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Cartas a Engels (*)
José Correia Nobre França (**)
Au Conseil Général de l'Association Internationale des Travailleurs
CITOYENS
La section portugaise de l'Association Internationale des Travailleurs avait depuis quelques mois l'intention de donner l'adhesion au Conseil Genéral de l'Association, conformément aux prescriptions des Statuts et Réglement Généraux: mais les travaux d'organisation et de propagande nous ont jusqu'à ce jour empêché et le faire. Aujourd'hui que nous avons commencé à publier un journal, et qu'on est en trais de poursuivre l'oeuvre, II fallait sans retard nouer les relations avec le Conseil Central de notre magnifique Association.
Ainsi nous commençons en donnat l'adhésion de la Région portugaise, malheureusement Ia plus tardive de l’Europe à entrer dans le grand mouvement d'émancipation et d'affranchissement économique, politique et social de Ia classe ouvrière et de l'humanité soufrante. Si nous sommes les derniers nous avons du moins Ia foi et Ia passion de notre idée, et nous en avons besoin d'autant plus que les difficultés à vaincre dans ce pays-ci sont des plus décourageantes. C'est un pays singulièrement en arrière: peu ou presque point d'industrie; pas d'activité dans les idées; Une grande ignorance; une froideur extrême pour tout progrès; une sorte de bien-aise dans Ia misère, qui est grande toutefois; point d'énergie pour Ia secouer, tels sont les redoutables obstacles qui nous oppose l'inertie publique, obstacles plus sérieux que ceux, qui pourraient partir du gouvernement.
Non obstant, il y a déjà constituée une section avec des embranchements, qui renferme plus de 400 associés. II y a encore trois sociétés de résistence liées à Ia Section, dont l’une a à peu près 300, l'autre 600 et Ia troisième 50 individus, et qui entreront ouvertement, dès que les sections d’office soient formées.
Nous ne voulons pas entrer en plus de détails, parce que il vous sera envoyé bientôt un rapport plus soigneux sur l'industrie et de[s] statistique[s] et des besoins de I'organisation.
Nous avons envoyé au secrétaire correspondant pour l’Espagne les trois numéros qui ont paru de notre journal, O Pensamento Social. Après ce que nous vous avons dit sur le pays vous vous figurez aisément comme il soutient pour vivre une lutte difficile. Nous ne sommes pas riches: au contraire et nous faisons non seulement sacrifice de travail mais, ce qui nous est plus pénible, sacrifice d'argent. Si vous croyez quelque utilité à notre propagande, et que le journal soit de toute avantage, quelque secours envoyé nous serait non seulement utile, mais nécessaire.
Nous vous demandons aussi cinq cent sellos et les quotes des associées vous seront envoyées avec le rapport que nous préparons. Dites-nous si ce rapport pourra être rédigé en langue portugaise.
Note adresse est: José Correia Nobre França. Travessa do Abarracamento de Peniche, 4, 2.° andar, Lisboa.
Pour garantir l'authenticité de Ia présent lettre, vous adressez au Conseil Fédéral de l'Espagne, qui nous a donné votre adresse.
Vous priant de croire à nos sentiments de solidarité, nous vous désirons, citoyens.
Salut et Emancipation Sociale.
Le Secrétaire du Comité Central de Ia Section de Lisbonne de l'Association Internationale des Traivailleurs.
José Correia Nobre França
Le Secrétaire pour l'étranger
J. M. Tedeschi
Lisboa, 24 de Junho de 1872
Cidadão
Tereis estranhado o nosso silêncio, que atribuireis a indolência. Desculpae-nos.
Antes de entrar no assumpto que deve occupar-nos, permitti que vos informe a respeito da nossa situação pessoal. Preciso é conhecel-a e conhecer-nos.
Quando foi a guerra da França reuniamo-nos n'uma praça arborisada (Square) e apreciávamos a nosso modo os sucessos. As nossas apreciações eram políticas. Seguiu-se-lhe a Comunnne, e o nosso pequeno grupo começou a discutir as questões sociaes. Não conhecíamos a existência da Internacional, a que os periódicos (newspapers) se referiam raramente, mas comprehendêmo-la e excitou-nos curiosidade.
A Commune foi pouco comprehendida socialmente.
Apenas os liberaes avançados, ou que querem parecel-o, viram a ascenção do povo para o poder político. A burguesia viu só os incêndios e a sua fazenda arruinada. A classe trabalhadora foi indifferente. Alguns indivíduos de todas as classes, porém, consagravam-lhe sympatias. Mas o nosso grupo estava quasi isolado. Nós éramos só quatro. Tedeschi, professor de instrução primária, Oratti, empregado no observatório meteorológico, e antigo marceneiro (menuisieur); Tito e eu, typographos da imprensa nacional (national printing).
Pouco antes do tempo da Commune um grupo de moços, uns, bachareis, em direito (docters in laws?) [sic] (Anthero do Quental, Theóphilo Braga, autor da História de Litteratura Portuguesa e de mais umas vinte obras), outros, alumnos das escolas superiores (Batalha Reis, Eça de Queiroz) talvez incitados pelos prenúncios da Commune, abriram um curso público (conferências democráticas). Eram uns dez, todos elles mais ou menos socialistas, e republicanos. Ao grupo pertenciam também Fuschini e Oliveira Martins ambos alumnos da Universidade de Coimbra.
Pelo tempo das conferências vieram a Lisboa, Mora, Morago e Lorenzo, que se relacionaram com Anthero e Batalha Reis (1).
Do nosso grupo só Tedeschi fallou com os tres hespanhões, que nos fez delles uma pintura admirável. Elles lhe deram a conhecer a Internacional, e as suas doutrinas especialmente.
Tedeschi, que conhecia pessoalmente Anthero e Batalha, disse-nos que Anthero desejava constituir um pequeno grupo de propaganda, mas só decorridos bastantes dias é que fomos apresentados a ele. Ao convite para formar um grupo de propaganda só Oratti se escusou, para não comprometer os seus interesses. A nós juntou-se Fontana, da família Bertrands, livreiros editores, Maia estudante de medecina, que conhecemos por um folheto que publicou a respeito da Commune, e Monteiro, lojista (droguista, droguiste) e proprietário.
Estivemos constituídos alguns meses, e pouco fazíamos. A minoria, incluindo Anthero, parecia contrária ao trabalho de organização, dizendo que era um perigo a Internacional, porquanto não temos liberdade de associação, e podia o governo perseguir-nos. No entanto Anthero e outros (leaders), que tinham pertencido ou pertenciam a um centro republicano secreto, fundaram uma associação de resistência com os operários de um bairro populoso. Quasi todos estes operários conheciam Anthero pessoalmente do club republicano, e consideravam-no como chefe (leader). Um destes republicanos, Bonança, que já foi padre, fundou um periódico, O Trabalho, que estes operários, quase todos compravam.
Mas a respeito de organisação internacional nada. Insistindo nós, resolveu-se apenas fundar um periódico (O Pensamento Social), que serviria para propagar doutrinas socialistas. Para ocorrer as primeiras despesas resolvemos publicar um folheto, (que vos remettemos), escolhendo nós para assumpto O que é a Internacional? que Anthero escreveu (2).
Pouco tempo depois foi elle para a província (onde está esccrevendo um livro socialista) e nós resolvemos fundar uma secção internacional. Reunimos alguns operários, especialmente serralheiros (serruriers).
Pelo tempo em que Anthero fundava a associação de resistência, alguns indivíduos de outro bairro, um dos quaes falIou com Morago, fundavam também uma secção vária internacional. Quase todos elles tinham pertencido ao partido do conde de Peniche (3) (penicheiros, chamamos nós ao tal partido, que não se sabe o que é), que também é maçon, e gran-mestre da sua loja. (O padre, Bonança, já foi penicheiro e dizia aos operários da loja do conde de Peniche que estava em relações com Londres, convosco, e que elles operários eram internacionais. Dividia-os em grupos de dez, a que chamava secções. Este padre Bonança é o autor d'aquella representação que a Liberté n.° 18 publicou. Foi apresentada ao Centro, chamado dos melhoramentos das classes laboriosas e assignada por penicheiros e republicanos).
Tendo nós conhecimento da outra secção resolvemos relacionar-nos com ella para nos fundirmos; mas, nem as distâncias nem os desejos d'elles, que queriam viver independentes permittiram fazermos nada n'aquella ocasião. Elles, por sua parte, fundavam outra secção além de uma das portas das barreiras da cidade, na qual há alguns trabalhadores do campo. A nossa secção desenvolvia-se muito lentamente. A maior parte da classe trabalhadora, não possuindo ideias sobre cousa alguma, nem compreendendo o que se diz e escreve, julgam que a Internacional é uma associação muito rica, e teem muita curiosidade em conhece-Ia. Nestas condições, podeis imaginar quando trabalhâmos para eles não experimentarem desenganos. Tememos muito que desacreditem a associação.
As nossas cautelas tinham porém o inconveniente de sustar (arrêter) o desenvolvimento da Internacional. Era necessário sairmos d'este estado, decididamente. Para começar a fazer sentir praticamente a ideia de solidariedade, era necessário também recorrer a meios práticos. Mudamos de rumo, decidindo lançar-nos resolutamente na associação de resistência.
A exemplo de Anthero, já Fontana, com outros indivíduos estranhos e perigosos, tinha começado a crear a Fraternidade Operária (cujos estatutos e regulamentos vos remettemos). Quando chegou a discussão do artigo que tratava do presidente, os nossos companheiros da secção disputaram, venceram, e os estranhos indivíduos sairam da associação Fraternidade.
Creada esta associação, foi para ella que fizemos convergir os nossos esforços. Esta associação tem a sua Séde no centro da cidade. N'um dos extremos, da cidade há a de Alcântara (oeste, e no outro a de Alfama, este). Esta de Alfama era a secção vária internacional assim como a de Chelas (próximo as barreiras).
Estas duas últimas secções, a nossa e outra pequena, contando todas proximadamente, 500 membros, tinham o carácter de internacionaes. Pelas nossas relações com ellas, transformámo-las em associações de resistência, regendo-se todas as existentes pelos estatutos da Fraternidade. Hoje há associados mais de 3500 indivíduos nas seguintes associações: Fraternidade: classe de manipuladores de tabaco, 1100; de calafates (150) e carpinteiros de construções navaes (150) (charpentiers de navirs) 300; serralheiros (serruriers) 200; tecelões de seda (tisserands en soie) 100 (incluindo 60 mulheres); as outras classes ainda agregadas, 350; som- ma 2050. Associação de Alcântara, 800; de Alfama, 300; associação dos proletários, 100; a de Almada (além do Tejo) 100; a do Poço do Bispo, Marvila e CheIas (além das barreiras) 300. Somma, 3650. Estas trez últimas contam muitos trabalhadores do campo (Iaboreurs).
Vamos porém ao Pensamento Social, para vos dar ideia do movimento revolucionário (4).
Retirando Anthero para o Porto, ficámos Tedeschi, Maia e eu fazendo parte da redacção, e Tito, Fontana e Monteiro e mais dois, incluindo o proprietário da imprensa (Lopes), na administração. Resolveu-se que aceitássemos a collaboraçâo de Oliveira Martins (empregado nas minas de Santa Eufémia, Hespanha), Fushini (que está concluindo o curso de mathemáticas em Coimbra), e Batalha Reis (hoje lente do instituto agrícola). Para apreciardes todas vamos indicar-vos [os] seus artigos. Batalha nunca escreveu.
Artigos
N.° 1 - Anthero, Tedeschi (2), Lafargue, França; » 2 - Fuschini, Tedeschi (4), França; » 3 - Anthero, Tedeshi (2), França (2), Maia; » 4 - Anthero (2), Maia, Tedeschi, França; » 5 - Tedeschi, O. Martins, (Brandão), (Carrilho), França; » 6 - Tedeschi, França, (Brandão), Maia; » 7 - França, Maia, (Brandão); » 8 - Anthero, O. Martins, Tedeschi; » 9 - Anthero, França, Maia; » 10 - Lafargue, Maia, Tedeschi (2); » 11 - O. Martins, França, Morago; » 12 - O. Martins, França (2); » 13 - O. Martins, França (2); » 14 - Maia; » 15 - França, Maia; » 16 - Anthero (França e Meia).
Anthero, O. Martins, Fuschini, Batalha, e outros moços pertencendo ao partido socialista, dão ao socialismo a forma política de república federal Collaboraram todos num periódico que já não existe; a República Federal. Nenhum d'elles julga necessária a Internacional. Martins e Fuschini disseram-me já que sem se realizar uma transformação política, que proporcionasse ao povo maiores liberdades e instrução, era impossível qualquer outra revolução. Anthero parece vaciliar entre as duas soluções: a política (pela revolução legal), e a económica. Deduzem os acontecimentos futuros pelos factos anteriores, históricos. E porque uma revolução anterior produziu uma transformação política, deduzem que é necessário consummar uma revolução política para operar uma transformação económica. O que foi um resultado, querem que seja uma causa. Este modo de ver, baseado nos conhecimentos históricos e scientíficos, tem e terá uma influência muito nociva na organização Internacional neste paiz (5).
Por outra parte, a classe trabalhadora, totalmente behind in ideias, sem iniciativa, desconfiada, possuída do preconceito do isolamento, que confunde com a independência, não sabendo ler a maior parte, tendo os instintos de sociabilidade quase apagados, possuindo ideias muito confusas de Estado e de Autoridade, cujos nomes a humilham, não está apta para comprehender a ideia de emancipação. Suppondo viver em absoluta dependência do estado e da propriedade, estes são os dois únicos poderes que a dominam. Ideias políticas não possue nenhumas também. A vida política n'este paiz é degradante. Os proprietários e industriais agrícolas e fabris, os administradores de concelho maiores e regedores é quem são os eleitores; os operários são simples rebanhos guiados por aquelles.
Os socialistas conhecendo estes factos, e crendo impossível uma transformação moral, pensam em aproveitar estas disposições. Se fosse possível à classe trabalhadora escolher aos socialistas estes subiriam ao poder, e decretariam a felicidade pública. Para isso é desnecessária a reorganização social. E para votar em socialistas ou em legitimistas não é necessária grande somma de instrução e de sentimento de independência, nem educação social.
Assim, a classe trabalhadora, em todos os actos sociais habituada a obedecer a chefes, aceita sem relutâncias, mas desconfiada sempre, quem tiver a arte ou a virtude ou o poder de se impor.
Anthero, tendo sempre vivido afastado da política militante, e fazendo parte por algum tempo dos clubes republicanos, alcançou um elevado grau de confiança dos operários arregimentados nos clubs. De todos os chefes, elIe era sem dúvida o mais íntegro, e sincero. Elle e Batalha, numa conferência com o conde de Peniche, constrangeram este a declarar categôricamente as suas intenções políticas, que não eram conhecidas, nem são, declarando simplesmente que não era republicano. A gente do club penicheiro tinha íntimas relações com os dois republicanos.
Anthero, creando a associação de Alcantara foi pouco a pouco afastando-se das relações com os trabalhadores. É possível que elle supposesse que corria o risco de se materializar. Com effeito, recorriam a elle para resolver as cousas mais insignificantes, e encaminhá-los nos actos mais simples de administração.
Neste estado de cousas creou-se o nosso grupo, como já disse, com Anthero.
De nós, quem parece ter comprehendido melhor a Internacional, éramos Tedeschi e eu. Nós dois questionámos e resolvemos, mas, dos inclinados ao estudo, eu sou o mais ignorante. Do grupo do Pensamento (nove indivíduos), mais de metade nunca pertenceu a partidos políticos.
Creando-se o jornal, a maioria aceitou-o como um órgão de propaganda socialista. Anthero era d'este número e traçou o programma. Só Maia, Tedeschi e eu estávamos decididos a dar-lhe outro carácter. Tedeschi porém é um revolucionário inoffensivo; não tendo ainda concebido uma solução, e apreciando a doutrina pelo lado Iitterário dá preferência aos escriptos dos socialistas. Só Maia e eu somos intransigentes.
Tereis visto no jornal [as] opiniões, que cada um se pronuncia mais.
Pelo exposto, tereis achado a razão porque a carta que escrevestes a Anthero (?) não obteve resposta. Nem elle, nem os socialistas, são internacionaes.
A carta que escrevestes para a redacção do Pensamento recebêmo-la nós, juntamente com os estatutos e outras publicações. Dias antes, tínhamos escripto a que (recebestes / deveis ter recebido), na qual dávamos notícia de nós. As secções várias existentes, regiam-se pelos mesmos regulamentos. Mas as secções formadas sem escrúpulos, continham elementos muito perigosos. Recebidos os sellos hesitámos em distribui-los, e os factos posteriores deram-nos razão. Se tivéssemos distribuido os sellos, já a polícia possuiria alguns. Era indispensável crear as secções de officio, e o conselho local, e fundir as secções várias n'uma só. Não tínhamos estatutos impressos; e era necessário submeter à vossa approvação a tradução dos estatutos geraes. Mas como tínhamos pressa em sair d'este estado, resolvemos fazer a impressão de uns e outros, esperando que nos desculparieis a nossa falta.
Ao mesmo tempo o trabalho nas associações de resistência e o do jornal, tomando-nos muito tempo, não nos deixava organizar como queriamos. Assim, na semana finda em 22 concluímos os trabalhos de fusão e de organisação das secções. Das secções várias existentes apurámos os indivíduos que nos merecem confiança; o seu número não chega a 200. Fizemos uma só secção vária, com indivíduos de todos os officios e profissões. A desagregação tem lugar quando há 10 indivíduos do mesmo officio. Temos só trez secções de officio: a dos serralheiros (serruriers) 31 membros; a dos trabalhadores (servents de serrurerie), 13; ferreiros (forgeurs), 15; secção vária, 87. Na semana que começa hoje, 24, deve reunir-se o conselho local, cujas eleições se ultimarão no dia 26.
Assim constituídos esperamos entrar com segurança no nosso caminho. Há indícios de desenvolvimento. Aponto como exemplo os machinistas (mécaniciens) dos caminhos de ferro, muitos dos quaes pertenciam já à associação de resistência foram incitados pelo apello que fazem aos machinistas de todo o mundo os da secção de Genebra; cujo manifesto, enviado com a Egalité, publicamos no nosso n.° 13. Entrou os restantes na associação, e esperamos fazer uma secção internacional.
Eleito o conselho local, creadas as secções de officio, e desembaraçados os mais activos dos trabalhos miúdos das associações de resistência, vamos dedicar de corpo e alma aos nossos trabalhos de organisação. É verdade que somos muito poucos; não temos recursos pecuniários; temos só algumas horas da noite pois não podemos perder meio dia de trabalho; temos família, e alguns de nós as contrariedades tem-nos acabrunhado. Ah, a nossa Associação veio levantar o nosso espírito! Devia apparecer mais cedo! Revivâmos porém para a vida do futuro!
Confirmâmos o que sabeis a respeito da situação geográfica da população d'este paiz. Temos duas cidades muito populosas, em relação ao resto do paiz, porém não é nestes dois pontos que se pode apreciar o carácter da indústria portuguesa. Aqui n'estes dois pontos há accumulação de indústrias fabris, cujas matérias primas são quasi todas importadas dos outros paizes; uma das mais importantes é a do ferro; entre as importantes contamos a fiação e tecelagem do algodão, a manufactura do tabaco (que emprega, só em Lisboa, perto de 5000 indivíduos dos dois sexos). Pelo mesmo facto da acumulação são das mais importantes as indústrias de construção e de vestuário, de que contamos pouca gente associada.
Pode dizer-se que a indústria nacional reside fora dos dois centros populosos. Mas temos centros fabris, como sabeis. No districto de Castello Branco há a indústria de tecelagem e fiação de lã, que occupa pròximadamente 8000 indivíduos; contando, só a villa da Covilhã 4000, metade dos quais ganham, nos dias úteis entre 35 e 45 cêntimos (50 a 80 reis); o salário diário dos mestres ou directores de officina regula por 2,75 fr. (500 reis).
A tecelagem e fiação do linho, está mais disseminada, mas constitue também uma indústria nacional, cujos produtos são quase todos consumidos nas províncias: nas duas cidades são caros. Esta indústria predomina no distrito de Beja.
A indústria nacional, por excelência é a agrícola, mas, de 9:000:000 hectares de superfície do paiz só 2:000:000, para menos, são cultivados. Sabeis que importamos mais de 12:000:000 francos de farinhas, e que a população das províncias, e alguma das cidades sustenta-se de pão de farinha de milho.
A população do paiz (pròximadamente 4:000:000 de almas) é dividida, por cálculo (não há estatísticas especiaes), em 1:500:000 habitantes hurbanos (sic) e 2:500:000 ruraes. Nós cremos que este cálculo é errado. Está em relação 2,5 milhões de ruraes com 2 milhões de hectares cultivados?
Na população rural contam-se: Proprietários ......................................................419:000 Rendeiros (fermiers) ..........................................139:000 Creados e moços de lavoura, etc. (servants?).....105:000 Jornaleiros (journaliers, laboreurs?) ....................210:000 __________ 873.000
A relação do número de proprietários para a superfície em hectares de cada província é a seguinte:
Províncias Districtos Médias (para 1 proprietário) (ha)
Algarve Faro 37 Alentejo Beja, Évora, PortaIegre 163 Extremadura Lisboa, Santarém, Leiria 32 Beira Aveiro, Coimbra, Guarda, Vizeu, Castello Branco 17 Minho Braga, Porto, Viena do Castello 10 Traz os Montes Bragança, Villa Real 15
A estatística que temos presente não nos indica qual a máxima e mínima de propriedade; há porém grandes herdades (fermes), mas são poucas. Todavia há companhias que possuem vastas propriedades, que arrendam; a das lesírias do Tejo e Sado possue valores de mais de 12 milhões de francos (mais de 2:000:000$000 reis).
Nos districtos do norte, a pequena propriedade está agravada pelos usuriers de Iihypotèque. Esta condição é geral. Ou melhor, não fazem (os usuriers) empréstimos sobre hypotheca. Emprestam a risco: sobre a novidade, sobre os fructos. Os pequenos proprietários e rendeiros (fermiers) com o producto da venda pagam ao usurário e reservam o resto até à colheita, para cujos trabalhos pedem novamente.
Esta posição se bem que muito miserável, garante ao proprietário a sua propriedade; porém as companhias de crédito hipotecário, recentemente creadas, ganhando menos juros, têm produzido desgraças maiores. Poucos são os proprietários que resgatam as propriedades hypothecadas, que são vendidas, chegado o termo do contrato. Este facto está provocando profundas queixas da população rural.
É raro o pequeno proprietário ou rendeiro que vive sem emprunter du capital.
A condição de existência de todos (pequenos proprietários e rendeiros, e trabalhadores), é muito miserável. Nas províncias do norte, decantadas pela sua luxuosa vegetação, os mendigos são como uma praga e invadem as cidades populosas. As habitações são imundas.
O terreno vinhateiro pertence em geral a grandes proprietários e a companhias que os cultivam por sua conta. Esta espécie de propriedade tem pequenos proprietários e pequenos rendeiros.
A cultura da vinha tem creado grandes fortunas e sustenta grandes senhores.
No tempo da colheita da uva e dos trabalhos da vinificação vêm da Hespanha, e especialmente da Galiza, caravanas de trabalhadores. Este facto contam-nos.
As terras de pão e os olivaes, pertencem também, em geral, a grandes proprietários ou grandes rendeiros. A indústria da creação de gados está também em poucas mãos.
A estes (grandes proprietários ou rendeiros) pertence o estado de creados de lavoura, especialmente aos creadores de gado (bovino).
O pequeno proprietário ou pequeno rendeiro explora quasi sempre mais de um, e dois e três productos. Se tem algum gado, dispõe dos magros pastos communs (ou logradouros).
O valor desta propriedade pública, conservada em nome dos municípios, ou pelas parochias é muito importante.
O valor dos logradouros no districto de Bragança como o mais importante, é de mais de 16 milhões de francos (3:000:000$000 reis): São prados naturaes ou charnecas que produzem mato, fornecendo também lenha.
A existência de logradouros communs dá um carácter especial às populações dos campos, dando-lhes costumes particulares de sociabilidade. Creio que é necessário estudar estas condições de existência para as aproveitarmos no sentido social e revolucionário (6). E direi que os trabalhadores do campo, ao pé de Lisboa, com quem temos já relações, mostram-se muito affectos à ideia revolucionária, parecendo comprehende-la claramente. Não temos ainda bastantes factos, mas pode presumir-se que entre elles a aceitação é mais unânime do que entre os trabalhadores fabris!?
Enfim, senhor Engels, é tempo de acabar esta.
Pelo exposto tereis conhecido a nossa situação e o nosso espírito; mas não falámos ainda no Porto.
Os que estamos mais activos não temos relações com a classe trabalhadora. Dos moços socialistas ou republicanos conhecemos alguns: Theophilo Braga, Adolpho Coelho, Anselmo de Moraes, etc.
Este último é proprietário industrial e compositor. Teem organisados clubs em lojas maçónicas, e muitos trabalhadores filiados. Foram elles quem promoveram um meeting de 5000 pessoas para representarem contra a propaganda jesuita. Não conhecemos os seus planos. Por ocasião da greve dos tecelões da fábrica Garcia, Th. Braga, que estava em Lisboa (e para onde vem reger uma cadeira no curso superior de lettras, alcançada por concurso), pediu a Moraes que fizesse espalhar ali avisos impressos. Assim se fez, escrevendo-nos Moraes que mandava alguns dos seus homens mais dedicados afixá-los e espalhá-los. Moraes protege os operários. Esteve há dias em Lisboa, e prometteu-nos fundar associações de resistência, e secções da Internacional, regendo-se pelos nossos estatutos. Não nos pediu, nem lhe demos indicações vossas; mas é possível que venha a corresponder-se convosco. Não o reputo um elemento seguro, e interessado na emancipação dos trabalhadores.
Temos recebido regularmente o Morning Post e diversos impressos, incluindo as duas últimas remessas de Les Pretendues scissions.
Devemos possuir todos os documentos da Associação, e não temos senão os que nos tendes mandado. Quereis ter a bondade de nos enviar exemplares do que houver abrindo conta corrente para os que forem pagos? A bem dizer, a existência da nossa Associação só a conhecemos pelos periódicos que trocam com o Pensamento e pela excellente Organização Social da federação Hespanhola.
Acabamos de saber pelo Morning Post que o congresso universal se celebrará na Holanda. Não podendo ir nenhum delegado português enviaremos uma mensagem.
Quando se celebrara o congresso de Saragoça o outro secretário da secção vária, Carrilho, escreveu uma mensagem, que nós subtrahimos, por ser muito sentimental. (Carrilho pende para o republicanismo). Enviamos um telegrama, que o governo reteu. Quiz publicá-lo no Pensamento com um artigo em que denunciava o attentado contra a liberdade de correspondência. Tedeschi foi à imprensa, e pediu que se publicasse, trocando-os por uma noticiazinha.
Logo que se complete a constituição do conselho local e se distribuam os sellos daremos noticia e prestaremos immediatas contas. Se para as admissões, passado o anno económico, são precisos novos sellos, como suppomos; remetteremos os restantes com a importância dos que ficarem.
Em summa, desculpae todas as nossas faltas involutárias.
Esperando estabelecer agora relações regulares convosco, as omissões que hajam n'esta carta serão prehenchidas nas outras. Não nos poupeis, deixando de pedir todas as informações que julgardes úteis. A vossa solicitude contribue para a nossa animação, e sem a vossa vigilância, firmeza e energia e luzes cremos que a Associação Internacional não poderia evitar os grandes perigos que a ameaçam constantemente. O conselho geral é fatalmente necessário até à consummação da revolução, cujo período será tremendo.
Lisboa, 24 de Junho de 1872
J. C. Nobre França
Recebei os protestos da nossa estima. E vós sr. Frederik (sic) Engels, a quem consideramos secretário por Portugal, permitti considerar-me particularmente Vosso afeiçoado Cidadão do Conselho geral
O secretário do Comité Central J. C. Nobre França
Conselho da Federação Local de Lisboa 27 de Julho de 1872
Cidadão:
São hoje 27 de Julho e ainda não recebemos mais que o n.° 13 do International Herald. Não receberieis a nossa comunicação de 24 de Junho com os nossos estatutos?
No dia 5 recebemos a vossa de 28 de Junho. Não respondemos logo porque esperavamos também responder à posterior.
Constituiu-se o Conselho Geral e celebrou a primeira sessão no dia 4 deste mês. Cada dez indivíduos ou mais de um oficio, forma uma sessão (sic) e elege um delegado por dezena até três. A secção vária elegeu três, a de serralheiro três, a dos trabalhadores um, a dos ferreiros um. Formou-se uma nova secção, a dos calafates, com dezasseis membros. Temos as mais gratas esperanças nesta classe; é muito unida e conta indivíduos muito enérgicos e inteligentes. No Pensamento tereis visto os seus ultimos actos; os internacionais é quem dirigem os trabalhadores de resistência. No próximo domingo os calafates, e carpinteiros de machado vão fundar associação de resistência (trade union) e secções internacionais no Seixal e Setúbal.
A secção vária expulsou dois dos indivíduos da Internacional um dos quais está ou esteve em relações com Morago. Andava formando secções penicheiras e recrutando gente para uma revolta que se espera de um momento para outro.
Para as províncias não temos ainda relações, a não ser em um canteiro de Leiria que parece um bom elemento e está tratando de formar uma secção.
Do Porto não sabemos coisa alguma certa. Anselmo de Morais apenas está criando uma cooperativa de consumo. Até há elementos activos, republicanos e socialistas, mas que não pensam na organização da classe trabalhadora. São apenas políticos e espiritualistas.
Se bem que o povo português esteja acabrunhado por muitas causas e desmoralizado pela educação não deixa contudo, uma boa parte, de ter compreensão. Assim, a ideia da Internacional é geralmente bem aceita e se não nos faltassem todos os recursos teríamos feito bastante.
A classe dos calafates quando resolveu a última greve (Pensamento n.° 21) que não chegou a realizar tinha algumas esperanças nos recursos da Fraternidade que apenas tem em depósito 50 libras, também nos recursos da Internacional de outras regiões. É possível proporcionar-lhes estes recursos? Esta classe pela sua união em todas as localidades está em condições excepcionais. As suas greves devem ter êxito.
Rogamos que comuniqueis às federações regionais a nossa constituição e que nos envieis as direcções delas. Podeis já pedir-lhes que nos enviem (tipografia do Pensamento ou minha casa) um exemplar dos seus estatutos, incluindo o das secções de mulheres se as houver? (porque queremos fundar também uma secção de costureiras brevemente).
As notícias relativas a nós publicadas nos jornais espanhóis são fornecidas a Morago por Fontana. São exageradas. A verdade já vo-la comunicamos.
Já sabeis que não elegemos nem enviamos delegado ao Congresso. Sabemos que Antero tem desejos de ir e talvez vá. Antero confessa que historicamente não se pode realizar uma revolução como a concebemos, crendo que a emancipação dos trabalhadores só se poderá efectuar em tempo remotos por meio de evoluções políticas.
Os n.ºs 14 e 15 do Pensamento publicaram-se com uma semana de atraso. Remete-mo-lo para aí com regularidade. Do n. 19 em diante remetemos três exemplares para fazerdes o favor de mandar um para o Herald para trocar. Temos uma dívida relativamente grande pelo jornal mas esperamos assegurá-la.
Fareis o favor de nos remeter um exemplar dos Congressos e outros elementos da Internacional?
Pagaremos quando houver dinheiro proveniente das quotas das secções (5 reis semanais). Nenhuma pagou ainda.
Estamos distribuindo os selos. Apesar de ter a cifra do ano economico passado dão-nos autorização para continuar a distribui-los.
No livro do Rebelo da Silva, donde tiramos as estatísticas que remetemos não há mais indicações relativas à constituição da propriedade. E num artigo publicado há dias no Jornal do Comércio diz-se que no Alentejo há propriedades de 1000 e mais de 1000 hectares mas não são respectivamente valiosas pela incuria da cultura. Quase todos os proprietários exploram por conta própria. Os rendeiros são miseráveis. Há logradouros comuns de milhares de hectares administrados pelas comunas municipais ou paróquias. Produzem pastos magros; um dos maiores rende à camara 70 mil reis. Os trabalhadores do Alentejo são inteligentes; fornecem grande número à emigração. Os criados da lavoura (soldada e comida) ganham 15 libras anuais.
No Norte predominam os contractos de parceria agrícola.
Pedimos, Sr. Engels, que nos manifesteis as vossas opiniões sobre as nossas coisas particulares e aspectos da Associação. Disponde de nós como julgardes útil para a nossa causa.
Saúde e Fraternidade
O secretário J. C. Nobre França
Lisboa, 23 de Agosto de 1872
Cidadão:
Recebemos a 21 a vossa carta de 15 de Agosto e estimamos que a demora tivesse as causas que indicasteis pois os vossos trabalhos e dedicação nos aproveitam.
O que mais importante teriamos agora a comunicar já deveis conhecer pelo nosso companheiro da associação M. Lafargue. Ele vos terá dado conta dos selos. Devolvemos 196 com a importância de 332 ou 6$640 à razão de 20 reis em vez de 18. A diferença é aplicada ao câmbio.
Comunicamos também que aproveitamos a estada aqui de M. Lafargue para o convidar a representar a Internacional Portuguesa no Congresso Geral. Prestou-nos um excelente serviço aceitando.
Não supondo que tivesseis recursos suficientes nas vossas informações para o vosso relatório entregamos ao nosso representante uma pequena memória sobre as condições gerais das indústrias e da existência das classes trabalhadoras que de resto é também insuficiente atenta a nossa ignorância, falta de estatísticas e tempo para consultar e comparar algumas deficientes.
Se ainda tiverdes tempo e tratardes da indústria de alimentação ajuntae que esta região considerada nutritiva por natureza importa anualmente mais de 12 milhões de kilogramas de bacalhau (28 milhões de francos). Que a região produz 2 milhões de kilogramas de trigo e importa 30 milhões (10 milhões de francos) que o milho (pão de) é o principal alimento das populações principalmente da rústica.
Quanto ao tabaco a sua importação legal é de dois milhões e duzentos mil quilos que valem 3,2 milhões de francos e paga de direitos 10,5 milhões de francos (afora as fortunas que proporciona aos exploradores da indústria).
Quanto à Aliança presumis decerto que ela existiu no grupo criador da Internacional. Quase todos nós, porém, procuravamos a Internacional quando deparamos com ela. De resto não teve aqui influencia e desde a circular do Jura que discutimos algumas vezes a sua dissolução que não propusemos aos irmãos de Espanha por deferência para com eles.
As nossas opiniões sobre os efeitos gerais da Aliança vão expressas na proposta que vos remetemos que é a substância do que se disse em sessão a seu respeito. Se entenderdes conveniente apresentar a proposta ao congresso ela poderia ser melhor formulada e considerada.
Cremos que não há só a considerar a Aliança pela sua existência na Internacional. Há uma questão de princípios a definr, como a ideia de autonomia, por exemplo, muito apregoada pelos aliados (7). Esta ideia supomo-la antagónica de federação e cremos que também não exprime liberdade. E quando exprima uma e outra ideia não podemos aceitar a autonomia como um meio, supondo que a liberdade não é prejudicada. Quando é necessário a união da força, a coesão das moleculas do imenso corpo social, a autonomia não exprime uma coisa verdadeira. A liberdade natural absoluta do indivíduo coexiste com a estreiteza mais íntima dos vínculos materiais do mesmo que a garantia absoluta do direito próprio está na condição fatal do dever alheio. Na reciprocidade das relações confunde-se a personalidade; tende a desaparecer; o desaparecimento da personalidade social consumado em a perfeita igualdade de condições sociais contradiz a ideia de autonomia individual e é o maior testemunho da existência da cadeia que liga hoje o homem ao homem. Por estar quebrada essa cadeia, sofremos nós, trabalhadores; Para soldá-la trabalhamos nós revolucionários. Ela é a Internacional.
Portanto cremos ser falsa a ideia de autonomia, independência. Não há ser algum independente de outro. O homem é tão independente de outro como ambos da sociedade e esta da natureza. A liberdade não é de modo algum o isolamento.
A autonomia é uma condição jurídica.
Quanto à anarquia, ela não pode ser a desorganização e se ela é o resultado da liberdade absoluta: organizemos a anarquia. Organizemos-nos para ser anárquicos (8).
Quanto à influência do Conselho Geral, o Conselho não tem força nem poder algum dentro da Internacional. A sua acção exerce-se fora. Dentro: não tem meio algum de coação, de repressão, de contenção. Fora: Coarta, reprime, contém. Se influi no sentido das tendências de um povo ou povos, as relações directas com esses povos influiriam do mesmo modo. Logo, para nos subtrairmos a estranhas influências seria necessário ser autónomo?
Tais são as nossas concisas e imperfeitas ideias sobre as questões que se debatem. Oxalá pudessemos expô-las no Congresso.
O desenvolvimento da associação de resistência prossegue satisfatoriamente. Fontana comunicou por M. Lafargue dados mais precisos que os meus. Não obstante ser que o número de membros entrados mensalmente andar por mais de 200 e que este número promete crescer. Este facto da organização é o mais transcendente. Esperamos os trabalhos do Congresso para darmos uma organização geral à associação.
Se não fosse perigoso faríamos pública e inopinadamente o que não faremos particularmente: faríamos aderir as associações de resistência à Internacional como provam as manifestações significavas por ocasião de falarmos nas assembleias a respeito do Congresso de Haya.
Agradecemos os incómodos que vos temos dado por causa do Pensamento.
As reclamações dos calafates foram logo satisfeitas. Foram: gratificação de meio dia de jorna em certos trabalhos autorizados já por lei, mas sossegada há alguns anos; extinção das multas (1 a 3 horas de trabalho) por não comparencia ao trabalho.
M. Lafargue nos disse que sois um incansável indagador científico. Na especialidade das vossas indagações temos aqui um moço que está agora no Porto de quem é o livro que vos remetemos e com quem vos poremos em comunicação, o que seria muito útil.
Saúde e Revolução fraternal J. C. Nobre França
Conselho da Federação Local de Lisboa 17 de Setembro de 1872
Cidadão:
Pelo nosso delegado recebemos notícias do Congresso e sabemos com pesar que não fosteis eleito. Podereis agregar-vos supondo que não terminasteis ainda a vossa missão, dirigimo-nos a vós, apertados, por motivos especiais e muito urgentes.
Estamos em vésperas de uma crise gravíssima. A nossa acção vai produzindo os seus efeitos, infelizmente prematuramente. Eu exponho os factos.
A classe dos fundidores de ferro da Fraternidade Operária resolveu requerer aos proprietárias a abolição dos serões, começando neste Inverno. Os industriais por iniciativa dos mais consideráveis (Collares & Comp.ª) celebraram uma conferência deliberando não fazer a concessão pedida.
Collares propôs que se acrescentassem as horas prolongado-se o serão até às 9 horas em vez das 8, publicou o requerimento e o seu ofício de recusa, no qual ameaça reduzir o pessoal da sua fábrica.
Numa das fábricas (Lindlers) em consequência da urgência de trabalho deveriam começar os serões antecipadamente ontem. Os fundidores desta fábrica, em vista da recusa dos industriais, resolveram não começar os serões até que lhe fossem asseguradas por escrito as concessões que requereram. Consta já, porém, que Lindlers dispensa os serões, não só dos fundidores mas os dos outros trabalhadores da sua fábrica.
De outra casa espera-se concessão.
Os nossos temores vêm todos, porém, da primeira fábrica do país (Collares). Teme-se que se obstinem e que isso produza não só a greve dos fundidores mas a paragem das serralharias e outros ofícios dependentes que contam ao todo duzentos individuos nesta fábrica.
Todos reconhecem a imprudência dos fundidores em razão de termos ainda muito poucos e não estar a Associação consolidada. É provável, porém, que em tais circunstâncias todas as classes federadas votem pela manutenção da greve que lhe foi hoje proposta na assembleia federal e vai ser apreciada nas assembleias das classes. Contudo, sejam quais forem os esforços e sacrifícios, tudo será insuficiente, sobretudo se outras, além de Collares forem obstinadas. Da concorrência de braços os fundidores estão seguros pelo Porto apesar de ali não haver ainda associação.
Tendo pois em perspectiva um lock-out ou uma greve geral dos fundidores que arraste os outros ofícios todos nós, internacionais, e não-internacionais, pomos as nossas esperanças nos companheiros de outras regiões. Qualquer auxílio dar-nos-ia muita força material e moral. No caso de empréstimos pagaríamos nas prestações que indicasseis, se por acaso não fosse necessário fazer um sacrifício grande para acudir a quem respondesse ao nosso apelo.
Da secção de calafates temos duas comunicações. A Barca Martinho de Mello vai a Cardiff meter carvão e o governo para não pagar os salários ultimamente estabelecidos aos calafates e carpinteiros navais, foge à greve e manda-os concertar naquele porto. Os calafates pedem com grande empenho que haja ali uma manifestação de solidariedade dos companheiros ingleses, tanto mais que escassea muito o trabalho aqui. Supõe-se também que o concerto da Martinho é uma experiência para o concerto nos portos ingleses da corveta Estefania e alguns mais navios com o fim de prejudicar os trabalhadores.
A outra comunicação diz respeito à Nemus. Pedem que a declaração inclusa seja publicada nos jornais de outras regiões. Nela vereis de que se trata. Fez sensação na Praça do Comércio impedindo os peritos de classificarem a barca, afastando os carregadores, causando muito prejuizo aos proprietários.
Desculpe tanto trabalho que vos damos. Confiamos porém na vossa solicitude que nos obriga e nos anima.
Aderiu à Internacional mais uma secção, a dos carpinteiros navais com 11 membros. Na sexta-feira adere a dos fundidores. As existentes vão crescendo pouco a pouco.
O Pensamento reaparecerá brevemente.
Na classe dos compositores tipográficos que começou a constituir-se há cinco semanas (e aderiu hoje à Fraternidade com 110 membros) tiveram já um acto de resistência e um bom exemplo de solidariedade. Quase todos os do Jornal da Noite recusavam-se a trabalhar em consequência do atraso de cinco semanas de férias. Das outras empresas nenhum foi substitui-los porque estão quase todos associados. Quem os substituiu foram os da imprensa do Estado que não estão associados. Retiraram-se estes depois de cinco dias com a promessa de que seriam pagos um dia. O cabeça foi despedido e levantaram-se subscrições na classe.
18 de Setembro (12 horas da noite).
Vimos de uma reunião de fundidores.
Amanhã celebra extraordinariamente a assembleia geral dos ofícios que trabalham em metais.
Lindlers não respondeu. Os fundidores da sua fábrica conservam-se em greve. As obras de urgência foram distribuídas pelas outras fábricas. Começou hoje em todas as fabricas a assafama do trabalho de mais pressa, para que nos princípios do mês de Outubro segundo se diz possa declarar-se o lock-out. Os fundidores acabam de resolver uma greve geral que deve começar amanhã. Reina grande entusiasmo. Collares esteve todo o dia em correspondência com a gerência da companhia de gaz que é o maior consumidor. Espera-se que praticará actos desesperados porque está arriscando muitas centenas de francos (.........).
Vêde. Trava-se uma batalha formidável, para nós dela depende a existência da Associação. Viva a Internacional.
Saúde e Revolução fraternal
O secretário, J. C. Nobre França
(*) A correspondência que socialistas portugueses – Nobre França, José Fontana e Azedo Gneco - mantiveram com Engels e também com Marx está depositada, juntamento com o restante espólio destes autores, nos arquivos do Instituto Internacional de História Social de Amsterdão. Ao que parece à revelia do instituto, foi objecto de uma edição da iniciativa de César Oliveira, ‘13 Cartas de Portugal para Engels e Marx’, Iniciativas Editoriais, Lisboa, 1978. Foi desta obra, esgotadíssima e jamais reeditada, que recolhemos o textos de todas estas cartas, salvo a primeira, ainda em francês, que foi publicada em Carlos da Fonseca, ‘Integração e ruptura operária. Capitalismo, associacionismo, socialismo 1836-1875’, Editorial Estampa, Lisboa, 1975. As cartas de Engels e Marx para os seus correspondentes portugueses estão irremediavelmente perdidas, tendo quase certamente sido destruídas pelo próprio Nobre França, por ocasião de um qualquer episódio político, ao tempo da monarquia, que requereu especiais cuidados contra a repressão.
(**) José Correia Nobre França (1838-1920), tipógrafo, foi o primeiro secretário da Secção Portuguesa da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT). Esteve associado algum tempo no “utópico” Centro Promotor do Melhoramento das Classes Laboriosas (CPMCL), antes de, sob a influência da Comuna de Paris, ser um dos fundadores da Fraternidade Operária, da Associação dos Trabalhadores na Região Portuguesa (ATRP) e do Partido Socialista Operário Português (POSP). Por algum tempo foi simpatizante das teses anarquistas, sendo ainda visível a influência federalista nos primeiros programas do POSP (1877, 1880), que são da sua autoria. Para o final da sua vida afastou-se da militância operária e passou às hostes republicanas tendo aderido ao partido de Machado dos Santos.
___________ NOTAS:
(1) A visita dos três internacionalistas espanhóis - Anselmo Lorenzo, Francisco Mora e Tomás Morago - a Lisboa em 1871 e a sua influência no arranque da Secção Portuguesa da A.I.T. está muito bem documentada. Cf., p. ex., João Medina, ‘As Conferências do Casino e o Socialismo em Portugal’, Dom Quixote, Lisboa, 1984.
(2) Antero de Quental, ‘O que é a Internacional’.
(3) O Conde de Peniche era um conspirador maçónico liberal-progressista que fora um dos inspiradores da revolta da janeirinha em 1868. Sob a inspiração de Tomás Morago, uma parte da sua rede política clandestina, encabeçada por João Bonança, foi utilizada para a criação de uma secção portuguesa da Aliança da Democracia Socialista dirigida internacionalmente pelo revolucionário anarquista russo Mikhail Bakunine e que agia infiltrada secretamente no seio da A.I.T..
(4) ‘O Pensamento Social’, foi o semanário da Fraternidade Operária que se publicou de Fevereiro de 1872 até Abril de 1873. Aí foram publicados em folhetos os ‘Estatutos’ e o ‘Manifesto Inaugural da A.I.T’ bem como o ‘Manifesto do Partido Comunista’ de Marx e Engels, para além de dois importantes artigos de divulgação de Paul Lafargue, ‘A Internacional’ e ‘A luta de classes’. Engels lia e apreciava este periódico, tendo-o qualificado, perante terceiros, como um “excellent paper”. Enviou-lhe dois textos, de origem dinamarquesa, que foram efectivamente publicados. ‘O Pensamento Social’ estava contudo longe de ser um órgão marxista, albergando todo o leque de opinião socialista da época, incluindo o bakuninismo de Eduardo Maia, o saint-simonismo de José Tedeschi, o fourierismo de Sousa Brandão e o proudhonismo difuso entre muitos dos seus colaboradores.
(5) Um dos grandes motivos de interesse desta correspondência com Engels são os esclarecimentos, apesar de tudo insuficientes, que ela aporta, em diversos apontamentos, sobre os motivos, temas e episódios de divergência entre o movimento internacionalista de resistência operária e os grandes intelectuais da geração de 70 ligados às Conferências do Casino, em particular Antero de Quental.
(6) É extraordinariamente curiosa esta casual observação de Nobre França que, no seu modo ingénuo, parece antecipar as aturadas (e hesitantes) reflexões que Marx dedicará, no final da sua vida, ao significado da comuna rural russa, nos sucessivos rascunhos de resposta a uma carta de Vera Zassulich. Cf. Teodor Shanin, ‘Late Marx and the russian road’, Monthly Review Press, Nova Iorque, 1983.
(7) “Aliados” é uma óbvia referência aos partidários de Bakunine.
(8) Seria extraordinariamente curioso saber o que terá Engels respondido a estas reflexões de Nobre França suscitadas pela polémica com os anarquistas. |
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