A epidemia de más condutas na ciência:

O fracasso do tratamento moralizador

 

Marcos Barbosa de Oliveira (*)

 

 

Resumo

 

O tema do artigo é a proliferação de más condutas na ciência que vem ocorrendo nas últimas décadas, designada ao longo do texto pelo termo “a epidemia”. As más condutas são violações de normas éticas da ciência, sendo os tipos mais importantes as várias modalidades de fraude (principalmente a fabricação e a falsificação de dados empíricos), e de falsidades autorais (plágio, autoplágio etc.). O artigo divide-se em seis seções. Na primeira, apresenta-se o tema e alguns esclarecimentos terminológicos. Na segunda, são expostas as evidências que corroboram a existência da epidemia. A terceira versa sobre a reação à epidemia, caracterizando sua dinâmica, marcada pelo conflito entre duas posições: a moralizadora, que aplica o tratamento moralizador no combate à epidemia; e a negacionista, que tende a negar a existência da epidemia e que resiste às medidas moralizadoras. A quarta seção versa sobre as causas da epidemia, introduz uma distinção entre produtivismo e producionismo e propõe uma análise das formas como o produtivismo fomenta as más condutas. A quinta consiste em uma crítica ao tratamento moralizador, fundamentada em suas inadequações, principalmente sua ineficácia. Na conclusão, procura-se dar uma ideia de qual seria uma alternativa satisfatória ao tratamento moralizador.

 

 

Introdução

 

Em dois de seus artigos, publicados pela primeira vez respectivamente em 1942 e 1957, Merton (1973b, 1973c) trata da ocorrência de fraudes e outras modalidades de violação do éthos da ciência, isto é, das normas que regem as práticas científicas. Sua tese é a de que tais ocorrências são extremamente raras. No texto de 1942, ele menciona “a virtual ausência de fraudes nos anais da ciência” (1973b, p. 276); no de 1957, sustenta que “os anais da ciência incluem pouquíssimos casos inequívocos de fraudes” (1973c, p. 309) e, referindo-se aos plágios, que “o registro histórico mostra relativamente poucos casos (...) em que um cientista tenha efetivamente furtado as ideias de outro” (1973c, p. 312). Merton também propõe explicações para esse caráter virtuoso da ciência, que serão oportunamente discutidas. Por ora, o que importa é constatar que, se estivesse escrevendo nos dias de hoje, Merton certamente não poderia fazer tais afirmações, dada a proliferação de desvios éticos na ciência que se observam nas últimas décadas, frequentemente caracterizada como uma epidemia. No que se segue, vou me referir a tal proliferação simplesmente como “a epidemia”.

 

Antes de justificar esse diagnóstico, convém registrar alguns esclarecimentos a respeito da terminologia a ser utilizada. Na literatura, e nos arranjos institucionais referentes ao tema em pauta, a expressão “má conduta” (misconduct) é usada para designar certas modalidades de violações de normas que regulam as práticas científicas (1). Tais normas são comumente divididas em duas categorias. A primeira, de alcance mais amplo, compreende fundamentalmente as normas da bioética, que dizem respeito aos valores da vida dos seres humanos, e à maneira como são tratados os animais. A segunda categoria é a das normas específicas do domínio da ciência; elas correspondem essencialmente ao éthos mertoniano, e no contexto da temática em pauta, são designadas pela expressão “integridade da pesquisa” (“research integrity”). A expressão “má conduta” designa as violações apenas das normas da integridade da pesquisa, não as da bioética.

 

As más condutas por sua vez se dividem em vários tipos; os dois principais são as fraudes e o que se pode chamar de “falsidades autorais”. As fraudes ocorrem nos relatos de pesquisa que envolvem dados empíricos, e consistem na fabricação (isto é, na invenção pura e simples) ou na falsificação (alteração injustificada) de dados numéricos ou imagens. As falsidades autorais compreendem o plágio, o autoplágio, a atribuição indevida de autoria (em artigos com vários autores), etc..

 

Entre as publicações perfeitamente de acordo com as normas da integridade científica e as viciadas por sérias violações das normas, existe uma zona cinzenta de publicações que envolvem violações menos graves, denominadas “práticas de pesquisa questionáveis” (questionable research practices). Outra expressão de ocorrência muito frequente é “conduta responsável na pesquisa” (responsible conduct of research, RCR), com o significado de conduta condizente com as normas da integridade da pesquisa (cf. Steneck, 2006, p. 55).

 

Costuma-se considerar as fraudes o tipo mais deletério de má conduta, por afetar diretamente o conhecimento científico, mais precisamente, o que se aceita, em cada momento, como conhecimento científico bem estabelecido. As falsidades autorais também são nefastas, naturalmente, mas distorcem apenas o sistema de recompensa da ciência, ou seja, o reconhecimento a que os pesquisadores fazem jus, em suas várias formas. Além de fraudes e falsidades autorais existe ainda uma grande variedade de outros tipos de má conduta e práticas de pesquisa questionáveis, como, por exemplo, a omissão de dados que contradizem os resultados das pesquisas; a omissão de conflitos de interesse; as citações indevidas (2); a produção de pareceres falsos, atribuí- dos a pareceristas fictícios, no processo de revisão por pares (cf. Fountain, 2014); o chamado fatiamento (salami science), que consiste na publicação em dois ou mais artigos de resultados que caberiam em um só, etc..

 

1. As evidências da epidemia

 

Há um número enorme de levantamentos (surveys) e investigações que contribuem para atestar a existência da epidemia. Limitamo-nos aqui a expor sumariamente os estudos mais significativos, citados com maior frequência na literatura. Essa exposição se faz a partir de um ponto de vista global, porém focalizado especialmente nos Estados Unidos e no Brasil e, no nível seguinte de aproximação, nas instituições do Estado de São Paulo que constituem o ambiente de trabalho do autor, essencialmente a Universidade de São Paulo e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Tal ponto de vista é adotado também nas demais seções deste artigo.

 

As evidências mais flagrantes da ocorrência de más condutas são os casos escandalosos, que repercutem nos meios de comunicação de massa, tais como jornais, televisão, revistas de interesse geral, blogs na Internet etc. O mais rumoroso nos últimos tempos foi o do pesquisador sul-coreano Hwang Woo-Suk que, em 2004 e 2005 ganhou as manchetes por dois artigos publicados na revista Science, nos quais alegava ter tido sucesso na criação de células-tronco embrionárias humanas a partir de um embrião humano clonado. Os primeiros problemas começaram ainda em 2004, com alegações de violações de normas da bioética, devido ao uso nas pesquisas de óvulos provenientes de suas orientandas. Em 2005, Hwang admitiu as violações e logo a seguir, em janeiro de 2006, uma comissão investigativa da Universidade Nacional de Seul, onde trabalhava, concluiu que as pesquisas relatadas nos artigos de 2004 e 2005 eram fraudulentas, pois envolviam a fabricação de dados. Em março de 2006, ele foi desligado da universidade. Em 2009, sendo réu em processo judicial, Hwang foi condenado a dois anos de prisão, porém entrou com um recurso, que ainda não foi a julgamento (3).

 

Um escândalo mais recente, o da pesquisadora japonesa Haruko Obokata, também diz respeito a métodos de obtenção de células-tronco. O método de Obokata – denominado STAP (stimulus-triggered acquisition of pluripotency) – surgiu como revolucionário, por sua simplicidade, pois consistia meramente em submeter células adultas a um banho de ácido. A suposta descoberta foi divulgada em dois artigos publicados na Nature em janeiro de 2014. Logo levantaram-se suspeitas sobre a integridade da pesquisa. As conclusões da comissão formada para tratar do affaire confirmaram as suspeitas, e em junho a pesquisadora foi forçada a solicitar a despublicação (retraction) dos artigos. Em um desenvolvimento trágico, Yoshiki Sasai – orientador de Obokata e coautor dos artigos – cometeu suicídio no dia 5 de agosto (cf. Nature, 2014b; Cyranoski 2014b).

 

O terceiro e último exemplo foi muito comentado na região de São Paulo, por envolver a então reitora da Universidade de São Paulo, Suely Vilela. Em 2008, foi publicado o artigo “Antiviral and antiparasite properties of an L-amino acid oxidase from the Snake Bothrops jararaca”, na revista eletrônica Biochemical Pharmacology. Assinavam o artigo Suely Vilela, Andreimar Martins Soares, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (assim como Suely), sua orientanda Carolina Trevisol (que defendeu tese de doutorado no mesmo ano), e mais oito pesquisadores do grupo coordenado por Soares. Em 2009, Ângela Lopes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, denunciou o plágio, de imagens e texto, em relação a um artigo de que foi co-autora, publicado em 2003. O mais grave, porém, foi o fato de que o artigo incorria também em fraude. Mais precisamente, no que pode ser considerado um tipo peculiar de fabricação de dados, a saber, a atribuição de um significado diferente do verdadeiro a uma imagem. Enquanto no artigo original as imagens ilustravam a ação de um óleo extraído da planta Croton cajucara sobre o protozoário Leishmania amazonenses, no artigo de 2008, elas foram usadas como ilustração do efeito da L-animoácido oxidase (LAAO), extraído da cobra Bothrops jararaca sobre o protozoário Trypanosoma cruzi. Uma comissão processante disciplinar da Universidade de São Paulo tratou do caso e, em 2010, concluiu ser procedente a denúncia, determinando a exoneração de Soares do cargo de professor doutor em regime de tempo integral, bem como a anulação do título de doutora concedido a Carolina Trevisol (cuja tese incluía as imagens fraudulentas). Os demais coautores não sofreram qualquer tipo de sanção. Comentando o caso, a reitora afirmou à imprensa não ter sido responsável pelas partes do artigo que envolviam más condutas (cf. Adusp, 2009; Pasqualino, 2011; Fapesp, 2012).

 

Os casos rumorosos são importantes, não tanto como evidência da epidemia, mas porque, na medida em que atingem o grande público, afetam o prestígio da ciência e a confiabilidade do conhecimento científico aos olhos da sociedade.

 

Evidências mais decisivas provêm de estudos empíricos sistemáticos especificamente voltados para a questão. Há um número muito grande de levantamentos (surveys) baseados em questionários dirigidos a pesquisadores, que de maneira geral indicam frequências elevadas de ocorrência de más condutas, mas cujos resultados não são diretamente comparáveis entre si devido a diferenças nas perguntas dos questionários, e em outros aspectos da metodologia. Para superar tal dificuldade, D. Fanelli (2009) empreendeu uma sofisticada meta-análise de 18 levantamentos desse tipo, centrada na ocorrência de fraudes (incluindo formas análogas de más condutas (4) mas excluindo as falsidades autorais). Na média ponderada dos resultados dos levantamentos, 2% dos cientistas admitiram ter, pelo menos uma vez, fabricado, falsificado ou alterado dados, e cerca de 30% admitiu uma variedade de outras práticas de pesquisa questionáveis. Em levantamentos em que se perguntava sobre o comportamento dos colegas, a fabricação, falsificação e alteração dos dados teve resposta positiva, em média, de 14% e, quanto a outras práticas questionáveis, de 72%.

 

À luz de considerações a respeito da disposição mental de cientistas submetidos aos questionários, levando em conta a natureza moralmente delicada das perguntas, o autor pensa ser provável que tais números subestimem a frequência real de más condutas.

 

Quando se descobre que um artigo publicado envolve má conduta, o procedimento padrão consiste em implementar sua despublicação (5). Há portanto uma correlação entre o número de despublicações e o da ocorrência de más condutas. Essa correlação é afetada por dois fatores, que apontam em sentidos opostos. Por um lado, há motivos para a suposição de que nem toda ocorrência de má conduta é detectada. Por outro, entre as razões para a despublicação encontram-se também os erros ou outras falhas não intencionais, que não constituem más condutas. Esse segundo fator é mais passível de análise quantitativa, como a realizada por Fang, Steen e Casadevall (2012). O objeto do estudo são os artigos publicados a partir da década de 1940 nas áreas de ciências biológicas e biomédicas, em revistas indexadas pela PubMed.

 

A primeira constatação dos autores é a de que a despublicação é um desenvolvimento relativamente recente, uma vez que tem lugar pela primeira vez em um artigo publicado em 1973, e despublicado em 1977.

 

A segunda constatação consiste em que os resultados da análise corroboram o aumento significativo, detectado em outras pesquisas, na frequência de despublicações, ao longo das últimas décadas. O foco do estudo, entretanto, reside nas razões da despublicação e, nesse campo, revelou-se que o caráter incompleto, pouco informativo e enganoso dos anúncios de despublicação levou, em estudos anteriores, a uma subestimação do papel das fraudes na proliferação de despublicações em curso. De acordo com as investigações dos autores, apenas 21,3% das despublicações foram devidas a erros; 67,4% a más condutas, incluindo fraudes ou suspeitas de fraude (43,4%), autoplágio (14,2%) e plágio (9,8%). A porcentagem de artigos despublicados devido a fraude aumentou cerca de 10 vezes de 1975 até a data de realização do estudo (cf. Fang; Steen & Casadevall, 2012, p. 17.028).

 

O artigo traz também constatações importantes a respeito do lapso de tempo entre a publicação e a despublicação, do fato de que com certa frequência artigos despublicados continuam a ser citados, e de que nem todos os artigos viciados por más condutas são despublicados.

 

Ainda sobre o tema da despublicação, vale a pena mencionar o blog Retraction Watch. Lançado, em agosto de 2010, por dois jornalistas científicos, Alan Marcus e Ivan Oransky, o blog tem o objetivo de compensar os problemas dos processos de despublicação já mencionados. Em seu post inaugural, os autores mencionam o tempo demasiado longo entre a publicação e a despublicação (citando um caso em que a demora foi de 12 anos), as deficiências nos anúncios de despublicação etc., e propõem um debate sobre as responsabilidades das revistas científicas no processo (cf. Oransky & Marcus, 2010).

 

A ocorrência de despublicações demonstra que a revisão por pares falha em filtrar artigos viciados por más condutas. Uma das vias que leva à detecção de problemas nos artigos que passam indevidamente por essa filtragem tem início em suspeitas levantadas por leitores. Outra via, muito importante, é a que envolve denúncias por pesquisadores trabalhando na mesma área, frequentemente na mesma instituição que os culpados de más condutas. Em inglês chama-se “whistleblower” (“apitador”) ao funcionário de uma empresa ou órgão público que denuncia violações de normas legais ou éticas na instituição em que trabalha (6). O risco do apitador, como se pode imaginar, é sofrer represálias da parte dos denunciados. Nos Estados Unidos, e em outros países, foram criados dispositivos legais para a proteção dos apitadores, de eficácias variáveis (por exemplo, o Whistleblower Protection Act, promulgado nos Estados Unidos em 1989). O mesmo tipo de situação ocorre no domínio da ciência, em um desdobramento da epidemia de más condutas. São inúmeros os apitadores que tiveram suas carreiras prejudicadas, ou mesmo arruinadas em decorrência de perseguições – entre outras, na forma de processos na justiça por calúnia e difamação – da parte dos pesquisadores denunciados, da instituição em que trabalham, e mesmo de outras instituições atuantes na mesma área (cf. Morgan, 2014; Koocher & Keith-Spiegel, 2010; Pain, 2014; Gewin, 2012; Union, 2014).

 

Outro desdobramento da epidemia é a criação de sistemas digitais de detecção de plágios e autoplágios. Os sistemas consistem em um programa detector de similaridades entre textos operando sobre uma base de dados composta de uma quantidade enorme de artigos publicados. O sistema mais usado pelas editoras de revistas científicas é o CrossCheck, que utiliza o programa iThenticate – também utilizado no Turnitin (cf. Butler, 2010). Há também o Déjà Vu, uma base de dados formada por pares de textos com passagens em comum detectadas pelo programa eTBLAST. Um levantamento feito pelo Déjà Vu identificou 79.300 artigos indexados pela Medline com trechos repetidos. Desse conjunto, apenas 2.100 artigos foram investigados, e 1.900 despublicados. Mais de 74.000 ainda não foram examinados (cf. Marques, 2014, p. 41) (7).

 

O campo do plágio e do autoplágio é marcado por vários problemas não resolvidos; crucialmente, quais devem ser os critérios para a caracterização desse tipo de má conduta? Um dos problemas mais difíceis é o que se refere à repetição de trechos de um artigo em outros de mesma autoria, uma vez que em muitos casos a repetição se justifica plenamente com base nos valores da integridade científica, não sendo motivada pelo intuito condenável de inflar o número de publicações dos autores (cf. Akst, 2010).

 

2. As reações à epidemia: comunidade científica, Estado e opinião pública

 

Como um todo, a reação à epidemia teve início, desenvolveu-se e continua a desenvolver-se, em um processo marcado pelo conflito entre duas posições. A primeira seção da exposição a seguir consiste em uma caracterização abstrata das posições em disputa; a segunda seção trata das formas em que elas se manifestam ao longo das últimas décadas.

 

2.1. A dinâmica do processo

 

A primeira posição – que vou denominar “moralizadora” – consiste em reconhecer a existência e a gravidade da epidemia, promover ou apoiar a tomada de medidas para combatê-la. As medidas tomadas pelos moralizadores visando conter a epidemia constituem o tratamento moralizador, que envolve duas modalidades de atuação. A primeira é de natureza jurídico-policial. Consiste na promulgação de códigos de integridade da pesquisa, que definem as modalidades de más condutas, e estabelecem punições para os culpados, bem como no estabelecimento, em universidades, institutos de pesquisa e agências de fomento, de órgãos e comissões com funções, análogas às dos juízes na justiça comum, de decidir sobre a culpabilidade dos acusados e, em casos positivos, estipular a pena. A outra modalidade é a educativa, e envolve palestras, seminários, oficinas, cursos presenciais e à distância etc., com o objetivo de incutir nos pesquisadores os valores e normas da integridade. Voltaremos a ela na seção 3.

 

A segunda é a posição dos negacionistas, de vários matizes, que negam a existência da epidemia, ou minimizam sua importância, resistindo às iniciativas dos moralizadores. A posição negacionista é sustentada pelas alegações de que é relativamente rara a ocorrência de más condutas na ciência. E isso não por acaso, mas devido aos procedimentos de controle – principalmente a revisão por pares – que são parte integrante das práticas científicas e, num plano mais geral, à postura crítica própria da ciência. Sendo assim, não há necessidade de mudanças ou, no máximo, podem ser aconselháveis alguns ajustes nos procedimentos de controle.

 

Nos últimos tempos, diante da revelação de evidências da epidemia, os negacionistas têm recorrido a outro argumento, o de que tais evidências refletem não um aumento na ocorrência de más condutas, mas sim a maior atenção dada ao problema, e ao consequente aperfeiçoamento dos procedimentos de controle e fiscalização. Uma decorrência do argumento, na hipótese de ser válido, é a de que teria ocorrido no passado um número considerável de más condutas nunca detectadas. O argumento tem, portanto, uma implicação perturbadora, na medida em que lança uma sombra de dúvida sobre a confiabilidade de todo o corpus do conhecimento científico estabelecido nos últimos séculos (8).

 

Admitida a existência da epidemia, coloca-se a questão das motivações e interesses responsáveis pela sustentação de posições negacionistas. Por que cientistas, tão ciosos da objetividade em seus trabalhos de pesquisa, deixam de ser objetivos quando se trata de refletir sobre aspectos problemáticos de suas práticas?

 

Um primeiro fator a ser considerado é o fato de que, apesar da hegemonia do ideário neoliberal, os cientistas ainda não se tornaram – ou não se tornaram completamente – indivíduos tais como concebidos por esse ideário, isto é, indivíduos atomizados, motivados apenas pelo auto-interesse, no modelo do Homo economicus. O trabalho é uma parte da vida do cientista, fortemente associada às relações pessoais com os colegas de trabalho, os amigos e a família. Em diferentes graus e naturezas, são relações afetivas, de modo que, sendo exposta uma má conduta, isso afeta não só o cientista que a cometeu, mas todo seu círculo de relações. Trata-se de um processo doloroso, como o de uma família razoavelmente honesta, bem comportada, ao descobrir, envergonhada, que um filho é ladrão ou traficante de drogas.

 

Ainda nesse plano das relações pessoais, no caso de colegas de trabalho, há ainda a possibilidade de um outro tipo de sofrimento, causado pelo dilema moral decorrente do conflito entre o valor da lealdade e o da honestidade, no que se refere a não compactuar com violações de princípios éticos. Esse é o drama dos whistleblowers e, ao que tudo indica, as conotações negativas da palavra “informer” já se transferiram para “whistleblower”, e continuam a fomentar as represálias de que os whistleblowers são vítimas.

 

Outro fator explicativo da postura negacionista situa-se no plano institucional. Quando um caso de má conduta é constatado, não só o prestígio de quem a cometeu é afetado, mas também o da instituição em que trabalha e, em outro nível, o da ciência como um todo. Em muitas deliberações de comissões julgadoras, é difícil evitar a suspeita de corporativismo, com o objetivo, na expressão popular, de varrer o lixo para debaixo do tapete.

 

2.2. Um pouco de história

 

O problema das más condutas na pesquisa veio à tona em primeiro lugar nos Estados Unidos, na virada da década de 1970 para a de 1980, na esteira de vários casos escandalosos de fraudes, cometidas em instituições de grande prestígio (cf. Judson, 2004, cap. 3-5). Em parte devido à pressão da opinião pública, alimentada pela exposição nos meios de comunicação de massa, em parte, possivelmente por suas próprias motivações, o governo começou a tomar providências para lidar com o problema (cf. Steneck, 1994; Francis, 1999). Em seu relato a respeito das primeiras décadas do processo, LaFollette (2000) chama a atenção para o fato de que o papel crucial desempenhado pelo estado nos Estados Unidos é uma peculiaridade desse país, não tendo importância comparável em nenhum outro.

 

Na estrutura organizacional da pesquisa científica nos Estados Unidos, a área de biomedicina ocupa um lugar especial, dispondo de um órgão de fomento próprio, o National Institutes of Health, que atua também como um instituto de pesquisa. Esse lugar especial, associado à importância da área e ao fato de que, entre todas as áreas do conhecimento, é a mais sujeita à ocorrência de más condutas, fizeram com que as reações à epidemia nela se concentrassem.

 

A primeira medida importante tomada pelo estado foram as audiências públicas no Congresso, realizadas em 1981, sob a direção do então deputado Al Gore Junior. Em uma intervenção presciente, reveladora de um bom entendimento das raízes do problema, afirma Gore que

 

“precisamos descobrir se os casos recentes são meramente episódios que entrarão na história da ciência como notas de rodapé, ou se estamos criando situações e incentivos nas ciências biomédicas, e em toda a big science, que tornarão casos como esses a ponta do iceberg” (LaFollette, 2000, p. 213).

 

Durante a década de 1980, o Congresso promoveu várias outras audiências e desenrolou-se um prolongado e intenso debate público, envolvendo editoriais em revistas científicas, mesas redondas em diversos fóruns, matérias na grande mídia etc., alimentado pelo surgimento de novos casos rumorosos de má conduta. O processo consistiu essencialmente em uma disputa entre as duas posições já mencionadas, a saber, a moralizadora, adotada pelo estado, que cobrava da comunidade científica medidas de autorregulação, e a negacionista, defendida pela comunidade científica. LaFollette (2000) traz um bom relato das controvérsias. A seguinte passagem dá bem uma ideia das questões em jogo. Referindo-se aos últimos anos da década, diz ele que, apesar das pressões,

 

“(...) persistia na comunidade de pesquisa biomédica a resistência às sugestões de reforma feitas pelo Congresso. Um editorial da New England Journal of Medicine, por exemplo, argumentou contra o estabelecimento de qualquer sistema federal de supervisão ética, afirmando que o Congresso estava simplesmente “respondendo a falsas impressões”, devendo, portanto, afastar-se: “a comunidade de pesquisa biomédica tem disposição e capacidade de policiar-se, e está dando passos para fazer isso mais efetivamente” (cf. Angell & Relman, 1988). Infelizmente, muitas universidades, laboratórios e associações científicas mantiveram as práticas costumeiras, procedendo vagarosamente (se tanto) na redação de códigos de ética ou em tornar mais rigorosos os procedimentos de supervisão e treinamento. Investigações tanto por parte de universidades quanto por parte de agências governamentais pareciam excessivamente lentas e insensíveis à demandas por mudanças” (LaFollette, 2000, p. 213).

 

Não vendo progressos no sentido da autorregulação, o Congresso foi levado a criar órgãos reguladores federais. Dois marcos nesse processo foram a promulgação, em 1985, do Health Research Extension Act, que obrigou as universidades a tomar medidas de combate à epidemia, e a consolidação, em 1992, do Office of Research Integrity (ORI), subordinado ao Department of Health and Human Services (HHS). A pesquisa básica nos Estados Unidos é financiada principalmente pela National Science Foundation, que, a partir de 1989, atribui a seu Office of the Inspector General a responsabilidade de lidar com o problema das más condutas (cf. Buzzelli, 1993, p. 584).

 

Outro aspecto da disputa, revelador da força relativa das resistências da comunidade científica, foi a redução do âmbito do conceito de má conduta. Na verdade, como explica Steneck (cf. 2006, p. 66), inicialmente o termo usado foi “fraude”. “Fraude”, entretanto, é um termo muito carregado negativamente do ponto de vista ético e jurídico, tem conotações de comportamento criminoso e, por esse motivo, foi substituído por “má conduta”. Junto com essa mudança, cristalizou-se também uma definição de má conduta em termos de três categorias: fabricação, falsificação e plágio. Essa definição tornou-se tão difundida que passou a ser largamente designada com a sigla FFP (adequada tanto para o inglês – fabrication, falsification and plagiarism – quanto para o português).

 

Em sua forma original, entretanto, a definição continha uma cláusula crucial, denominada “outras práticas”, que facultava ao governo investigar casos suspeitos não apenas de FFP, mas também de outros tipos de comportamento que “desviam seriamente dos comumente aceitos na comunidade científica para a proposição, condução, e divulgação de pesquisas” (Steneck, 2006, p. 66; Buzzelli, 1993, p. 584 ss.; Judson, 2004, p. 171-90). A cláusula sofreu forte oposição da comunidade científica, vindo a ser, a partir do ano 2000, não propriamente eliminada, mas formulada de tal maneira que inverteu sua natureza, passando de ampliativa a restritiva (no sentido, respectivamente, de aumentar ou diminuir o âmbito do conceito). Com base no pressuposto de que podem existir casos de FFP que não desviam seriamente dos aceitos na comunidade científica, a nova definição os excluiu do âmbito das más condutas, além de excluir também outros tipos de comportamento desviante (cf. Steneck, 2010, p. 17-8).

 

Steneck é crítico da comunidade científica, pelo corporativismo responsável por esse tipo de resistência. Ele conclui seu relato dizendo que

 

“como resultado, a cláusula que havia sido inicialmente formulada para ampliar a autoridade do governo em prol do interesse público, é agora usada para restringir essa autoridade, com o objetivo de proteger o que é visto como os interesses da comunidade de pesquisa” (Steneck, 2006, p. 66; grifos no original).

 

Em outros países, a reação à epidemia começou bem mais tarde. Na Europa, o primeiro episódio marcante foi a publicação, no ano 2000, do documento Good scientific practice in research and scholarship, pela Fundação Europeia de Ciência (na sigla em inglês, ESF) (9). Nos anos seguintes, o movimento começa a globalizar-se e, em 2007, tem lugar, em Lisboa, a primeira World Conference on Research Integrity (cf. WCRI, 2007), organizada conjuntamente pelo ORI e a ESF. A segunda e terceira conferências aconteceram respectivamente em 2010, em Cingapura, e 2013, em Montreal (cf. WCRI, 2010; WCRI, 2013). A quarta está programada para o Rio de Janeiro, de 31/5 a 3/6 do ano em curso (2015).

 

No Brasil – em nítido contraste com os Estados Unidos – a mobilização não decorreu de ações do Estado, nem de pressões da opinião pública, mas de medidas tomadas por grupos da própria comunidade científica, influenciados, sem dúvida, pelos desenvolvimentos em escala global. Começou em fins da década de 2000, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No final do ano 2000, realizou-se no Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, o primeiro Brazilian Meeting on Research Integrity, Science and Publication Ethics (Brispe, 2011), por iniciativa de dois órgãos da UFRJ, o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) e o Instituto de Bioquímica Médica (IBqM) (cf. Vasconcelos & Sorenson, 2011). O segundo Brispe teve lugar nas mesmas cidades, em 2012 (cf. Brispe, 2012), e o terceiro em São Paulo, na sede da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

 

Dissemos que a reação à epidemia no Brasil foi assumida por “grupos da comunidade científica” porque, de maneira geral, a postura da comunidade mostra-se, majoritariamente, de resistência às medidas moralizadoras. Não uma resistência ativa, apoiada em argumentos contestadores da necessidade de tais medidas, mas uma resistência passiva, um “fazer corpo mole” diante das pressões.

 

Veja-se, por exemplo, o seguinte aspecto do processo. Em 2011, a Fapesp publicou seu Código de boas práticas científicas. Alinhado com as tendências internacionais, ele inclui uma seção dedicada à responsabilidade das instituições de pesquisa, onde se lê:

 

“4.1 Toda instituição de pesquisa deve ter políticas e procedimentos claramente formulados para lidar com a questão da integridade ética da pesquisa.

4.2 Toda instituição que se apresente perante a Fapesp como sede de atividades de pesquisa deve incluir, em seu organograma, um ou mais órgãos especificamente encarregados de: (a) promover a cultura da integridade ética da pesquisa, mediante programas regulares de educação, disseminação, aconselhamento e treinamento acessíveis a todos os pesquisadores a ela vinculados; (b) investigar e, se for o caso, punir a ocorrência de possíveis más condutas científicas e reparar os prejuízos científicos que tenham causado” (Fapesp, 2011, p. 29).

 

Porém, como registra uma matéria da revista Pesquisa Fapesp de setembro de 2014, dedicada ao terceiro Brispe:

 

“De acordo com Luiz Henrique Lopes dos Santos (...) (10) não há universidade ou instituição de pesquisa do estado de São Paulo que tenha criado um órgão interno para promover a integridade científica por meio de programas regulares de educação, disseminação e treinamento, como estabelece o código [de boas práticas científicas, da Fapesp]. “A resposta das universidades e instituições de pesquisa em relação às responsabilidades atribuídas a eles tem sido lenta”, disse” (Marques, 2014, p. 233).

 

3. As causas da epidemia: produtivismo e producionismo

 

Em termos abstratos, dada a ocorrência de um fenômeno indesejável, a estratégia padrão para resolver o problema é a que consiste em identificar as causas do fenômeno e encontrar um meio de eliminá-las. Eliminando as causas, elimina-se o efeito. O princípio também vale para a medicina. Sendo caracterizada uma doença, ou epidemia, procuram-se as causas, e os tratamentos capazes de neutralizá-las.

 

Entre as causas da epidemia de más condutas, encontra-se a influência dos interesses econômicos, especialmente os da indústria farmacêutica, na área da biomedicina, e os do setor de combustíveis fósseis, na área das mudanças climáticas. Esses interesses possuem impacto sobre a objetividade da ciência (cf. Oliveira, 2013a, 2013b, seção 7.3). A presente seção trata apenas das causas da epidemia que dizem respeito ao regime de trabalho dos pesquisadores, com foco no produtivismo.

 

A qualquer pessoa minimamente familiarizada com a vida acadêmica nos dias de hoje, o aspecto que mais naturalmente ocorre como causa da epidemia é o produtivismo, e a competição exacerbada que vêm se impôs nas últimas décadas. “Produtivismo”, entretanto, é um termo essencialmente crítico, dotado de forte carga pejorativa. Utilizá-lo então desde o início no estudo do fenômeno envolve um pré-julgamento que pode dificultar um debate franco sobre o problema.

 

Para superar essa dificuldade, propomos a introdução do termo “producionismo”, a ser utilizado em dois sentidos, um geral, outro restrito. Considerada abstratamente, a valorização do aumento de produtividade nada tem de condenável. Em princípio, é sempre bom conseguir maior produção com igual, ou menor uso de recursos. “Producionismo”, no sentido geral, designa políticas visando o aumento da produtividade, com fundamento nesse princípio.

 

O producionismo pode realizar-se de várias formas, mas, quando se realiza de uma forma inadequada – por exemplo, por ter consequências nefastas, não compensadas pela vantagem do aumento de produtividade –, então constitui um produtivismo.

 

No sentido restrito em que será usado nas considerações a seguir, “producionismo” designa a forma que o producionismo (no sentido geral) tem assumido nas últimas décadas (colocando entre parênteses o juízo sobre sua qualidade, ou seja, se constitui ou não um produtivismo).

 

Apesar de sua plausibilidade, a hipótese de uma relação causal entre o producionismo e a ocorrência de más condutas tem sido pouquíssimo investigada. Há contudo uma pesquisa muito significativa, apresentada em Anderson e colaboradores (2007). A pesquisa fez parte de um estudo de âmbito nacional nos Estados Unidos sobre a integridade da pesquisa, financiado pelo Office of Research Integrity (Ori) e pelos National Institutes of Health (NHI). Seu tema central consiste no impacto da competitividade fomentada pelo producionismo em vários aspectos das práticas científicas. Foi adotada uma metodologia qualitativa, baseada em discussões de grupos focais (focus groups), mais precisamente, seis sessões de discussão, das quais participaram 51 pesquisadores de várias áreas, em início ou meio da carreira. Os resultados da pesquisa constituem evidência de que, embora a competição entre cientistas por financiamento, posições e prestígio seja em geral considerada uma força motora saudável, ela tem um lado escuro, uma série de consequências nefastas. De acordo com a análise das discussões realizadas, a competição contribui para

 

“[1] o carreirismo na ciência (11); [2] o declínio do compartilhamento livre e aberto de informações e métodos; [3] a sabotagem, por parte de um cientista, da possibilidade de uso de seu trabalho por outros; [4] a interferência nos processos de revisão por pares; [5] a deformação de relacionamentos e [6] as condutas de pesquisa descuidadas ou questionáveis” (Anderson et al., 2007, p. 443).

 

Na última seção do artigo, na qual se discutem os resultados da pesquisa, encontra-se um parágrafo bastante enfático em suas recomendações que, embora um tanto longo, merece ser citado integralmente.

 

“Até agora, pouca atenção tem sido dada à conexão entre a integridade na pesquisa e as pressões competitivas na ciência. As revelações aqui expostas sinalizam a necessidade de análise de como a competição exacerbada, quer diretamente, quer através de seus efeitos sobre o medo ou percepções de injustiça, compromete a integridade do empreendimento da pesquisa (...). A presente análise sugere que os órgãos responsáveis pelo financiamento, administração e regulamentação do empreendimento têm subestimado o grau em que as pressões competitivas sobre os cientistas induzem comportamentos que podem ser descritos como perversos, em desacordo com as normas e contraprodutivos. Tal conexão sugere a necessidade de mais atenção à preparação para a sobrevivência profissional em ambiente competitivo que não comprometa os padrões éticos. O lado brilhante da competição como força motora responsável pelo predomínio dos Estados Unidos no pensamento científico e na inovação precisa ser visto junto com seu lado escuro. Quando a competição é escolhida por um reflexo como o mecanismo de seleção padrão, escassa atenção é dada para as consequências não intencionais que contrariam normas como a confiança, o compartilhamento, a colaboração e o bem público. A dependência exagerada da competição precisa ser temperada pelo reconhecimento dos males que a competição desenfreada pode produzir” (Anderson et al., 2007, p. 459).

 

Admitido o papel causal do producionismo na ocorrência de más condutas, convém examinar as maneiras como se dá essa causalidade. De acordo com a análise que propomos, as pressões producionistas fomentam as más condutas de duas maneiras, a que vamos referir-nos com as expressões “causa indutora” e “causa facilitadora”.

 

A causa indutora – que induz o pesquisador a cometer más condutas – é bastante fácil de entender. Dada a pressão producionista, especialmente pela exacerbação da competitividade que envolve e, por outro lado, a aspiração de subir – ou mesmo, em muitos casos, apenas permanecer – na carreira, não é de surpreender que pesquisadores recorram ao atalho das más condutas, mesmo correndo o risco de serem apanhados. A deliberação assume o caráter de uma análise de custo/benefício que envolve uma comparação das consequências negativas de ser apanhado, moduladas pela probabilidade de isso acontecer, com o avanço na carreira esperado.

 

Em um plano mais geral, a consciência moral – ou, em termos freudianos, o superego – de uma pessoa constitui uma barreira que se interpõe entre o impulso de cometer a violação de uma norma moral e sua realização. No domínio da ciência, a causa facilitadora recebe esse nome porque provoca a corrosão da consciência moral dos cientistas, enquanto cientistas. A explicação de como isso acontece requer uma exposição mais longa, que remete, por um lado, à faceta educativa do tratamento moralizador mencionada na seção 3.1, por outro lado, a uma questão filosófica muito antiga, discutida em dois diálogos de Platão, o Protágoras e o Menon.

 

A questão em pauta – “pode a virtude ser ensinada?” – é colocada de uma maneira muito direta logo na abertura do Menon, mas as respostas mais relevantes, no presente contexto, são expostas por Protágoras, no diálogo que leva seu nome. Sem pretender acompanhar o raciocínio do sofista, vamos considerar, simplificadamente, duas respostas à pergunta, ambas afirmativas, mas diferindo quanto à maneira de ensinar a virtude. A primeira sustenta que a virtude pode ser ensinada do mesmo modo como se ensinam os conhecimentos de áreas do saber, por exemplo, a geometria ou a astronomia. Vamos chamar esse modo “pedagogia disciplinar”.

 

A segunda resposta – defendida por Protágoras – corresponde à pedagogia formativa. Diferentemente do que acontece na disciplinar, na pedagogia formativa a tarefa de ensinar cabe não a um professor especializado na matéria, mas a todas as pessoas com as quais um indivíduo interage ao longo de sua formação, começando com os membros da família, na primeira infância, depois os amigos, os colegas de escola, professores de todas a disciplinas, e assim por diante. Nos diálogos, Sócrates intervém alegando que a virtude não pode ser ensinada. Faz isso pressupondo o modo disciplinar, e argumentando que existem professores de geometria, de astronomia etc., mas não professores de virtude. Em sua réplica, diz Protágoras,

 

“Desde que ela [a criança] compreende o que se lhe diz, a mãe, a ama, o preceptor e o próprio pai conjugam esforços para que o menino se desenvolva da melhor maneira possível. Toda palavra, todo ato lhes enseja oportunidade para ensinar-lhe o que é justo ou o que é injusto, o que é honesto e o que é vergonhoso, o que é santo e o que é ímpio, o que pode ou o que não pode ser feito (...). Depois, enviam-no para a escola e recomendam aos professores que cuidem com mais rigor dos costumes do menino do que do aprendizado das letras e da cítara” (Platão, 1970, 325c-d, p. 244).

 

Concluindo o argumento, Protágoras sustenta que Sócrates não percebe a existência de professores de virtude porque todo o mundo o é.

 

Tratando do desenvolvimento da consciência moral das crianças e jovens, e sua preparação para o exercício da cidadania, Carvalho (2004) defende o modo formativo, em detrimento do disciplinar, recorrendo também às ideias de Protágoras. Em suas palavras,

 

“Assim, para Protágoras, da mesma forma que iniciamos o aprendizado de nossa língua através do contato vivo com todos aqueles que a utilizam, o aprendizado de valores éticos, princípios e condutas morais resulta não do contato com um especialista ou de um ensino à parte e específico, mas da convivência difusa com todos os que nos cercam (...). A educação ética não é, portanto, uma tarefa de especialistas, mas de toda a comunidade, não é fruto de um esforço isolado, mas de uma ação conjunta e contínua de todo o entorno social” (Carvalho, 2004, p. 95-6).

 

E mais adiante,

 

“Nesse sentido, o ensino de valores fundamentais não é objeto de um momento especial, de uma preocupação pontual ou simplesmente de uma “tematização transversal”, à qual se expõe o aluno, como a um ponto do programa. Ao contrário, os princípios e valores característicos da instituição escolar estão contidos nos próprios conteúdos aprendidos, nas próprias formas de conhecimento ensinadas e, portanto, encarnam-se nas atividades e práticas docentes que as materializam como conteúdos didáticos. Assim, o cultivo de valores fundamentais pode – e deve – estar presente no desenvolvimento de cada uma das atividades e disciplinas de nosso ensino” (Carvalho, 2004, p. 99).

 

Passando agora ao domínio da ciência, a primeira tese é a de que, com as devidas adaptações, a caracterização da pedagogia formativa feita por Protágoras, e complementada por Carvalho, aplica-se perfeitamente ao processo tradicional de formação de cientistas, no que se refere ao desenvolvimento de sua consciência moral. Em Oliveira (2014) tratei extensamente desse processo, entendendo o desenvolvimento da consciência moral como a internalização das normas do éthos científico mertoniano, e procurando mostrar, com base nas ideias de Hagstrom (1965), o papel crucial nele desempenhado pela dádiva enquanto princípio organizador da ciência. De acordo com Merton – vale a pena recapitular – as normas do éthos têm uma dupla natureza, técnica e ética. A faceta técnica relaciona-se ao fato de a comunidade científica ter uma aspiração essencial, a saber, a de fazer avançar, constante e ilimitadamente, o conhecimento certificado, isto é, objetivo, confiável como guia para a ação e capaz de gerar aplicações eficazes. Enquanto normas técnicas, as normas do éthos constituem um meio, um requisito para que a aspiração continue a realizar-se. Enquanto normas éticas, elas estão associadas, no plano institucional, aos valores da ciência, no plano pessoal, aos valores e sentimentos dos cientistas, sendo transmitidas por preceito e exemplo, reforçadas por sanções, e internalizadas em grau maior ou menor pelos cientistas (cf. Merton, 1973b, p. 270).

 

Na terminologia aqui adotada, podemos dizer que, para Merton e Hagstrom, o desenvolvimento da consciência moral dos cientistas se dá pela pedagogia formativa. Na introdução deste artigo, mencionamos a concepção de Merton a respeito da raridade da ocorrência de más condutas na ciência. Podemos agora afirmar que, para ele, esse caráter virtuoso da ciência residia na eficácia da pedagogia formativa em promover a internalização das normas do éthos.

 

Na seção 3.1, mencionamos a pedagogia educativa como uma das facetas do tratamento moralizador, ao lado da jurídico-policial. Resta agora mostrar que as medidas educativas seguem predominantemente a pedagogia disciplinar. As observações a seguir referem-se aos Estados Unidos, de longe o país em que tal forma de atuação encontra-se mais desenvolvida.

 

A ação educativa moralizadora envolve, como dissemos, cursos, palestras, oficinas etc., muito semelhantes, institucionalmente, aos utilizados no ensino de disciplinas. Em muitos casos, os condutores dessas atividades tornaram-se especialistas na matéria, “professores de virtude”, ou, nesse domínio, professores de integridade na pesquisa. Nos Estados Unidos, já está consolidada a profissão – ou, pelo menos, o cargo – de research integrity officer (Rio). Criou-se a Association of Research Integrity Officers, que, em setembro e outubro de 2104, realizou uma conferência em Chicago. Na Europa, existe a European Network of Research Integrity Officers (Enrio). Há manuais (textbooks) de integridade na pesquisa (cf. Shamoo & Resnick, 2009; D’Angelo, 2012; Macrina, 2014).

 

Um traço mais significativo do presente ponto de vista é o que diz respeito à natureza – formal ou informal – das normas. Nos dois principais artigos em que trata do tema, Merton (1973a, 1973b) deixa claro que as normas do éthos não eram codificadas; a categorização que ele propõe é abstraída “do consenso moral dos cientistas, tal como expresso em usos e costumes, em incontáveis escritos sobre o espírito científico, e na indignação moral dirigida a contravenções do éthos” (Merton, 1973b, p. 269). Do outro lado, um componente de fundamental importância na reação à epidemia é precisamente a instituição, por agências de fomento, universidades etc., de códigos, onde as normas são formalizadas. O treinamento em integridade na pesquisa envolve, naturalmente, a referência explícita a esses códigos e a seu estudo, sendo desnecessário enfatizar, parece-nos, as afinidades entre o formal e o informal, nesse campo, respectivamente com o modo disciplinar e o formativo de promover a consciência moral dos cientistas.

 

Ainda sobre o tópico em pauta, convém observar que nos Estados Unidos, tanto os National Institutes of Health (desde 1990) quanto a National Science Foundation (desde 2010) exigem a realização de programas de treinamento em integridade da pesquisa como condição formal para a concessão de bolsas e verbas para pesquisas. Tal determinação é a principal causa do extraordinário desenvolvimento do aparato voltado para as atividades de treinamento, naquele país, nos últimos tempos.

 

Dissemos acima que as ações educativas do tratamento moralizador seguem predominantemente a pedagogia disciplinar. Apenas predominantemente, e não totalmente, porque entre elas encontram-se algumas mais características da pedagogia formativa. A principal é a referente à tutoria (mentoring), que engloba as orientações (nos programas de iniciação científica, mestrado e doutorado) e as supervisões (nos programas de pós-doutorado). As normas que regem as tutorias incluem prescrições voltadas para a formação da consciência moral dos tutelados. Não há regras para o tratamento das questões de integridade nos contatos pessoais entre tutores e tutelados. A interação se dá portanto de modo informal, estando assim mais próxima da pedagogia formativa.

 

Aceita a existência da epidemia – isto é, a tese segundo a qual em certo momento histórico, por volta da virada da década de 1970 para a de 1980, as más condutas na ciência começaram a proliferar, sendo anteriormente um fenômeno relativamente raro – é razoável inferir que pedagogia formativa era eficaz, promovia de fato a internalização das normas, mantendo baixa a ocorrência de más condutas. Desse ponto de vista, a pedagogia disciplinar surge como uma reação ao solapamento da pedagogia formativa. Na próxima seção, mostraremos, como parte de um questionamento do tratamento moralizador como um todo, que a pedagogia disciplinar não se revela eficaz.

 

4. Crítica do tratamento moralizador

 

No início da seção anterior, mencionamos a estratégia padrão para evitar a ocorrência de um fenômeno indesejável, que consiste em identificar e neutralizar suas causas. Na medicina a estratégia nem sempre é viável, pois muitas vezes não se consegue descobrir as causas de uma doença ou epidemia ou, feita a descoberta, não se encontram meios de neutralizá-las. Nesses casos, a alternativa é atacar os sintomas, procurando minorar os sofrimentos que provocam nos pacientes. Trata-se do chamado “tratamento sintomático”, que tem a natureza de um plano B, ou seja, um plano de qualidade inferior, adotado quando não se pode, ou não se quer, adotar o plano A. Nesta seção, procuramos mostrar que o tratamento moralizador é (1) um tratamento sintomático e que (2) mesmo enquanto tal, deixa muito a desejar, devido a suas inadequações.

 

Na literatura sobre a integridade da pesquisa, há pouquíssimas manifestações de interesse pelas causas da epidemia. Dada sua amplidão, um exame exaustivo dessa literatura é praticamente inviável. Para contornar tal problema, adotamos a estratégia de concentrar o foco nos documentos oficiais, ou semioficiais, representativos da reação do establishment científico à epidemia. A lista de documentos selecionados para exame consta do Apêndice deste artigo.

 

Em todo esse conjunto de textos, encontra-se apenas uma menção às causas da epidemia. Trata-se de uma passagem do documento da European Science Foundation em que se constata o impacto do producionismo enquanto causa indutora das más condutas (cf. European, 2000, p. 4). Apesar dessa constatação, entretanto, não se encontra no documento proposta ou sugestão alguma de atacar as causas como estratégia para conter a epidemia. O mesmo vale, naturalmente, para os documentos em que a constatação não figura. Não resta dúvida, portanto, que o tratamento moralizador não passa de sintomático (12).

 

Passando agora à segunda tese, vamos considerar três inadequações do tratamento moralizador, a saber, a ineficácia, o custo e a judicialização.

 

4.1. A ineficácia do tratamento moralizador

 

A ineficácia é o defeito mais decisivo do tratamento moralizador. Levando em conta que vem sendo aplicado há décadas, particularmente nos Estados Unidos, as pesquisas mais recentes que comprovam a epidemia constituem também evidências do fracasso do tratamento moralizador. A própria intensificação das medidas moralizadoras, bem como a frequência crescente de realização de congressos e similares apontam na mesma direção.

 

Para reforçar essa alegação, vamos recorrer a um autor já bastante citado neste ensaio, Nicholas (Nick) Steneck, que é professor emérito de história na Universidade de Michigan, autor de importantes obras em história da ciência. Para nossos propósitos, entretanto, o relevante é que há mais de trinta anos ele está envolvido com a questão das más condutas na ciência. Em princípios da década de 1980, ele presidiu uma iniciativa pioneira nesse campo, a Task Force on Integrity in Scholarship da Universidade de Michigan e, mais tarde, de 1991 a 1993, o Public Health Service Advisory Committee on Research Integrity. Ajudou a estabelecer e dirigiu o Ori/NIH Research on Research Integrity Program, tendo sido o coorganizador de quatro conferências realizadas pelo programa (2000, 2002, 2004 e 2006). Coorganizou também a primeira e a segunda World Conference on Research Integrity. É diretor do Research Ethics and Integrity Program do Michigan Institute for Clinical and Health Research, consultor do Ori e autor do Ori Introduction to the responsible conduct of research (cf. Steneck, 2007). Publicou inúmeros artigos sobre o tema em pauta, e tem atualmente dois livros no prelo: um como coautor (cf. Steneck & Mayer, no prelo), outro como coorganizador (cf. Steneck et al., no prelo).

 

Esse retrospecto da carreira de Steneck tem o objetivo de fazer com que o devido peso seja atribuído às afirmações que citaremos. Apesar de seu profundo envolvimento com as iniciativas moralizadoras, ele demonstra louvável honestidade intelectual ao reconhecer francamente as dificuldades do movimento.

 

Em uma passagem que versa sobre o componente educativo do tratamento, lê-se que,

 

“apesar desses desenvolvimentos encorajadores, o futuro do treinamento em conduta responsável na pesquisa está longe de estar assegurado. Os estudos de efetividade foram até agora majoritariamente inconclusivos. Os estudantes respondem favoravelmente e podem desenvolver habilidades tais como resolução racional de problemas, mas impactos a longo prazo no comportamento não foram demonstrados” (Steneck, 2013, p. 552).

 

Fanelli também coloca em dúvida a eficácia do treinamento educativo, e aponta um aspecto curioso de seu impacto. Depois de expor certas tendências observadas em estudos sobre a questão, ele comenta que

 

“o nível e a qualidade da pesquisa e do treinamento em integridade científica expandiu-se nas últimas décadas, elevando o nível de consciência entre cientistas e o público (cf. Steneck, 2006). Entretanto, há pouca evidência de que pesquisadores treinados para reconhecer e lidar com más condutas científicas tenham uma propensão menor a cometê-las (cf. Anderson, Martinson & De Vries 2007; Plemmons, Brody & Kalichman, 2006; Turrens, 2005). Portanto, tais tendências podem sugerir que não é menor a probabilidade de os cientistas cometerem má condutas ou denunciarem o que veem seus colegas fazerem, porém é menor a probabilidade de admitirem más condutas em seus próprios comportamentos” (Fanelli, 2009, p. 10).

 

Em outra passagem do artigo já citado, fazendo uma avaliação mais geral da mobilização da comunidade científica, diz Steneck que

 

“más condutas na pesquisa permanecem um problema não resolvido apesar de 30 ou mais anos de esforços locais, nacionais e globais, para reduzi-las ou eliminá-las. Para cada caso confirmado de sério mau comportamento ou má conduta, 10 ou mais podem existir, além de muitas ocorrências de práticas pouco profissionais de menor gravidade. Por baixo da superfície dos casos visíveis, a estrutura subjacente que apoia a conduta responsável na pesquisa tem falhas significativas” (Steneck, 2013, p. 552).

 

Ao que tudo indica, portanto, apesar de toda a mobilização moralizadora, tanto na modalidade educativa, quanto na jurídico-policial, não há sinais de que a epidemia esteja regredindo.

 

4.2. O custo do tratamento moralizador

 

Uma planilha de custos do tratamento moralizador deve incluir inúmeros itens, uns referentes à modalidade jurídico-policial de atuação, outros à educativa, e outros simultaneamente às duas modalidades. Entre os dessa última categoria, encontram-se (principalmente nos Estados Unidos, mas também na Europa) os salários dos Research Integrity Officers (Rios), cujo trabalho diz respeito às duas modalidades. O mesmo vale, de maneira geral, para os congressos, seminários e congêneres (13). Quanto às atividades educativas, há que se considerar o tempo de trabalho dos professores e funcionários que a elas se dedicam, mesmo quando não remunerados especificamente por essa dedicação, os recursos empregados na elaboração de manuais e outros materiais didáticos, as despesas com instalações e equipamentos, etc..

 

O item de longe o mais pesado da planilha, entretanto, é o referente à dimensão jurídico-policial e aos prejuízos causados pelas más condutas. Um reflexo dessa importância é o fato de que apenas para esse tipo de custo encontram-se na literatura estimativas expressas em números (cf. Michalek et al., 2010; Gammon & Franzini, 2013; Stern et al., 2014). Fica evidente nesses artigos, em primeiro lugar, o grande número de fatores a serem considerados. Entre os principais, encontram-se o tempo de trabalho dos membros das comissões investigadoras e de comissões responsáveis pela elaboração de códigos e regulamentos; o desperdício que representa o financiamento concedido para pesquisas fraudulentas; os prejuízos causados em outras pesquisas que incorporam resultados de pesquisas fraudulentas; as despesas com despublicações, etc.. Os autores têm clareza a respeito das dificuldades envolvidas na tarefa de precificar todos esses fatores e de maneira geral computam apenas alguns dentre os principais.

 

A contribuição de Michalek e colaboradores consiste em um estudo de caso sobre uma ocorrência de má conduta na própria instituição em que trabalham os autores, o Roswell Park Cancer Institute. (A natureza da má conduta, o nome dos responsáveis e outros detalhes não são revelados.) O principal resultado do estudo compreende apenas os “custos diretos” com o trabalho dos envolvidos na investigação: professores, secretários, técnicos e outros. O total computado foi US$ 525.000, sendo a maior parcela, de longe, a referente aos professores. Tomando esse valor como média, o custo dos 527 casos informados ao ORI em um ano, ultrapassa US$ 110 milhões (cf. Michalek et al., 2010, p. 3).

 

O estudo de Gammon e Franzini é bem mais elaborado, adota uma metodologia de considerável sofisticação (o sequential mixed method, associado ao time driven activity based costing (TDABC), sobre os quais não é necessário entrar em detalhes). Seu objeto são 17 casos de má conduta registrados no ORI no período de 2000 a 2005. Com arredondamentos, os resultados da pesquisa foram os seguintes. O custo total dos 17 casos foi US$ 8,6 milhões, sendo US$ 2,6 milhões correspondentes aos custos de investigação (29%), US$ 5,9 milhões a financiamentos desperdiçados (69%), e o restante a outros fatores. Os valores de cada caso variaram entre US$ 116.000 e US$ 2,2 milhões, com média de US$ 170.000 (cf. Gammon & Franzini, 2013, p. 92).

 

A amostragem da pesquisa de Stern e colaboradores, definida com base em dados do Ori, consiste em 149 artigos, originários dos Estados Unidos, financiados pelos National Institutes of Health, e despublicados entre 1992 e 2012 em virtude de fabricação ou falsificação de dados (95,9%), ou outras formas graves de má conduta. Artigos despublicados devido a plágio e autoplágio não foram incluídos na amostra. Os principais resultados da pesquisa contemplam apenas o financiamento das pesquisas fraudulentas. Também com arredondamento, o custo total dos artigos foi de US$ 58,5 milhões, e a média US$ 390.000 (cf. Stern et al., 2014, p. 2).

 

Dadas as diferenças entre os estudos quanto à amostragem, aos fatores considerados, e à metodologia, a comparação entre os resultados é pouco significativa. As dificuldades inerentes a esse tipo de precificação implicam que os valores numéricos devam ser tomados apenas como estimativas ou, menos ainda, como indicações da ordem de grandeza dos custos em pauta.

 

Com essa ressalva, para concluir esta análise, convém comparar os custos do tratamento moralizador com a situação prevalecente antes do advento da epidemia. No que se refere à dimensão educativa, o contraste se dá entre a pedagogia disciplinar e a formativa. Nesta, todos os fatores que contribuem para o desenvolvimento da consciência moral dos cientistas, enquanto tais, são tão intimamente ligados a sua formação como um todo que é praticamente impossível separá-los, e fazer uma estimativa de seu custo. Quanto aos outros tipos de custos, sendo a frequência de más condutas muito menor, eram também proporcionalmente menores as despesas na dimensão jurídico-policial e os prejuízos causados pelas más condutas. Com um pouco de exagero, pode-se afirmar que, no período anterior à epidemia, a maneira de lidar com o problema das más condutas tinha um custo nulo. No que se refere aos custos, portanto, o tratamento moralizador fica também em clara desvantagem na comparação com as práticas tradicionais.

 

4.3. A judicialização decorrente do tratamento moralizador

 

Diante da necessidade percebida de controlar as práticas de pesquisa de modo a evitar as más condutas, a comunidade científica – nisso não diferindo de outras associações profissionais – tem uma marcada preferência pela autorregulação ou autocontrole. O ideal para ela é que a formulação dos códigos de integridade, as investigações dos casos suspeitos, a imposição de punições, etc., fiquem sob sua inteira responsabilidade, não envolvendo a justiça comum.

 

Um aspecto importante da situação, que se observa na literatura mais recente, é certo enfraquecimento da reivindicação de autocontrole. A novidade é o aparecimento de vozes, umas mais, outras menos diretamente representativas da comunidade científica que, motivadas pelo fracasso do tratamento moralizador, defendem o recurso à justiça comum, ou seja, a judicialização, para lidar com o problema.

 

Uma das intervenções mais significativas nessa linha foi o editorial da revista Nature (2013), provocativamente intitulado “Chamem a polícia” (“Call the cops”). O editorial começa apontando o caráter eufemístico do uso da expressão “má conduta” no lugar de “fraude”, interpretando-o como um reflexo da concepção segundo a qual o que está em jogo são violações das normas da profissão, não das leis da sociedade em geral. Sugere a seguir que a expertise da polícia em investigações pode ser útil no campo da ciência, e procura refutar a defesa do autocontrole baseada no caráter especializado das questões envolvidas, alegando que tal caráter está presente também nos casos de crimes financeiros e computacionais.

 

Richard Smith, um ex-editor do British Medical Journal, repercutindo o editorial da Nature e endossando suas posições, conclui seu comentário com as seguintes palavras:

 

“Também é altamente insatisfatória a maneira como centenas (e provavelmente um número muito maior) de estudos fraudulentos permanecem na literatura científica sem sinal algum de que são invenções. Estive envolvido estreitamente com dois fraudadores que, juntos, escreveram mais de cem estudos não despublicados. A ciência está falhando em seus deveres para com o público. Também vim a perceber em primeira mão a dificuldade que as instituições de pesquisa têm na investigação de casos e coleta de evidências. Fraudadores escapam por causa da incompetência das instituições, ao passo que a investigação e coleta de evidências constituem tarefas diárias da polícia. É chegada a hora, infelizmente, de criminalizar as fraudes na pesquisa” (Smith, 2013, on line).

 

Bhutta (2014) também defende a judicialização, ressaltando a magnitude dos danos para a saúde das pessoas causados por tratamentos nefastos, baseados em resultados de pesquisas fraudulentas.

 

Não importando a posição, pró ou contra, que se adote nessa disputa, o fato é que não está ao alcance da comunidade científica impedir a passagem de processos para a justiça comum, por iniciativa ou dos pesquisadores investigados, ou de promotores públicos. E nos últimos tempos tem nitidamente aumentado o número de vezes em que isso acontece. No âmbito do autocontrole, são limitados os tipos de punição aplicáveis a perpetradores de má condutas, uma vez que incluem apenas penalidades administrativas, como a demissão da universidade ou instituto de pesquisa em que o pesquisador trabalha, a proibição de receber novos auxílios à pesquisa provenientes de fundos públicos, a cassação de títulos, de mestrado, doutorado, etc.. Penas de prisão só podem, naturalmente, ser impostas pela justiça comum. A frequência cada vez maior de casos, como vem ocorrendo, em que o pesquisador condenado por má conduta vai para a cadeia é, portanto, evidência de judicialização (cf. Maslen, 2013; Marcus & Oransky, 2014; Tuffani, 2014).

 

Outras evidências poderiam ser apresentadas, por exemplo, o fato de que os editores de revistas muitas vezes relutam em promover a despublicação de artigos por receio de serem processados por difamação (cf. Cope, 2009; Oransky & Marcus, 2010) Em conjunto, elas atestam que está em curso um processo de judicialização do controle das más condutas na ciência, que deixa assim de ser um autocontrole. Esse processo se dá à revelia da comunidade científica; o fracasso em preservar o autocontrole, representa, portanto, em termos da própria comunidade, mais uma falha do tratamento moralizador. Cabe observar também que as despesas com processos judiciais contribuem com mais um item na planilha de custos do tratamento moralizador.

 

Conclusão

 

Dado o fracasso e demais inadequações do tratamento moralizador sintomático, não havendo uma terceira alternativa, só resta, para combater a epidemia, um tratamento com foco nas causas. Ou seja, em vista do exposto, um tratamento visando idealmente suprimir ou, mais realisticamente, amenizar progressivamente as pressões produtivistas. Mas quais seriam os princípios norteadores dessa estratégia?

 

De um ângulo diferente, tratamos dessa questão em Oliveira (2014). Um dos temas abordados no artigo é o das consequências nefastas do produtivismo, uma das quais – a proliferação de más condutas – tem uma seção especificamente dedicada a ela. Mas trata-se de uma seção bem curta, em que o tópico é discutido muito sumariamente. O presente artigo consiste essencialmente em uma versão muitíssimo ampliada dessa seção.

 

Na linha de raciocínio do artigo de 2014, as formas de avaliação predominantemente quantitativas que passaram a prevalecer nas últimas décadas figuram como peça-chave do modo produtivista de administração do trabalho. As questões centrais do produtivismo traduzem-se então em questões referentes à avaliação. Na penúltima seção, expõe-se um esquema conceitual para a transição do quantitativo para o qualitativo nos sistemas de avaliação e, na última, algumas considerações gerais, na qualidade de princípios a serem observados na constituição de um movimento em prol de formas mais sensatas de organização das práticas científicas. Nessas duas seções encontra-se, em estágio ainda embrionário, uma resposta à questão acima levantada.

 

 

 

 

 

(*) Marcos Barbosa de Oliveira, bacharel em Física pela Universidade de São Paulo (USP) (1970), doutorou-se em História e Filosofia da Ciência pela Universidade de Londres (1981), com a tese A critique of Popper’s views on demarcation and induction. Livre-docente na USP (1997), com o trabalho ‘Da ciência cognitiva à dialética’, posteriormente publicado como livro pela Discurso Editorial (São Paulo, 1999). Completou estágios de pesquisa nas universidades inglesas de Essex e Bristol, e no Departamento de Filosofia da New School for Social Research (Nova York). É atualmente Professor Colaborador no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, e membro do Grupo de Pesquisa em Filosofia, História e Sociologia da Ciência e da Tecnologia, do Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP). Publicou numerosos artigos e capítulos em livros coletivos. Entre as suas publicações mais recentes contam-se: Entre as suas publicações mais recentes contam-se:"A estratégia dos bônus: três pressupostos e uma consequência" (Trabalho, Educação e Saúde, 7(3), nov. 2009 / fev. 2010); "Formas de autonomia da ciência" (Scientiae Studia 9(3), 2011); "On the commodification of science: the programmatic dimension (Science & Education 22(10), 2013); "Inovação e neoliberalismo: a experiência brasileira" (em R. Caldart e P. Alentejano (orgs.) MST, Universidade e pesquisa. São Paulo, Expressão Popular, 2014); "Technology and basic science: the linear model of innovation (Scientiae Studia 12 (special issue), 2014); “A dádiva como princípio organizador da ciência” (Estudos Avançados 28(82), 2014). O presente artigo foi publicado originalmente na revista Scientiae Studia, 13(4), 2015.

 

 

__________________

NOTAS:

 

(1) A expressão “práticas científicas” deve ser entendida em um sentido amplo que inclui o campo das humanidades. Uma expressão mais adequada, na verdade, seria “práticas acadêmicas”. Não o adotamos para não destoar do uso praticamente sem exceções de “práticas científicas” na literatura. Tal uso decorre do caráter hegemônico das ciências naturais na academia. Para uma discussão sobre esse ponto (cf. Santos, 2011).

 

(2) Citações indevidas resultam de acordos de citação mútua entre autores ou, em outro caso, de situações em que os editores de uma revista exigem do autor de um artigo aprovado pelos pareceristas que inclua citações de artigos publicados na revista, com o objetivo de incrementar seu fator de impacto (cf. Willhite & Fong 2012).

 

(3) Um longo relato sobre os altos e baixos da carreira de Hwang foi publicado na Nature (cf. Cyranoski, 2014a). Ver também o editorial da revista em Nature (2014a).

 

(4) Tais formas incluem, entre outros, a desconsideração de “pontos fora da curva”, e modificações no design, na metodologia ou resultados de um estudo, por pressão do financiador.

 

(5) A despublicação de um artigo significa sua exclusão do corpus do conhecimento científico certificado. O termo em inglês é “retraction”, derivado de “to retract”. Em português, “retratação e retratar” têm sido usados, porém com frequência bem menor que “despublicação e despublicar”.

 

(6) O termo foi introduzido no início dos anos 1970 pelo ativista americano Ralph Nader para evitar as conotações negativas de termos como “informer” e “snitch” (em português, respectivamente “delator” e “dedo duro”).

 

(7) Os endereços dos sites dos sistemas e programas mencionados são os seguintes: Crosscheck: http://www.crossref.org/crosscheck/index.html ; iThenticate: http://www.ithenticate.com/ ; Turnitin: http://turnitin.com/ ; Déjà Vu: http://dejavu.vbi.vt.edu/dejavu/ ; eTBLAST: http://etest.vbi.vt.edu/etblast3/ . Acesso em: 15 dez. 2014.

 

(8) A nosso ver, não foi o fortalecimento da fiscalização que levou ao aumento no número de ocorrências detectadas, mas foi o aumento, indistintamente percebido, no número real de ocorrências, que levou ao fortalecimento da fiscalização. De acordo com essa interpretação, o aumento no número de ocorrências detectadas reflete tanto o fortalecimento da fiscalização quanto o aumento no número real de ocorrências.

 

(9) Para relatos mais detalhados a respeito dos desenvolvimentos na Europa, ver European Science Foundation (2000; 2010) e Santos (2011).

 

(10) Santos é o principal responsável, na Fapesp, pelas questões de integridade da pesquisa, autor de um estudo usado como subsídio para a elaboração do Código de boas práticas (cf. Santos, 2011).

 

(11) “Carreirismo” foi a melhor tradução que encontramos para a expressão do original “strategic game-playing”, cujo significado é esclarecido pela seguinte passagem: “a competição por financiamento, publicações, prioridade científica, e sucesso na carreira em um sentido amplo leva os cientistas a descreverem seu trabalho em termos de estratégias usadas em jogos. Os membros dos grupos focais revelam que, querendo ou não, trabalhar em uma comunidade científica requer astúcia em manobras e estratégias. Embora tal postura possa ser uma realidade desagradável para alguns cientistas, parece ser fonte de prazer perverso para outros, que ardilosamente orquestram cada um de seus passos na carreira” (Anderson et al., 2007, p. 446).

 

(12) É possível que essa situação esteja começando mudar: o mote da quarta WCRI é “Integridade da pesquisa, ciência e seus sistemas de recompensa”.

 

(13) Para que se tenha uma ideia do montante de recursos dispendidos em congressos, convém citar o valor da taxa de inscrição da quarta WCRI a ser realizada no Rio de Janeiro, que é de US$ 690,00, se a taxa é paga até 30/4/2015; US$ 790,00, se paga depois dessa data. Como são esperados cerca de 400 participantes, tomando o valor menor como base de cálculo, tem-se um valor total de US$ 276.000,00. A essa despesa deve-se acrescentar o custo de hospedagem (diária de R$ 556,00 a R$ 600,00 no hotel (Windsor Barra) onde se realiza o congresso), transporte, que inclui um grande número de passagens aéreas intercontinentais, etc..

 

 

 

Referências Bibliográficas

 

Adusp. Denúncia de plágio contra grupo de pesquisa da reitora. Informativo Adusp, 296, p. 3, 3/11/2009. Disponível em linha. Acesso em: 9 dez. 2014.

 

Akst, J. When is self-plagiarism ok? The Scientist, 9/9/2010. Disponível em linha. Acesso em: 15 dez. 2014.

 

Anderson, M. S. et al. The perverse effects of competition on scientists work and relationships. Science and Engineering Ethics, 13, p. 437-61, 2007.

 

Anderson, M. S.; Martinson, B. C. & De Vries, R. Normative dissonance in science: results from a national survey of US scientists. Journal of Empirical Research on Human Research Ethics, 2, p. 3-14, 2007.

 

Angell, M. & Relman, A. S. Fraud in biomedical research: a time for congressional restraint. New England Journal of Medicine, 318, p. 1462-3, 1988.

 

Bhutta, Z. A. Should research fraud be a crime? Yes. The British Medical Journal, 2014. Disponível em linha. Acesso em: 12 abr. 2015.

 

Brispe (Brazilian Meeting on Research Integrity, Science and Publication Ethics). Final report, 2011. Disponível em linha. Acesso em: 27 fev. 2015.

 

Brispe (Brazilian Meeting on Research Integrity, Science and Publication Ethics). Joint statement on research integrity, 2012. Disponível em linha. Acesso em: 27 fev. 2015.

 

Butler, D. Journals step up plagiarism policing. Nature, 466, 167, 5/7/2010. Disponível em linha. Acesso em: 15 dez. 2014.

 

Buzzelli, D. E. The definition of misconduct in science: a view from NSF. Science, New Series, 259, 5095, p. 584-5, 647-8, 1993.

 

Carvalho, J. S. Podem a ética e a cidadania ser ensinadas? In: Carvalho, J. S. (Org.). Educação, cidadania e direitos humanos. São Paulo: Vozes, 2004. p. 85-105.

 

Carvalho, J. S. (Org.). Educação, cidadania e direitos humanos. São Paulo: Vozes, 2004.

 

Cope (Committee on Publication Ethics). Retraction Guidelines. Portal do Cope, 2009. Disponível em linha. Acesso em: 13 abr. 2015.

 

Cyranoski, D. Cloning comeback. Nature, 505, 7484, 2014a. Disponível em linha. Acesso em: 8 dez. 2014.

 

_____. Stem-cell scientists mourn loss of brain engineer. Nature, 2014b. Disponível em linha. Acesso em: 8 dez. 2014.

 

D’Angelo, J. Ethics in science: ethical misconduct in scientific research. Boca Raton: CRC Press, 2012.

 

European Science Foundation. Good scientific practice in research and scholarship, 2000. Disponível em linha. Acesso em: 17 jan. 2015.

 

_____. Fostering research integrity in Europe: a report by the ESF Member Organization Forum on research integrity, 2010. Disponível em linha . Acesso em: 17 jan. 2015.

 

Fanelli, D. How many scientists fabricate and falsify research? A systematic review and meta-analysis of survey data. PLoS ONE, 4, 5, p. e5.738, 2009.

 

Fang, F. C.; Steen, R. G. & Casadevall, A. Misconduct accounts for the majority of retracted scientific publications. PNAS, 109, 42, p. 17.028-33, 2012.

 

Fapesp, Código de boas práticas científicas. São Paulo: Fapesp, 2011. Disponível em linha. Acesso em: 9 dez. 2014.

 

_____. Processo 09/343, 2012. Disponível em linha. Acesso em: 9 dez. 2014.

 

Fountain, H. Science journal pulls 60 papers in peer-review fraud. The New York Times, p. A3, 11/7/2014.

 

Francis, S. Developing a federal policy on research misconduct. Science and Engineering Ethics, 5, p. 261-72, 1999.

 

Gammon, E. & Franzini, L. Research conduct oversight: defining case costs. Journal of Health Care Finance, 40, p. 75-99, 2013.

 

Gewin, V. Research: uncovering misconduct. Nature, 485, p. 137-9, 2012. Disponível em linha. Acesso em: 21 out. 2014.

 

Hagstrom, W. O. The scientific community. New York: Basic Books, 1965.

 

Judson, H. F. The great betrayal: fraud in science. New York: Harcourt, 2004.

 

Koocher, G. P. & Keith-Spiegel, P. Peers nip misconduct in the bud. Nature, 466, p. 438-40, 2010. Disponível em linha. Acesso em: 23 out. 2014.

 

LaFollette, M. C. The evolution of the “scientific misconduct” issue: an historical overview. Proceedings of the Society for Experimental Biology and Medicine, 224, 4, p. 211-5, 2000. Disponível em linha. Acesso em: 15 jan. 2015.

 

Macrina, F. L. Scientific integrity. Washington: ASM Press, 2014.

 

Marques, F. Do compromisso à ação. Pesquisa Fapesp, 223, p. 37-41, 2014.

 

Marcus, A. & Oransky, I. Commit fraud, go to jail? The case for criminalising scientific conduct. Lab Times, 1, p. 35, 2014. Disponível em linha. Acesso em: 12 abr. 2015.

 

Maslen, G. Scientists sent to prison for fraudulent conduct. University World News, 269, 2013. Disponível em linha. Acesso em: 9 abr. 2015.

 

Merton, R. K. The sociology of science: theoretical and empirical investigations. Chicago: University of Chicago Press, 1973.

 

_____. Science and the social order. In: _____. The sociology of science: theoretical and empirical investigations. Chicago: University of Chicago Press, 1973a. p. 254-66.

 

_____. The normative structure of science. In: _____. The sociology of science: theoretical and empirical investigations. Chicago: University of Chicago Press, 1973b. p. 267-78.

 

_____. Priorities in scientific discovery. In: _____. The sociology of science: theoretical and empirical investigations. Chicago: University of Chicago Press, 1973b. p. 286-324.

 

Michalek, A. M. et al. The costs and underappreciated consequences of research misconduct: a case study. PLoS Medicine, 7, 8, 2010. Disponível em linha. Acesso em: 30 mar. 2015.

 

Morgan, J. Life after whistleblowing: Academics who have made disclosures reflect on the long-term impact on their careers. Times Higher Education, 31/07/2014. Disponível em linha. Acesso em: 23 out. 2014.

 

Nature. Editorial. Call the cops. Nature, 584, 7478, 5/12/2013. Disponível em linha . Acesso em: 12 abr. 2015.

 

_____. Editorial. Don’t rush to rehabilitate Hwang. Nature, 505, 7484, 21/01/2014a. Disponível em linha. Acesso em: 7 dez. 2014.

 

_____. Editorial. STAP retracted. Nature, 511, 7507, 2/7/2014b. Disponível em linha. Acesso em: 8 dez. 2014.

 

OECD. Best practices for ensuring scientific integrity and preventing misconduct, 2007. Disponível em linha. Acesso em: 25 fev. 2015.

 

Oliveira, M. B. On the commodification of science: the programmatic dimension. Science & Education, 22, 10, p. 2463-83, 2013a. Disponível em linha. Acesso em: 25 fev. 2015.

 

_____. Sobre a mercantilização da ciência: a dimensão programática. O Comuneiro, 16, março 2013b. Disponível em linha. Acesso em: 25 fev. 2015.

 

_____. A dádiva como princípio organizador da ciência. Estudos Avançados, 28, 82, p. 201-23, 2014.

 

Oransky, I. & Marcus, A. Why write a blog about retractions? Retraction Watch Blog, 2010. Disponível em linha. Acesso em: 13 abr. 2015.

 

OSTP (Office of Science and Technology Policy). Federal policy on research misconduct. Federal Register, 65, p. 76.260-4, 2000. Disponível em: http://ori. hhs.gov/print/federal-research-misconductpolicy . Acesso em: 2 mar. 2015.

 

Pain, E. Paul Brookes: surviving as an outed whistleblower. Site da AAAS, Science Careers, 2014. Disponível em linha. Acesso em: 22 out. 2014.

 

Pasqualino, B. Exoneração de professor reaviva polêmica na USP. Revista Adusp, 50, p. 66-71, junho 2011.

 

Platão. Protágoras. In: _____. Diálogos. São Paulo: Melhoramentos, 1970.

 

Plemmons, D. K.; Brody, S. A. & Kalichman, M. W. Student perceptions of the effectiveness of education in the responsible conduct of research. Science and Engineering Ethics, 12, p. 571-82, 2006.

 

RCUK (Research Councils United Kingdom). Rcuk policy and guidelines on governance of good research conduct, 2013. Disponível em linha. Acesso em: 27 fev. 2015.

 

Santos, L. H. L. dos. Sobre a integridade ética da pesquisa. Texto de trabalho. Fapesp, 2011. Disponível em linha. Acesso em: 18 ago. 2014.

 

Shamoo, A. E. & Resnick, D. B. Responsible conduct of research. Nova York: Oxford University Press, 2009.

 

Smith, R. Should scientific fraud be a criminal offence? British Medical Journal blog, 9/12/2013. Disponível em linha. Acesso em: 12 abr. 2015.

 

Steneck, N. Research universities and scientific misconduct: history, policies, and the future. The Journal of Higher Education, 65, 3, p. 310-30, 1994.

 

_____. Fostering integrity in research: definitions, current knowledge, and future directions. Science and Engineering Ethics, 12, p. 53-74, 2006.

 

_____. ORI. Introduction to the responsible conduct of research, 2007. Disponível em linha. Acesso em: 28 fev. 2015.

 

_____. Scientific misconduct & research integrity: historical background, current global challenges and initiatives. Arquivo em PowerPoint usado em apresentação no I Brispe, 2010. Disponível em linha. Acesso em: 9 abr. 2015.

 

_____. Global research integrity training. Science, 340, 6133, p. 552-3, 2013. Disponível em linha. Acesso em: 1 nov. 2014.

 

Steneck, N. H. & Mayer, T. A global guide to the responsible conduct of research. London: Imperial College Press, 2015.

 

Steneck, N. H. et al. (Org.). Integrity in the global research arena. Cingapura: World Scientific Publications, 2015.

 

Stern, A. M. et al. Financial costs and personal consequences of research misconduct resulting in retracted publications. eLife, 2014. Disponível em linha. Acesso em: 30 mar. 2015.

 

Tuffani, M. EUA prendem cientista que admitiu fraude em pesquisa. Folha de São Paulo, p. C7, 25/6/2014.

 

Turrens, J. F. Teaching research integrity and bioethics to science undergraduates. Cell Biological Education, 4, p. 330-4, 2005.

 

Union of Concerned Scientists. Protecting scientist whistleblowers, 2014. Disponível em linha. Acesso em: 23 out. 2014.

 

Universities UK. Concordat to support research integrity, 2012. Disponível em linha. Acesso em: 27 fev. 2015.

 

Vasconcelos, S. & Sorenson, M. Report on the I Brazilian Meeting on Research Integrity, Science and Publication Ethics (I Brispe), 2011. Disponível em linha. Acesso em: 17 jan. 2015.

 

WCRI (World Conference on Research Integrity). Final report to ESF and ORI, 2007. Disponível em linha. Acesso em: 26 fev. 2015.

 

WCRI (World Conference on Research Integrity). Singapore statement on research integrity, 2010. Disponível em linha. Acesso em: 27 fev. 2015.

 

_____. Montreal statement on research integrity in cross-boundary research collaborations, 2013. Disponível em linha. Acesso em: 27 fev. 2015.

 

Willhit, A. W. & Fong, E. A. Coercive citation in academic publishing. Science, 335, 6068, p. 542-3, 3/2/2012. Disponível em linha. Acesso em: 1 jun. 2015.

 

 

 

 

Apêndice

 

Lista de documentos oficiais e semioficiais representativos da reação à epidemia de más condutas na ciência

 

Office of Science and Technology Policy: Federal policy on research misconduct. OSTP, 2000.

European Science Foundation Policy Briefing: Good scientific practice in research and scholarship. European Science Foundation, 2000.

OECD / Global Science Forum: Best practices for ensuring scientific integrity and preventing misconduct. OECD, 2007.

N. Steneck: ORI. Introduction to the responsible conduct of research. Revised edition. Steneck, 2007.

First WCRI (World Conference on Research Integrity): Final report to ESF and ORI. WCRI, 2007.

Second WCRI: Singapore statement on research integrity. WCRI, 2010.

European Science Foundation: Fostering research integrity in Europe. European Science Foundation, 2010.

First Brispe (Brazilian Meeting on Research Integrity, Science and Publication Ethics): Final report. Brispe, 2011.

Second Brispe. Joint statement on research integrity. Brispe, 2012.

Universities UK: Concordat to support research integrity. Universities UK, 2012.

Research Councils United Kingdom: RCUK policy and guidelines on governance of good research conduct. RCUK, 2013.

Third WCRI: Montreal statement on research integrity in cross-boundary research collaborations. WCRI, 2013.