Carta a Magalhães Lima (*)

 

  

 

José Correia Nobre França

 

 

Aqui vou cumprir a promessa de esboçar o início do movimento socialista em Portugal. Desculpará o desalinho da exposição, que não poderá ser boa, atento o estado de insuportável aborrecimento em que estou normalmente.

 

Antes de tudo, permita-me dizer-lhe, o que aliás o meu amigo já sabe, que o critério historico é indispensável para fazer a crítica do socialismo. Terá observado que o socialismo nas nações católicas é menos consciente e mais subsistente que nas protestantes, e que esse estado do sentimento popular corresponde ao político e industrial. Onde o catolicismo pôde criar fundas raízes, as populações permaneceram e permanecem ainda hoje, embrutecidas. O espectáculo, que hoje estão dando as nações católicas, debatendo-se em afrontosas crises económicas efinanceiras, é o resultado de uma educação secular e aviltante; ao passo que as nações protestantes atingiram um elevadíssimo estado de prosperidade, graças principalmente às suas liberdades individuais, tão inconciliávels com o catolicismo, quanto o são com o protestantismo.

 

O socialismo contemporâneo - dos operários - nasceu em Portugal após o movimento da Comuna de Paris. Antes desse movimento, o socialismo estava reduzido às idealizações de alguns filantropos (Sousa Brandão [1], por exemplo), às lucubraeões literárias de filósofos, como Antero, ou às cogitações de uma democracia idealista, querendo resolver por um carbonarismo, também ideal, o problema das instituições políticas. A este grupo democrata pertenceram Fontana, Antero, Oliveira Martins, e outros (2).

 

Os sucessos da comuna chamaram as atenções da classe operária, que, pela primeira vez, viu consumar-se uma insurreição, emanando de uma organização de proletárlos. Carecendo absolutamente de tradições revolucionárlas de qualquer ordem, e alheado completamente das lutas partidárlas - que só interessavam à burocracia - os operários portugueses como que aguardavam uns Messias, que os viessem buscar e guiar para a terra da promissão.

 

O Centro Promotor (3) tornara-se o seu foco de atracção, e ali desabrochavam os oradores propagando o novo verbo, do qual aliás não tinham um inteiro conhecimento. A esse número pertenceram Fontana, Lúcio Fazenda, Azedo Gneco, Conceição Fernandes, Felizardo Lima, e outros, cujos nomes não me lembram (4).

 

No entanto, em Espanha a organização da Internacional fora consecutiva à proclamação da comuna (5), e já ali existiam seccões e federação, quando nós ainda estávamos no periodo da declamação. Três emissários, delegados pelas secções de Madrid, vieram a Lisboa sondar terreno e preparar a propaganda. Naturalmente, foram atraídos para o Centro Promotor, onde puderam observar o estado dos espíritos e escolher os elementos necessários ao seu intento. Acauteladamente, todos três se aproximaram de Fontana, com quem serelacionaram com o devido disfarce; e estabelecidas, essas relações, começaram as conferências privadas. A polícia vigiava o movimento democrático, cuja expansão ainda estava restrita ao Centro.

 

Tiveram lugar a bordo de botes cacilheiros, vogando no Tejo, as conferências dos três espanhóis com Fontana, Antero de Quental (que viera conduzido por Fontana), e mais dois ou três moços, eventualmente, que não pude com certeza averiguar quem foram. Foi dessas conferências que brotou aideia nítida das aspirações, e da organização da classe operária. Os três emissários - Mora, Morago e Lourenzo - eram dos mais inteligentes, viris e instruídos socialistas das secções madrilenas. Oradores consumados e polemistas convictos e ardentes, fácil lhes foi a tarefa de serem compreendidos por espíritos tão elevados como os de Antero e Fontana.

 

Retirados os missionários (poucos dias depois da sua vinda), Fontana e Antero puseram mãos à obra de propaganda e organização. A primeira coisa que fizeram foi constituir um grupo iniciador. Foi nesse grupo que apareceram os primeiros elementos organizadores, atraídos por Fontana ou Antero: Eduardo Maia, França, Tedeschi, Tito, Soares Monteiro, Gonçalves Lopes, e mais um ou dois, de que não me lembro. A organização deste grupo era secreta e moldada pelo estatuto da Aliança da democracia socialista, fundada por Bakunine, e predominante então, tanto em Espanha, como na Suíça e na Bélgica, cujas organizações foram consecutivas à comuna (6).

 

Foi esse grupo que fundou o Pensamento Social (7), e foi especialmente para ocorrer às despesas da sua instalação que Antero escreveu e o grupo publicou o opúsculo O que é a Internacional? Seguidamente, os elementos mais activos do grupo, mas Fontana principalmente, efectuaram ardentemente a evangelização e a agremiação da classe operária, em volta do simplicíssimo estatuto da Fraternidade Operária (8), feito por Fontana. Dentro de um ano, graças à ardente dedicação de sinceros e honestos operários de todas as classes, Lisboa continha dez mil congregados nas secções de resistência dos seus ofícios, o Porto uns oito mil e as vilas circunvizinhas das duas cidades alguns milhares (9). Na organização da numerosíssima classe dos manipuladores de tabaco, de Lisboa, apareceram organizadores e propagadores tão activos e inteligentes como Brito Monteiro, Pedro de Carvalho, Júlio, Braz Pacheco e outros (10).

 

Ao movimento de organização, sucedeu o das greves, logo no ano de 1872. Não lhe descrevo este movimento, por ser largo e minucioso. Basta-me dizer que ele se propagou por várias classes, produzindo benefícios, ainda hoje desfrutados. Cito-lhe, para exemplo, os fabricantes de massas, cujo trabalho era verdadeiramente de escravos, dezasseis e dezoito horas por um salário miserável; a alteração eredução do horário dos carpinteiros navais e calafates; a redução dos serões das classes do ferro; e principalmente aquela modificação profunda nos costumes e condições de trabalho dos manipuladores de tabaco, que lhes deu esse espírito de solidariedade, com o qual têm conseguido impor-se de certo modo à consideração da classe dirigente, contando hoje uma organização tão prometedora como a da Voz do Operário (11).

 

Foi da greve das classes do ferro, que nasceu a cooperativa Indústria Social, animada por esse lealíssimo amigo dos operários, Sousa Brandão; sendo hoje essa sociedade um dos primeiros estabelecimentos do seu género (12).

 

Todavia, a semente da liberdade proletária, lançada com ardor, aprofundara pouco a terra. A excitação quebrantou as forças, porque faltava a razão fria e a serenidade. Foi um lampejo da raça, produzindo resultados que outros povos não têm conseguido em alguns anos de persistente organização. A descrença surgiu no meio da refrega, e, quando se viram lutando à custa das próprias forças, os operários esmoreceram e debandaram, regressando ao seu estado anterior de esperanças no Deus dará. A intriga de vários agentes coroou a obra de dissolução, de modo que já no ano de 1873 podiam dizer que o movimento tinha de ser impulsionado de novo.

 

E com esse fim, as reformas dos estatutos sucederam umas às outras, formando-se vários grupos com diversos programas e títulos.

 

Por outro lado, nos outros países as lutas entre os elementos operários era temerosa. Os partidários da constituição política da classe operária, tendo à sua frente K. Marx, F. Engels e outros chefes da escola alemã, investiam sem tréguas contra a Aliança fundada por Bakunine e sustentada e defendida pelos anarquistas inspirados na escola russa. Essa luta, porém, que ainda dura, não se repercutiu directamente em Portugal, tendo todavia exercido aqui a sua acção dissolvente no espírito da classe operária, por lhe faltar o exemplo de potentes e solidárias organizacões estrangeiras. Dessa arte, a insensata propaganda anarquista produzia em todo o caso alguns dos seus efeitos.

 

Foi nesta situação que o conselho geral da Associação Internacional, tendo a sua sede em Londres, convocou o mundo operário para o congressouniversal, que devia celebrar-se na Haia em 1874 (13). Uma das questões do programa era a constituição da classe operária em partido político, questão nova, aliás, e, por assim dizer, quase incompreensível para os operários das nações católicas. Apesar das perturbações e lutas desse congresso, donde foi expulso o mais contumaz anarquista desse tempo - o suíço Guillaume (14) -, essa constituição foi aprovada por maioria, sendo essa maioria, quase toda de representantes dos países do norte europeu.

 

Agora, sabe o meu amigo qual foi a federação meridional que, a primeira vez, proclamou com alemães, ingleses, americanos, suecos, holandeses, e alguns belgas, suíços e franceses, a constituição do partido operário? Foi Portugal!

 

De tal modo influira no espírito de alguns operários portugueses a queda da potente federação espanhola, produzida pela restauração monárquica; tal efeito produzira a luta da classe operária de Espanha entre essa república, que ia substituir a burocracia do Estado pela burguesia industriosa, dando a essa nação as primeiras liberdades individuais - que o sentimento de repulsão contra os processos anárquicos, que não compreendem as razões históricas dos movimentos populares, foi decisivo.

 

Lafargue (que é hoje deputado do parlamento francês), vindo de Espanha já com o encargo de representar as secções espanholas no congresso de Haia, relacionou-se em Lisboa com o conselho da Internacional, da qual era secretário-geral Nobre França. Reunidos todos, e discutida principalmente a questão do partido operário, essa questão foi aprovada por unanimidade, sendo Lafargue incumbido de representar no congresso a federação portuguesa. Devia levar o relatório sobre a situação geral, económica e política do país, e principalmente sobre a situação da classe operária (15). Numa noite, das nove da tarde às nove da manhã, foi escrito esse relatório, onde a federação portuguesa justificava os seus votos.

 

Após o congresso de Haia, que tanto ruído produziu entre a burguesia de várias nacões, reanimaram-se os esforços em Portugal para o levantamento do partido operário, e a sessão, onde o conselho proclamou a célebre resolução política do congresso de Haia, foi ainda das mais notáveis do nosso movimento nacional. A essa sessão assistiu Gomes Leal.

 

As outras nações, supostas latinas, entraram umas após outras, no movimento politico, mas anos depois do congresso de Haia.

 

Essa solucão, porém, não levantou, como em 1872, a classe operária portuguesa. O vírus do catolicismo monárquico, momentaneamente amortecido no seu organismo, refluiu novamente aos vasos da sua vitalidade, conduzindo-a a esse estado de torpor, no qual assiste indiferente àsespeculações de sua classe, que lhe esfacela e vende a pátria, onde os operários só podem manter e defender os seus interesses.

 

Depois dessa constituição política, concorremos como partido operário a algumas eleicões, tanto de deputados, como de camaristas; tivemos associações e dois jornais, o Protesto em Lisboa e o Operário no Porto, hoje Protesto Operário e Trabalhador (16); celebrámos congressos, elaborámos programas, fizemos e refizemos estatutos; mas tudo isso tem sido somenos com relação aos instantes interesses da classe trabalhadora.

 

À parte muitos elementos dispersos dos nossos primeiros movimentos, o que existe hoje tem pouca significação verdadeiramente socialista. O que predominam são agremiações animadas pela burocracia, esperando pelas cebolas do Egipto.

 

 

 

 

 

 

 

(*) Sebastião de Magalhães Lima (1850-1928) foi um destacado advogado, jornalista, dirigente político e escritor português. Republicano com pendor para o socialismo utópico, foi membro da geração de 70, fundador do jornal ‘O Século’ e durante largos anos grão-mestre da Maçonaria portuguesa. Esta carta particular que lhe é dirigida por Nobre França foi incluída no seu livro O Socialismo na Europa, prefaciado por Benoit Malon, Tip. da Companhia Nacional Editora, Lisboa, 1892, pp. 333-340. É um dos mais importantes documentos primários sobre a fundação do socialismo português. Utilizamos aqui a transcrição que consta de Carlos da Fonseca, Integração e Ruptura Operária, Estampa, Lisboa, 1975, incluindo as utilíssimas notas deste autor.

 

 

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NOTAS:

 

(1) Francisco Maria de Sousa Brandão (1818-1892). Oficial do exército e engenheiro, combatente das hostes liberais como partidário de José Estêvão. Emigrado em França, assiste à revolução de 1848 que devia convertê-lo ao sociallsmo. Em 1849, é director das Obras Públicas. Colabora na fundação da Associação de Socorros Mútuos que dará origem ao Centro Promotor, na Fraternidade Operária, na Cooperativa «Indústria Social», na Caixa de Crédito Industrial, no Banco do Povo, etc.. Em 1875 adere ao Partido Republicano, fazendo parte do seu directório.

Sousa Brandão não é um utopista no sentido clássico do termo, um inventor de sistemas, como o foram Fourier, Owen ou Proudhon, nem verdadeiramente «precursor» das ideias socialistas em Portugal. A sua actividade teórica é sobretudo a de um divulgador, de um comentador de sistemas existentes que tenta adoptar à situação particular do país.

 

(2) As discórdias doutrinais entre o voluntarismo idealista de Fontana, Antero, B. Reis e Carrilho, membros das «classes médias», e os delegados operários das secções de ofício foram já estudadas no nosso trabalho sobre A Origem da I Internacional em Lisboa, Lisboa, Estampa, 1973.

 

(3) O Centro Promotor de Melhoramentos das Classes Laboriosas teve a sua origem na Associaeão dos Socorros Mútuos em 1852. Os primeiros estatutos datam de Junho de 1853. Pelo Centro passaram várias gerações de operários mutualistas, cooperativistas e internacionalistas, ladeadas por tantas outras de burgueses conspiradores, monárquicos e republicanos, federalistas, maçónicos e blanquistas, até à separação definitiva destas correntes, em 1871. Neste ano o Centro decompõe-se, monárquicos e republicanos disputam ruidosamente a clientela operária. O descontentamento dos monárquicos progressistas é visivel logo que o Centro se transforma num foco de «discussões calorosas sobre o socialismo» e quando Carrilho Videira, «perigoso conspirador», é eleito para o cargo de secretário-geral.

Uma monografia da história desta associação é indispensável para dissolver a cortina de fumo que oculta ainda o período que vai de 1852 a 1872. Uma leitura sistemática de A Revolução de Setembro (em especial o ano 1849), ano em que Francisco Vieira da Silva nutriu uma fértil campanha pró-associação, espera ainda um historiador. O mesmo se poderá dizer para o Jornal do Centro Promotor, periódico que teve duas séries (12 de Fevereiro de 1853 a 29 de Outubro de 1853) e a segunda que começa em 16 de Maio de 1854; A Tribuna do Operário, Lisboa, 1854, também fundado por Francisco Vieira da Silva e que viveu dois anos; O Eco Popular, dirigido por Joaquim Marcelino de Matos; A Federação, fonte inesgotável de informações para esta época, onde colaboraram António Joaquim de Oliveira, José Maurício Veloso, José Augusto da Silva, etc.; O Jornal do Trabalho, Lisboa, cujo primeiro número dos setenta e dois que formam a colecção é datado de 4 de Agosto de 1862: com a colaboração de vários tipógrafos, que faziam parte dessa elite operária que tanto fez pelas organizações de trabalhadores; O Jornal da Associação Fraternal dos Sapateiros e Artistas que trabalham em Cabedal, Lisboa, Outubro de 1853, O Trabalho, dirigido por Bonança, Carrilho, Silva Pinto,... e tantos outros periódicos e materiais que dormem abandonados nas nossas bibliotecas.

 

(4) Nobre França esquece João Bonança, Eduardo Maia, Batalha Reis, JoséTito e José Tedeschi talvez voluntariamente e por questões de ordem ideológica. De facto, todos estes nomes se divorciam do movimento socialista, abandonando-o ou trocando-o por uma perspectiva republicana.

 

(5) A penetração da Internacional em Espanha é anterior a Comuna de Paris, tendo sido fixada a data oficial da sua ramificação pelos historiadores após a «Gloriosa» de 1868. Já em Setembro de 1866, um membro da A. I. T. (Mollard) propunha a difusão das suas doutrinas em Barcelona. Em Setembro de 1867, os operárlos catalães enviaram uma mensagem de solidariedade aos congressistas reunidos em Lausana e o Congresso de Bruxelas (Setembro de 1868) verá chegar o primeiro elemento espanhol, Sarro Magallán. No entanto, os contactos definitivos só serão estabelecidos a partir do mês de Outubro com a chegada a Barcelona de Giuseppe Fanelli, Elie Reclus (irmão de Elisée) e Aristides Rey. Quis o destino que a chegada dos três «libertários» fosse seguida pelo «Manifesto aos Trabalhadores Espanhóis», lançado pela A. I. T. em 26 de Dezembro de 1868, facto que se revestira de uma importância particular no contexto da polémica entre «autoritários» e «anti-autoritários» particularmente visível nesta região. Em Janeiro de 1869 constitui-se o Núcleo Fundador provisório da A. I. T. em Madrid e, em Agosto, a Federação Regional Espanhola leva a público o primeiro número de La Federación.

O leitor interessado na conexão dos socialismos ibéricos poderá consultar as seguintes obras:

Clara E. Lida. Anarquismo y Revolución en la España de XIX, México, Siglo Veintiuno Editores, Sa. 1972, 2 vols., trabalho rigorosamente científico de uma investigadora da Wesleyan University; Clara E. Lida - I. Zavala. La Revolución de 1868. Historia Pensamiento Literatura, Nova Iorque, Las Americas Publishing Company, 1970.

Uma série de trabalhos científicos publicados ou orientados pelo catedrático Carlos Seco Serrano da Universidade de Barcelona:

Carlos Seco Serrano. AIT Actas (1870-1874), Barcelona, Ediciones de la Catedra de Historia de España, 1969, 2 vols.

_________________. AIT - Cartas, Comunicaciones y Circulares I (Septiembro-Octubre 1872), Barcelona, ibidem, 1972.

Oriol Vergés Mundó. La I Internacional en las Cortes de 1871, Barcelona, ibidem, 1964.

Josep Termes. Anarquismo y sindicalismo en España. La Primera Internacional (1864-1881), Barcelona, Ediciones Ariel, 1972.

 

(6) Nobre França esquece a criação simultânea de dois grupos, um da A. I. T. outro de A. D.-S. (Veja Lorenzo, El Proletariado Militante. Toulouse, Ed. C. N. T.-M.L.E., 1946). Nós seremos menos categóricos quanto à «maioria bakuninista» na Suíça e na Bélgica. Veja entretanto J. Dhont - C. Oukhowo, La Première International en Belgique, In «Colloques - La Première Internationale», Paris, C. N. R. S., 1968, pp. 151-168. M. Vuilleumier. La Première Internationale en Suisse, ibidem, pp. 231-250. Marianne Enkel, La Fédération Jurassienne, Lausanne, Editions La Cité, 1971.

 

(7) Fontana parece não fazer parte do grupo editor inicial do Pensamento Social.

 

(8) Editado em Carlos da Fonseca, A Origem da I Internacional em Lisboa, Estampa, Lisboa, 1973.

 

(9) As estatísticas da FO são o produto de uma avaliação exagerada como demonstrámos em A Origem da I Internacional...

 

(10) [José Maria de Sousa] e Brito Monteiro, autor de um opúsculo Aos Trabalhadores de Portugal.

Custódio Braz Pacheco (1840-1883), e não Júlio, manipulador de tabaco, foi um dos fundadores e presidente da Associação União Fraternal dos Operários da Fabricação dos Tabacos em 1863. Veterano da organização corporativa dos tabaqueiros, Braz Pacheco acompanhou de perto a Fraternidade Operária. Elemento moderado, separa-se da corrente sociallsta e em 1878 faz parte do Partido Republicano Federal. É, porém, da fundação do jornal A Voz do Operário e da cooperativa com o mesmo nome, que lhe vem a celebridade.

Pedro José de Carvalho (?-1925) tabaqueiro (mais tarde funcionário da Companhia das Águas), redactor de A Voz do Operário. Desempenhou vários cargos na gerência da Sociedade de Instrução e Beneficência «A Voz do Operário».

 

(11) A corporação dos tabaqueiros começa a organizar-se em 1863. Em 19 de Outubro de 1879 publicou-se o primeiro número do jornal A Voz do Operário de um socialismo moderado e ecléctico. As dificuldades financeiras do jornal levaram os tabaqueiros a criar uma cooperativa cujos estatutos (da autoria de C. B. Pacheco) dizem: o fim da Sociedade Cooperativa «A Voz do Operário» é «sustentar a publicação do periódico A Voz do Operário [...].Estudar o modo de resolver o grandioso problema do trabalho, procurando, por todos os meios legais, melhorar as condições deste [...]. Estabelecer escolas, gabinetes de leitura, caixa económica, e tudo quanto, em harmonia com a índole das sociedades desta natureza, e com as circunstânclas do cofre, possa concorrer para a instrução e bem-estar da classe trabalhadora em geral, e sócios, em particular». Em 30 de Junho de 1883, uma cisão dos elementos de esquerda funda a Associação de Classe dos manipuladores de tabacos, organismo mais reivindicativo e de tipo sindical. Em 1890 o nome Sociedade de Instrução e Beneficência «A Voz do Operário» foi definitivamente adoptado. Em 1935 a Voz do Operário tinha 63.514 sócios, mas as suas características iniciais tinham desaparecido completamente. A Voz do Operário espera uma monografia decente. Até lá o leitor pode consultar as seguintes obras de Raul Esteves dos Santos: A Grande Catedral do Bem, Lisboa; A Vida de a Voz do Operário (1879-1894). Da fundacão do jornal à inauguração das primeiras escolas, Lisboa, 1932; A Grande Epopeia dos Humildes, Lisboa, 1933; Três Anos da Grande Colmeia, Lisboa, 1933; Porque se Fundou em 11 de Outubro de 1879 o Jornal «A Voz do Operário», Lisboa, 1935; Alguns subsídios para a história da maisantiga modalidade de assistência que a A Voz do Operário presta aos seus associados, Lisboa, 1936; Figuras Gradas de A Voz do Operário, Lisboa, 1936. Veja ainda a revista Pensamento, n.° 83, Porto, Fevereiro de 1937, o Almanaque, Pensamento para 1932, Porto, Tip. da Casa do Povo, 1931, e a colecção do jornal A Voz do Operário.

 

(12) A opinião de Nobre França sobre o cooperativismo em 1873 é muito mais crítica. Nesta data ele denunciava a «degenerência» corporatista do movimento cooperativo e os seus horizontes demasiados estreitos. De facto o cooperativismo português foi (com raras excepções), durante a sua história pouco gloriosa, um modelo de integração excessiva.

O jornal portuense A Revolução Social, dirigido pelo antigo internacionalista J. M. Gonçalves Viana, escrevia no seu número programa de Novembro de 1887: «Desse programa [do P. S. P.] destaca-se o movimento cooperativo (1882) muito conhecido no Porto e abandonado em Lisboa; as cooperativas apenas têm em vista colocar melhor alguns dos nossos antigos camaradas da Associação [dos Trabalhadores da Região Portuguesa], que trocaram pelos interesses materiais imediatos a emancipação geral dos trabalhadores.

«As cooperativas de consumo, servem apenas para transacções e especulações comerciais.

«As cooperativas de produção já estão assinaladas entre nós. Na cooperativa "Indústria Social", em Lisboa, filha do movimento de 1872, já os operários tiveram que sustentar greves contra as Direcções que os exploram tanto como a burguesia. A dos chapeleiros teve que liquidar e a dos tecelões no Porto, depois de ter sumido as férias da antiga Associação dos Trabalhadores, as cédulas de alguns subscritores, passou a uma parceria e talvez a dignidade e moral tivesse lucrado com a sua liquidação.»

 

(13) Este Congresso foi celebrado em 1872 e não em 1874.

 

(14) James Guillaume (1844-1916). Professor e publicista suíço, membro da A. I. T., «anti-autoritário», delegado em Genebra (1866), Lausana (1867), Basileia (1869) e Haia (1872). Neste último congresso foi expulso da Internacional. Editor do Progrés, Solidarité e Bulletin de la Fédération Jurassiénne. Dos seus escritos destacamos: L'Internationale Documents et Souvenirs, Paris, 1905-1910, 4 vols.. Deve-se-lhe a edição das «Obras» de Bakunine em 6 volumes (Paris, Stock, 1895-1910).

 

(15) Não se trata de um «relatório» no sentido restrito da palavra, mas de uma carta a Engels, redigida pelo próprio Nobre França e datada de 24 de junho de 1872.

 

(16) O Protesto «periódico socialista» editado em Lisboa entre 7 de Agosto de 1875 e 26 de Fevereiro de 1882. O Operário «periódico destinado a advogar os interesses dos trabalhadores». Editado no Porto, o 1.º número tem a data de 25 de Maio de 1879 e viveu até 1882. O Protesto Operário, «Orgão do Partido Operário Socialista», resultou da fusão dos dois jornais precedentes. Editou-se entre 1882 e 1894. O Trabalhador que foi o porta-voz portuense da Associação dos Trabalhadores da Região Portuguesa nasceu em 6 de Janeiro de 1889 eviveu na tendência possibilista.