de Samir Amin (31)) e do socialismo, como elementos interligados, contribuíram para fazer da China o que ela é hoje. Isto não é um apelo para que sejamos suficientemente “generosos” para dar à China maoista algum crédito pelo “milagre” da China actual; as políticas socialistas não precisam de ser defendidas desta forma, com relutância e sem entusiasmo. Em vez disso, defendemos que foi apenas a “desconexão” do imperialismo mundial, na era socialista, e a construção de uma base socialista, que permitiu à China desenvolver-se através da “religação”. Na ausência disso, nem mesmo o desenvolvimento capitalista independente está aberto a um país subdesenvolvido.

 

Para elaborar: desde meados da década de 1970, muitos “países em desenvolvimento” passaram por vários tipos de “ajustamento estrutural” orientado para o mercado. Na altura do anúncio da política de “Reforma e Abertura”, no final da década de 1970, a China não era o único país com uma mão-de-obra relativamente barata e abundante – um factor essencial para atrair IDE. Mas todos os outros “modelos”, quer de “fundamentalismo de mercado livre” quer de “Estado desenvolvimentista”, que outrora foram apresentados como “histórias de sucesso” pelas IFI, falharam um após o outro (32). Apenas o chamado “modelo chinês” continua a ser um tema de interesse e debate.

 

Porquê é que isso foi assim? Engst dá uma resposta simples e plausível a esta questão:

 

“A única razão pela qual a China conseguiu ascender é que, na era do imperialismo, manteve a sua soberania. A base económica construída na era de Mao lançou as bases para um desenvolvimento capitalista soberano. … O relativo sucesso económico da China após a Reforma, em comparação com outros países do Terceiro Mundo, deve-se ao facto de ter soberania. Possui uma base industrial. Decide os setores em que as multinacionais podem operar. … Portanto, ter uma base económica coerente, indígena e abrangente é a chave para a China ressurgir no mundo capitalista e tornar-se uma potência industrial em ascensão. Na ausência desta, as políticas neoliberais destroem os países do Terceiro Mundo” (33).

 

Tanto dentro como fora da China, a era Mao é há muito acusada de minar o desenvolvimento económico através da politização excessiva das massas populares e da implementação de políticas económicas “irracionais” ou “utópicas” que causaram devastação. Os vários estudos de Bramall fornecem provas empíricas de que, contrariamente à narrativa convencional, o crescimento económico pós-Mao na China só foi possível com base nas competências e infraestruturas desenvolvidas durante a era Mao; além disso, graças às políticas implementadas durante o período Mao, tanto as indústrias rurais como as urbanas desenvolveram-se de forma rápida e relativamente constante em muitas partes da China. Não há dúvida de que, à data do lançamento da Reforma e Abertura (1978), a China ainda não era um país industrializado. No entanto, sob Mao, a China teve de começar a construir uma nova base sobre as ruínas deixadas pela turbulência pré-revolucionária. Depois, devido à ameaça à segurança nacional que enfrentou, por rejeitar a Pax Americana (e mais tarde por desafiar a linha da União Soviética e do seu campo), a China foi forçada a investir em indústrias pesadas não produtivas e muitas vezes ineficientes orientadas para a defesa, abrandando a melhoria das condições materiais de vida da sua população.

 

A este respeito, não é de estranhar que o posterior “milagre chinês” tenha coincidido com um período de rápida normalização das relações da China com os países capitalistas avançados, sobretudo os E.U.A.. Isto permitiu uma mudança no investimento da indústria de defesa para setores civis que produzem bens de consumo, e um aumento na proporção do consumo no rendimento nacional da China. No geral, o trabalho detalhado de Bramall sublinha que o capital industrial criado, a vasta rede de transportes e infraestruturas construídas, os investimentos maciços feitos na conservação da terra e da água, a mão-de-obra qualificada formada e a experiência adquirida durante a era maoista, a que Bramall chama “um processo de aprender fazendo”, deu à China uma grande vantagem durante os anos da Reforma e da Abertura e tornou possível a aceleração do crescimento (34).

 

Sob Mao, foram feitos progressos significativos não só em termos de desenvolvimento industrial, mas também em termos de modernização agrícola. Imediatamente após a fundação da República Popular, a China, como país subdesenvolvido e empobrecido, tinha apenas excedentes agrícolas com que contar e recorrer para criar a acumulação primitiva de capital necessária à industrialização. A conhecida crítica de Mao à “ênfase desequilibrada sobre a indústria pesada, em detrimento da agricultura e da indústria ligeira” deve ser vista neste contexto (35). Através da reforma agrária e da colectivização da agricultura, o Estado revolucionário na China construiu uma base para a utilização colectiva e mais eficiente de recursos muito escassos pelos camponeses, aumentando assim a produção agrícola e a quantidade de excedente disponível para a industrialização. O desenvolvimento do setor industrial, por sua vez, possibilitou a produção de insumos agrícolas e agroindustriais mais sofisticados (máquinas agrícolas, geradores elétricos, equipamentos de irrigação, pesticidas, fertilizantes químicos, etc.) para produção e processamento. Tudo isto, combinado com a redução dos impostos agrícolas em paralelo com o desenvolvimento económico, o aumento gradual da ajuda do governo central ao campo, e a organização de campanhas de mobilização em massa, bem como extensos desenvolvimentos fundiários e de infraestruturas (terraços de cultivo, construção de sistemas de irrigação e de drenagem, reservatórios, canais, poços, estações de bombagem, etc.) sob as Comunas Populares, aumentaram a produtividade da terra e modernizaram enormemente a produção agrícola (36).

 

Entre 1957 e 1979, a área lavrada por tractor (em percentagem da terra cultivada) aumentou de 2,4% para 42,4%, e a terra irrigada por sistemas elétricos (em percentagem do total da terra irrigada) aumentou de 4,4% para 56,3%. A produção de cereais aumentou de 181 milhões de toneladas em 1952 para 285 milhões de toneladas em 1977 (37). Na década de 1960, a China rural já tinha começado a industrializar-se com o estabelecimento, sob as autoridades locais, de milhares de pequenas indústrias, que “produzem e reparam instrumentos e máquinas agrícolas; produzem fertilizantes, bens de consumo, inseticidas, materiais de construção e equipamento de transporte rural; processam produtos agrícolas; e desenvolvem fontes de energia” (38).

 

Vale a pena citar aqui o que o estudo do Banco Mundial de 1981 disse sobre a industrialização da China:

 

“A industrialização tem sido muito rápida, em grande parte como resultado de uma taxa de investimento invulgarmente elevada, praticamente toda financiada pela poupança interna. A percentagem da indústria no PIB (cerca de 40%) é atualmente semelhante à média dos países em desenvolvimento de rendimento médio. … Foram feitos esforços especiais para difundir a produção em regiões remotas e em áreas rurais. … Quase toda a gama de indústrias modernas foi construída, mas com especial ênfase nas que produzem equipamento de capital. …[A] quota de máquinas e produtos metálicos não é muito menor do que nas economias de mercado industrializadas. … Como resultado, a China é agora largamente autossuficiente em bens de capital (menos de 10% são importados). … Apesar desta forte tendência para a indústria pesada, a disponibilidade per capita de bens de consumo manufaturados também se expandiu rapidamente – a 7% ao ano em 1952-79” (39).

 

É certo que a China maoista não era um país rico onde as pessoas viviam em prosperidade. Os alimentos e o vestuário eram escassos e assim permaneceram ao longo dos anos. Este facto é também abertamente reconhecido pelos autores que têm uma visão favorável da era Mao (40). No entanto, o rótulo de “socialismo da pobreza” popularizado na era pós-Mao é totalmente superficial. Seria irrealista esperar que tudo mudasse instantaneamente num país que havia sido recentemente fundado, na sequência de grandes desastres, económico e tecnologicamente atrasado e, além disso, sob um embargo e bloqueio imperialista. Pelo contrário, a era maoista alcançou uma recuperação notável, na qual foram feitos muitos avanços que elevaram os padrões de vida das gerações atuais e futuras (41). Como o próprio Deng observou uma vez, no início da década de 1980, a China tinha essencialmente resolvido o seu problema alimentar e de vestuário, tendo-se tornado autossuficiente em cereais (42) – enormes avanços para um país do Terceiro Mundo.

 

É banal comparar simplesmente a riqueza da China atual com a do período maoista, dado que já passaram quase cinco décadas desde então. Os exercícios contrafatuais são difíceis e podem ser altamente subjetivos. O que se pode afirmar é que a China estava a experimentar um rápido desenvolvimento e uma melhoria das suas condições sob o socialismo maoista, e que o desenvolvimento adicional nessa trajetória também poderia ter trazido grande riqueza, embora de um tipo muito diferente. No início da década de 2000, alguns chineses sentiram mesmo que, se as políticas maoistas tivessem continuado, a China teria atingido os mesmos padrões de vida sem uma tal degeneração dos “hábitos e costumes sociais” (43).

 

O sucesso da China maoista no desenvolvimento humano foi, na sua essência, o sucesso do socialismo. As condições de vida da grande massa da população durante o período maoista foram significativamente melhoradas por duas políticas. Em primeiro lugar, a política de “cidadania industrial” oferecida à classe trabalhadora urbana sob o sistema de “unidade de trabalho” (单位 danwei) consistia em amplos direitos económicos, conhecidos como “tigela de arroz de ferro” (铁饭碗 tiefanwan), incluindo segurança no emprego, educação e cuidados de saúde praticamente gratuitos, alimentação e habitação subsidiadas, etc., bem como direitos políticos parciais (44). Em segundo lugar, o rápido desenvolvimento dos serviços públicos, sobretudo a educação, a saúde e a cultura, para a população rural, no âmbito do sistema da Comuna Popular (45), embora eles nem sempre tivessem uma qualidade muito elevada. Tal como salientado num estudo elaborado para o Banco Mundial, sob Mao, muitas das doenças infeciosas que assolaram a população chinesa no passado foram erradicadas; foi desenvolvido um sistema e uma infraestrutura de saúde pública que “em muitos aspetos pareciam idealmente adequados às necessidades de uma economia predominantemente agrária e pobre em capital”; a esperança de vida aumentou de menos de 40 anos para 68 anos em todo o país; as taxas de mortalidade infantil foram reduzidas de mais de 200 por 1.000 para apenas 12 nas zonas urbanas e menos de 60 nas zonas rurais; e (embora no caso dos chineses os critérios sejam bastante complicados) a taxa de alfabetização aumentou de cerca de 20% para quase 70% em apenas três décadas (46). Até o economista Amartya Sem, vencedor do Nobel, num estudo em co-autoria com Jean Drèze, defendeu que o progresso alcançado nos cuidados de saúde e na educação durante o período maoista – independentemente das intenções do próprio Mao – contribuiu diretamente para o desempenho económico da China após a sua transformação orientada pelo mercado e que esta foi uma das principais razões para o aumento do fosso entre os níveis de vida da China e da Índia em apenas algumas décadas (47).

 

Além disso, é digno de nota que muitos serviços públicos e necessidades básicas fornecidos gratuitamente durante o período maoista, que afetaram diretamente o bem-estar das pessoas, podem ser subvalorizados nos cálculos subsequentes do PIB, porque não foram tratados como mercadorias fornecidas através do mercado (48). A este respeito, é enganador avaliar o desempenho económico da China, no período pré e pós-Reforma, apenas com base no crescimento do PIB. Na mesma linha, o argumento de que 800 milhões de chineses foram retirados da pobreza nos últimos 40 anos, simultaneamente com a transformação orientada para o mercado, também deve ser tratado com algum ceticismo. Afinal de contas, esta narrativa baseia-se na abordagem do “limiar de pobreza absoluta” do Banco Mundial (49). Uma vez que a atual métrica de pobreza do Banco Mundial se baseia exclusivamente no “rendimento” monetário (definido em termos de paridade de poder de compra (PPC)), não tendo em conta fatores não monetarizados, como os subsídios e os serviços públicos gratuitos. Assim, as grandes massas da China maoista, cujos níveis de vida melhoraram e para quem o acesso à satisfação das necessidades básicas se tornou mais fácil e mais seguro, são agora classificadas”, em retrospectiva, como “extremamente pobres”, com mais de oito em cada dez a serem considerados subnutridos ou à beira da pobreza (50). Dadas as enormes melhorias verificadas na saúde e na educação na China nas décadas de 1960 e 1970, é altamente enganador transpor linearmente as métricas atuais para o passado e argumentar que o desenvolvimento humano na China só ganhou impulso com a mercantilização e a privatização (51). Pelo contrário, estudos recentes, baseados em medições diferentes da “linha de pobreza internacional” (LPI) baseada na PPP do Banco Mundial, defendem que a pobreza extrema na China se agravou, no período pós-Mao, com o aprofundamento das reformas orientadas para o mercado na década de 1990, tendo apenas parcialmente recuperado na década de 2000 (52). Muito antes de ter definido o seu limiar de pobreza internacional, o mesmo Banco Mundial disse o seguinte, no seu relatório de 1981 sobre a China:

 

“A conquista mais notável da China durante as últimas três décadas [desde 1949] foi colocar os grupos de baixos rendimentos numa situação muito melhor, em termos de necessidades básicas, do que os seus homólogos na maioria dos outros países pobres. Todos eles têm trabalho; o seu abastecimento alimentar é garantido através de uma mistura de racionamento estatal e auto-seguro colectivo; a maioria dos seus filhos não está apenas na escola, mas também é comparativamente bem ensinada; e a grande maioria tem acesso a cuidados de saúde básicos e a serviços de planeamento familiar. A esperança de vida – cuja dependência de muitas outras variáveis económicas e sociais a torna provavelmente o melhor indicador individual da extensão da pobreza real num país – é (situada nos 64 anos) extraordinariamente elevada, para um país com o nível de rendimento per capita da China” (53).

 

Em suma, nos primeiros trinta anos após o estabelecimento da República Popular, a China construiu uma base industrial independente, apesar das enormes dificuldades que o país enfrentou, e criou uma força de trabalho saudável e educada que, mais tarde, proporcionaria uma enorme vantagem aos investidores privados, tanto nacionais como estrangeiros, permitindo a reprodução da força de trabalho a custos relativamente baixos. Por outras palavras, “[a] infraestrutura nacional fundamental, social e física, bem como humana, tinha sido transformada anteriormente, antes da jiegui (integração global) ou da reforma e abertura” (54). Este é o contexto histórico que distingue a China de outros países em desenvolvimento que sofreram uma transformação orientada para o mercado numa altura semelhante, abrindo caminho para o que é agora referido como o “milagre chinês”. Como salienta Samir Amin, a China deve principalmente a esta “construção maoista” a sua capacidade de permanecer fora da “globalização financeira” e de poder beneficiar de investimentos estrangeiros para transferência de tecnologia, enquanto se reintegra na economia mundial capitalista-imperialista na era pós-Mao (55).

 

Um caminho controverso: da construção socialista à expansão capitalista

 

Aqui surge uma questão importante: Então, o que é que foi construído sobre as bases lançadas pela “construção maoista” na China, ao longo dos últimos mais de quarenta anos de “Reforma e Abertura”? Dito de outro modo, onde se enquadra hoje, exactamente, a China na economia mundial capitalista-imperialista? É um país socialista, um país que mantém o potencial para “regressar” ao socialismo, ou é já um país capitalista? É uma nova potência imperialista em ascensão ou uma semi-colónia? Opressor ou oprimido? É um país subdesenvolvido, em desenvolvimento ou desenvolvido? Ou, para usar a terminologia da Teoria dos Sistemas Mundiais, está na periferia, na semiperiferia ou no centro? Estas são algumas das questões que têm surgido com mais frequência nos recentes debates teóricos sobre a China nos círculos políticos, académicos e intelectuais críticos e de esquerda.

 

Até há pouco tempo, a China era conhecida como o centro número um de produção e montagem de produtos desenvolvidos e concebidos por empresas multinacionais (MNCs). Como foi brevemente referido acima, a China era dotada de uma força de trabalho barata, massiva e, graças às políticas da era Mao, muito mais saudável e melhor treinada (e, portanto, relativamente barata em termos de reprodução da força de trabalho) em comparação com outros países de baixo rendimento. Juntamente com a base industrial estabelecida sob Mao, isto fez da China um destino de investimento atraente para o capital estrangeiro na era pós-Mao. Os fluxos líquidos anuais de IDE para a China aumentaram de mil milhões de dólares em 1985 para mais de 50 mil milhões de dólares em 2002, e mesmo em tempos de crise, quando os fluxos globais de IDE estagnaram, os fluxos para a China continuaram a expandir-se (56). Embora a contribuição do IDE para o desenvolvimento das forças produtivas na China durante a Reforma e Abertura seja frequentemente exagerada na literatura liberal dominante, que tende a minimizar a importância da base industrial independente estabelecida na era pré-Reforma (57), não há como negar o facto de ter desempenhado um papel importante na transferência de tecnologia para a China, no boom das exportações e, por conseguinte, no rápido crescimento do PIB (58).

 

Apesar da recente tendência decrescente dos seus fluxos de IDE, a China continua a ser um dos maiores recetores de IDE no mundo (59). No entanto, o quadro acima descrito alterou-se consideravelmente, sobretudo desde a crise financeira e económica de 2008. Só entre 2010 e 2016, os investimentos diretos externos (IDE) da China quase triplicaram, enquanto o IDE interno aumentou apenas 15% (60). Desde 2015, quando a China se tornou pela primeira vez um exportador líquido de capital, as saídas de investimento chinês para o estrangeiro ultrapassaram as entradas de IDE na China (61). Hoje, a China não é apenas uma das maiores economias anfitriãs de IDE, mas também uma das principais fontes de IDE à escala global (62).

 

Segundo Lenine, “a divisão do mundo entre os trustes internacionais” foi uma das características definidoras do capitalismo monopolista (63). Hoje, os monopólios mais poderosos do sistema capitalista-imperialista encontram-se na lista “Global 500”, actualizada anualmente pela revista Fortune. Em 2000, 86% das multinacionais da lista Global 500 eram dos E.U.A., da U.E. e do Japão (a “Tríade”), que constituem o bloco imperialista dominante. A China, por outro lado, não tinha nenhuma empresa na lista em 1991 e apenas doze em 2000 (64). O número de empresas chinesas na lista Global 500 tem aumentado quase continuamente nos últimos anos, atingindo 133 em 2024. Três das dez maiores e 29 das 100 maiores são agora empresas chinesas (65). No entanto, a maioria das empresas chinesas na lista são empresas estatais (74%), ao contrário das multinacionais da “Tríade” (66). Embora a participação das empresas privadas no investimento externo da China tenha aumentado significativamente nas últimas duas décadas, neste aspeto, o sector público chinês ainda lidera o caminho (67).

 

O papel das empresas estatais na economia chinesa em geral (68) e nos investimentos externos da China em particular, é um dos principais pontos de referência dos académicos e escritores que defendem que a China é ainda socialista, ou pelo menos aberta ao socialismo. Roberts, por exemplo, sublinha que na China a propriedade pública dos meios de produção é dominante de uma forma que não o é em nenhuma grande economia capitalista, que o sector bancário é estritamente controlado pelo Estado e que o PCC se infiltra na atividade industrial. através de ramos partidários a todos os níveis, todos os quais – embora não correspondam às relações socialistas per se – proporcionam pelo menos “condições possíveis para o ressurgimento das relações [socialistas]” (69). Boer observa ainda que o sector público continua a ser o sustentáculo do sistema socialista da China e que o Partido, através das suas organizações sectoriais, garante que tanto as empresas públicas como as privadas cumprem as suas “responsabilidades sociais” (70). Losurdo, por outro lado, vai um passo mais além ao sublinhar que os capitalistas na China não estão apenas sob o controlo do “aparelho de Estado”, mas são frequentemente movidos pela “ideologia”. Segundo ele, muitos novos capitalistas chineses, mesmo que não sejam comunistas, são “patrióticos”, partilham a visão do PCC de “[grande] rejuvenescimento da nação chinesa” e, por isso, apoiam o regime comunista, de forma relativamente independente dos seus interesses económicos (71).

 

Como é sabido, a “exportação de capitais” é um elemento importante da teoria leninista do imperialismo. Por isso, não é de estranhar que alguns autores que atribuem um carácter “não” ou mesmo “anti-imperialista” às exportações de capitais da China comecem por criticar a análise de Lenine (72). Por outro lado, entre os autores que defendem que é necessária uma “caixa de ferramentas” teórica diferente da “análise do imperialismo clássico de Lenine” para esclarecer o “papel geopolítico” da China de hoje, há também aqueles que não atribuem necessariamente um papel positivo à China. Katz, por exemplo, reconhece que a China tem estabelecido relações comerciais desiguais com os países em desenvolvimento, endividando-os e extraindo-lhes mais-valia através das suas empresas que investem no estrangeiro. No entanto, embora isto prove que a China estabeleceu fortes laços com o capitalismo global, não basta para dizer que se trata de uma nova “potência imperialista”. Isto porque a expansão económica da China não anda de mãos dadas com a agressão militar, ao contrário dos estados imperialistas, especialmente os E.U.A.. Segundo ele, “os capitalistas da China não estão habituados a apelar à intervenção político-militar do seu Estado quando enfrentam dificuldades nos seus negócios internacionais”, porque o aparelho de Estado na China não é controlado diretamente pela classe dominante, mas pelo PCC, que prossegue uma política externa defensiva e prudente. Para Katz, a “exploração económica”, por si só, não pode ser equiparada à “dominação imperial ou invasão colonial”. Em vez disso, o que define “um perfil imperial” não são “parâmetros económicos”, mas “atos internacionais de dominação”. A descrição mais apropriada da China de hoje é, portanto, “nem imperialista nem parte do Sul Global” (73).

 

Li e Kotz, tal como Katz, distinguem entre a “classe capitalista” e o “aparelho estatal” na China, mas chegam a uma conclusão diferente sobre a natureza dos investimentos externos da China. Definindo o imperialismo como “a dominação económica e política de um país pela classe dominante de outro com o objetivo de extrair benefícios económicos para essa classe dominante”, os autores sublinham que as corporações capitalistas, por si só, não são capazes de estabelecer “uma posição de dominação noutros países”. É o “Estado do poder imperialista” como instrumento de coerção que impõe esta relação. No entanto, embora a “estrutura económica” na China de hoje seja capitalista, o Estado não o é. Li e Kotz salientam que, como disse Marx, “em certos momentos históricos o Estado pode ser relativamente independente da classe capitalista”. Assim, o que tem acontecido na China é que a economia capitalista está a ser desenvolvida por um partido político conduzido por um “grupo dirigente que se autoperpetua” que tem objetivos de desenvolvimento económico - e especialmente nacional - para além da maximização do lucro. Os capitalistas chineses, tal como os capitalistas de outros lugares, podem ter impulsos imperialistas, mas a menos que a liderança do PCC seja diretamente controlada por esta classe, é pouco provável que a China se torne uma potência imperialista. Os autores sublinham a predominância das empresas públicas e das instituições financeiras controladas pelo Estado nos investimentos externos da China, que visam principalmente alcançar os objetivos políticos do Partido. Defendem que estes investimentos servem a cooperação internacional baseada em interesses mútuos, em vez de serem instrumentos de dominação (74).

 

O problema é que estes autores parecem posicionar o Estado e a economia na China como dois domínios ontologicamente separados, tratam o PCC como um sujeito que supervisiona os interesses sociais acima de todos os atores económicos, e atribuem os problemas estruturais inerentes ao capitalismo apenas ao capital privado da China. Esta teorização não pode ser justificada referindo-se à “autonomia relativa” no sentido marxista. Segundo Marx, o poder do Estado, por mais independente que possa parecer, em última análise, não está “suspenso no ar”; em vez disso, representa uma classe social (75). Há exceções a isto, mas elas também não podem ser absolutas; em vez disso, são instáveis e, na melhor das hipóteses, transitórias. Tais distinções idealistas entre o Estado e a economia são mais próprias das abordagens “estatista-institucionalistas” aos chamados “Estados desenvolvimentistas” – baseadas no pressuposto de um Estado todo-poderoso que “está acima da sociedade e de grupos de interesses estreitos, em especial da classe capitalista”, e que “detendo o poder discricionário para alocar recursos financeiros, [é] capaz de dirigir e disciplinar as empresas para que [invistam] em setores estratégicos sob um plano industrial e de desenvolvimento a longo prazo” (76) – do que das análises marxistas.

 

Como sublinham Hsu e Ching, a propriedade estatal dos meios de produção e a participação estatal no planeamento não correspondem necessariamente a relações socialistas de produção e a uma economia socialista (77). O Estado pode deter a propriedade jurídica dos meios de produção e intervir na economia através de vários instrumentos, tanto num sistema capitalista como durante a transição socialista. Na verdade, a abordagem mecanicista que reduz o socialismo à intervenção estatal e ao papel dominante das empresas públicas na economia reproduz, invertida, a narrativa neoliberal que equipara o capitalismo à “não intervenção do Estado”. No entanto, isto não passa de uma ilusão. Mesmo durante o apogeu do liberalismo laissez-faire e do “livre comércio universal”, a intervenção estatal não esteve de forma alguma ausente. Como Gramsci observou em tempos, “o laissez-faire é também uma forma de ‘regulação’ estatal, introduzida e mantida por meios legislativos e coercivos” (78). O Estado capitalista “intervém” sempre para proteger os interesses a longo prazo da classe capitalista e adquire a propriedade desde que isso sirva a perpetuação e reprodução do sistema capitalista. Os “Estados em desenvolvimento”, outrora conhecidos e glorificados como os “Tigres Asiáticos”, constituem um exemplo proeminente: embora estes Estados também se caracterizassem por uma extensa intervenção estatal, pela promoção das exportações, pelo controlo do trabalho e pelo controlo dos fluxos de capital, nunca ninguém afirmou que eram de alguma forma “socialistas”. Em suma, a propriedade e a intervenção estatais não são suficientes para identificar o socialismo.

 

Marx afirmou que seria “a transformação da propriedade privada capitalista… em propriedade socializada” que traria o fim do capitalismo (79). A nacionalização dos meios de produção pode ser um passo no sentido da sua socialização, mas não é sinónimo da transformação da “propriedade privada capitalista” numa propriedade “socializada”. Um requisito fundamental da transição para a “propriedade socializada” é evitar a concentração do poder nas mãos de um grupo restrito de elite burocrática e tecnocrática – que poderia tornar-se o núcleo de uma nova classe dominante – garantindo a participação das massas trabalhadoras nos processos de tomada de decisões e de implementação de políticas a todos os níveis, começando pelas bases. Como diz Engst, não importa se são chamados de “patrões” ou “secretários do Partido”, um pequeno grupo de pessoas que exercem o seu poder “para controlar a produção e distribuição socializada” no interesse de “alguns indivíduos ou pequenos grupos” são capitalistas (80). Por outras palavras, a propriedade estatal pode ser também uma espécie de propriedade capitalista. E se o poder do Estado cair nas mãos dos capitalistas, não se poderá falar de socialismo. Por esta razão, o principal critério para saber se um país pode ser considerado socialista não deve ser se a propriedade estatal está presente ou é dominante, mas se a propriedade estatal é utilizada para garantir a transição da propriedade “privada capitalista” para a propriedade “socializada” (81).

 

Durante a era maoista, e sobretudo a partir da Revolução Cultural, a China procurou transformar a propriedade estatal dos meios de produção numa propriedade “socializada”. Sob Mao, foram dados passos significativos para eliminar gradualmente a produção de mercadorias, o trabalho assalariado e a divisão entre trabalho intelectual e manual nas empresas estatais. O objetivo da produção passou da valorização do capital para a satisfação das necessidades reais do povo. É esta direção que demonstra o carácter socialista do Estado neste período (82).

 

Os princípios socialistas de gestão empresarial denominados “Constituição de Angang” (鞍钢宪法 Angang xianfa) foram propostos originalmente em 1960 e foram colocados em prática generalizada principalmente durante a Revolução Cultural, refletindo também isto. Estes princípios igualitários, desenvolvidos pelos trabalhadores da Companhia de Ferro e Aço de Anshan, exigiam a participação direta dos trabalhadores na tomada de decisões de gestão e a participação dos quadros no trabalho manual (83). Sem dúvida, a Constituição de Angang não forneceu soluções concretas para algumas questões cruciais, como a seleção da liderança, a posição das organizações de massas e a utilização e posição dos cartazes de grandes carateres (大字报 dazibao) (84). No entanto, serviria de base para discussões e iniciativas criativas durante a Revolução Cultural, quando a estrutura de poder foi radicalmente remodelada, sobre como criar regras e regulamentos para ajudar a gerir as empresas “sem tornar os trabalhadores inferiores permanentes da elite tecnoburocrática” (85).

 

Nos anos de “Reforma e Abertura” pós-Mao, as coisas mudaram. Desde a década de 1980 até à segunda metade da década de 1990, foram empreendidas uma série de reformas para reestruturar as empresas públicas de acordo com as necessidades de mercantilização. Estas culminaram na política de “agarrar o grande, libertar o pequeno” (抓大放小 zhuada fangxiao) sob a administração de Jiang Zemin: centenas de milhares de pequenas e médias empresas públicas foram privatizadas, deixando dezenas de milhões de trabalhadores desempregados (86), enquanto as empresas estatais de grande escala em sectores estratégicos não foram privatizadas, mas foram transformadas em empresas capitalistas estatais orientadas para o lucro, que operam de acordo com os mesmos princípios que as empresas privadas no mercado (87). Tal como foi explicitamente afirmado num relatório de 2013, da autoria conjunta do Banco Mundial e do Centro de Investigação para o Desenvolvimento do Conselho de Estado da China, a partir de meados da década de 1990, “muitas empresas estatais foram corporativizadas, radicalmente reestruturadas (incluindo o despedimento de mão-de-obra) e esperava-se que operasse com lucro” (88). Como resultado, as empresas públicas, que se tornaram responsáveis pelos seus próprios ganhos e perdas, partilham agora os seus lucros com o Estado apenas de forma muito limitada e, portanto, esses lucros não podem ser redistribuídos para uso social na sociedade em geral (89).

 

É certo que a propriedade legal destas empresas ainda pertence ao Estado. No entanto, muitos conhecidos e familiares de antigos e atuais quadros superiores do Partido e do Estado continuaram a ocupar alguns cargos de gestão de alto nível durante muitos anos, não apenas no sector privado, mas também nas empresas públicas (90). Diz-se que as extensas campanhas anticorrupção sob Xi Jinping também visaram estas redes de clientelismo, pelo menos na medida em que desafiam a autoridade do governo e minam a sua legitimidade (91). No entanto, seria um erro tratar o direito burguês à herança como o único mecanismo de auto-reprodução da classe dominante capitalista. A utilização pelo PCC das “universidades de elite” da China como centro de formação e recrutamento de quadros superiores, tecnocratas e burocratas, aliada à crescente desigualdade no acesso a uma educação de elevada qualidade, em paralelo com a intensificação da mercantilização, tornou-se também um dos mecanismos pelos quais a nova classe dominante reproduz o seu poder (92). É também de notar que, hoje em dia, o PCC (e o Estado Chinês) e a nova classe capitalista privada da China estão significativamente interligados. Um estudo de 2012 realizado pela Academia Chinesa de Ciências Sociais (ACCS) concluiu que cerca de um terço dos capitalistas privados da China já eram membros do PCC, e 40% dos que estavam fora do Partido estavam dispostos a ingressar nele (93). De acordo com a ‘Lista dos Ricos da China’ de 2023, do Instituto de Pesquisa Hurun, dos super-ricos da China (1.241 indivíduos) com um património líquido mínimo de 5 mil milhões de yuans (690 milhões de dólares), um total de 6,5% eram delegados do Conselho do Povo Chinês - Conferência Consultiva Política (CPC-CCP) ou à Assembleia Popular Nacional (APN) – um caso típico de sobre-representação, dada a sua proporção reduzidíssima entre a população em geral (94).

 

Por conseguinte, é altamente problemático argumentar que as exportações de capital por parte das empresas estatais da China, e muito menos as exportações de capital por parte de empresas privadas, são qualitativamente diferentes das dos monopólios norte-americanos, europeus ou japoneses, porque são planeadas pelo PCC, um ator independente da classe capitalista e mesmo acima de todas as classes sociais. Engst defende que aquilo a que chama o “Conglomerado de Capital de Estado” da China, embora único, está, no entanto, inserido na economia mundial capitalista-imperialista, e que as crescentes exportações de capital da China, tal como as de outras “grandes potências”, são o resultado da sua necessidade de expansão capitalista. Segundo Engst, foi a rápida ascensão e expansão global das empresas públicas, e não o desenvolvimento do capitalismo privado na China, que colocou os imperialistas ocidentais em alerta. Isto acontece porque estas empresas públicas – cujo controlo está nas mãos da burocracia chinesa – são componentes de um “Conglomerado de Capital de Estado”. Este enorme conglomerado de capital industrial e financeiro é extremamente flexível: pode ser dividido internamente em empresas semiautónomas e até rivais no mesmo sector para equilibrar diferentes interesses dentro da classe capitalista burocrática, mas estas empresas podem rapidamente recombinar-se para evitar a concorrência internacional quando se trata de investimentos estrangeiros. Engst defende que o Estado chinês não é “relativamente autónomo” em relação a este Conglomerado de Capital de Estado. Em vez disso, o conglomerado “tem um controlo absoluto do partido no poder [da China], da sua máquina estatal e das suas forças armadas” tendo-se tornado assim o grupo de capital com o mais alto grau de poder monopolista no mundo. Para além do seu poder económico, a China é hoje um país política e militarmente soberano e independente, graças ao legado do socialismo. Esta é a razão pela qual os E.U.A., face à sua “hegemonia imperialista mundial”, vêm a China mais como uma ameaça do que a competição económica da U.E. ou dos imperialistas japoneses e porque estão a acelerar a sua corrida armamentista principalmente contra a China (95).

 

Lenine afirmou um dia que “as políticas coloniais e o imperialismo não são tendências patológicas mas curáveis do capitalismo…; são uma consequência inevitável dos próprios fundamentos do capitalismo. A concorrência entre empresas individuais conduz inevitavelmente à sua própria ruína ou à ruína de outras; a competição entre países individuais confronta cada um deles com a alternativa de ficar para trás, … ou então arruinar e conquistar outros países, abrindo assim caminho para um lugar entre as Grandes Potências” (96). A China capitalista não é exceção a este respeito. Afinal, o capitalismo de Estado é capitalismo e a burguesia burocrática é uma burguesia. A lógica capitalista baseada na acumulação infinita de capital (“acumulação pela acumulação”, nas palavras de Marx (97)) aplica-se em todo o lado, desde os países imperialistas mais avançados até às nações capitalistas mais atrasadas, semicoloniais e dependentes; portanto, também se aplica às empresas capitalistas privadas e estatais da China.

 

O capitalismo chinês foi desenvolvido sobre as bases estabelecidas pelo socialismo. Isto é, foi desenvolvido através da pilhagem e exploração dos recursos criados coletivamente pelas massas populares com grande sacrifício durante a era maoista (que é o período de transição socialista). Não se pode esperar que, por opção voluntária, resolva ficar de fora da trajetória apontada por Lenine. Esta é uma trajetória que nenhuma liderança do PCC, por mais bem-intencionada ou modesta que seja, pode impedir, se não puder permitir-se intervir radicalmente nas relações de produção e distribuição. Mas seria possível que tal liderança emergisse das fileiras do atual PCC? O falecido escritor e estudioso marxista chinês Cao Zhenglu (1949-2021) abordou esta questão com ceticismo. Para manter a legitimidade do seu governo, argumentou Cao, o PCC deve sublinhar que “não é apenas um partido no poder, mas um partido revolucionário”, deve pretender representar a maioria do povo trabalhador e “defender a legitimidade da história revolucionária”. Mas, na prática, aqueles que governam a China devem “dizer adeus à revolução” porque “a economia de mercado deve garantir os interesses especiais da burguesia”. Neste ponto surge um dilema: por mais que o “trabalho” seja glorificado na retórica, na realidade as políticas a favor do “capital” serão as implementadas (98). Esta é uma interpretação em linha com o argumento de Mao de que “a ascensão ao poder do revisionismo marca também a ascensão ao poder da burguesia” (99). Como diz um velho slogan maoista, a burguesia pode “içar a bandeira vermelha para contrariar a bandeira vermelha” (打着红旗反红旗 dazhe hongqi fan hongqi), mas em última análise faz e implementa políticas no seu próprio interesse a longo prazo.

 

Nos últimos anos, como parte do seu “projeto hegemónico”, Xi tem utilizado seletivamente alguns elementos do passado socialista da China para construir uma retórica nacionalista plena. Estes elementos isolados foram aproveitados pelos estudiosos ocidentais da China para estimular a paranoia sobre o “renascimento do maoismo”, com os termos “maoismo” e “autoritarismo” (ou “totalitarismo”) frequentemente a serem utilizados de forma intercambiável. Na verdade, a liderança do PCC reitera constantemente a sua promessa de dar às forças de mercado um “papel decisivo” na economia e rejeita categoricamente a Revolução Cultural como “catastrófica” (100). Na verdade, o Estado chinês faz tudo o que está ao seu alcance para preservar e defender este “papel decisivo”. Além disso, tal como no (in)famoso Incidente Jasic (佳士事件 Jiashi shijian), o Estado chinês reprime violentamente os protestos laborais em massa que tendam a ter um impacto nacional ou até internacional, e assumam um carácter político (101).

 

A afirmação de Deng de que o mercado é um instrumento neutro merece ser questionada a este respeito (102). Pois o mercado na China pós-reforma não é apenas a existência de mercadorias. As mercadorias continuam a existir em todas as sociedades socialistas. A China pós-reforma é marcada pela conversão da força de trabalho e dos meios de produção em mercadorias. Por mais que a retórica se desloque para a “esquerda”, as políticas dos atuais governantes da China – que podem ser seguramente descritos no jargão maoista como “seguidores da via capitalista” (走资派 zou zipai) – continuam assim a servir os interesses da burguesia, quer burocrática, quer privada.

 

Isto leva-nos à próxima questão: estará o “socialismo de mercado” chinês, ou o chamado “socialismo com características chinesas”, já num caminho irreversível em direção à conclusão histórica do desenvolvimento capitalista, ou seja, ao imperialismo? Hoje, este é um importante tema de discussão no meio maoista (e/ou “neomaoista”) na China, bem como entre a esquerda de todo o mundo.

 

Para onde vai a China: debates recentes na esquerda chinesa

 

Na China de hoje, existem vários grupos e indivíduos com uma visão positiva, em diferentes graus, da era maoista e uma abordagem crítica às reformas orientadas para o mercado pós-Mao. Embora os meios de comunicação ocidentais se refiram frequentemente aos chamados “neomaoistas” como um grupo quase homogéneo, trata-se de um termo abrangente que engloba muitas tendências diferentes e, por vezes, contraditórias.

 

Nos últimos anos, um dos debates mais acesos nos círculos “neomaoistas” na China tem sido sobre o carácter de classe do Estado Chinês e a posição da China dentro da economia mundial capitalista-imperialista. Um artigo em linha de 2017 categoriza as principais opiniões divergentes sobre o carácter da sociedade chinesa dentro da esquerda chinesa da seguinte forma: “No caminho errado, mas ainda assim socialista”; “Uma sociedade em transição do socialismo para o capitalismo”; “Já é uma sociedade capitalista”; “Uma colónia económica do imperialismo”; “Um país imperialista”; e “Uma grande potência capitalista semiperiférica”. O autor conclui que há cada vez menos “camaradas mais velhos” que defendem que a China é ainda “uma sociedade socialista”, embora “corroída por fatores capitalistas”. Por outro lado, entre aqueles que aceitam que a China já é capitalista, uma importante linha divisória se estabelece sobre “onde é que este país capitalista se enquadra no sistema mundial” (103). Nos últimos anos, diferentes respostas a esta questão desencadearam polémicas que passaram a ser conhecidas como debates sobre a “teoria do imperialismo chinês” (中帝论 Zhongdilun).

 

Dentro do movimento “neomaoista” chinês, uma parte significativa dos que se opõem à “teoria do imperialismo chinês” concorda, em grande parte, com as opiniões de Minqi Li e da Escola dos Sistemas-Mundo. Segundo Li, a China, longe de ser imperialista, pode ser considerada um país “semiperiférico” dentro do sistema capitalista mundial. Li defende que a definição de imperialismo de Lenine se refere não apenas à “formação de grandes capitais e à exportação de capital”, mas essencialmente a um sistema global “onde uma pequena minoria da população mundial explora a grande maioria”; assim, o “avanço da China para o centro do sistema capitalista mundial” conduziria a uma situação insustentável para a civilização humana, com a maioria a explorar a minoria, e ao colapso do “sistema ecológico global”. O autor reconhece que a China de hoje, por exemplo, ultrapassou os países periféricos em termos de PIB per capita e estabeleceu “relações de exploração contra quase metade da população mundial” (isto é, no Sul da Ásia, na África Subsariana e nos países de rendimento médio e baixo da Ásia Oriental, excluindo a própria China). No entanto, a China “continua a ter uma posição de explorada na divisão capitalista global do trabalho, transferindo mais mais-valia para o centro (países imperialistas históricos) do que o que recebe da periferia”. Isto, segundo Li, coloca a China, na melhor das hipóteses, algures entre os países capitalistas centrais e os periféricos (104).

 

O sítio Red China Net (红色中国网 hongse Zhongguo wang), do qual Minqi Li é também editor e um dos principais teóricos, parece ser um dos mais proeminentes proponentes do argumento da China “semiperiférica”. Num artigo publicado na Red China Net, um escritor que utiliza o pseudónimo ‘Guarda da Montanha Jinggang’ defende que a China, sendo um país “semiperiférico”, importa matérias-primas e produtos industriais de baixa qualidade da periferia, mas continua dependente nas tecnologias centrais desenvolvidas pelos países capitalistas “centrais”. De acordo com o escritor, a mão-de-obra chinesa barata empregada em sectores intensivos em trabalho fornece uma base material para o capitalismo norte-americano manter elevadas taxas de lucro e nutrir uma “aristocracia laboral” no seu próprio país. A burguesia chinesa, por outro lado, é muito mais fraca, mais capitulacionista e mais facionalizada do que parece. Falta-lhe, por isso, o poder e a vontade para desafiar a hegemonia dos E.U.A.. Pelo contrário, está numa relação de interdependência com o capital monopolista dos E.U.A. dentro do sistema capitalista mundial (105).

 

Um autor que escreve sob o nome de Feng Langqi (‘Vento e Ondas se Levantam’) cita os dados oficiais do IDE da China para apoiar este argumento: Assim, do acervo total de 1,81 milhões de milhões de dólares em IDE da China em 2017, 77% foram investidos em Hong Kong Kong, Macau, Singapura e outros “centros financeiros offshore e paraísos fiscais”; 14% foram investidos nos “países centrais imperialistas ou não-imperialistas” da Europa, América do Norte, Oceânia e Ásia; enquanto apenas cerca de 9%, no valor de 160 mil milhões de dólares, foram investidos nas “vastas regiões periféricas” da Ásia, África e América Latina. Isto, segundo Feng, indica que as exportações de capital da China “não são imperialistas, mas de um carácter claramente semiperiférico” (106).

 

Segundo um autor que utiliza o pseudónimo de 'Viagem Um', a “teoria do imperialismo chinês” inspira desespero e faz com que o imperialismo pareça quase indestrutível, pois exagera a força do capital chinês e subestima a força da classe trabalhadora. Afinal, se a China já se tornou um país imperialista e em breve ultrapassará o imperialismo norte-americano, isso significa que o “governo burguês” se tornou muito mais consolidado e a possibilidade de uma “revolução proletária” na China diminuiu, pois existe uma ligação indissociável entre reformismo e imperialismo (107). 'Viagem Um', defende que uma tal teoria atrai, portanto, um grande número de jovens estudantes e intelectuais que são novos nas fileiras marxistas-leninistas na China e, portanto, têm uma experiência limitada de luta de classes, ou seja, elementos “pequeno-burgueses radicais de esquerda” (小资产阶级左派激进分子  xiaozichanjieji zuopai jijin fenzi), em vez das gerações mais antigas de revolucionários e trabalhadores experientes que, viveram principalmente durante a era socialista (108). A equação “absurda” de “imperialismo = monopólio = hegemonia” dos “radicais pequeno-burgueses” e da “clique intelectualista” (学院派  xueyuanpai) que defendem a “teoria do imperialismo chinês” impede-os de ver a verdadeira equação “imperialismo = parasitismo = decadência". A primeira equação é intrinsecamente falsa, porque implica que mais de metade do mundo é imperialista. Se todos os países que entraram na fase monopolista, de uma forma ou de outra, lutassem pela hegemonia, observa 'Viagem Um', “teria havido mais guerras mundiais do que Campeonatos do Mundo” (109).

 

Um estudo abrangente, provavelmente elaborado pela Sociedade de Marxismo da Universidade de Pequim (北大马会  Beida mahui), que foi reprimida pelo governo através da ação policial após o Incidente de Jasic, devido aos seus laços estreitos com o movimento operário militante, fornece um resumo pormenorizado dos pontos de vista dos círculos “neomaoistas” que defendem a “teoria do imperialismo chinês”. O estudo explica a “ascensão do imperialismo chinês”, especialmente no período pós-2008, através da estratégia adotada pelo “capital monopolista burocrático” dominante da China, bem como pelo “capital monopolista privado” altamente integrado no sistema burocrático. A estratégia era ultrapassar a crise económica interna através da expansão no exterior. As exportações de bens e de capitais da China têm aumentado rapidamente nos últimos anos, em linha com esta estratégia. A China, desta forma, tem aumentado o seu controlo sobre os países semicoloniais economicamente atrasados e pobres em capital, através dos extensos projetos de construção de infraestruturas empreendidos no âmbito da Iniciativa Faixa e Rota (IFR) e das instituições financeiras internacionais que estabeleceu para financiar estes projetos. Segundo os autores, a China está agora “a tornar-se cada vez mais o segundo maior país imperialista depois dos E.U.A.”, e isto está a levar à resistência das potências imperialistas estabelecidas, tornando possíveis novas guerras imperialistas (110).

 

Num outro artigo que sustenta pontos de vista semelhantes, defende-se que a China é um país imperialista “onde o regime e o capital monopolista estão integrados ao mais alto nível” com base nos seguintes quatro critérios: (1) A China é um Estado capitalista baseado na propriedade privada dos meios de produção e do trabalho assalariado; (2) A China criou uma organização monopolista dominada pelas empresas monopolistas estatais; (3) o capital financeiro, liderado pelo PCC, controla a economia chinesa; (4) A China já começou a exportar grandes quantidades de capital para o estrangeiro (111).

 

Fred Engst (Yang Heping), cujas opiniões já foram brevemente mencionadas mais acima, tem sido também um participante ativo nestas polémicas na China, escrevendo sob os pseudónimos Hua Shi ('Fala Verdadeira') e Han Liuji ('Rápida Corrente Fria') (112). Engst critica as análises inspiradas na Teoria dos Sistemas-Mundo por distorcerem a teoria do imperialismo de Lenine: ao recusar colocar o capital monopolista diretamente no centro do sistema, exagerando os interesses comuns das classes burguesas dos diferentes países (e ignorando contradições evidentes), e “ocultando objetivamente os comportamentos hegemónicos do capital monopolista em ascensão” (113). Aqueles que consideram a China não como uma nova potência imperialista, mas como um país “semiperiférico”, com base no facto de o movimento operário chinês ainda não ter sido domesticado pelos sobrelucros imperialistas, confundem “causa” e “efeito”, porque “os sobrelucros são o objetivo do imperialismo, uma consequência, não uma causa”. Por conseguinte, considerar a formação de uma “aristocracia operária” alimentada por sobrelucros do capital monopolista como uma das características básicas do imperialismo não é mais do que colocar a carroça à frente dos bois: “O imperialismo não é o resultado de sobrelucros ou de hegemonia financeira, mas só com o imperialismo se podem obter sobrelucros e hegemonia financeira”. Para Engst, quando se trata de imperialismo, a “variável independente” não é mais do que o capitalismo monopolista. Todas as características do imperialismo, incluindo a sua “natureza parasitária e decadente”, são “derivadas da emergência do capital monopolista” (114).

 

Na mesma linha, um autor que utiliza o pseudónimo 'Vento de Leste' salienta que Lenine, ao contrário dos teóricos dos Sistemas-Mundo, define o imperialismo não apenas com base nas relações de troca no mercado mundial capitalista, mas principalmente no contexto “das características das relações de produção”. O autor afirma que, de acordo com a definição de Lenine, os critérios básicos para um país ser considerado imperialista deveriam ser: (a) o capitalismo nesse país atingiu a fase de monopólio, e o capital monopolista ocupa uma posição dominante na economia nacional, e (b) o capital monopolista desse país começou a realizar exportações de capital em grande escala e a competir pelo mercado mundial. Ele/ela conclui que “a julgar por estes dois critérios, a China é um país totalmente imperialista (不折不扣 buzhe-bukou)” (115).

 

Algumas breves observações

 

Tendo em conta as diferentes abordagens acima referidas, podem ser feitas algumas observações críticas:

 

Alguns autores explicam a emergência da China como exportador líquido de capital principalmente com base nas motivações políticas do PCC, citando o papel dominante desempenhado pelas empresas públicas no investimento direto estrangeiro da China, e enquadram este argumento colocando uma dicotomia entre a “economia capitalista” da China e o seu “Estado não-capitalista”. No entanto, esta interpretação não parece ser compatível com a “conceção materialista da história”.

 

A taxa de crescimento do PIB da China oscilou em torno de níveis de dois dígitos durante muitos anos, até à crise financeira mundial de 2008. Com a contração do volume do comércio mundial após a crise, o modelo de crescimento orientado para as exportações da China, adotado durante o período de “Reforma e Abertura”, encontrou um obstáculo, levando a um declínio acentuado nas suas taxas de crescimento do PIB. O PCC tentou ultrapassar este obstáculo com enormes investimentos em infraestruturas e construção, financiados através do sector bancário controlado pelo Estado. Mas longe de travar o declínio das taxas de crescimento do país, isto levou ao aumento da dívida e criou graves problemas de excesso de capacidade em alguns sectores-chave. Como resultado, a China voltou-se para o desenvolvimento de projetos de exportação de capital em grande escala, nomeadamente a IFR, utilizando o capital que acumulou ao longo dos anos como a “fábrica do mundo” (116). Por outras palavras, a principal razão para o rápido aumento do investimento externo da China, nos últimos anos, não são alguns objetivos políticos estabelecidos pelo “Estado não-capitalista” que são independentes da lógica de funcionamento da “economia capitalista” – por exemplo, a “Cooperação Sul-Sul’ – mas a necessidade da China continuar a sua expansão capitalista. Colocando a estratégia de “ir para fora” (走出去  zou chuqu), que desenvolveu no início da década de 2000, no centro do seu modelo de acumulação de capital, o governo chinês tem feito investimentos maciços em infraestruturas em países subdesenvolvidos, procurando assim garantir o acesso permanente para o capital chinês aos mercados e recursos naturais destes países.

 

Como foi referido acima, alguns autores sublinham particularmente que o acervo de IDE da China nos países subdesenvolvidos é proporcionalmente baixo, enquanto que em Hong Kong e nos paraísos fiscais é muito elevado (117). Na verdade, os dados oficiais sobre o atual acervo de IDE da China são inflacionados pelas operações de “offshoring” e “ida e volta” das empresas chinesas (118). No entanto, isto não deve obscurecer o facto de que os investimentos externos da China, especialmente nos corredores da IFR, aumentaram rápida e significativamente nos últimos anos (119). Em 2018, a China já estava entre os cinco principais investidores em muitos países em desenvolvimento na Ásia e em África (120).

 

Como foi brevemente referido acima, um dos subtópicos que surge frequentemente nas discussões sobre a posição da China na economia mundial capitalista-imperialista é a questão da “aristocracia operária”. Lenine escreveu que o imperialismo “tem a tendência de criar trabalhadores privilegiados e de os separar das amplas massas do proletariado” (121). Nos países imperialistas, a criação de um “estrato de trabalhadores aburguesados” ou de uma “aristocracia operária” que são “bastante filisteus no seu modo de vida, no tamanho dos seus rendimentos e em toda a sua perspetiva” é tornada possível pelos “enormes sobrelucros” que um punhado de Estados ricos e poderosos obtêm ao saquear o mundo inteiro (122).

 

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), “o crescimento real dos salários entre todos os países do G20, entre 2008 e 2022, foi mais elevado na China, onde os salários reais mensais em 2022 foram equivalentes a cerca de 2,6 vezes o seu valor real em 2008” (123). No entanto, em termos de condições de vida e de trabalho, a classe trabalhadora chinesa ainda está muito atrás das classes trabalhadoras dos países capitalistas avançados de elevado rendimento. Embora não seja, por si só, um indicador suficiente para tirar quaisquer conclusões significativas, o rendimento disponível per capita a nível nacional da China era ainda apenas de cerca de 5.500 dólares norte-americanos para o ano de 2023 (124), muito abaixo do dos países capitalistas avançados. Em 2020, o então Primeiro-Ministro Li Keqiang fez uma declaração de alto nível de que a China era ainda “um país em desenvolvimento com uma grande população” e que o rendimento mensal de cerca de 600 milhões de chineses (ou seja, mais de 40% da população) mal chegava a RMB 1.000 (USD 141), o que “não dava sequer para alugar um quarto numa cidade chinesa média” (125). A declaração de Li revelou ainda que o governo chinês não foi capaz de impulsionar o consumo interno tão rapidamente como gostaria, como parte da sua nova estratégia económica.

 

A este respeito, a desigualdade crónica de rendimentos e de riqueza é um dos problemas mais desafiantes para o PCC. Entre 2010 e 2021, tanto entre os agregados familiares urbanos como rurais, o rendimento disponível anual per capita dos 20% mais pobres aumentou apenas marginalmente, enquanto o dos 20% mais ricos aumentou muito significativamente (126). Como salienta o Relatório sobre a Desigualdade Mundial de 2022, embora a China fosse uma sociedade muito igualitária, pelo menos em termos de distribuição de rendimentos, quando se iniciou a transformação orientada para o mercado, hoje o quinhão no rendimento total dos 50% mais pobres e dos 1% mais ricos são quase iguais. No que diz respeito à distribuição da riqueza, os 1% mais ricos possuem 30,5% da riqueza e os 10% mais ricos possuem 67,8%, enquanto os 50% mais pobres possuem apenas 6,4%. Assim, os 1% mais ricos possuem cinco vezes a riqueza total da metade mais pobre da população (127). Além disso, embora a China seja um país em rápida proletarização e urbanização (128), tem ainda uma enorme população de “trabalhadores camponeses” (农民工 nongmingong), totalizando quase 300 milhões de acordo com as estatísticas oficiais (129). Estes trabalham principalmente em empregos intensivos em trabalho e mal remunerados, com poucos ou nenhuns benefícios, fora do local do seu registo de morada (户口 hukou), muitas vezes em condições precárias e deficitárias (130).

 

 Portanto, na China de hoje, ao contrário dos países do bloco imperialista dominante, não existe uma “aristocracia operária” significativa que tenha sido domesticada por uma parte dos sobrelucros do capital monopolista. A China, que alberga aproximadamente 780 milhões de pessoas, do total da força de trabalho mundial de 3,63 mil milhões, tem uma enorme força de trabalho (131). Para criar “os capatazes laborais da classe capitalista” (132) neste país, seria necessária uma enorme quantidade de exploração internacional e de lucros de monopólio. No entanto, o capitalismo global parece já ter atingido os seus limites espaciais e ecológicos. Lauesen defende que o capitalismo enfrenta uma “crise tripla” interligada: o rápido esgotamento das “novas periferias” que podem ser incorporadas no sistema capitalista para perpetuar a acumulação de capital leva a uma crise económica; a destruição ambiental e as alterações climáticas provocadas pelas atuais práticas globais de produção e consumo conduzem a uma crise ecológica; e a divisão dentro da burguesia entre a fração que “deseja continuar com a globalização neoliberal” e a fração “paleoconservadora” que “quer regressar a uma acumulação de capital baseada na nação” leva a uma crise política (133).

 

Como acima se referiu, ao longo das últimas quatro décadas, a “religação” da China com a economia mundial capitalista e a abertura dos mercados nacionais em muitos países em desenvolvimento à exploração irrestrita por monopólios imperialistas, através da chamada “reestruturação” neoliberal, proporcionaram uma tábua de salvação temporária à economia mundial capitalista-imperialista, que se debatia numa grave crise estrutural. No entanto, não há outra “China” na Terra, de que os países capitalistas avançados e o próprio capital chinês tanto necessitem para os aliviar da crise atual. Isto é, não existe outro mercado enorme e quase intocado com infraestruturas industriais relativamente avançadas e uma força de trabalho qualificada e saudável que prometa um grande potencial para as corporações capitalistas monopolistas, bem como para as empresas capitalistas locais rapidamente emergentes, tanto públicas como privadas.

 

Um último ponto: Lenine define o imperialismo como “uma luta feroz das Grandes Potências pela divisão e redistribuição do mundo” (134). À medida que os investimentos externos da China cresceram rapidamente, entre 2010 e 2019, os seus gastos militares mais do que duplicaram, embora tenham permanecido estáveis em proporção do seu PIB (135). Embora a China ocupe o segundo lugar a nível mundial, a seguir aos E.U.A., neste aspeto, a despesa militar anual dos E.U.A. é ainda quase três vezes superior à da China (136). Com Xi, o ritmo e o âmbito do programa de modernização militar aceleraram mais do que nunca; no entanto, os militares chineses ainda apresentam graves deficiências em comparação com os militares dos E.U.A. em “tecnologia militar, capacidades de combate, alcance ultramarino e redes de alianças militares, entre outras coisas” (137).

 

No entanto, no discurso do militarismo norte-americano, a “ameaça da China” tornou-se a principal desculpa para o orçamento militar inchado e para a política externa agressiva dos E.U.A.. Relatórios oficiais dos E.U.A. sugerem que um potencial aumento da influência global dos militares chineses e do seu alcance ultramarino poderá perturbar as atividades militares norte-americanas e proporcionar à China flexibilidade para apoiar “operações ofensivas” contra os E.U.A. (138). Defendem que os E.U.A. deveriam tomar medidas para fortalecer a ordem internacional estabelecida após a Segunda Guerra Mundial, conter e dissuadir a China, apoiar “aqueles na China que procuram a liberdade” e “educar” os próprios cidadãos dos E.U.A. sobre “o âmbito e as implicações do desafio da China” (139).

 

Siddique escreve que a acusação feita à China de constituir uma ameaça militar parece “severamente exagerada”. Refere que, no início de 2021, a China tinha apenas uma base militar ultramarina no Djibuti, enquanto os E.U.A. tinham mais de 800 bases militares ultramarinas em todo o mundo e 29 só em África (140). Tseng-Putterman observa, da mesma forma, que falar de “imperialismos concorrentes” na região da Ásia-Pacífico “é confundir a hegemonia sem precedentes de um império como o dos E.U.A., com um pessoal de 375.000 membros no Comando Indo-Pacífico, espalhados por centenas de bases militares, com a modernização militar relativamente modesta e de base estritamente doméstica da China” (141).

 

É certamente possível encontrar vestígios de “chauvinismo do grande Estado” no discurso adotado pela China, especialmente nas disputas fronteiriças e nos conflitos nacionalistas com os seus vizinhos. Também é verdade que existe uma correlação positiva entre as exportações de capital da China e o aumento da sua capacidade militar. Mas tudo isto só poderá explicar até um certo ponto todo o pano de fundo das contradições entre a China e o bloco imperialista dominante liderado pelos E.U.A.. Pelo contrário, a explicação de Gao é mais convincente, nomeadamente, que “para justificar a agressividade contra a China é necessário construir uma China agressiva”. São os E.U.A. que estão a alimentar as tensões entre a China e os seus vizinhos. São os E.U.A. “que têm mantido bases militares e meios com capacidade de ataque nuclear que incluem centros civis chineses no seu raio de alcance”. São ainda os E.U.A. que iniciaram um plano para transferir 60% das suas unidades navais e aéreas para a região da Ásia-Pacífico, para cercar a China (142).

 

Conclusão

 

A aventura de 75 anos da República Popular da China é, em muitos aspetos, um exemplo único na fase imperialista do capitalismo. Num período de tempo relativamente curto, uma nação atrasada, pobre e oprimida tornou-se num estado capitalista soberano, política, económica, militar e tecnologicamente independente. Isto, não importa como se olhe, é um progresso notável. Ironicamente, porém, na base deste progresso está o legado do seu período socialista.

 

“Os capitalistas dividem o mundo”, escreveu Lenine, “não por qualquer maldade particular, mas porque o grau de concentração alcançado os obriga a adotar este método para obter lucros” (143). Enquanto a China continuar a sua expansão capitalista, terá de participar nesta “divisão” de uma forma ou de outra. Esta é uma tendência que não pode ser evitada voluntariamente. Como tal, o “imperialismo” pode ser uma compulsão para a China continuar no seu atual caminho de desenvolvimento. A própria lógica da acumulação capitalista exige que o “Conglomerado do Capital Estatal” chinês siga esta rota. Contudo, existem obstáculos importantes a esse caminho, e uma série de fatores nacionais e internacionais determinarão se a “expansão capitalista com características chinesas” pode realmente ser levada à sua conclusão lógica.

 

Obviamente, os países do bloco imperialista dominante, especialmente os E.U.A., não querem ceder uma parte e perder a sua posição privilegiada a este novo e gigante ator. Basta olhar para a intensidade do cerco militar, económico e ideológico que visa a China – geralmente apoiado por uma retórica abertamente racista – para perceber que os velhos e dominantes imperialistas farão tudo o que estiver ao seu alcance para impedir a China de concretizar o seu potencial. Opor-se categórica e inequivocamente à "difamação China" (“China bashing”), que está a incitar o delírio nacionalista contra o povo chinês no seu todo e a alimentar sentimentos anticomunistas no Ocidente, bem como opor-se à agressão contra a China por parte dos países do bloco imperialista dominante, é uma tarefa internacionalista. Não significa, certamente, defender os interesses de classe reacionários dos capitalistas da China. Isto é, embora se oponha resolutamente às relações de exploração e opressão praticadas pelo capitalismo chinês dentro e fora da China, deve ser tomado o máximo cuidado para não se fundir e comprometer com a narrativa e propaganda anti-China do bloco imperialista dominante. A linha política da classe trabalhadora e dos oprimidos deve ser construída à escala global, de forma independente dos interesses, tanto dos imperialistas da “Tríade” liderada pelos E.U.A. – que são, evidentemente, a principal fonte de guerra e instabilidade no mundo de hoje – como do capitalismo chinês, com a sua fachada “socialista”.

 

Mao disse um dia que, se os imperialistas “insistirem em lançar uma terceira guerra mundial” é “provável que toda a estrutura do imperialismo entre em colapso total” (144). Hoje, o mundo parece estar a caminhar rapidamente para uma nova guerra de divisão. Nas guerras anteriores, a China era apenas um alvo. Na nova guerra, será provavelmente ao mesmo tempo um alvo e um partido. Ainda assim, deve ter-se sempre presente que a avaliação do carácter de uma possível guerra não pode ser feita apenas com base numa lista de verificação das características da China. Em vez disso, devem também incluir-se as posições da China e de todos os outros potenciais beligerantes nas relações económicas e políticas do mundo como um todo. Como Lenine assinalou no prefácio às edições francesa e alemã de Imperialismo: o estádio supremo do capitalismo, uma vez que “é sempre possível selecionar qualquer número de exemplos ou dados separados para provar qualquer proposição”, “o conjunto dos dados relativos à base da vida económica em todos os países beligerantes e de todo o mundo” deveria ser tida em conta para analisar “a posição objetiva das classes dominantes em todos os países beligerantes” e assim avaliar a “verdade social” ou “verdadeiro carácter de classe” de uma guerra (145). As análises baseadas em dados seletivos podem facilmente levar os sujeitos políticos a assumirem posições erradas e, mais importante ainda, irreversíveis em tempos turbulentos.

 

As grandes convulsões não conduzem espontaneamente ao aparecimento de alternativas progressistas e revolucionárias. Para que uma guerra imperialista conduza ao tipo de transformação que Mao apontou, são necessárias organizações disciplinadas mas flexíveis, combativas mas criteriosas, nas linhas de fratura do sistema capitalista. Tal foi o papel desempenhado pelo Partido Bolchevique e pelo PCC nas últimas Guerras Mundiais. Na ausência de tais forças para intervir na crise e transformá-la, estes desenvolvimentos (a ascensão da China no seio da economia mundial capitalista-imperialista e a reação dura, provocatória e brutal do bloco imperialista dominante a ela) podem ter consequências devastadoras, para a humanidade como para a natureza. Então, como é que esta tensão e possível conflito armado podem ser transformados a favor das classes trabalhadoras e das massas oprimidas? Aparentemente, esta é uma das questões mais importantes a que aqueles que ambicionam uma sociedade sem classes e um mundo sem exploração estão, e devem estar, a tentar responder hoje.

 

 

 

 

 

(*) Onurcan Ülker nasceu e cresceu na Turquia, tendo-se interessado desde muito jovem pelo marxismo e pelos movimentos sociais. Obteve o bacharelato e o primeiro mestrado em ciências políticas na Universidade Técnica do Médio Oriente, em Ankara. Fez outro mestrado em Estudos Chineses na Universidade de Pequim, como bolseiro Yenching. Atualmente, continua a estudar chinês na Universidade Nacional Cheng Kung como bolseiro do Ministério da Educação de Taiwan. Trabalhou anteriormente como assistente de investigação, investigador e assistente de ensino. Algumas das suas traduções e artigos, nomeadamente sobre a China revolucionária e pós-revolucionária, foram publicados em várias revistas turcas. Vive numa pequena cidade na Turquia, onde faz trabalho mental e manual. Este ensaio foi publicado originalmente, em inglês, no blogue da magnífica Research Unit for Political Economy (R.U.P.E.), de Mumbai (India). O autor agradece a Rajani X. Desai e à equipa RUPE pela leitura atenta, comentários perspicazes e contribuições valiosas para a versão preliminar do presente documento. A tradução para a língua portuguesa é de Ângelo Novo, que não subscreve integralmente os pontos de vista aqui expressos, mas considera, ainda assim, esta peça muito informativa e de grande valia analítica, para uma questão teórica importantíssima do nosso tempo. Digamos que esta é a análise mais severa e exigente que podemos aceitar ponderar quanto ao processo político atual da República Popular de China. Tudo somado, na atual conjuntura histórica mundial, as conclusões políticas que dela se extraem não são muito diferentes das de decorrem das análises mais apologéticas.

 

 

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NOTAS:

 

(1) Qilu Notícias da Tarde (27 de setembro de 2009). Porque é que Chiang Kai-shek desistiu a meio do bombardeamento da cerimónia de fundação em Tiananmen? (em Chinês).

 

(2) Li Tongcheng (2020, April 17). Toda a história da nomeação do primeiro diplomata na Nova China: as instruções de Zhou Enlai a Ge Baoquan (em Chinês).

 

(3) Samir Amin (1983). The future of Maoism [N. Finkelstein, Trans.]. New York: Monthly Review, pp. 41-61; Chris Bramall (2009). Chinese economic development. London & New York: Routledge, pp. 44-75.

 

(4) Maurice Meisner (1999). The significance of the Chinese Revolution in world history (LSE Asia Research Center Working Paper N.º 1), p. 7.

 

(5) Dongping Han (2014, October). “The socialist legacy underlies the rise of today’s China in the world. Aspects of India’s Economy, pp. 59-60.

 

(6) C. P. Fitzgerald (1970). The birth of communist China. Middlesex: Penguin, p. 207.

 

(7) World Bank (1982). China: Socialist economic development (in nine volumes), the main report (Vol.1).

 

(8) Diário do Povo (1 de julho de 2022). Um século num manual pictórico (em Chinês).

 

(9) Em retrospetiva, a abordagem dominante da era Mao, que retrata a história do PCC como uma história de “lutas de duas linhas” (两条路线斗争 liang tiao luxian douzheng), parece muito mais próxima da realidade. Para um exemplo proeminente de tal historiografia, ver os Conselhos Editoriais do Diário do Povo, da revista Bandeira Vermelha e do Diário do Exército de Libertação (1971, 1 de julho). Em comemoração do 50.º aniversário do PCC, Diário do Povo (em Chinês).

 

(10) Jiang Shixue (2024, April 29). “China is still a developing country despite what US leaders might say. South China Morning Post.

 

(11) Kerry Brown (2018, March 12). “China’s quest: To be a status super power”. The Diplomat.

 

(12) Oriana Skylar Mastro (2024). Upstart: How China became a great power?. New York: Oxford University, pp. 1-6.

 

(13) O Grupo dirigente do PCC do Gabinete Nacional de Estatística (2022, 16 de novembro). Ancorando-se no caminho do desenvolvimento de alta qualidade e avançando com coragem e determinação. Procurando a Verdade (em Chinês); National Statistical Society of China (2024, May 30). The World Bank released results of International Comparison Program 2021.

 

(14) Por exemplo, para uma comparação entre a China e os E.U.A., ver World Bank (2024). GDP per capita (current US$) – China, United States.

 

(15) O Grupo dirigente do PCC do Gabinete Nacional de Estatística (2022, 16 de novembro). Ibid.

 

(16) Conselho de Estado da RPC (2015, 8 de maio). Aviso do Conselho de Estado sobre a publicação do “Made in China 2025”, Guofa [2015] n.º 28. (em Chinês).

 

(17) Wu Yuehui (2018, January 11). “O nosso país já se tornou uma potência científica e tecnológica com influência global”. Diário do Povo (em Chinês).

 

(18) Instituto Nacional de Estatística, Ministério da Ciência e Tecnologia e Ministério das Finanças (2023, 18 de setembro). Boletim estatístico sobre o investimento dos fundos nacionais de ciência e tecnologia em 2022 (em Chinês).

 

(19) Benjamin F. Jones (2021). “Science and innovation: The under-fueled engine of prosperity.” In M. S. Kearney & A. Ganz (Eds.), Rebuilding the post-pandemic economy (ss. 272-310). Washington D.C.: Aspen Institute, p. 295-296; Ling Xin (2024, July 10). Top American scientist warns China could soon overtake US in STEM leadership. South China Morning Post.

 

(20) Martin Hart-Landsberg & Paul Burkett (2007, May). China, capitalist accumulation, and labor. Monthly Review, 59 (1); Pao-yu Ching & Hsin-hsing Chen (2021). “How capitalist reform developed China’s technology and productive forces?”. In P.-y. Ching, Revolution and counterrevolution: China’s continuing class struggle since liberation (pp. 293-315) (2 revised ed.). Paris: Foreign Languages.

 

(21) The Economist (2018, March 15). “America v China: The battle for digital supremacy ; The Economist (2024, June 12). “China has become a scientific superpower.

 

(22) Jennifer Wong Leung, Stephan Robin and Danielle Cave (2024, August). ASPI’s two-decade CriticalTechnology Tracker: The rewards of long-term research investment. Canberra: ASPI.

 

(23) China leads world in full-time equivalent of R&D personnel: report (2023, December 15).

 

(24) Richard Peet (2009). Unholy trinity: the IMF, World Bank and WTO (2nd ed.). London & New York: Zed.

 

(25) Erebus Wong, Lau Kin Chi, Sit Tsui and Wen Tiejun (2017, January). One Belt, One Road: China’s strategy for a new global financial order. Monthly Review, 68 (8).

 

(26) Lau Siu-kai (2024, March 17). The US-dominated international order is collapsing. China Daily HK.

 

(27) Por exemplo, leia-se Hal Brands and Michael Beckley (2021, September 24). China is a declining power - and that’s the problem. Foreign Policy. Para uma crítica recente ao argumento do “pico da China”, por outro lado, ver Yuen Yuen Ang (2024, September 4). China’s economic paradox.

 

(28) Robert Weil (1996). Red cat, white cat: China and the contradictions of “market socialism”. New York: Monthly Review, p. 224.

 

(29) Lin Chun (2013). China and global capitalism: Reflections on Marxism, history and contemporary politics. New York: Palgrave Macmillan, p. 66.

 

(30) Jin Minqing (2015). The development logic of Deng Xiaoping’s thought of common prosperity and its contemporary value. Studies on Marxist Theory in Higher Education, 1 (1), 70-78, pp. 70-71 (em Chinês).

 

(31) Segundo Amin, o termo “desconexão” refere-se “[à] organização de um sistema de critérios de racionalidade das escolhas económicas fundado numa lei do valor de base nacional e de conteúdo popular, independente dos critérios de racionalidade decorrentes do domínio da lei do valor (capitalista) que opera à escala mundial”. Ver Samir Amin (1984). A note on the concept of delinking. METU Studies in Development, 11 (1-2), 225-232, p. 225.

 

(32) Para análises críticas sobre os problemas estruturais dos “Estados em desenvolvimento” referidos como os chamados “Tigres Asiáticos”, ver Martin Hart-Landsberg and Paul Burkett (2001a). Crisis and recovery in East Asia: The limits of capitalist development. Historical Materialism, 8 (1), 3-47.; Martin Hart-Landsberg and Paul Burkett (2001b). Economic crisis and restructuring in South Korea: Beyond free market-statist debate. Critical Asian Studies, 33 (3), 403-430.

 

(33) Fred Engst (2019, July). The struggle for actually building socialist society: An interview with Fred Engst (O. Ülker, entrevistador). Aspects of India’s Economy, 74.

 

(34) Ver Chris Bramall (1993). In praise of Maoist economic planning: Living standards and economic development in Sichuan since 1931. New York: Oxford University.; Chris Bramall (2000). Sources of Chinese economic growth, 1978-1996. New York: Oxford University.; Chris Bramall (2007). The industrialization of rural China. Oxford & New York: Oxford University.; Bramall (2009). Ibid.; Chris Bramall (2019, December). “A late Maoist industrial revolution? Economic growth in Jiangsu Province” (1966–1978). The China Quarterly, 240, pp. 1039-1065.

 

(35) Mao Zedong (1956, April 25). On the ten major relationships.

 

(36) Pao-yu Ching (2021a). “China’s model for socialist development, 1949-1978”. In P.-y. Ching, Revolution and counterrevolution: China’s continuing class struggle since liberation (pp. 155-196) (2 revised ed.). Paris: Foreign Languages, pp. 159-160.

 

(37) Pao-yu Ching (2019). From victory to defeat: China’s socialist road and capitalist reversal. Paris: Foreign Languages, p. 55.; Ching (2021a). Ibid., pp. 161-162.

 

(38) John G. Gurley (1976). China’s economy and the Maoist strategy. New York and London: Monthly Review, pp. 249-250.

 

(39) World Bank (1982). Ibid., pp. ii, iv.

 

(40) Por exemplo, ver Jiu Jiangchun (10 de julho de 2011). Pobres dias da era de Mao (em Chinês).

 

(41) Yan Lingsi (10 de maio de 2023). Refutando o argumento de que a época de Mao Tse Tung foi de “pobreza universal” (em Chinês). Para uma avaliação oficial do atual PCC, ver Gabinete do Partido de Investigação da História do PCC (2016). “As conquistas históricas e grandiosas do Partido de 1949 a 1976”. Em Noventa anos do PCC: O período da revolução e construção socialistas (pp. 636-642). Beijing: Casa Publicadora de História do Partido do PCC e Casa Publicadora de Materiais de Leitura de Construção do Partido (em Chinês).

 

(42) Deng Xiaoping (1982, May 6). China’s historical experience in economic construction.

 

(43) Mobo Gao (2008). The battle for China’s past: Mao and the Cultural Revolution. London and Ann Arbor, MI: Pluto, p. 199.

 

(44) Joel Andreas (2019). Disenfranchised: The rise and fall of industrial citizenship in China. New York: Oxford University.

 

(45) Zhun Xu (2018). From commune to capitalism: How China’s peasants lost collective farming and gained urban poverty. New York: Monthly Review, pp. 86-89.; Dongping Han (2000). The unknown Cultural Revolution: Educational reforms and their impact on China’s rural development. New York: Garland.

 

(46) Dwight Perkins and Shahid Yusuf (1984). Rural development in China. Baltimore and London: Johns Hopkins University (for the World Bank).

 

(47) Jean Drèze and Amartya Sen (1995). India: Economic development and social opportunity. Oxford: Clarendon, pp. 59-68.

 

(48) Diqiucun 9 hao (2 de setembro de 2018). A história continua a provar a correção e a grandeza de Mao Zedong (em Chinês); Engst (2019). Ibid.

 

(49) The World Bank and Development Research Center of the State Council, the PRC (2022). Four decades of poverty reduction in China: Drivers, insights for the world, and the way ahead. Washington, DC: World Bank Group.

 

(50) Seth Donnelly (2019). The lie of global prosperity: How neoliberals distort data to mask poverty and exploitation. New York: Monthly Review Press, pp. 26-27.; Andrew Martin Fischer (2018). Poverty as ideology: Rescuing social justice from global development agendas. London: CROP & Zed, pp. 34-35.

 

(51) Fischer (2018). Ibid., pp. 34-35.; Seth Michael Donnelly (2022). “Imperialism, the mismeasurement of poverty, and the masking of global exploitation.” In Z. Cope & I. Ness (Eds.), The Oxford handbook of economic imperialism (pp. 333-353). New York: Oxford University, p. 342.

 

(52) Dylan Sullivan, Michail Moatsos and Jason Hickel (2024). “Capitalist reforms and extreme poverty in China: unprecedented progress or income deflation?”. New Political Economy, 29 (1), pp. 1-21.

 

(53) World Bank (1982). Ibid., pp. iii.

 

(54) Lin (2013). Ibid., p. 82.

 

(55) Samir Amin (2013). The implosion of contemporary capitalism. New York: Monthly Review Press, pp. 74-76.

 

(56) Martin Hart-Landsberg and Paul Burkett (2005). China and socialism: Market reforms and class struggle. New York: Monthly Review Press, pp. 20-21.

 

(57) Engst (2019), Ibid.

 

(58) Bramall (2009). Ibid., p. 376.

 

(59) UNCTAD (2024). World investment report 2024: Investment facilitation and digital government. New York: United Nations, pp. 8-9.; IMF, Asia and Pacific Department (2024). People’s Republic of China: Selected issues. Washington, D.C.: IMF, pp. 40-51.; Qian Peishan (2024, June 3). “Onde está o potencial para atrair investimentos estrangeiros?”. Outlook (em Chinês).

 

(60) Lili Kang, Fei Peng, Yu Zhu and An Pan (2018). Harmony in diversity: Can the One Belt One Road Initiative promote China’s outward foreign direct investment?. Sustainability, 10 (9), 1-28, p. 2.

 

(61) A China tornou-se um exportador líquido de capitais pela primeira vez em 2015 (2020, 30 de outubro). (em Chinês); Jonathan Wildsmith (2024, June 3). China shifts to capital exports.

 

(62) UNCTAD (2024). Ibid., pp. 19-21.

 

(63) V.I. Lenin (2020 [1917]). Imperialism, the highest stage of capitalism. Paris: Foreign Languages, p. 92.

 

(64) Paul Quintos (2017). “Notes on monopoly capital in the 21rst century: 100 years since Lenin’s Imperialism.” In A. A. Tujan Jr. (Ed.), Lenin’s Imperialism in the 21rst century (pp. 19-44). Manila: Institute of Political Economy, pp. 33-34.

 

(65) Fortune (2024). Global 500 ; Wang Cong (2024, August 5). New Fortune Global 500 list shows rise of China’s internet, EV sectors. Global Times.

 

(66) Yuan Gangong (3 de setembro de 2024). Uma comparação das economias dos E.U.A. e da China a partir da lista Fortune 500. Geshang Gestão Financeira (em Chinês).

 

(67) Ministério do Comércio da RPC, Instituto Nacional de Estatística e Administração Estatal de Câmbio (2023). Boletim estatístico de 2022 sobre o investimento direto estrangeiro da China. Beijing: Imprensa de Comércio de China (em Chinês), pp. 28-29.

 

(68) Por exemplo, um estudo mostra que, entre as 100 maiores empresas chinesas cotadas em bolsa, a quota de capitalização de mercado das empresas públicas diminuiu de 78,1% em dezembro de 2010 para 31,2% em junho de 2021, antes de voltar a aumentar para 54% em junho de 2024. Ver Tianlei Huang and Nicolas Véron (2024, September 3). China’s private sector has lost ground as state sector has gained share among top corporations since 2021.

 

(69) Michael Roberts (2022). China as a transitional economy to socialism?. Journal of Global Faultlines, 9 (2), 180-197, pp. 185-186; 188-190.

 

(70) Roland Boer (2021). Socialism with Chinese characteristics: A guide for foreigners. Singapore: Springer, pp. 124-126.

 

(71) Domenico Losurdo (2017). Has China turned to capitalism? Reflections on the transition from capitalism to socialism. International Critical Thought, 7 (1), 15-31, pp. 27-28.

 

(72) Por exemplo, ver Jay Tharappel (2021, Spring). Why China’s capital exports can weaken imperialism?. World Review of Political Economy, 12 (1), pp. 27-49.

 

(73) Claudio Katz (2021, April 20). China: Neither imperialist nor part of the Global South [R. Fidler, Trans.].

 

(74) Zhongjin Li and David M. Kotz (2021). Is China imperialist? Economy, state, and insertion in the global system. Review of Radical Political Economics, 53 (4), pp. 1-11.

 

(75) Karl Marx (2021 [1852]). The Eighteenth Brumaire of Louis Bonaparte. Paris: Foreign Languages, pp. 108-109.

 

(76) Hae-Yung Song (2010). “The developmental state and the neoliberal transition in South Korea”. In A. Saad-Filho & G. L. Yalman (Eds.), Economic transition to neoliberalism in middle-income countries (pp. 141-153). London and New York: Routledge, p. 141.

 

(77) Deng-yuan Hsu and Pao-yu Ching (2017). Rethinking socialism: What is socialist transition? (7th ed.). Utrecht: Foreign Languages, pp. 19-25.

 

(78) Antonio Gramsci (1992 [1929-1935]). Selections from Prison Notebooks (11th ed.) [Q. Hoare & G. N. Smith, Ed. & Trans.]. New York: International, p. 160.

 

(79) Karl Marx (2010 [1867]). “Capital (vol. 1)”. In, K. Marx & F. Engels, Collected Works (vol. 35). London: Lawrance & Wishart, p. 751.

 

(80) Fred Engst (2019, October). On class struggle in China during the Mao era. Institute of Political Economy (IPE) Journals, 9-75, p. 35.

 

(81) O termo “socialismo” refere-se aqui a um período de transição entre sociedades capitalistas e comunistas, tal como definido por Marx. Ver Karl Marx (2021 [1875]). Critique of the Gotha Program. Paris: Foreign Languages, p. 25.

 

(82) Hsu & Ching (2017). Ibid.

 

(83) Charles Bettelheim (1974). Cultural Revolution and industrial organization in China: Changes in management and the division of labor [A. Ehrenfeld, Trans.]. New York and London: Monthly Review Press, pp. 70-72.

 

(84) Lao Tian entrevista Yang Heping: Experiências de trabalho na fábrica de madeira de Guanghua durante a Revolução Cultural (2016, 3 de janeiro). Oficina inovadora. (em Chinês).

 

(85) Stephen Andors (1977). China’s industrial revolution: Politics, planning, and management, 1949 to the present. New York: Pantheon, pp. 229-230.

 

(86) Hao Qi (2014, January). The labor share question in China. Monthly Review, 65 (8).

 

(87) Lin Chun (2008). Against privatization in China: A historical and empirical argument. Journal of Chinese Political Science, 13 (1), 1-27, pp. 4-5.; Pao-yu Ching (2021b). “Labor reform: Mao versus Liu and Deng”. In P.-y. Ching, Revolution and counterrevolution: China’s continuing class struggle since liberation (pp. 63-88) (2nd revised ed.). Paris: Foreign Languages, pp. 74-77.; Andreas (2019). Ibid., pp. 166-219.

 

(88) The World Bank and Development Research Center of the State Council, the PRC (2013). China 2030: Building a modern, harmonious and creative society. Washington, DC: The World Bank, p. 104.

 

(89) Xinwen Zhang (2023). Is China socialist? Theorising the political economy of China. Journal of Contemporary Asia, 53 (5), 810-827, pp. 820-821.

 

(90) Kerry Brown (2014). The new emperors: Power and the princelings in China. London and New York: I. B. Tauris, pp. 39-41.; Wing-Chung Ho (2013). The new ‘comprador class’: The re-emergence of bureaucratic capitalists in post-Deng China. Journal of Contemporary China, 22 (83), pp. 812-827.

 

(91) Deve reconhecer-se que a repressão anticorrupção de Xi (ou, mais precisamente, a sua ação de retificação do Partido, de cima para baixo, sob o disfarce de “anticorrupção”), independentemente da sua escala, alvo e eficácia, encontrou uma resposta positiva entre o público chinês, que há muito estava desiludido com o aumento da corrupção oficial e da degeneração após a Reforma. Até mesmo Qi Benyu (1931-2016), que tinha sido expurgado durante a Revolução Cultural devido às suas opiniões “extremistas”, afirmou, pouco antes de falecer, que Xi Jinping era “o único líder nacional da era pós-Mao que lutou efetivamente contra a corrupção na prática e não apenas em palavras”. Ver, Zhang Hongliang (2014, November 14). Um brinde ao velho Qi, um comunista genuíno, altruísta e destemido: Comentário ao artigo de Dagong Net intitulado “O mestre da Revolução Cultural Qi Benyu: Xi Jinping é o segundo Mao Zedong”. Rede de Revolução Nacional (em Chinês).

 

(92) Onurcan Ülker (2017). How red are the ‘red experts’? What do the future generations of the CPC think about communism? [Tese de mestrado não publicada]. Yenching Academy of Peking University.

 

(93) CASS: 40% dos proprietários de empresas privadas fora do partido estão dispostos a aderir ao Partido Comunista (2012, 20 de dezembro). Diário da Cidade do Sul (em Chinês).

 

(94) Hurun Report (2023, October 24). Hurun China Rich List 2023.

 

(95) Fred Engst (2017). “Imperialism, ultra-imperialism and the rise of China”. In A. A. Tujan Lenin’s Imperialism in the 21rst century (pp. 73-103). Manila: Institute of Political Economy.

 

(96) V. I. Lenin (1915). Imperialism and socialism in Italy (note).

 

(97) Karl Marx (2010 [1867]). Ibid., p. 591.

 

(98) Cao Zhenglu (2014, 11 de Dezembro). Da literatura contemporânea ao dilema atual: continuar a revolução ou dizer adeus à revolução? Oficina Inovadora (em Chinês).

 

(99) Mao Zedong (2015 [1964]). “Porque é que os 'Artigos Duplamente Dez' e os 'Artigos Sessenta' podem mobilizar o poder do povo? Em D. Zhang (Ed.), Collected Works of Mao Zedong (vol. 47) (pp. 367-368). Hong Kong: Rundong, p. 368 (em chinês).

 

(100) “A China deve manter e melhorar o seu sistema económico socialista de base, fazer com que o mercado desempenhe o papel decisivo na atribuição de recursos e que o governo desempenhe melhor o seu papel...” [sublinhado nosso]. Ver Central Committee of the CPC (2021, November 11). Resolution of the Central Committee of the Communist Party of China on the major achievements and historical experience of the Party over the past century.

 

(101) Para um estudo académico sobre o Incidente de Jasic, as suas causas e consequências, ver Jenny Chan (2020). A precarious worker-student alliance in Xi’s China. The China Review, 20 (1), pp. 165-190.

 

(102) Weil (1996). Ibid., p. 226.

 

(103) Vento do Oceano Pacífico (2017, 31 de outubro). Vários pontos de vista sobre a natureza da sociedade chinesa entre os esquerdistas (em Chinês).

 

(104) Minqi Li (2021, July-August). China: Imperialism or semi-periphery?. Monthly Review, 73 (2).

 

(105) Guarda da Montanha Jinggang (2018, 28 de junho). A falência da “teoria do imperialismo chinês” na perspetiva da “guerra comercial”: Também sobre a principal contradição do capitalismo chinês (em Chinês).

 

(106) Feng Langqi (2019, 2 de abril). Porque é que dizemos que a “teoria do imperialismo chinês” é puramente uma teoria da incerteza da revolução? (em Chinês).

 

(107) Viagem Um (2018, 6 de julho). Piada! Negar a “teoria do imperialismo chinês” é revisionismo? (em Chinês).

 

(108) Viagem Um (2018, 4 de julho). A “teoria do imperialismo” do camarada Hua Shi: Também uma avaliação do derrotismo da esquerda pequeno-burguesa (em Chinês).

 

(109) Viagem Um (2023, 11 de janeiro). As fantasias neoliberais dos defensores da “teoria do imperialismo chinês” e a grande luta do proletariado chinês (em Chinês).

 

(110) Sociedade de Marxismo da Universidade de Pequim (?) (2017). Percurso histórico da República: A história e a lógica da revolução e da restauração. Sem lugar: Sem editor (em chinês), pp. 353-366.

 

(111) A China é um país imperialista e o “Partido de Caraterísticas [Chinesas]” é um partido burguês (2018, 2 de outubro). Jornal Vanguarda (em Chinês).

 

(112) Han Liuji (2014). Sobre a ascensão do capital “com caraterísticas [chinesas]” e o caminho para a reemancipação da classe trabalhadora chinesa. Sem lugar: Sem editor (em chinês); Para a versão chinesa de Engst (2017), ver Hua Shi (2017, 19 de setembro). Imperialismo, ultra-imperialismo e a ascensão da China (em Chinês).

 

(113) Hua Shi (2018, 29 de julho). A Teoria dos Sistemas-Mundo não é apenas a teoria da “relação marido-mulher”? (em Chinês).

 

(114) Yang Heping (2022, 14 de abril). O que é o imperialismo? (em Chinês).

 

(115) Vento de Leste (2019, 27 de março). Imperialismo ou “semiperiferia”? Sobre as diferenças fundamentais na natureza da sociedade chinesa (Parte I) (em Chinês).

 

(116) Martin Hart-Landsberg (2018, October 2). A critical look at China’s One Belt, One Road Initiative; Pao-yu Ching (2017). “The current phase of imperialism and China”. In A. A. Tujan Jr. (Ed.), Lenin’s Imperialism in the 21st century (pp. 59-72). Manila: Institute of Political Economy, pp. 68-69.

 

(117) Por exemplo, ver Feng (2019), Ibid.; Li (2021), Ibid.

 

(118) Carlos Casanova, Alicia Garcia-Herrero and Le Xia (2015, June). Chinese outbound foreign direct investment: How much goes where after roundtripping and offshoring? (BBVA Research Working Paper No. 15/17).

 

(119) Wang Hongru (2023). A “Faixa e Rota” volta a navegar. Semanário Económico Chinês, 20 (em Chinês).

 

(120) Margit Molnar, Ting Yan and Yusha Li (2021). China’s outward direct investment and its impact on the domestic economy (OECD Economics Department Working Papers N.º 1685), pp. 15-16. .

 

(121) Lenin (2020 [1917]). Ibid., p. 110.

 

(122) Lenin (2020 [1917]). Ibid., p. 8.

 

(123) ILO (2022). Global wage report 2022-23: The impact of inflation and COVID-19 on wages and purchasing power. Geneva: International Labor Office, p. 12.

 

(124) National Bureau of Statistics of China (2024a, January 18). Households’ income and consumption expenditure in 2023.

 

(125) Yang Danxu (2020, June 3). 600 million Chinese earn 1,000 RMB a month – so are the Chinese rich or poor? [G. Chong, Trans.].

 

(126) China Labour Bulletin (2023, May 15). Employment and wages.

 

(127) Lucas Chancel, Thomas Piketty, Emmanuel Saez and Gabriel Zucman (2021). World inequality report 2022, pp. 191-192.

 

(128) National Bureau of Statistics of China (2024b). China statistical yearbook 2023: 2-1 Population and its composition.

 

(129) National Bureau of Statistics of China (2024c, May 1). Migrant workers monitoring survey report 2023 (em chinês).

 

(130) China Labour Bulletin (2023, September 6). Migrant workers and their children.

 

(131) World Bank (2023). Labor force, total-China, world.

 

(132) Lenin (2020 [1917]). Ibid., p. 8.

 

(133) Torkil Lauesen (2019). “The prospects for revolution and the end of capitalism: An exercise in historical materialism”. Journal of Labor and Society, 22 (2), 1-34, pp. 30-32.

 

(134) V. I. Lenin (1916, September). The military programme of the proletarian revolution.

 

(135) Nan Tian and Fei Su (2021). A new estimate of China’s military expenditure. Solna: SIPRI, p. 19.

 

(136) SIPRI (2023). Military expenditure database.

 

(137) Zhang Jian (2019). “Towards a ‘world class’ military: Reforming the PLA under Xi Jinping”. In J. Golley et al. (Eds.), China story yearbook 2018: Power (pp. 218-230). Canberra: ANU, pp. 229-230.

 

(138) Office of the Secretary of Defense (2020). Military and security developments involving the People’s Republic of China 2020: Annual report to congress, p. X.

 

(139) The Policy Planning Staff, Office of the Secretary of State (2020). The elements of the China challenge, pp. 45-50.

 

(140) Ashik Siddique (2021, January 15). More military money, more problems.

 

(141) Mark Tseng-Putterman (2021, July-August). China and the American lake. Monthly Review, 73 (3).

 

(142) Mobo Gao (2018). Constructing China: Clashing views of the People’s Republic. London: Pluto, pp. 235-240.

 

(143) Lenin (2020 [1917]). Ibid., p. 76.

 

(144) Mao Zedong (1957, February 27). On the correct handling the contradictions among the people.

 

(145) Lenin (2020 [1917]). Ibid., pp. 3-4.