|
Sobre a mercantilização da ciência: a dimensão programática (1)
Marcos Barbosa de Oliveira (*)
1. Introdução
Este artigo é resultado parcial de um estudo, ora em andamento, em que a mercantilização da ciência é interpretada, de um lado, como uma faceta do movimento de ascensão e hegemonização do neoliberalismo, de outro, como um fenômeno complexo, em que se distinguem diferentes processos, classificados de acordo com a seguinte taxonomia:
1) Processos que dizem respeito aos rumos, ou programa da pesquisa científica, isto é, a quais entre os possíveis projetos de pesquisa são levados a cabo, e quais deixados de lado;
2) Processos de empresariamento, entendidos como os que introduzem princípios e métodos empresariais de administração na produção do conhecimento científico, em todos os níveis;
3) Processos que dizem respeito ao modo como o conhecimento científico é distribuído, principalmente aos Direitos de Propriedade Intelectual (patentes e direitos autorais), cujo estabelecimento é necessário para que a distribuição se faça da maneira própria das mercadorias, isto é, por meio de compra e venda.
Essa taxonomia é inspirada num princípio, apresentado às vezes como um dos fundamentos da Economia, segundo o qual toda sociedade, para organizar sua vida econômica, deve ter instituições capazes de responder a três perguntas: o que produzir?, como produzir?, e como distribuir os bens produzidos? (Samuelson & Nordhaus 1992, p.19-20) (De acordo com seus adeptos, no sistema capitalista as três perguntas são respondidas – da melhor forma possível – pelo mercado. (Ibid, cap. 3A)) A proposição em que se baseia a taxonomia é a de que a cada uma dessas perguntas corresponde uma dimensão da vida econômica, de tal forma que cada processo de mercantilização (afetando não apenas o conhecimento científico, mas em princípio qualquer tipo de bens) situa-se numa ou noutra das três dimensões.
Pelo menos no caso da ciência, os processos são independentes o bastante para que valha a pena estudá-los até certo ponto separadamente. Os processos em cada uma das três categorias localizam-se nas respectivas dimensões, isto é, os da primeira categoria (referentes ao programa da pesquisa científica) localizam-se na primeira dimensão (correspondente à pergunta o que produzir?), e analogamente para as outras duas categorias/dimensões.
No presente artigo tratamos apenas dos processos da primeira dimensão, que denominamos programática. Para simplificar a exposição, no lugar de “mercantilização na dimensão programática” e “mercantilizado na dimensão programática”, usaremos os termos “mercantilizaçãop” e “mercantilizadop”.
2. Pano de fundo histórico e periodização
A época mais relevante na história da ciência para o estudo de sua mercantilização é a que vai do fim da Segunda Guerra até os dias de hoje. Na história geral, essa época é normalmente dividida em três períodos. O primeiro é o dos anos de ouro, ou na versão francesa, les trente glorieuses, durante os quais o capitalismo teve um desempenho excelente, com altas taxas de crescimento e baixo desemprego, que proporcionavam uma significativa melhora no nível de vida das populações na maior parte do mundo, também favorecidas, especialmente na Europa, pelo florescimento do Estado de Bem-Estar Social. Durante os anos de ouro, o neoliberalismo, que havia surgido como ideário em 1944, com a publicação de The road to serfdom, de Friedrich von Hayek, permanece em estado latente, teoricamente eclipsado pelo pensamento econômico dominante, de extração keynesiana, e na prática carente de peso político.
O segundo período começa em princípios da década de 70, quando a estrutura econômica dos anos de ouro passa a dar sinais de esgotamento. Tem um momento crucial em 1973, com a crise deflagrada pelo aumento dos preços do petróleo imposto pela OPEP, e dura até o fim da década. Foi um período de transição em que, estimulado pela crise, o ideário neoliberal se fortalece, com o aumento do número de adeptos, a criação de think tanks, etc..
As eleições de Margaret Thatcher no Reino Unido em 1979, e de Ronald Reagan no Estados Unidos em 1980, fazem dessa virada de década o marco do início do terceiro período, em que o ideário neoliberal se realiza, com a implementação de suas políticas, primeiro nesses dois países, depois gradualmente em todo o mundo. É o período de ascensão real do neoliberalismo que, cerca de dez anos depois, com o colapso do comunismo, transforma-se em hegemonização.
Esquematicamente, temos então dois períodos principais, o dos anos de ouro e o neoliberal, separados por um período de crise e transição na década de 70. (Hobsbawm 1995; Harvey 2007)
Entre as obras que tratam da história da ciência do ponto de vista que nos interessa, algumas (mencionadas a seguir) adotam, ora mais, ora menos explicitamente, uma periodização para a época em pauta estruturalmente idêntica à da história geral – o que não é de surpreender: dada a importância econômica adquirida pela ciência no pósguerra, é natural que as mudanças na produção e distribuição do conhecimento científico acompanhem as transformações na economia e na sociedade como um todo. Uma maneira de expressar tal periodização consiste em dizer que em cada um dos dois períodos principais a ciência assume uma determinada forma; a consideração que insere a história da ciência na história geral sugere, para designar as duas formas, os termos ciência dos anos de ouro e ciência neoliberal, respectivamente. A ciência dos anos de ouro corresponde, com as devidas ressalvas, ao que Stokes (1997) denomina paradigma do pós-guerra. A ciência neoliberal, ao que Ziman (1994) chama de ciência do estado estacionário, Ziman (2000) ciência pós-acadêmica, e Krimsky (2003) ciência do interesse privado. Mirowski (2011) distingue os períodos em termos de regimes de organização da ciência, chamando o primeiro regime da guerra fria, e o segundo regime da privatização globalizada – embora deixando claro que este começa a vigorar cerca de uma década antes da queda do muro de Berlim, marco do fim da guerra fria (cf. p.115).
3. A ciência dos anos de ouro e sua autonomia programática
Uma categoria de bens é mercantilizadap quando a determinação de produzir os bens está contida na resposta dada pelo mercado à pergunta o que produzir? No domínio da ciência, o que produzir? se manifesta como o que pesquisar?, e assim, a ciência é mercantilizadap na medida em que o programa da pesquisa científica é determinado pelo mercado.
O objetivo desta seção é mostrar, por meio de um relato sobre sua constituição, que a ciência dos anos de ouro, pelo menos numa primeira aproximação, não é mercantilizadap. Dados os limites do trabalho, o relato é muito sucinto, dá mais atenção ao plano dos conceitos que ao da realidade concreta das práticas científicas, e concentra-se nos desenvolvimentos que tiveram lugar no país que exerceu indiscutível liderança no campo da ciência e da tecnologia a partir da Segunda Guerra, isto é, nos Estados Unidos.
Começamos nosso estudo considerando o documento reconhecidamente mais emblemático da ciência desse período, a saber, o relatório elaborado por Vannevar Bush a pedido do presidente Roosevelt, entregue a seu sucessor, Truman, em julho de 1945, e publicado com o título Science, the endless frontier (Bush 1990 [1945]). Atendendo à solicitação de Roosevelt, o relatório delineava as políticas científicas e tecnológicas a serem adotadas no país uma vez terminada a guerra (2).
Na visão defendida nesse documento, cabe ao Estado o financiamento da pesquisa científica. Esta é realizada por cientistas motivados apenas pela pura curiosidade, pelo conhecimento como um fim em si mesmo ou, em outras palavras, pelo valor intrínseco da ciência. O conhecimento gerado pela pesquisa científica proporciona aplicações tecnológicas, sendo a pesquisa tecnológica responsável pelo desenvolvimento dessas aplicações. Nos termos do relatório (“pesquisa básica” e “pesquisa aplicada” no lugar, respectivamente, de “pesquisa científica” e “pesquisa tecnológica”),
“A pesquisa básica é realizada sem levar em conta fins práticos. Ela resulta em conhecimento geral e entendimento da natureza e suas leis. Esse conhecimento geral fornece os meios de responder a um grande número de problemas práticos importantes, embora possa não dar uma resposta completa e específica a qualquer um deles. A função da pesquisa aplicada é fornecer tais respostas completas. O cientista dedicado à pesquisa básica pode não estar de forma alguma interessado nas aplicações práticas de seu trabalho, porém o progresso continuado do desenvolvimento industrial viria finalmente a estagnar se a pesquisa básica fosse por muito tempo negligenciada.” (Bush 1990 [1945], p.18)
A justificativa para a alocação de recursos públicos para a pesquisa científica consiste em que as aplicações tecnológicas a que elas dão origem constituem benefícios para toda a sociedade; o relatório menciona explicitamente os benefícios para a saúde da população, para a segurança nacional (aplicações bélicas) e para o desenvolvimento econômico. O Estado, como financiador da pesquisa, diferentemente dos cientistas, é motivado pelo valor instrumental da ciência, isto é, na visão de Bush, por sua capacidade de gerar aplicações tecnológicas.
De acordo com o relatório, portanto, o valor intrínseco existe apenas para o produtor direto, o pesquisador, e o valor instrumental apenas para a sociedade, representada pelo Estado, sendo tal concepção – um tanto peculiar – não só assumida, mas expressamente defendida. De um lado, argumenta-se que os pesquisadores, não apenas não precisam, também não devem, se preocupar com as aplicações. A desrecomendação se justifica pela tese sustentada no relatório, segundo a qual a pesquisa aplicada rouba espaço da pesquisa básica.
“É importante enfatizar a existência de uma lei perversa a governar a pesquisa: sob pressão por resultados imediatos, e sem que políticas públicas sejam deliberadamente adotadas para evitar que isto aconteça, a pesquisa aplicada invariavelmente desaloja a pura. A moral é clara: é a pesquisa pura que merece proteção especial, e apoio especialmente seguro.” (Ibid., p.83, itálicos no original.)
Do outro lado, a única justificativa para a destinação de recursos públicos para o financiamento da pesquisa são os benefícios oriundos das aplicações do conhecimento por ela produzido, ou seja, é apenas o valor instrumental que importa. Embora a carta de encaminhamento do relatório faça referência ao “progresso cultural” (ibid., p.2) e o Apêndice 3 (Relatório do Comitê de Ciência e Bem-Estar Público) diga que “é parte de nossas convicções democráticas a afirmação do valor cultural e estético intrínseco da tentativa do homem de fazer avançar as fronteiras do conhecimento e do entendimento” (ibid., p.79), o que predomina é o valor instrumental. Como diz Stokes:
“Vannevar Bush julgava o recurso ao conhecimento como um fim em si mesmo tão insuficiente para a tarefa de sustentar o fluxo de apoio público para a ciência básica em tempos de paz que quase não o mencionou em seu relatório de quarenta páginas, um documento excelentemente afinado ao ouvido de sua audiência no pós-guerra. Em vez disso, Bush centrou sua argumentação no que se tornou a razão primordial para o apoio à pesquisa pura, a crença – oriunda do Iluminismo – de que os avanços no entendimento obtidos pela pesquisa pura irão depois aperfeiçoar a condição humana”.
Fica claro portanto que, na concepção do relatório, o valor intrínseco desempenha um papel secundário, restrito aos pesquisadores, reduzido a um meio para a realização do valor instrumental (3).
Uma vez que o Estado é o provedor de fundos, é natural pensar-se – recordando o dito de que “aquele que paga ao gaiteiro escolhe a música” – que ele teria o direito de determinar o programa da pesquisa científica, alocando os recursos tendo em vista os interesses sociais. Mas esse não foi o procedimento proposta pelo relatório, nem o que prevaleceu em larga medida na ciência dos anos de ouro. De acordo com o relatório, o papel do Estado devia se limitar a providenciar uma larga soma de recursos, deixando à comunidade científica o cuidado de os distribuir, guiados pela sua pura curiosidade intelectual. Por outras palavras, a proposta era que à ciência fosse garantida autonomia programática – autonomia na determinação do programa de pesquisa (4). Nos termos do relatório:
“O progresso científico numa larga frente resulta do livre jogo dos intelectos, trabalhando em assuntos da sua própria escolha, de uma forma ditada pela sua curiosidade na exploração do desconhecido. A liberdade de inquérito deve ser preservada sob qualquer plano de apoio governamental à ciência.” (Bush 1990 [1945], p. 12)
O sucesso da comunidade científica, ao nível político, em assegurar a sua reivindicação de autonomia programática – doravante autonomiap – deveu-se, em muito, ao prestígio adquirido pela ciência com as suas contribuições para o esforço de guerra, incluindo avanços no tratamento e prevenção de problemas de saúde dos combatentes, na invenção e melhoria de aparelhos militares, em especial o radar e, coroando o processo, a bomba atômica (lançada sobre Hiroshima um mês após a entrega de Science, the endless frontier a Truman).
No plano teórico, a reivindicação da autonomiap se escorava no que se pode chamar de Princípio da Serendipidade. Serendipidade (serendipity) é a faculdade de fazer descobertas interessantes por acaso, quando em busca de outra coisa (5). No caso da pesquisa científica, a ideia é a de que o objetivo é o avanço do conhecimento como um fim em si mesmo; o que se descobre depois, “serendipicamente”, são as aplicações do conhecimento gerado. Há inúmeros exemplos desse tipo de ocorrência na história da ciência, como o do estudo dos fenômenos elétricos e magnéticos, depois unificados na teoria eletromagnética, com suas incontáveis aplicações tecnológicas, nem de longe previstas pelos pioneiros; o das investigações sobre a estrutura atômica e nuclear da matéria, que deram nas bombas atômicas e de hidrogênio, no uso pacífico da energia nuclear, etc. O relatório Bush eleva tais exemplos a regra geral, tirando como consequência o Princípio da Serendipidade – a proposição segundo a qual, entre as pesquisas científicas, não se pode prever quais vêm de fato a proporcionar aplicações, nem o tipo de problema prático que as aplicações contribuem para resolver, quando existem. Citando mais uma vez o relatório:
“Uma das peculiaridades da ciência básica é a variedade de caminhos que levam ao avanço produtivo. Muitas das descobertas mais importantes resultaram de experimentos levados a cabo em função de propósitos muito diferentes. Estatisticamente, é certo que descobertas importantes e extremamente úteis resultarão de alguma fração dos empreendimentos na ciência básica; porém os resultados de qualquer investigação em particular não podem ser acuradamente previstos.” (Ibid., p.18-19) (6)
Tal imprevisibilidade naturalmente bloqueia a possibilidade de o Estado direcionar a pesquisa tendo em vista aplicações, e dessa forma legitima a reivindicação de autonomiap da ciência.
Não é fácil fazer uma estimativa a respeito do grau de autonomiap de que a ciência dos anos de ouro efetivamente gozou. De maneira geral, encontra-se na literatura o reconhecimento de que, embora os arranjos institucionais propostos no relatório Bush não tivessem sido implementados, sua visão da ciência, em suas relações com a tecnologia, tornou-se hegemônica, tendo um papel determinante na conformação das políticas científicas e tecnológicas, não apenas nos Estados Unidos, mas também em muitos outros países, centrais e periféricos (7). Com relação especificamente à autonomiap, Kevles (no prefácio escrito para a edição de 1990 de Science: the endless frontier) afirma que nos Estados Unidos, no período em pauta,
“tanto o setor civil quanto o militar da ciência federal parecem de maneira geral ter operado em harmonia com as ideias de autodeterminação intelectual de Bush. Cientistas acadêmicos desses anos os lembram como uma época de ouro, um tempo em que não apenas havia dinheiro livremente disponível, mas quando ele podia ser livremente gasto de acordo com seu próprio juízo profissional.” (Ibid., p.xix)
Outros autores alegam que tais concepções não passam de idealização nostálgica, não havendo diferença essencial no que se refere à autonomiap entre, em nossos termos, a ciência dos anos de ouro e a ciência neoliberal. De maneira geral, são autores que têm uma visão favorável da ciência neoliberal, rejeitando as críticas a ela dirigidas. (Mirowski 2001, p. 87 ss.) A exposição sobre a ciência neoliberal a ser apresentada a seguir concorda com a primeira dessas concepções, sustentando que, seja qual tenha sido o grau preciso de autonomiap da ciência dos anos de ouro, com o advento da ciência neoliberal ele entra em queda, em consequência dos processos de mercantilizaçãop que passam a atuar.
Na medida em que a ciência goza de autonomiap, os rumos da pesquisa não são ditados pelo Estado, e tampouco pelo mercado. Considera-se portanto estabelecida a tese em pauta, de que, numa primeira aproximação, a ciência dos anos de ouro não era mercantilizadap.
4. Período intermediário: a ideia de pesquisa direcionada
Passemos então, seguindo a periodização adotada, ao período intermediário, de transição, entre a ciência dos anos de ouro e a ciência neoliberal. Assim como na vida econômica e social, este foi um período crítico, de muita turbulência, também nos domínios da ciência, e assim difícil de ser resumido no que se refere à realidade das práticas científicas. Por isso, e por sua menor importância relativamente aos períodos da ciência dos anos de ouro e da ciência neoliberal, vamos restringir nossas considerações ao plano da análise conceitual. Nesse plano, a passagem da ciência dos anos de ouro ao período intermediário corresponde à entrada em cena de um novo conceito, que vamos designar com o termo pesquisa direcionada. A linha de pensamento do qual ele emerge é a seguinte.
Não é necessária muita perspicácia para se observar que há um exagero na formulação do Princípio da Serendipidade do relatório Bush, explicável pelo anseio de autonomiap da comunidade científica. O exagero consiste na generalização indevida dos exemplos que ilustram o Princípio, e se demonstra apontando contra-exemplos, ou seja, casos de pesquisas científicas, no sentido de que contribuíram para o avanço do conhecimento, mas empreendidas de antemão com vistas a determinadas aplicações. Também não há falta de casos deste tipo na história da ciência. Um dos mais significativos, usado como paradigma por Stokes em seu livro já mencionado é o das pesquisas de Pasteur feitas com os objetivos de aperfeiçoar os métodos de produção de vinagre, vinho e cerveja, de desenvolver métodos de prevenção de várias doenças, etc., mas que também resultaram em contribuições importantes para o conhecimento a respeito do papel dos micro-organismos nos processos de fermentação e na etiologia das doenças infecciosas – conhecimento valioso como um fim em si mesmo, independente de qualquer aplicação.
A negação da validade universal do Princípio da Serendipidade torna possível que o Estado, em seu papel de financiador, leve em conta não apenas o potencial genérico de aplicação da pesquisa científica considerada em bloco, mas também o potencial específico de cada pesquisa, ou linha de pesquisa, associado a aplicações determinadas, previamente definidas. Quando isso ocorre, tem-se o que denominamos pesquisa direcionada (8).
Em seu livro, Stokes faz um levantamento das ocorrências dessa crítica no discurso sobre a ciência e a política científica já a partir da década de 50, mas é somente a partir da década de 70 que ela ganha força (impulsionada, no plano político, por uma relativa queda no prestígio da ciência). Observa-se nessas ocorrências uma intensa proliferação terminológica: para o que chamamos de pesquisa direcionada, encontram-se (com nuances de significado) os termos “pesquisa programática”, “pesquisa básica motivada”, “pesquisa básica orientada por missão”, “pesquisa básica orientada”, “pesquisa estratégica” e “pesquisa básica inspirada pelo uso” (use-inspired basic research, o termo adotado por Stokes). (Stokes 1997, p. 58 ss.)
5. Ciência neoliberal: a ofensiva do inovacionismo
O fato de uma pesquisa ser direcionada não significa que seja mercantilizadap: só é quando direcionada pelo mercado. Este segundo momento corresponde à passagem da período intermediário para o da ciência neoliberal, e mais uma vez, a mudança assume a forma da entrada em cena de um determinado conceito. Agora entretanto não há qualquer indefinição na terminologia: “inovação” é o termo usado universalmente para designá-lo.
O conceito de inovação é o cerne da principal estratégia neoliberal para promover a mercantilizaçãop da ciência: o inovacionismo, que consiste em postular a obtenção de inovações como objetivo primordial da pesquisa científica. O economista inglês Christopher Freeman (1921-2010) foi o autor que mais decisivamente contribuiu para a promoção do inovacionismo. (Fagerberg 2005) É estranho que, na literatura recente sobre a temática da mercantilização da ciência, Freeman praticamente não seja mencionado, e assim, convém registrar os dados mais essenciais sobre sua vida e obra (9).
Ao longo de sua carreira, Freeman dedicou-se centralmente ao tema do desenvolvimento, fazendo parte da linhagem desenvolvimentista que se formou depois da Segunda Guerra. Muito influenciado por Schumpeter, atribui um papel crucial aos avanços tecnológicos como motor do desenvolvimento. Exerceu forte liderança tanto por seu trabalho teórico quanto por sua atuação institucional. Em 1965 fundou, e dirigiu por muito tempo, a Science Policy Research Unit (SPRU), da Universidade de Sussex, um dos mais destacados centros de estudo sobre políticas científicas e tecnológicas (PCTs) em todo o mundo (10). Foi consultor da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a agência internacional mais influente no terreno das PCTs) e da UNESCO, tendo sido responsável pela elaboração de importantes documentos publicados por essas instituições (alguns dos quais reproduzidos parcialmente no apêndice do livro mencionado a seguir).
Seu livro The economics of industrial innovation, de 1974 (daqui por diante, EII), teve uma influência enorme, não apenas no que se refere à inovação, mas também a aspectos fundamentais da administração da pesquisa científica (11). Com as devidas ressalvas, pode-se considerá-lo emblemático da ciência neoliberal, desempenhando um papel análogo ao de Science, the endless frontier em relação à ciência dos anos de ouro. Embora com o significado que tem hoje o conceito de inovação não fosse novidade na época (Freeman o credita a Schumpeter, como veremos), foi a partir da publicação de seu livro que ele começou efetivamente a se difundir. No princípio lentamente, mas cerca de dez anos depois o processo se acelera, com a introdução do conceito de Sistemas Nacionais de Inovação, para o qual Freeman também deu uma contribuição fundamental (cf. Sharif 2006, p.750). E a partir da segunda metade da década de 90 a inovação se estabelece como conceito-chave nas PCTs neoliberais, grosso modo primeiro nos países centrais, depois nos periféricos.
Freeman é um entusiasta da inovação, que ele vê como “uma condição essencial para o progresso econômico e um elemento crítico na luta competitiva entre empresas e estados-nação”. (EII, p.15) “[A inovação] é crítica para a conservação a longo prazo dos recursos e melhoramento do meio ambiente. A prevenção da maioria das formas de poluição e a reciclagem econômica dos resíduos são igualmente dependentes do avanço tecnológico” (12). “No sentido mais fundamental, a aquisição de novo conhecimento é a base da civilização humana.” (EII, p.21) Curiosamente, Freeman parece valorizar a inovação também como um fim em si mesmo, independentemente de o novo ser bom ou ruim:
“A inovação é importante não apenas por incrementar a riqueza das nações no sentido estreito do aumento da prosperidade, mas também no sentido mais fundamental de permitir aos homens fazer coisas nunca feitas antes. Ela permite que toda a qualidade da vida mude, para o bem ou para o mal. Ela pode significar não apenas mais dos mesmos bens, mas um padrão de bens e serviços que não existia previamente, a não ser na imaginação.” (EII, p. 15-6)
Mas em que consiste, afinal, a inovação? Eis a definição proposta por Freeman:
“Devemos a Schumpeter a distinção extremamente importante entre invenções e inovações, que foi, desde então, em geral incorporada à teoria econômica. Uma invenção é uma ideia, um esboço, ou um modelo para um novo ou aperfeiçoado dispositivo, produto, processo ou sistema. Tais invenções podem frequentemente (não sempre) ser patenteadas, porém não conduzem necessariamente a inovações técnicas. Na verdade a maioria não faz isso. Uma inovação no sentido econômico é conseguida apenas com a primeira transação comercial envolvendo o novo produto, processo, sistema ou dispositivo, embora a palavra seja usada também para descrever o processo todo”. (EII, p.22; itálicos no original.)
A ideia de inovação contrastada com a de invenção, e com ênfase no caráter comercial das aplicações, perpassa toda a literatura sobre o tema, figurando às vezes explícita, às vezes implicitamente (cf. Fagerberg 2005; Kline & Rosenberg 1986). Ora, para se realizar como aplicação comercial, uma invenção precisa ser rentável, precisa ser capaz de contribuir para a maximização dos lucros da empresa que lança um novo produto, ou adota um novo método de produção. Mas quem determina o que é rentável é o mercado. E sendo assim, na medida em que a obtenção de inovações se torna o objetivo primordial da pesquisa científica, seus rumos passam a ser ditados pelo mercado. Com o avanço do inovacionismo, num mesmo movimento a ciência perde sua autonomiap, e fica mercantilizadap.
No plano conceitual, a história termina aqui e, como vimos, é bem simples. No plano do real, o inovacionismo é um movimento extremamente amplo e complexo, que mobiliza em prol de seu objetivo uma série enorme de políticas para a ciência e a tecnologia incluindo, entre outras:
- Mudanças nos critérios adotados pelas agências de fomento na avaliação dos projetos submetidos pelos pesquisadores, elevando o peso do quesito “potencial de geração de aplicações rentáveis”;
- Aumento, em termos absolutos e relativos, dos financiamentos concedidos na modalidade em que o objeto da pesquisa é estipulado de antemão por meio de editais, também com vistas a aplicações rentáveis;
- Valorização da conquista de patentes por parte de pesquisadores trabalhando em Universidades e institutos públicos de pesquisa;
- Criação de “agências de inovação”, encarregadas, entre outras funções, de apoiar os cientistas nesse tipo de empreendimento;
- Levantamento de dados estatísticos referentes à produção de inovações, usados como parâmetros para as PCTs, e para estabelecer rankings de países e universidades;
- Realização de campanhas, frequentemente envolvendo concursos, visando promover a “cultura de inovação”.
Um pressuposto importante do movimento é a tese de que seu objetivo só será atingido por meio de uma integração do setor público de pesquisa com as empresas privadas; na série de políticas inovacionistas, há várias voltadas para o fomento dessa integração – ou “casamento”, como é muitas vezes chamada –, tais como:
- A promoção de pesquisas realizadas em convênios de empresas privadas com o setor público, por meio de vantagens fiscais, empréstimos com juros subsidiados, e tratamento privilegiado das solicitações feitas às agências de fomento;
- Estímulo, também por meios variados, à contratação de mestres e doutores pelas empresas, e à transformação, total ou parcial, de pesquisadores do setor público em empresários;
- Concessão de bolsa de estudo para empregados de empresas realizarem cursos de especialização ou pós-graduação;
- Criação de parques tecnológicos.
Tais políticas, e seus impactos, constituem os processos de mercantilizaçãop da ciência; em conjunto, eles promovem uma profunda mudança nas articulações da ciência com a sociedade, inserindo-a muito mais intensamente na esfera da economia de mercado. Um estudo mais completo a respeito dessa transformação deve levar em conta as diferenças entre os países; para cada um, quais dentre as políticas elencadas acima são implementadas, quais as medidas legais, e o aparato institucional que as implementam, qual o impacto de sua implementação, etc. Tal estudo situa-se naturalmente muito além dos limites deste trabalho; para nossos propósitos a visão geral apresentada é suficiente.
6. Freeman e o neoliberalismo
Há um problema na interpretação do inovacionismo como uma faceta do neoliberalismo, e Freeman como o líder do movimento, uma vez que ele dificilmente pode ser considerado, sem ressalvas, um neoliberal.
O neoliberalismo pode ser caracterizado como a fase do capitalismo em que é exacerbada a tendência do sistema a transformar tudo em mercadoria. Desta caracterização deriva um dos princípios centrais do neoliberalismo, o do Estado mínimo, que por sua vez se desdobra nas políticas de privatização, redução de gastos com bens sociais, desregulamentação, etc. Freeman entretanto está longe de ser um defensor do Estado mínimo. Sendo filiado à corrente desenvolvimentista que floresceu no pós-guerra, ele atribui ao Estado um papel central na promoção do desenvolvimento.
Com relação à ciência, pode-se dizer que o princípio do Estado mínimo implica – assim como para qualquer outra categorias de bens – que a produção do conhecimento científico deve ser deixada a cargo da iniciativa privada, sem financiamento estatal. Concepções deste tipo foram sustentadas no começo da década de 80 por alguns economistas neoliberais, e energicamente combatidas por Freeman e seus colaboradores. No contexto dessa disputa, a postura anti-neoliberal de Freeman foi explicitamente assumida; de acordo com François Chesnais, um de seus colaboradores mais próximos na época, o conceito de Sistema Nacionais de Inovação foi deliberadamente criado como arma contra tais concepções neoliberais extremadas. (Sharif 2006, p.753)
Portanto, há realmente um problema com a interpretação proposta. Ele pode entretanto ser facilmente superado, estando a peça-chave deste movimento já contida na caracterização do inovacionismo apresentada na última seção. Trata-se do fato de que, embora as políticas inovacionistas não excluam o financiamento da pesquisa pelo Estado, a distribuição de fundos entre os projetos de pesquisa é feita de acordo com o critério de rentabilidade, que é determinado pelo mercado. No arranjo inovacionista o Estado atua como um intermediário, que transmite à comunidade científica os desejos do mercado. Assim, na ciência neoliberal, embora o Estado seja o grande financiador da pesquisa, a determinação de seus rumos fica nas mãos do mercado.
Embora a expressão possa parecer auto-contraditória, pode-se dizer, com base em tais considerações, e do presente ponto de vista, que Freeman é um neoliberal estatista. A aparência de auto-contradição é um reflexo do fato de que, como David Harvey aponta, a estrutura teórica do neoliberalismo não é completamente coerente, em particular no que se refere ao papel do Estado. Nas palavras de Harvey, “a suposta desconfiança de todo o poder do Estado” própria do neoliberalismo “não combina com a necessidade de um Estado forte e, se necessário, repressivo que atue em defesa dos direitos de propriedade privada, as liberdades individuais, e empresariais”. (Harvey 2007, p. 21). Às funções do Estado das quais os neoliberais não podem abrir mão, pode-se acrescentar o financiamento da pesquisa científica. A razão de tal necessidade ou, em outras palavras, a impossibilidade de delegar à iniciativa privada a produção do conhecimento científico reside na natureza de bem público que o conhecimento científico mantém, apesar dos avanços dos Direitos de Propriedade Intelectual (13).
7. O inovacionismo em questão
Toda a exposição até este ponto teve um caráter analítico-descritivo, isento de juízos de valor, sendo em princípio aceitável mesmo para os adeptos do inovacionismo. Vale a pena observar que o inovacionismo se legitima com base no princípio fundamental do neoliberalismo, a tese da excelência do mercado como sistema regulador da vida econômica. Assim, do ponto de vista de seus adeptos, a alegação de que a ciência está sofrendo um processo de mercantilização não constitui uma denúncia, ou um questionamento mas, pelo contrário, é algo a ser celebrado.
A partir de agora o registro muda, passa a envolver juízos de valor, na medida em que vamos tratar das críticas ao inovacionismo que têm sido levantadas, e de algumas diretrizes propostas como alternativas para a condução das práticas científicas. Tais críticas focalizam as consequências nefastas do inovacionismo, que podem ser classificadas em três categorias. A primeira e a segunda compreendem as consequências que ocorrem em domínios de investigação respectivamente sem e com potencial de inovação. As consequências da terceira categoria têm uma natureza diferente, ocorrem em áreas mais específicas nos dois domínios, e envolvem a erosão do caráter objetivo do conhecimento científico.
7.1 Domínios sem potencial de inovação
Os domínios de investigação que, por sua própria natureza, carecem de potencial gerador de inovações, na medida em que o processo de mercantilizaçãop avança, são prejudicados na disputa por verbas com os domínios dotados desse potencial. O problema pode ser entendido recorrendo-se ao conceito de custo de oportunidade dos economistas, isto é, o custo de uma aplicação de recursos correspondente ao que se perde ao não destiná-los a aplicações alternativas. A alocação de recursos públicos para a pesquisa nos moldes do inovacionismo tem um alto custo de oportunidade na medida em que afeta negativamente pelo menos três domínios: o da ciência do interesse público, o da ciência básica (não direcionada), e o das humanidades.
Ciência do interesse público
O conceito de ciência do interesse público está no centro das plataformas de associações estadunidenses como o Center for Science in the Public Interest (CSPI), The Science and Environmental Health Network (SEHN) e a Association for Science in the Public Interest (ASIPI) (14). Krimsky (2003) também usa o termo, contrastando a ciência do interesse público com a ciência do interesse privado (que dá o título a seu livro): “A ciência do interesse público lida com questões sem possibilidade de solução pelo mercado”, ela “pergunta como o conhecimento pode contribuir para a superação de problemas sociais, tecnológicos e ambientais. A ciência do interesse privado pergunta como a ciência pode gerar um produto lucrativo, ou defender um cliente empresarial, tenha ou não o produto benefícios sociais, e seja ou não distribuído justa e equitativamente”. (Krimsky 2003, p.181) A ciência do interesse privado é, em nossa terminologia, a ciência neoliberal, direcionada pelo mercado para a produção de inovações.
A ciência do interesse público pode para nossos propósitos ser definida como a ciência direcionada pelo interesse público, especialmente os dos setores mais pobres da população, e voltada para os problemas não susceptíveis de superação pelos mecanismos do mercado. Ela busca aplicações não rentáveis, isto é, aplicações que não constituem inovações, mas não se limita a esse objetivo: também desempenha um papel crucial na própria detecção dos problemas, como os do buraco na camada de ozônio e do aquecimento global. Em muitos casos, os resultados de tais pesquisas não apenas não geram aplicações rentáveis, mas prejudicam os lucros das empresas, ao motivar a imposição de restrições em suas práticas. Os principais campos de investigação da ciência do interesse público dizem respeito:
- Aos problemas ambientais, de maneira geral;
- Aos riscos das novas tecnologias, especialmente os organismos geneticamente modificados (OGM) e a nanotecnologia;
- Às consequências nefastas do modelo tecnológico de agricultura, baseado na monocultura, no uso intensivo de fertilizantes e agrotóxicos químicos, de maquinaria, e em grande proporção de culturas transgênicas;
- A formas de agricultura alternativas, como a agroecologia, a permacultura, a agricultura orgânica, familiar, e outras;
- À medicina preventiva e, em particular, ao impacto sobre a saúde humana das várias formas de poluição, e das substâncias químicas encontradas nos alimentos, provenientes de agrotóxicos, ou adicionadas no processo de industrialização;
- Às doenças negligenciadas, que afetam majoritariamente as populações dos países pobres, carentes do poder aquisitivo necessário para tornar rentáveis as pesquisas voltadas para seu tratamento ou prevenção (15);
- À Tecnologia Social, voltada para o melhoramento das condições de vida dos setores mais pobres e marginalizados da população, e desenvolvida como componente do sistema de Economia Solidária. (Dagnino (org.) 2010)
Ciência básica
No relatório Bush a ciência básica é definida como não direcionada, e portanto não direcionada pelo mercado, porém isso não significa que não seja geradora de aplicações, e nada impede que as aplicações sejam rentáveis, isto é, que sejam inovações. A ciência básica não pode ser direcionada pelo mercado não porque careça de potencial gerador de inovações, mas porque para cada projeto de pesquisa em particular, esse potencial é incerto e, de maneira geral só se realiza a longo prazo. O viés anti-ciência básica que se observa no inovacionismo pode ser explicado dizendo que o movimento procura estabelecer como objetivo primordial da pesquisa a obtenção de aplicações não apenas rentáveis, mas rentáveis seguramente, e a curto prazo.
Reagindo a essa tendência, os pesquisadores no domínio da ciência básica defendem suas posições mobilizando principalmente o argumento, já presente no relatório Bush, segundo o qual, por maior que seja, o potencial gerador de aplicações de cada avanço na ciência básica é limitado, e assim, na ausência de novos avanços, o fluxo de inovações tende a estancar. Portanto, conclui o argumento, do ponto de vista do próprio inovacionismo, sufocar a ciência básica significa matar a galinha dos ovos de ouro.
Há um outro argumento que pode ser mobilizado em defesa da ciência básica, o qual entretanto se afasta tanto das concepções do relatório Bush, quanto das inovacionistas, por rejeitar a perspectiva instrumentalista que elas compartilham, isto é, a valorização da ciência apenas por seu valor instrumental, como geradora de aplicações tecnológicas. (O relatório Bush, como vimos, preserva um papel para o valor intrínseco, porém apenas como fonte de motivação para o trabalho dos cientistas; a legitimação da ciência básica apóia-se somente no valor instrumental.) A concepção compartilhada contém o pressuposto de que o cidadão comum, o não-cientista, é um materialista vulgar, um pobre de espírito, incapaz de ter uma satisfação puramente intelectual com o conhecimento científico. A concepção instrumentalista decorre desse pressuposto equivocado mas ao se tornar dominante, tende a torná-lo verdadeiro, fomentando assim o empobrecimento espiritual da humanidade.
A re-valorização do conhecimento como um fim em si mesmo permite que seja mantido o apoio público à pesquisa básica não apenas em virtude de seu potencial gerador de aplicações, mas igualmente por seu valor intrínseco para os cidadãos. Desse ponto de vista, entretanto, deve ser levada em conta a inteligibilidade de cada contribuição para os não-especialistas, da qual depende o número de pessoas aptas a desfrutarem a satisfação intelectual proporcionada por ela. Na decisão de quais projetos apoiar, o valor intrínseco deve ter um peso maior no caso de conhecimentos compreensíveis para os cidadãos – como os referentes à história da vida na Terra, especialmente a de nossa espécie –, menor no caso de teorias abstrusas entendidas por um pequeníssimo número de especialistas, como a teoria das super-cordas.
Humanidades
No que se refere às humanidades, não cabe aqui uma defesa de sua importância, que, por precisar ser muito sucinta, dificilmente poderia ir além de generalidades. Diremos apenas que elas desempenham um papel fundamental no cumprimento da função crítica da Universidade. Numa sociedade democrática, a postura crítica é o que se espera dos cidadãos e instituições sociais, especialmente a imprensa e outros meio de comunicação, os partidos políticos, movimentos sociais, etc. O que distingue a missão da Universidade deste ponto de vista é a natureza de sua crítica, baseada num entendimento mais profundo da sociedade, gerado por meio de procedimentos cognitivos rigorosos. O inovacionismo prejudica a realização da missão da Universidade, e em particular a adoção da postura crítica diante das próprias políticas inovacionistas, dando origem a um círculo vicioso em que cada avanço do inovacionismo acarreta uma diminuição na capacidade de constatar as consequências nefastas do processo. O inovacionismo atua assim à maneira de uma droga causadora de dependência, que subverte as faculdades cognitivas necessárias para que o usuário considere devidamente os males causados pelo uso da droga, e reconheça que se tornou dependente.
7.2 Domínios com potencial de inovação
Entre as consequências nefastas que acabamos de mencionar, encontram-se as que ocorrem nos domínios onde a pesquisa tem potencial gerador de inovações, dos quais passamos a tratar. O tema é vasto, e o meio encontrado para manter o tratamento em extensão adequada foi o de concentrar a atenção num único documento, estratégia que nos permite apresentar um rápido esboço das consequências nefastas do inovacionismo, e caracterizar o tipo de crítica que, a nosso ver, é mais adequado à luta em prol de uma forma mais sensata, mais justa e eficiente de conduzir as práticas científicas.
O documento em pauta é o relatório Science and the corporate agenda: the detrimental effects of commercial influence on science and technology, publicado pelo movimento Scientists for Global Responsibility (SGR), do Reino Unido, sendo Chris Langley e Stuart Parkinson os responsáveis por sua elaboração (16). Embora seja focado no Reino Unido, muito do que é dito aplica-se também, com as devidas ressalvas, a inúmeros outros países, dada a tendência à homogeneização das PCTs, própria da globalização neoliberal. A crítica do relatório é interna, no sentido de que recorre a um mínimo de pressupostos e valores inaceitáveis pelos interlocutores. O objetivo do relatório é estudar as consequências nefastas da mercantilização da ciência e da tecnologia, pelo prisma das relações das universidades e institutos de pesquisa com as empresas privadas (as corporations). São estudados cinco setores: o da indústria farmacêutica, o da indústria do tabaco, o militar, o do petróleo e do gás, e o da biotecnologia. Para cada setor, apresenta-se inicialmente uma descrição do pano de fundo, incluindo dados sobre sua dimensão econômica, listas das principais empresas que nele atuam, explicações sobre o modo de atuação, ligações que mantêm com as universidades, etc. Vem a seguir uma exposição sobre as consequências nefastas dessas ligações, solidamente substanciada, com base na maioria dos casos em artigos publicados em revistas especializadas com revisão por pares – ou seja, de acordo com os critérios de certificação da própria ciência. As consequências são classificadas em quatro categorias, correspondentes às teses de que as ligações da ciência com o setor privado, em graus diferentes conforme o setor,
1. Influenciam a natureza da agenda de pesquisa, reduzindo seu âmbito;
2. Têm um impacto no direcionamento dos, e introduz tendenciosidade (bias) nos resultados de pesquisas específicas (tanto intencional quanto não-intencionalmente);
3. Comprometem a transparência das pesquisas (por exemplo, através de restrições comerciais de confidencialidade), e
4. Influenciam a interpretação pública dos resultados das pesquisas (por exemplo, por meio de lobbies) comprometendo potencialmente a percepção pública e a aceitação dos desenvolvimentos na ciência, na engenharia e na tecnologia. (Langley & Parkinson 2009, p. 22)
Outra característica da crítica do SGR consiste em que não se limita a apontar os problemas mas, numa postura propositiva, aponta alternativas, providências concretas a serem tomadas para evitá-los. Da lista de dezesseis recomendações sugeridas, na versão que consta do Sumário Executivo do relatório, podem ser citadas, a título de ilustração, as seguintes:
- Universidades devem adotar padrões éticos mínimos para as companhias com as quais mantêm parcerias. Tais padrões devem incluir critérios sociais e ambientais, bem como acadêmicos, e devem ser supervisionados por um comitê especial.
- Universidades devem divulgar amplamente dados abrangentes sobre a natureza de suas parcerias com empresas.
- Todas as publicações acadêmicas devem desenvolver e implementar processos rigorosos para tratar de conflitos de interesse potenciais, inclusive sanções adequadas para o não cumprimento das normas estabelecidas.
- Mais pesquisa acadêmica precisa ser realizada a respeito dos efeitos deletérios potenciais da comercialização da ciência e tecnologia, especialmente nas universidades. (Ibid., p.8)
Embora outras formas de questionamento sejam possíveis, e melhores, dependendo do tipo de interlocutor (por exemplo, os já imbuídos de uma visão crítica do capitalismo), quando se trata de argumentar com os adeptos do inovacionismo, a abordagem do relatório do SGR – dadas as características ressaltadas neste rápido resumo: o caráter interno, a adoção de critérios científicos de certificação, e a postura propositiva – é a nosso ver a mais adequada. É a que tem mais possibilidades de conseguir avanços na luta ideológica transformando-se – o que realmente importa – numa força material capaz de mudar a forma como a ciência e a tecnologia são praticadas. De um ponto de vista mais específico, acreditamos não haver melhor antídoto contra as acusações de obscurantismo e anti-cientificismo com que os representantes do establishment costumam desqualificar os críticos.
7.3 Erosão da objetividade da ciência
Como foi dito na introdução, os processos de mercantilização da ciência estudados neste artigo situam-se na primeira dimensão da vida econômica, definida pela questão o que produzir? Até agora a questão foi interpretada com referência apenas ao objeto das pesquisas. Entretanto, uma interpretação mais ampla é possível, que inclui referência a outras características da pesquisa, como sua qualidade. A qualidade de uma pesquisa é por sua vez uma característica multifacetada, sendo cada faceta correspondente a um valor. As consequências nefastas do inovacionismo a serem discutidas agora consistem na degradação da qualidade das pesquisas com relação ao valor da objetividade.
De um ponto de vista prático, espera-se que o conhecimento científico seja confiável, isto é, que constitua um bom guia para nossas ações, fornecendo boas previsões, e aplicações eficazes. Mas para ser confiável, o conhecimento científico deve ser objetivo, deve ter uma relação adequada com a realidade que se propõe a representar.
A objetividade é um valor essencial da ciência moderna, a qual, ao longo de sua história desenvolveu – e continua a desenvolver – métodos para garantir, tanto quanto possível, a preservação da objetividade, em particular erguendo barreiras contra a influência de interesses não-cognitivos – religiosos, políticos, econômicos, etc. – que tendem a desviar o conhecimento científico do caminho da objetividade.
Como um princípio voltado fundamentalmente para a preservação da objetividade, a metodologia científica deve ser entendida num sentido amplo, não restrito aos aspectos estudados na tradição da epistemologia moderna, mas incluindo o conjunto de normas conhecido como o ethos científico. Entre tais normas, encontra-se a que Merton (1973) designa com o termo “desinteresse”. Ela não estipula que um cientista não deve ter interesse algum em seu trabalho: ele pode ter um interesse intelectual – isto com certeza é permissível, ou mesmo recomendável – e pode também ter interesses não-cognitivos; o imperativo é apenas o de que tais interesses sejam mantidos à distância, de tal maneira que não afetem a pesquisa, tornando-a tendenciosa.
Dados esses pressupostos, pode-se afirmar que o inovacionismo fomenta violações do ethos científico, que resultam em perda de objetividade. (Ziman 2000, Krimsky 2003, Lacey 2008, Oliveira 2011a) Tais violações ocorrem principalmente em dois setores de pesquisa, um sem, outro com potencial de inovação, a saber, o setor das pesquisas sobre as mudanças climáticas, e o setor da biomedicina, especialmente da indústria farmacêutica.
O que está em jogo no campo das mudanças climáticas é o conflito entre o interesse da humanidade toda, e o das empresas de petróleo e gás, que veem ameaçada sua lucratividade pelo imperativo de restringir o uso de combustíveis fósseis. A estratégia das empresas consiste em fomentar o ceticismo do clima – o colocar em dúvida a existência de mudanças climáticas significativas, seu caráter antropogênico, ou seu impacto para os seres humanos. Essa manobra é facilitada pela incerteza inerente às conclusões das pesquisas científicas nesse campo – que são entretanto grandemente exageradas. Na prática, a atuação das empresas consiste em financiar think tanks – grupos de investigação e propaganda extra-acadêmicos, que se apresentam como científicos, mas violam deliberadamente a norma do desinteresse, distorcendo as evidências, ou sua interpretação, tendo em vista os interesses de seus financiadores. (Oreskes & Conway 2010, Pittock 2009)
No campo da indústria farmacêutica, são cruciais para a lucratividade das empresas as pesquisas sobre a qualidade dos medicamentos produzidos: sobre sua eficácia – em que medida têm os efeitos terapêuticos que deles se esperam –, e sobre seus efeitos colaterais, especialmente os negativos. As violações do ethos nesse terreno têm por objetivo distorcer os resultados das pesquisas, ou sua divulgação, exagerando a eficácia dos medicamentos, e minimizando, ou ocultando, seus efeitos colaterais negativos. (Brown 2010, Resnick 2010, Musschenga, Steen & Ho 2010)
A tendenciosidade das pesquisas de avaliação de medicamentos tem vindo à tona com grande intensidade nos últimos tempos, frequentemente na forma de escândalos. Esse fenômeno provoca uma reação da comunidade científica, gerando um amplo debate em torno da noção de conflito de interesses (obviamente relacionada à norma mertoniana do desinteresse). Um pressuposto do debate é o de que, sendo declarados os interesses econômicos dos pesquisadores e financiadores de uma pesquisa quando da divulgação de seus resultados, a tendenciosidade pode ser detectada mais facilmente, e assim desencorajada. Krimsky (2003, Capítulos 8-10) discute extensa e rigorosamente essa questão, concluindo que regras mais estritas sobre declarações de interesse não são suficientes para resolver o problema (cf. Krimsky, 2003, cap. 8-10) (17).
Entre as práticas da indústria farmacêutica, encontram-se ainda muitas em desacordo com princípios ainda mais básicos de honestidade. Uma lista exaustiva seria longa demais para ser exposta aqui. Elas vão desde a prática, muito difundida do ghost writing – em que pesquisadores renomados, em troca de vantagens monetárias, assinam como se fossem autores artigos escritos por funcionários das empresas farmacêuticas (18) – até a produção de revistas pseudo-científicas – isto é, que se apresentam como se seguissem as normas da revisão por pares, e outras, mas que na verdade são veículos de propaganda das empresas que as financiam. (Grant 2009a e 2009b)
As consequências nefastas da violação das normas do ethos no campo da biomedicina incluem as específicas, mais precisas, como por exemplo a morte de pacientes em decorrência de efeitos colaterais de medicamentos tomados, sendo esses efeitos conhecidos, mas ocultados pelas empresas produtoras. Mas envolvem também uma consequência mais difusa, cumulativa, alimentada especialmente pelos escândalos que chegam à grande imprensa, que consiste na perda de autoridade da ciência, isto é, a degradação da percepção pública da ciência, que deixa de ser vista como fonte de conhecimento confiável. Essa autoridade é crucial especialmente em se tratando de problemas que só podem ser superados com a colaboração dos cidadãos, como por exemplo o da dengue: se a população não acredita na teoria científica segundo a qual a doença é causada por um vírus transmitido pelo Aedes aegypti, não tem razões para participar da campanha de eliminação dos criadouros desses mosquitos. Como na fábula do menino e o lobo, um alerta lançado pela ciência (por exemplo, sobre a necessidade de a população tomar uma determinada vacina) pode ter consequências trágicas (a ocorrência de uma epidemia) se for ignorado devido à perda de autoridade da ciência.
Mesmo constatando que a ciência é co-responsável pelos grandes problemas que a humanidade enfrenta – especialmente os ambientais –, é difícil imaginar que sua superação possa se dar sem o recurso ao conhecimento científico. Basta considerar que a própria detecção de alguns dos problemas – incluindo o do buraco na camada de ozônio, o do aquecimento global, e o do impacto das várias formas de poluição na saúde humana – são resultados da pesquisa científica. A ciência é parte do problema, mas também parte da solução. Mas para poder dar a contribuição que dele se espera, o conhecimento científico deve ser confiável – eficiente como guia para a ação, capaz de gerar aplicações eficazes, e passível de ser aceito como tal pela população. Para isso, é preciso que ele seja objetivo, e para ser objetivo é necessário que as normas do ethos sejam obedecidas.
7.4 A alternativa democrática
No que se refere a alternativas, num nível mais geral existem várias organizações – além do SGR, o Fórum Mundial Ciência e Democracia (FMCD), a Fondation Sciences Citoyennes, e a International Network of Engineers and Scientists for Global Responsibility (INES) (19) – que têm enquanto elemento central em suas plataformas a democratização dos processos decisórios na ciência, no espírito da democracia participativa, ou direta. Uma das estratégias adotadas com esse fim é a das conferências de cidadãos – embora o nome oficial em muitos casos seja diferente: “conferência de consenso”, “júri de cidadãos”, etc. Uma conferência de cidadãos trata de um setor determinado da tecnociência, sendo o dos OGM, o da nanotecnologia e o da energia nuclear os mais frequentes. Em linhas gerais, a atividade consiste em, primeiro, formar um grupo de leigos dispostos a participar, selecionados de acordo com metodologias desenvolvidas tendo em vista evitar a tendenciosidade. A seguir, numa série de sessões, o grupo faz por assim dizer um curso rápido sobre o tema, com aulas dadas por especialistas e estudiosos, tendo a oportunidade de discutir com eles. E por fim debatem entre si as questões levantadas, e registram as conclusões a que chegaram. Esse relatório é então divulgado, na qualidade de indicador das posições e interesses da população, com o objetivo de fazer com que sejam considerados na definição das políticas para o setor (20).
As conferências de cidadãos surgiram na década de 70, nos Estados Unidos; em meados dos anos 80 começaram a se difundir na Europa, e a seguir em outros continentes. Em Joss (2009) encontra-se um bom estudo, envolvendo um histórico do fenômeno, considerações sobre o contexto histórico que explicam seu surgimento, uma análise de suas limitações, e sugestões de como superá-las. Para dar uma ideia a respeito das dimensões do processo, Joss menciona levantamentos segundo os quais, por exemplo, entre 1987 e 2002 foram realizadas 67 conferências, em 19 países; entre 2003 e 2009, cerca de 70 conferências apenas sobre a nanotecnologia.
A democratização da ciência concebida dessa maneira pressupõe cidadãos suficientemente informados para serem capazes de pensar criticamente sobre a ciência e seu papel na sociedade. Ela reforça o que pode ser considerado o lema de Science & Education (21), a proposição de que a educação científica não deve consistir apenas no ensino de ciências, mas também sobre as ciências, bem como sua implicação, a necessidade de introduzir a história, a filosofia e a sociologia da ciência nos programas das disciplinas científicas.
A perspectiva oferecida neste artigo pode proporcionar um melhor entendimento das forças que militam contra a implementação dessas medidas, forças decorrentes dos processos de mercantilização da ciência. Como as considerações acima a respeito das humanidades deixam claro, um movimento visando a mercantilização da ciência não pode ver com bons olhos estudos que tendem a levantar questões sobre a legitimidade de seus objetivos. Um estudo completo a respeito de tais forças contrárias incluiria também os referentes à mercantilização da Educação, que envolvem um afastamento da formação ampla, como a dos liberal arts colleges dos Estados Unidos, direcionado à concentração no treinamento profissional, de acordo com as necessidades do mercado. Em currículos resultantes dessa tendência, não há lugar para o pensamento crítico sobre o papel da ciência e da tecnologia na sociedade.
A sugestão portanto é a de que o movimento em prol do tipo de educação científica preconizado pela linha editorial de Science & Education deve incluir a resistência à mercantilização da ciência e da educação e, num segundo momento – espera-se –, virar o jogo, passando da resistência à mercantilização à luta pela desmercantilização.
Embora a proposta não seja a de uma volta à autonomia programática gozada pela ciência dos anos de ouro, de acordo com ela os cientistas teriam naturalmente um papel fundamental a desempenhar no debate público sobre os rumos da pesquisa. Eles são os detentores do conhecimento factual especializado imprescindível nos processos de deliberação. Além disso, têm o direito de defender seus interesses, desde que não o façam sem levar na devida conta os interesses da sociedade. Mas para satisfazer tal condição, eles devem ser capazes de refletir seriamente sobre o impacto de suas pesquisas sobre a sociedade ou, em outras palavras, precisam ser socialmente responsáveis pelo trabalho que realizam. (Ziman 1995, Kitcher 2001, Lacey 2008)
8. O inovacionismo num país emergente
Esta seção trata da história do inovacionismo num importante país emergente, a saber, o Brasil. Um estudo semelhante a respeito de todo o conjunto de países emergentes extrapola os limites do presente artigo. Em tal estudo, o caso da Coreia do Sul se destacaria como o exemplo paradigmático de um país emergente muito bem sucedido do ponto de vista do inovacionismo. Devido a esse status, no discurso brasileiro sobre a ciência e a tecnologia, a Coreia do Sul é muito frequentemente usada como padrão ao se avaliar o desempenho do país, e como prova da viabilidade do programa inovacionista para os países emergentes.
O objetivo agora é apenas o de mostrar a necessidade de levar em conta as diferenças entre os países centrais e os emergentes. O procedimento é o seguinte. Primeiro, apresenta-se um histórico sucinto do inovacionismo no Brasil, para mostrar que as políticas inovacionistas, embora implementadas aqui com tanto vigor quanto nos países centrais, não têm uma eficácia comparável, isto é, contribuem muito menos para promover a mercantilizaçãop da ciência. A seguir são discutidas as implicações dessa deficiência, bem como o significado do relatório do SGR para o Reino Unido e para o Brasil.
Com certo atraso – como sói acontecer nesses casos de importações de ideias originárias do centro – o inovacionismo aportou no Brasil por volta do ano 2000 (Cruz & Chaimovich 2010, p.103-4; Carlotto 2008, p.98-112), porém a partir de então desenvolveu-se muito vigorosamente. No plano jurídico, os principais marcos desse processo foram: a criação dos primeiros fundos setoriais, em 1999; a realização da 2ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), em 2001 (22); a Lei de Inovação, promulgada em 2004; a chamada Lei do Bem, de 2005 (um complemento à Lei de Inovação, especificando as vantagens financeiras a serem concedidas a empreendimentos inovadores); e o Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional (PACTI), instituído em 2007. No plano econômico, as agências de fomento e órgãos afins dos governos federal e estaduais adotaram inúmeros programas de apoio às pesquisas visando inovações, e envolvendo o setor empresarial, na forma de convênios, empréstimos subsidiados, financiamentos a fundo perdido, bolsas, etc. (23). No plano institucional, criaram-se entidades, tanto no setor público (por exemplo, as “agências de inovação” nas universidades), como no setor privado (na forma de associações empresariais, consultorias, ONGs, etc.). Campanhas e concursos são promovidos com o intuito de instilar no público a “cultura da inovação” – como as Olimpíadas USP de Inovação (24). Em janeiro de 2010 o presidente Lula sancionou a Lei nº 12.193, que designa o dia 19 de outubro como Dia Nacional da Inovação, e em agosto de 2011 o Ministério da Ciência e Tecnologia acrescentou “inovação” a seu nome; agora é o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). No Livro Azul, que sintetiza as principais contribuições da 4ª CNCTI afirma-se, num arroubo retórico bem expressivo do entusiasmo com o inovacionismo, que “o Brasil tem uma necessidade gigantesca, urgente, de inocular inovação em todos os poros da economia”. (p. 35)
Trata-se enfim de uma enorme mobilização, que envolve dispêndio considerável de verbas públicas, bem como das energias intelectuais e emocionais da nação. Qual o resultado de todo esse esforço?
Em 2010 vieram à tona dados estatísticos muito pouco auspiciosos para os adeptos do inovacionismo, para dizer o mínimo. Boa parte deles é resultado da 4ª Pesquisa de Inovação Tecnológica (PINTEC), realizada pelo IBGE, com apoio da FINEP (25). O MCTI também compila, a partir de várias fontes, uma série de estatísticas sobre as atividades científicas e tecnológicas, e as divulga em seu site, na seção “Indicadores”, atualizada com frequência. Uma lista não exaustiva dos resultados mais claramente desfavoráveis inclui os seguintes:
- A proporção entre as parcelas dos recursos investidos em ciência e tecnologia pelo setor público e pelo setor privado constitui um indicador dos avanços do inovacionismo: quanto maior a parte do setor privado, maior o avanço. Na média dos países da OCDE, os recursos privados giram em torno de 69% do total; no Brasil, 47%. A porcentagem no caso do Brasil tem se mantido mais ou menos estável, com uma ligeira queda no último ano para o qual os dados estão disponíveis, de 47,74% em 2008 para 45,25% em 2009. Em proporção ao PIB, o investimento do setor público no Brasil é apenas 15% menor que a média da OCDE (0,59% e 0,67%, respectivamente); o das empresas não chega a 1/3 (0,48% e 1,49%, idem).
- A taxa de inovação, definida como a porcentagem de empresas que implementaram inovações, subiu de 34,4% no período 2003-2005 (3ª PINTEC) para 38,6% em 2006-2008 (4ª PINTEC). Entretanto, uma parte substancial do que se conta como inovação implementada corresponde à aquisição de máquinas, equipamentos, softwares, etc., não à criação propriamente dita de inovações, fruto de atividades internas de P&D. Quando se consideram apenas as empresas que realizam atividades internas de P&D, a porcentagem – que pode ser entendida como a taxa real de inovação – não apenas é muito menor, mas caiu bastante, de 6,4% em 2005 para 4,4% em 2008.
- O número de pessoas trabalhando em atividades internas de pesquisa nas empresas, que vinha subindo desde 2000, sofreu um retrocesso, caindo de 49.354 em 2005 para 45.342 em 2008. Quando se consideram apenas pesquisadores com pós-graduação, a porcentagem de queda é praticamente a mesma, mas os números são bem menores: 11.283 em 2005 e 10.292 em 2008.
- O número de patentes de utilidade obtidas junto ao USPTO (United States Patent and Trademark Office), depois de um pico de 130 em 2003, caiu para 98 na média dos três últimos anos para os quais os dados já foram apurados (2007, 2008, 2009). Nesse mesmo período, a média da Coreia do Sul foi 7.535. O número de patentes por mil pesquisadores no Brasil é 1,8; na Coreia 45 – 25 vezes maior.
Alguns desses números foram citados e comentados na seção sobre o Brasil do UNESCO Science Report 2010, assinada por Carlos Henrique de Brito Cruz e Hernan Chaimovich. O relatório foi lançado no dia 10 de novembro, os resultados da 4ª PINTEC um pouco antes, em 29 de outubro. A repercussão na grande imprensa veio logo a seguir, em editoriais, entrevistas e outras matérias com títulos tais como “Brasil não transforma ciência em lucro” (26), “Inovação estagnada” (27), e “Ciência no setor privado ainda frustra” (28).
O insucesso, até o presente, da mobilização inovacionista é água para o moinho de críticos, como Renato Dagnino, defensores da tese de que a inapetência dos empresários pela inovação não resulta de um déficit cultural, como se costuma alegar, mas sim da própria racionalidade maximizadora de lucros, no contexto de uma economia periférica como a brasileira (29). Uma evidência a favor dessa tese encontra-se nas respostas dadas pelas empresas às perguntas sobre “problemas e obstáculos à inovação” na 4ª PINTEC. Entre as empresas que não inovaram no período pesquisado, 55,8% apontaram as “condições de mercado” como razão para isso. E entre as 28,3% que alegaram “outros fatores”, 75,3% atribuíram grau de importância alto ou médio para o fator “elevados custos da inovação”, e 68,1% para o fator “riscos econômicos excessivos”. Sendo os custos e riscos avaliados em comparação com o retorno previsto, pode-se concluir, simplificando, e expressando em linguagem corriqueira, que os empresários no Brasil não investem em pesquisas visando inovações porque esse não é um bom negócio.
Tal conclusão sustenta a crítica segundo a qual, salvo mudanças profundas nas estrutura, dimensões e inserção da economia brasileira na economia mundial, a meta inovacionista, de integrar pesquisa acadêmica e setor empresarial, como meio de direcionar a pesquisa acadêmica para a obtenção de inovações, é irrealizável.
Voltando agora ao relatório do SGR, pode-se dizer, também simplificadamente, que a crítica nele contida é de outra natureza – é a de que a própria meta do inovacionismo deixa a desejar: é pior que não-compensadora (no sentido de que o retorno não compensa o investimento), é indesejável (no sentido de que as consequências nefastas superam os benefícios de sua realização). É uma situação a ser evitada, não buscada.
Se a meta é indesejável, pode-se pensar que é uma boa coisa o fato de ser irrealizável. Seria, se não fosse pelo enorme gasto de recursos com a mobilização inovacionista, não apenas de verbas públicas, mas também das energias, da dedicação das pessoas nela empenhadas, a grande maioria sem dúvida imbuída das melhores intenções.
Concluindo, pode-se dizer, à luz das considerações apresentadas, que o significado do relatório do SGR para o Reino Unido tem um componente de denúncia – a exposição dos efeitos perniciosos da integração academia/empresa –; para o Brasil o componente análogo tem o sentido de um alerta, um estímulo para que se empreenda uma reflexão séria a respeito do valor da inovação, da maneira como é concebida, isto é, como mercadoria e, no fundo, a respeito da eficiência do mercado como instância organizadora da pesquisa científica e tecnológica.
9. Conclusão
Como dito na introdução, há uma dimensão da vida econômica em correspondência com cada uma das perguntas o que produzir?, como produzir?, e como distribuir os bens produzidos?. Este artigo propõe uma caracterização e uma crítica dos processos de mercantilização situados na primeira dimensão da vida econômica, e é parte de um projeto de pesquisa que inclui o plano de escrever outros dois artigos, referentes à segunda e terceira dimensões. Na medida em que tais estudos expõem as consequências nefastas da mercantilização, eles implicam a necessidade de reformas na maneira como a ciência e o ensino de ciências são conduzidos. As articulações entre o que ocorre no domínio da ciência e o que ocorre na sociedade como um todo torna difícil acreditar que as reformas necessárias possam ser realizadas sem que mudanças análogas aconteçam em outros domínios da vida social. Segue-se disso a sugestão, para os movimentos engajados na luta pelo aperfeiçoamento das práticas científicas e de ensino de ciências, da conveniência de aliarem-se a outros movimentos que compartilham o mesmo espírito, isto é, que se oponham à mercantilização dos domínios dos quais se ocupam. É característico de tais movimentos a adoção como lema de expressões da forma “x não é uma mercadoria”, a começar pelo do Fórum Social Mundial, “O mundo não é uma mercadoria”, e incluindo vários outros, em que “x” é a educação, a saúde, a água, etc..
O outro lema do Fórum Social Mundial é “Um outro mundo é possível”, que dá origem na temática em pauta a “Uma outra ciência é possível”. A abordagem deste artigo, centrada nos conceitos de mercantilização, ciência dos anos de ouro e ciência neoliberal, fornece uma maneira de dar substância ao lema, sugerindo que a outra ciência possível é a ciência desmercantilizada, pós-neoliberal.
(*) Marcos Barbosa de Oliveira doutorou-se em História e Filosofia da Ciência pela Universidade de Londres, sendo atualmente Professor Associado da Faculdade de Educação na Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador principal do projeto temático "Gênese e significado da tecnociência: das relações entre ciência, tecnologia e sociedade". É autor do livro Da ciência cognitiva à dialética, 1.ª ed., Discurso Editorial, São Paulo, 1999, para além de numerosíssimos artigos e capítulos em livros coletivos. Entre as suas publicações recentes contam-se: Ciência: força produtiva ou mercadoria? (Crítica marxista 21, 2005); Hempel, Semmelweis e a verdadeira tragédia da febre puerperal (em colaboração com Brena Paula Magno Fernandez, Scientiae Studia, 5(1), 2007); Neutralidade da ciência, desencantamento do mundo e controle da natureza (Scientiae Studia, 6(3), 2008); A avaliação neoliberal na Universidade e a responsabilidade social dos pesquisadores (Scientiae Studia, 6(3), 2008); A estratégia dos bônus: três pressupostos e uma consequência (Trabalho, Educação e Saúde, 7(3), 2009/2010), Formas de autonomia da ciência (Scientiae Studia 9(3), 2011), O inovacionismo em questão (Scientiae Studia 9(3), 2011). _________________ NOTAS:
(1) O presente texto é a tradução, com algumas modificações, de Oliveira (2012), e inclui passagens de Oliveira (2011a e 2011b).
(2) Como evidência de quão marcante foi o relatório Bush, veja-se como se inicia a introdução de uma coletânea de textos comemorativos de seu cinquentenário: “A partir de sua publicação, em 1945, o relatório de Vannevar Bush Science: The Endless Frontier veio a adquirir um status bíblico na política científica. No dia em que veio à luz, foi saudado por manchetes de primeira página no New York Times. Desde então foi objeto de inúmeros ensaios, relatórios, análises e interpretações, estudado como se fosse a palavra de Deus, invocado para legitimar um amplo leque – às vezes contraditório – de modelos de política científica, decisões e prioridades.” (Cole et al. 2010, p.1) Segundo Kitcher, “o documento mais importante sobre o lugar da pesquisa científica numa democracia no século XX é certamente Science, the endless frontier, de Vannevar Bush”. (Kitcher 2001, p.138)
(3) A valorização do instrumental em detrimento do intrínseco, ou instrumentalização da ciência, é um processo mais compreensivo que a mercantilização, estando também em curso, na teoria como na prática, na União Soviética e nos países que adotaram o seu modelo no século XX.
(4) A autonomia programática é uma das três formas em que, de acordo com a análise apresentada em Oliveira (2011a), a autonomia da ciência se assum ao longo da história, as outras duas sendo a autonomia metodológica e a autonomia neoliberal.
(5) Sobre a palavra “serendipity”, ver Merton & Barber (2006), The travels and adventures of serendipity: a study in sociological semantics and the sociology of science.
(6) Numa outra passagem, encontra-se a aplicação do Princípio ao campo da medicina: “Descobertas relevantes para o progresso da medicina vieram frequentemente de fontes remotas e inesperadas, e é certo que isso continuará a ser assim no futuro. É inteiramente provável que o progresso no tratamento das moléstias cardiovasculares e renais, do câncer e de moléstias refratárias semelhantes, será obtido como resultado de descobertas fundamentais em temas não relacionados a tais moléstias, e talvez totalmente inesperadas pelo pesquisador.” (Ibid., p.14)
(7) Veja-se por exemplo o que diz Stokes: “A recepção de Science, the endless frontier teve muito de irônico, pois o plano organizacional de Bush foi derrotado, enquanto sua ideologia triunfou.” (Stokes 1997, p.50). “Meia década depois [a partir da publicação do relatório], a concepção de ciência básica e sua relação com a inovação tecnológica apresentadas no relatório Bush tornou-se o fundamento da política científica do país nas décadas do pós-guerra.” (Ibid., p. 2) “Os cânones de Bush deixaram uma impressão profunda e forneceram o paradigma dominante para o entendimento da ciência e sua relação com a tecnologia na segunda metade do século XX. Essas ideias ainda podem ser ouvidas nas comunidades da ciência e da política científica, nos meios de comunicação, e no público informado. E a liderança dos Estados Unidos na ciência do pós-guerra lhes deu ampla circulação na comunidade internacional.” (Ibid., p. 4)
(8) A pesquisa direcionada não se confunde com a pesquisa aplicada, tal como concebida no relatório Bush (que preferimos chamar de “pesquisa tecnológica”). A pesquisa aplicada procura desenvolver aplicações de um conhecimento científico já existente, a direcionada busca novo conhecimento científico com potencial específico de aplicação.
(9) A literatura à qual nos referimos inclui: Resnick (2007), Greenberg (2007), Lacey (2008), Langley & Parkinson (2009), Garcia & Martins (2009), Radder (2010), Nowotny et al. (2010), Garcia (2010) e Mirowski (2011). Já numa outra literatura, mais especializada em questões de política científica e tecnológica, da qual a revista Research Policy é um bom exemplo, Freeman figura como uma referência central. Para uma exposição das contribuições de Freeman para a temática da inovação, e um estudo sobre a influência que tiveram seus inúmeros escritos, v. Fagerberg et al. (2011).
(10). Em 2009 a Unit tornou-se o Department of Science and Technology Policy Research, mantendo porém a sigla SPRU.
(11) Há duas edições posteriores do livro, extensivamente revisadas: Freeman (1982) e Freeman & Soete (1997). Devido ao cunho histórico desta exposição, adotamos a primeira edição como referência. A terceira edição foi traduzida e publicada pela Editora da Unicamp em 2008.
(12) EII, p. 16. Freeman entretanto não comenta a origem dos problemas ambientais nas inovações industriais do passado.
(13) Sobre a tese da natureza de bem público da ciência, seu uso em favor do financiamento público da pesquisa, e a crítica levantada pela ala radical de neoliberais, v. Mirowski 2001, p. 56 ss. À luz da crise econômica iniciada em 2008, e das reações governamentais a ela, pode-se acrescentar também, entre as funções que os neoliberais, premidos pelas circunstâncias, se veem forçados a atribuir ao Estado, a transferência de somas enormes de dinheiro do setor público para o setor financeiro privado, para salvá-lo da bancarrota.
(14) V. Center for Science in the Public Interest (CSPI), The Science and Environmental Health Network (SEHN) e Association for Science in the Public Interest (ASIPI) .
(15) Na vasta literatura sobre o tema das doenças negligenciadas, é frequente a referência à “falha (gap) 10/90”: 90% dos recursos para pesquisa vão para as doenças dos países ricos, onde moram 10% da população da terra; 10% para as doenças dos países pobres, onde mora 90% da população. Num dossiê da revista Nature, encontra-se o seguinte dado: dos 1223 medicamentos desenvolvidos entre 1975 e 2007, apenas 13 foram para doenças negligenciadas. (Butler 2007, p. 158)
(16) Uma tradução do Sumário Executivo do relatório foi publicada na revista Scientiae Studia (Langley & Parkinson 2011). V. o Site do Scientists for Global Responsibility .
(17) Como deve ter ficado claro pelo contexto, neste ensaio o termo “ciência” é usado com o sentido de “ciências naturais”. No domínio das ciências humanas, uma área em que os desvios da objetividade causados pela interferência de valores econômicos têm ocorrido de forma nada menos que escandalosa é a da Economia, como se vê claramente no documentário “Trabalho interno” (Inside job), a respeito da crise de 2008.
(18) Cf. Krimsky 2003, p.115 ss.; Langley & Parkinson 2009, p. 26.
(19) Cf., respectivamente: Fórum Mundial Ciências e Democracia (FMCD), Fondation Sciences Citoyennes, e International Network of Engineers and Scientists for Global Responsibility (INES).
(20) Para um relato sobre uma conferência de cidadãos sobre os OGM, realizada na França em 1998, v. Testart (2002).
(21) Revista em que foi publicada a versão original deste artigo.
(22) A conferência realizada em 1985, a primeira da série, só retrospectivamente foi considerada como tal: seu nome era apenas Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia (sem “inovação”). A terceira e a quarta conferências ocorreram em 2005 e 2010.
(23) O governo federal, através de vários órgãos, mantém entre outros o Programa de Subvenção Econômica à Inovação, o Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe), o Programa Primeira Empresa Inovadora (Prime), e o Programa RHAE-Pesquisador na Empresa. Entre as agências estaduais, destaca-se a FAPESP, com o Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), o Programa Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (PITE), e o Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (PAPI).
(24) Os slogans das Olimpíadas USP constituem boa ilustração do fato de que no presente contexto “inovação” significa “aplicação rentável”. O da primeira, realizada em 2008 foi “Da ideia ao produto, da academia para o mercado”; o da Olimpíada de 2011, “Faça acontecer: transforme a ciência em negócio”.
(25) Os dados estatísticos levantados pela 4ª PINTEC, e publicados em 2010, referem-se, alguns ao período de 2005 a 2008, outros ao ano de 2008. A mesma defasagem ocorreu nas edições anteriores, publicadas em 2002, 2005 e 2007.
(26) Folha de S. Paulo, 10/11/2010. (Matéria assinada por Ricardo Mioto.)
(27) Folha de S. Paulo, 12/11/2010. (Editorial.)
(28) O Estado de S. Paulo, 19/12/2010. (Entrevista de Brito Cruz concedida a Alexandre Gonçalves.)
(29) Cf. Dagnino, “Por que “nossos” empresários não inovam?”.
Referências
BROWN, JAMES ROBERT. One-shot science. In Radder (org.), 2010.
BUSH, VANNEVAR. Science, the endless frontier. Washington: National Science Foundation, 1990 [1945].
CARLOTTO, MARIA C. Ciência como instituição e como prática: a mudança do regime disciplinar/estatal de produção e difusão do conhecimento científico no Brasil vista a partir do Laboratório Nacional de Luz Síncroton. Dissertação de mestrado. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2008.
COLE, JONATHAN et al. Science the endless frontier: learning from the past, designing for the future. (Destaques de uma série de três conferências promovidas pela Universidade de Columbia, e realizadas em 1994, 1995 e 1996.)
CRUZ, CARLOS HENRIQUE DE BRITO & CHAIMOVICH, HERNAN. Brazil. In UNESCO (2010), p.103-121.
DAGNINO, RENATO (org.) Tecnologia Social: ferramenta para construir outra sociedade. 2ª ed. Campinas (SP): Komedi, 2010.
DAGNINO, RENATO. Por que os “nossos” empresários não inovam? In R. Dagnino (org.), Estudos sociais da ciência e tecnologia & política de ciência e tecnologia: alternativas para uma nova América Latina. Campina Grande: EDUEPB, 2010.
FAGERBERG, JAN, MOWERY, DAVID C. e NELSON, RICHARD R. (orgs.) The Oxford Handbook of Innovation. Nova York: Oxford University Press, 2005.
FAGERBERG, JAN. Innovation: a guide to the literature. In Fagerberg, Mowery & Nelson (orgs.).
FAGERBERG, JAN; FOSAAS, MORTEN; BELL, MARTIN & MARTIN, BEN R. Christopher Freeman: social science entrepreneur. TIK working papers on innovation studies nº 20110926, 2011.
FREEMAN, CHRISTOPHER. The economics of industrial innovation. Harmondsworth: Penguin Books, 1974.
FREEMAN, CHRISTOPHER. The economics of industrial innovation. 2a ed. Cambridge: The MIT Press, 1982.
FREEMAN, CHRISTOPHER & SOETE, LUC. The economics of industrial innovation. 3a ed. Cambridge: The MIT Press, 1997.
FREEMAN, CHRISTOPHER & SOETE, LUC. A economia da inovação industrial. Campinas: Editora da Unicamp, 2008.
GARCIA, JOSÉ LUÍS. Tecnologia, mercado e bem-estar humano: para um questionamento do discurso da inovação. Alicerces: Revista de Investigação, Ciência e Tecnologia, e Artes, III (3), nº 3, 2010, p.19-31.
GARCIA, JOSÉ LUÍS & MARTINS, HERMÍNIO. O ethos da ciência e suas transformações contemporâneas, com especial atenção à biotecnologia. Scientiae Studia, 7 (1), 2009, p.83-104.
GRANT, BOB. Merck published fake journal. The scientist, 30/4/2009a.
GRANT, BOB. Elsevier published 6 fake journals. The scientist, 7/5/2009b.
GREENBERG, DANIEL S. Science for sale: the perils, rewards, and delusions of campus capitalism. Chicago: University of Chicago Press, 2007.
HARVEY, DAVID. A brief history of neoliberalism. Oxford: Oxford University Press, 2007.
HAYEK, FRIEDRICH A. VON. The road to serfdom. Londres: Routledge, 1944.
HOBSBAWM, ERIC J. A era dos extremos: o breve século XX, 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
IBGE. Pesquisa de Inovação Tecnológica 2008 (4ª PINTEC). Rio de Janeiro: IBGE, 2010.
JOSS, SIMON. Making technology accountable – citizen’s conferences in the era of public accountability. Diacrítica, filosofia e cultura, nº 23/2, 2009, p. 299-316.
KITCHER, PHILIP. Science, truth, and democracy. Oxford: Oxford U. P., 2001.
KLINE, STEPHEN J. & ROSENBERG, NATHAN. An overview of innovation. In R. Landau e N. Rosenberg, The positive sum strategy: harnessing technology for economic growth. Washington, DC: National Academy Press. p.275-304.
KRIMSKY, SHELDON. Science in the private interest: has the lure of profits corrupted biomedical research? Oxford: Rowman & Littlefield, 2003.
LACEY, HUGH. Ciência, respeito à natureza e bem-estar humano. Scientiae Studia, 6 (3), 2008, p.297-327.
LANGLEY, CHRIS & PARKINSON, STUART. Science and the corporate agenda: the detrimental effects of commercial influence on science and technology. Folkestone: Scientists for Global Responsibility, 2009.
LANGLEY, CHRIS & PARKINSON, STUART. Sumário executivo do relatório “A ciência e a agenda empresarial: as consequências nefastas da influência comercial sobre a ciência e a tecnologia”. Scientiae Studia 9 (3), 2011, p.677-684.
LOUREIRO, ISABEL, CEVASCO, MARIA ELISA & LEITE, JOSÉ CORRÊA (orgs.) O espírito de Porto Alegre. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
MERTON, ROBERT K. The sociology of science: theoretical and empirical investigations. Chicago: University of Chicago Press, 1973.
MERTON, ROBERT K. & BARBER, ELINOR. The travels and adventures of serendipity: a study in sociological semantics and the sociology of science. Princeton: Princeton U. P., 2006.
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Livro Azul: 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia/Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2010.
MIROWSKI, PHILIP. Science mart: privatizing American science. Cambridge (Mass.): Harvard University Press, 2011.
MUSSCHENGA, ALBERT W., STEEN, WIM J. VAN DER, e HO, VINCENT K. Y. The business of drug research: a mixed blessing. In Radder (ed.), 2010.
NOWOTNY, HELGA et al. The public nature of science under assault: politics, markets, science and the law. Berlin: Springer, 2010.
OLIVEIRA, MARCOS B. DE. Ciência: força produtiva ou mercadoria? Crítica marxista 21, 2005, p. 77-96.
OLIVEIRA, MARCOS B. DE. Formas de autonomia da ciência. Scientiae Studia 9(3), 2011a, p. 527-561.
OLIVEIRA, MARCOS B. DE. O inovacionismo em questão. Scientiae Studia 9(3), 2011b, p. 669-675.
OLIVEIRA, MARCOS B. DE. On the commodification of science: the programmatic dimension. Science & Education, 2012.
ORESKES, NAOMI & CONWAY, ERIK M. M. How a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to global warming. Nova York: Bloomsbury, 2010.
PITTOCK, A. BARRIE. Climate change: the science, impacts and solutions. Londres: Earthscan, 2009.
RADDER, HANS (org.) The commodification of academic research: science and the modern university. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2010.
RADDER, HANS. The commodification of academic research. In Radder (org.), 2010.
RESNIK, DAVID B. Financial interests and the norms of academic science. In Radder (org.), 2010.
SAMUELSON, PAUL A. & NORDHAUS, WILLIAM D. Economics, 14ª ed. Nova York: McGraw-Hill, 1992.
SHARIF, NAUBAHAR. Emergence and development of the National Innovation Systems concept. Research Policy 35, 2006, p. 745-766.
STOKES, DONALD. Pasteur’s quadrant: basic science and technological innovation. Washington: Brookings Institution Press, 1997.
TESTART, JACQUES. Genética e controle cidadão. In Loureiro, Cevasco & Leite (orgs.), 2002.
UNESCO. UNESCO science report 2010: the current status of science around the world. Paris: UNESCO, 2010.
ZIMAN, JOHN. Prometheus bound: science in a dynamic steady state. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.
ZIMAN, JOHN. Real science: what it is, and what it means. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.
|
||||
|
|||||