Theoria historica socialista

 

 

Manuel da Silva Mendes (*)

 

 

 

Com a segunda metade do seculo XIX cornecou o periodo do socialismo scientifico. Antes, encontramos, em todos os tempos e logares, aspirações generosas de regeneração humana, mas não um systema de renovação social, que, tendo em conta as formas da evolução economica, moral e politica, coordenasse e generalisasse as ideias fornecidas pela experiencia, para d'ellas deduzir a formula de evolução futura.

 

Os systemas socialistas de Cabet, Saint-Simon, Owen, Fourier e tantos outros que na primeira metade d'este seculo propugnaram pela emancipação da humanidade, foram, pela maior parte, divagações metaphysicas, generosas, sim, porem tendo em pouca ou nenhuma consideração os dados que a marcha historica da civilisação fornece, como pontos necessarios da sua evolução futura.

 

Colocando-se, geralmente, sob o ponto de vista da razão pura, construiram, principalmente os fourieristas, sociedades, cuja structura determinavam aprioristicamente em todas as suas partes. Saint-Simon, Cabet, Luiz Blanc, Fourier, todos padeceram da paixão de regulamentar o futuro, sem verem que, se é possivel enunciar as grandes linhas do desenvolvimento social imminente, não se pode ir mais alem (1).

 

«Se o futuro de um individuo isolado, diz Tolstoï, ao passar de uma edade a outra, lhe fosse perfeitamente conhecido, a sua vida não teria razão de ser. Do mesmo modo: se a humanidade tivesse o programma da vida que a espera, quando entra n'uma edade nova, seria o indicio mais seguro de que já não vivia, de que já se não movia, mas calcava o mesmo terreno. Não podemos conhecer as condições da nova ordem de cousas, porque devem ser creadas justamente por nós mesmos. A vida está precisamente na procura do desconhecido e na subordinação da acção aos conhecimentos que vamos adquirindo» (2).

 

Alguns d'estes socialistas bem previram que a formula de evolução futura se devia deduzir do passado e do presente, e, n'este sentido, algumas tentativas fizeram. Saint-Simon, quando disse que a direcção social devia pertencer aos nobres, ao clero e aos grandes funccionarios, foi por uma reconstrucção histórica, a partir da conquista das Gallias pelos frankos, que ficaram depositarios do poder politico e economico, emquanto que os vencidos ficaram constituindo a classe dos trabalhadores.

 

Porem a concepção historica saint-simoniana foi muito incompleta, porque não retrogradou ás formas primitivas do desenvolvimento humano, para d'ahi seguir toda a marcha da civilisação, explicando como um estadio social, tendo em si a razão sufficiente da sua existencia, ao mesmo tempo contem elementos criticos que provocam e determinam a passagem para novos estadios. Os dois principios que Saint-Simon assignava como determinantes de todas as phases sociaes, não podiam de maneira alguma explicar a fatalidade historica, que mais tarde a sciencia consagrou corno um principio indiscutivel.

 

Segundo a theoria saint-simoniana, toda a historia oscilaria entre dois principios fundamentaes, o individualismo e o associonismo, unidade ou associação. A prevalencia de um ou de outro crearia na historia as epocas organicas e as epocas criticas; - concepção que levou este socialista a interpretar a historia da antiguidade e da edade moderna, corno uma reproducção uniforme de categorias logicas.

 

Não era mais perfeita a concepção social dos fourieristas. Não abrangendo a seriação de toda a phenomenalidade, a comprehensão dos problemas sociaes não podia deixar de ser incompleta. A sociedade, não apresentando, segundo o ver d'estes socialistas metaphysicos, senão incongruencias, era medicada empyricamente, sem a cornprehensão que só pode provir de um conhecimento profundo, largo, completo, das relações do passado com o presente, pela observação experimental.

 

Fourier, desviando do seu systema toda a concepção materialista, considerava como propulsor da evolução social o jôgo regular das paixões humanas, categorisadas em sensitivas, affectivas e distributivas. As phases societarias - selvagismo, patriarcado, barbarie e civilisação - dependeram, segundo este socialista, do modo mais ou menos intelligente por que o homem harmonisou as suas paixões; não foram phases fataes, mas, sim, creadas pela liberdade humana; —concepção contraria á sciencia actual, que proclama o determinismo, em nada conforme com ideaes particulares de justiça absoluta.

 

O proprio Proudhon, que tanto se salientou no movimento revolucionario socialista de 1840 a 1865, foi primeiro que tudo um negativista; os seus poucos pontos de vista organicos não eram, em geral, novos, mas importados do movimento socialista precoce dos inglezes e americanos. E, se bem que emprehendesse um vasto trabalho economico, em contradicção com a orthodoxia do seu tempo, não conseguiu fazer urna systematisação completa do desenvolvimento historico do phenomeno economico, nem desembaraçar-se inteiramente do metaphysismo, em que andavam envoltas as theorias socialistas.

 

A inauguração do periodo do socialismo scientifico estava reservada a um economista de mais pulso do que o celebre revolucionario: - a Karl Marx.

 

É, com effeito, a Marx que se deve o grande desenvolvimento theorico do socialismo contemporaneo; - não que viesse crear uma sciencia nova; porem porque os seus pontos de vista originaes lhe dão um logar eminente entre os mais celebres economistas.

 

Original não é aquelle que construe um edificio e todos os seus materiaes. As grandes obras não costumam ser o producto de um só homem. Colher elementos disseminados no tempo e no espaço, affeiçoal-os, agrupal-os, dispol-os, systematisal-os, emfim, eis no que consiste a originalidade. As grandes descobertas são, geralmente, impessoaes; porem ha sempre uma individualidade que as representa, que as personifica. Embora resultantes do trabalho collectivo, urna individualidade é que lhes dá vida, que as reduz a um complexo doutrinal. Um edificio não é conhecido pelo nome dos operarios que o construiram, mas, sim, por o d'aquelle que o emprehendeu e fez construir: assim a originalidade na sciencia. E Karl Marx é, n'este sentido, um economista verdadeiramente original.

 

Precursores teve-os e muitos. ElIe procede do grande movimento intellectual que, na Allemanha, se rnanifestou no principio d'este seculo; e, se nos restringirmos unicamente ao ponto de vista econornico, elle é o continuador do movimento iniciado por Adam Smith, Ricardo, de Tracy e Bastiat, por esses economistas que iniciaram a reacção contra a doutrina physiocratica; se bem que os trabalhos d'estes economistas não tornassem possível urna tão vasta concepção historica do phenomeno economico, sem os dos historiadores Guizot e Thierry e sem a tradição philosophica de Spinosa a Hegel, com os seus continuadores David Strauss, Bauer, Feuerbach, Wischer, Gans e Lassalle. Eis o movimento intellectual que constituiu o meio de Karl Marx.

 

No Kapital encontra-se um systema historico novo. Pondo, por um pouco, de parte os postulados arithmeticos que constituem a theoria do valor, não podemos deixar de confessar que a concepção economica e materialista da historia, como a expoz Karl Marx, excede em muito todos os trabalhos anteriores dos economistas sobre a evolução do phenomeno economico. Marx poz-se mesmo logo em contradicção com a orthodoxia do seu tempo, negando a estabilidade das leis economicas. Até Marx, as leis geraes da vida economica eram sempre as mesmas, tanto para o passado, como para o presente.

 

Para os economistas physiocratas, como em geral para os philosophos do seculo XVIII, a ordem natural das sociedades era invariavel, anterior e superior a todas as instituições sociaes; a propriedade, um direito natural independente do Estado. Mercier de Ia Rivière fundamentava a propriedade mobiliaria na liberdade pessoal de o individuo a encorporar a si, e a immobiliaria considerava-a uma derivação da mobiliaria, pois que não julgava uma essencialmente diferente da outra (3).

 

Para os physiocratas, a funcção do Estado não estava em legislar, mas simplesmente em reconhecer as leis naturaes e garantir a ordem natural das sociedades; por isso, acostando-se a estas ideias, pretendeu posteriormente J-B. Say que as funcções do Estado fossem reduzidas ás de policia. E, ainda hoje, doutrina similhante é sustentada, como já vimos, por Herbert Spencer e Novicow.

 

Para os economistas d'essa corrente, bastava a liberdade para resolver todos os problemas sociaes - deixar o individuo abandonado ao jôgo das leis da natureza - tal era o seu ideal. Mas, por uma contradicção singular, -naturalmente determinada pela ideia de que o aspecto statico social domina o aspecto evolutivo - os physiocratas inclinavam-se, em politica, pelo despotismo. Mercier de Ia Rivière justificava-o com a consideração de que a sciencia é tambem despotica. Euclides é um despota, dizia elle (4).

 

Eis o que Marx começou por negar: para elle, as leis economicas são variaveis em cada phase do desenvolvimento social, porque a structura geral dos organismos varia de phase para phase. Assim, rejeitando o absoluto economico dos physiocratas, encorporou a economia na concepção organica do progresso, aperfeiçoando a obra de Smith - que fôra a primeira grande tentativa de uma sociologia econornica pela correlação constante que este insigne economista estabeleceu entre os phenomenos economicos e os demais propulsores da actividade social - e ultrapassando, ao mesmo tempo, os esforços de Roscher, Schmoller e Wagner, com dar à economia um caracter democratico e revolucionario.

 

Esta concepção, porem, da continuidade social não é um ponto de vista novo na philosophia de Marx, mas antes uma ideia com raizes profundas na philosophia allernã de Kant a Hegel. O philosopho de Koenigsberg assentara, com effeito, no seu systema, como uma verdade indiscutivel, a concepção dynamica social, ainda que mechanica, affirmando a lei da continuidade do desenvolvimento historico - doutrina que, posteriormente, Schiller reproduziu.

 

Herder e Lessing admittirarn tambem a perfectibilidade progressiva da especie humana; com a diferença, porem, de que, para Kant e Schiller, o progresso era o desenvolvimento do plano da Natureza até uma perfeição final; e, para Herder e Lessing, era o proprio Deus a revelar-se na historia. Mas, no fundo, é identica a concepção da philosophia naturalistico-idealista kantiana e da philosophia semi- theologica da escola espiritualista.

 

A lei da continuidade social fôra tambem affirmada nos systemas philosophicos de Fichte e Hartmann; embora, para o primeiro, a causa final predeterminada fosse o Espaço, e, para o segundo, o Inconsciente.

 

No systema de Hegel prevaleceu o mesmo pensamento fundamental; se bem que, para este philosopho, o progresso nem fosse um desenvolvimento do plano da Natureza, nem uma Revelação divina, nem o Espaço, nem o Inconsciente, mas o processo continuo de urna evolução dialectica do Espirito ou da Ideia até uma synthese final.

 

Ora Karl Marx, aceitando esta concepção historica, no que elIa tinha de geral, transportou-a para a economia, tornando-a evolutiva e determinante de todo o desenvolvimento social; mas, para elle, não ha leis economicas abstractas que se appliquern a todas as phases da civilisação: existem apenas leis para cada phase, que cessam, desde que a humanidade entra em novo estadio social. Mas como determinar as leis da economia?

 

Eis um problema em que Marx pensou gravemente. Achar as leis em um determinado estadio, pareceu-lhe relativamente facil; porem mais difficil julgou a explicação da passagem de urna para outra phase. Ora foi precisamente n'este ponto que Marx se soccorreu da philosophia hegeliana. Vejamos como.

 

Para Hegel, só existe um vasto movimento ou processo do qual a historia é urna phase particular. A logica é urna historia superior ao tempo e ao particular - a historia do processo eterno e universal da Ideia pura. As sciencias são a historia de uma parte do progresso da Ideia na sua marcha atravez da natureza para chegar á consciencia, á synthese final. As leis do movimento historico deduzem-se da auto-evolução da Ideia absoluta, sendo toda a historia um processo dependente das leis e independente do arbitrio humano, cujo ultimo termo é a liberdade. No auto-desenvolvimento da Ideia, da Razão universal, é que consiste toda a historia.

 

Hegel, substituindo a Razão ao Fatalismo na historia, fez d'ella um processo racional. Partindo do absoluto primordial, da noção mais simples da razão, do ser puro, derivou d'ahi todo o conhecimento, toda a realidade por um processo continuo de raciocinio, que vae do abstracto ao concreto, do indeterminado ao determinado, - deterrninação que se opera por virtude do principio da identidade das contradicções (5).

 

Flinti explica assim este principio: Todo o pensamento, todas as cousas contem em si o seu contrario; toda a asserção é tambem urna negação: quando se affirma um pensamento, nega-se egualmente; mas, em vez de se destruir por esta contradicção, concilia-se em certo modo comsigo mesmo n'um pensamento novo, n'urna realidade nova e concreta, mais rica e mais complexa sob todos os respeitos pela negação do que a constitue; mas apenas é posta, é rejeitada com o mesmo resultado, de maneira que o processo nunca pára, sem que a verdade de todo o conhecimento e de toda a existencia se desenvolva completamente (6).

 

Karl Marx não perfilhou, porem, a concepção historica de Hegel em toda a sua pureza: unicamente lhe aceitou o principio de que todo o pensamento, todas as cousas, todos os estadios sociaes contem em si o seu contrario; isto é, germens, elementos criticos, que, desenvolvendo-se, os dissolverão. E, assentando toda a sua concepção historica no determinismo economico, rejeitou egual- mente, na theoria hegeliana, a pretenção de reduzir tudo á razão pura (7).

 

Para este economista, a evolução social é resultante do determinismo physico e do determinismo anthropologico, volvido em determinismo econornico. As condições economicas são determinadas pelo meio physico e pelos caracteres anthropologicos. A moral, o direito, a politica, a sciencia, a arte, todas as manifestações, emfim, da vida humana resultam fundamentalmente das condições economicas; são, para bem dizer, epiphenomenos do phenomeno economico (8).

 

A constituição econornica da sociedade é, portanto, segundo Marx, a base essencial de toda a vida social; toda a phenomenalidade tem a sua razão de ser, mais ou menos, no phenomeno economico, sendo, por isso, considerada em relação a elle como uma verdadeira sobreposição.

 

Assim, pois, se, para Hegel, é a ideia que incarna no facto; para Marx, é o facto que determina a ideia. Se, para Hegel, toda a historia é a auto-evolução ou um to fieri constante da Ideia absoluta; para Marx, toda a vida social é a auto-evolução do Phenomeno econornico. Mas para ambos, a passagem de uma phase para outra effectua-se por virtude do principio das contradicções.

 

D'estas considerações resulta que, determinadas as leis de um estadio social, ou antes, economico, a forma do estadio futuro se deve deduzir do estudo das variações do antecedente, pois que elle sempre em si contem os elementos criticos que o hão de dissolver. E, por este processo, estabelece-se a concatenação natural dos phenomenos que constituem todo o movimento social.

 

Engels, fiel interprete da theoria marxiana, aceitando com o mestre o principio de que são as condições economicas que determinam o desenvolvimento politico, apresenta a seguinte prova: Se o Estado é ainda actualmente, no tempo da grande industria e das vias ferreas, o reflexo na forma mais comprehensiva das necessidades economicas proprias da classe que dirige e monopolisa a producção, o mesmo deveu acontecer, com mais intensidade ainda, nas epocas em que as gerações tinham de empregar a maior parte da vida na satisfação das suas necessidades rnateriaes, sendo, por isso, mais dependentes d'estas do que nós o somos actualmente.

 

De Greef perfilha tambem a concepção marxista. «Sem attender a que todos os phenomenos sociaes são logica e naturalmente uma filiação do phenomeno economico sobre o qual realmente se inserem, o poder reformador preponderante do factor economico deduz-se de todas as observações historicas e de todas as experiencias politicas; a sua influencia superior foi reconhecida por todos os sociologistas de Aristoteles a A. Comte, Quetelet, H. Spencer e Laveleye; embora, pela mais extraordinaria das contradicções, os metaphysicos e os primeiros positivistas attribuissem ás opiniões e ás ideias, ou antes, aos sentimentos o governo geral do mundo. Todos os escriptores politicos desde a antiguidade até aos nossos dias têm observado e reconhecido que uma sociedade economicamente egualitaria o será tambem inevitavelmente no resto; isto é, sob o ponto de vista da constituição da familia, das funcções artísticas, scientificas e moraes, da concepção e da realisação do direito e, acima de tudo, do regimen politico» (9).

 

Marx, segundo Engels escreve, evitando os erros e as contradicções da philosophia de Hegel, completou a doutrina de Feuerbach com as observações geniaes dos historiadores francezes. Hegel pretendia que a historia da humanidade fosse um desenvolvimento infinito da sua natureza, - desenvolvimento que, por conseguinte, não podia ter o seu termo final, na descoberta de uma verdade absoluta; - e, por outro lado, que o seu systerna fosse o resumo d'essa mesma verdade absoluta. Ora Marx viu que um systema de conhecimentos da natureza e da historia que tudo abraçasse e fosse definitivamente estabelecido, estava em contradicção com as leis formaes do pensamento dialectico, que, longe de excluir, affirma, pelo contrario, que o conhecimento systematico do universo procede a passo de gigante de geração em geração (10).

 

É o mesmo que affirma G. de Greef, quando diz que todo o estadio social implica urna organisação equilibrada, - organisação e equilíbrio, todavia, sempre instaveis e variaveis; pois que, entre uma organisação social e a seguinte, ha uma dissolução e reorganisação continuas - pensamento que é a reproducção d'este de Spencer: que «a evolução é uma integração de materia acompanhada de uma dissipação de movimento, durante a qual a materia passa de uma homogeneidade indefinida, incoherente, para uma heterogeneidade definida e coherente, durante a qual tambem o movimento conservado soffre uma transformação analoga».

 

O progresso consiste, pois, segundo Marx, de accôrdo com a sociologia, n'uma diferenciação e integração cada vez mais completas, sem termo final, ou sem attingir uma synthese, realisada a qual a historia termine, como pensava Hegel (11).

 

Deville resume assim a concepção historica de Marx: Toda a historia da humanidade é, no fundo, uma guerra de classes. A divisão da sociedade em classes, que apparece com a vida social, repousa sobre relações economicas, mantidas pela força, com o fim de alguns se descarregarem do pezo do trabalho sobre os outros. Foram sempre os interesses materiaes que motivaram a lucta incessante das classes privilegiadas, quer entre si, quer contra as classes inferiores, á custa das quaes vivem. O homem é dominado pelas condições da vida material, que sempre, segundo as diferentes formas de producção, determinaram e determinarão os costumes e as instituições economicas, rnoraes e políticas.

 

Desde que uma parte da sociedade açambarcou os meios de producção, a outra parte, á qual ficou o pezo do trabalho, viu-se obrigada a juntar ao tempo de trabalho necessario para a sua conservação um accrescimo, pelo qual não recebe equivalente, destinado a sustentar e enriquecer os possuidores dos meios de producção. O regimen capitalista, como açambarcador de trabalho não pago, que, pela mais-valia crescente que lhe deu origem, accumula cada vez mais nas mãos dos capitalistas os instrumentos de dominação, ultrapassa em poder todos os regimens anteriores de trabalhos forçados.

 

Hoje, as condições economicas, causadas por este regimen e por elle mesmo já embaraçadas na sua evolução natural, tendem fatalmente a romper o envolucro capitalista, que não poderá contel-as por muito tempo, em presença do embate continuo dos elementos críticos, que em si contem, e que hão de tornar possível a passagem para uma nova phase economica.

 

A missão historica do proletariado, que é a classe actualmente explorada e a que organisa e disciplina o mechanismo da producção capitalista, é acabar a obra de destruição começada pelo desenvolvimento dos antagonismos sociaes, o que realisará conquistando revolucionariamente aos seus adversarios de classe, juntamente com o poder político, a força por elles destinada a conservar intactos os seus monopolios economicos.

 

Senhor do poder político, supprimirá a contradicção actual entre a producção collectiva e a appropriação particular capitalista pela socialisação dos instrumentos de producção, expropriados que sejam os usurpadores do trabalho alheio, e realisará, emfim, a universalisação do trabalho e a abolição das classes (12).

 

Eis, em synthese, o systema do grande economista, baseado n'uma concepção toda materialista, em que o phenomeno econornico domina e abraça toda a evolução social e sobre o qual se formam todas as modalidades da vida. Sobre o actual regimen capitalista foi que Marx mais insistiu, mostrando á evidencia a sua iniquidade e demonstrando a fatalidade da sua ruma. Não bastava, realmente, esta aspiração sentimental, que dominava então o socialismo, de coilectivisar a produccão e a consurnmação: era necessario dar-lhe uma base scicntifica que a justificasse tambcm perante a intelligencia; e foi isto o que fez Karl Marx.

 

Grande numero de socialistas tinham demonstrado á saciedade as incongruencias economicas actuaes; tinham, como Proudhon, previsto a fatalidade da concentração do capital em um futuro proximo; tinham, como Saint-Simon, mostrado que o associonismo é a phase para que tende o progresso; tinham remexido os antros da miseria e mostrado a flagrante contradicção entre a producção collectiva e a appropriação capitalista: faltava, porem, um systerna scientifico que, pelo estudo do passado e do presente, previsse seguramente a forma de evolução futura. Eis a obra a que se abalançou o autor do Kapital.

 

***

 

Terá, porem, razão Marx, quando afirma que todo o desenvolvimento social é determinado pela forma de producção e pela vida material?

 

Apezar de o socialismo moderno se appoiar directamente na obra d'este economista, muitos socialistas não aceitam hoje a concepção historica marxiana em toda a sua pureza. Se Engels, Deville e Enrico Ferri afirmam que é a synthese sociologica mais completa com o seu determinismo economico, não faltam socialistas e sociologistas que a julguem incompleta.

 

Benoit Malon, um dos socialistas mais graduados, foi quem iniciou o combate contra o marxismo orthodoxo. A historia, para elle, não é uma perpetua manifestação de guerra de classes; a evolução social não é exclusivamente determinada pelo phenomeno economico. Se a lucta de classes enche a historia, não a domina completamente; os phenomenos estheticos, os politicos, os moraes actuam tambem no desenvolvimento progressivo dos povos, cruzam-se e entrecruzam-se, embaraçam ou favorecem o movimento social. A vida social não se encerra toda, diz Malon, na concha do progresso economico.

 

 

«Mas a heterodoxia dos socialistas, accrescenta, que, á falta d'um termo mais adequado, nós chamaremos integralistas, não tem o caracter de negação radical em face do socialismo realista; aceitam os dados geraes, mas para elles não é exacto que a sociedade politica seja um reflexo da sociedade economica; os phenomenos religiosos, politicos e economicos actuam uns sobre os outros e entrecruzam-se para determinar o movimento das nações, tendo sido o predominio restante adquirido pelos phenomenos economicos, que foram, no decorrer das civilisações, os unicos propulsores, mas que têm uma importancia decrescente.

 

«Este facto não escapou a Buckle, o autor materialista da Historia da Civilisação de Inglaterra, quando notou a influencia crescente das leis mentaes, como signal caracteristico da marcha da civilisação. Este chefe deixou aberta uma via fecunda aos sociologos com a sua theoria da ideia-força, que pode, não obstante, ter-se originado num cerebro rebelde ás correntes da sua epoca, quer dizer, ter uma origem toda subjectiva.

 

«Se assim é com as ideias ou theorias abstractas, com mais razão o deve ser com os sentimentos propriamente dictos, que são muito mais profundos, muito mais contagiosos e muito mais activos que as ideias puras. Tendo na devida conta essas forças imponderaveis, e desejosos de se apoderarem d'outras melhores, os innovadores devem, pois, appellar unicamente para os interesses da classe do proletariado, invocando todas as forças sentimentaes que residem na alma humana.

 

«Admittindo com Berthelot «que as forças moraes são o sustentaculo dos homens e das nações»; com Proudhon «que para mudar a constituição d'um povo é mister ao mesmo tempo actuar sobre o conjuncto e cada parte do corpo politico»; e com Hector Denis «que existe uma correlação necessaria entre a evolução econornica e a evolução moral», os socialistas consideram que devem por isso mesmo tomar parte em todos os combates que tendam á melhoria das condições e das relações sociaes» (13).

 

Em resumo: para Malon, o progresso não é, como para Marx, uma necessidade; não é um desenvolvimento historico necessario, mas, sim, o resultado synthetico de todas as acções progressivas da humanidade. Não é um desenvolvimento da Ideia, como queria Hegel, nem a auto-evolução do Phenomeno economico, corno entendeu Karl Marx: é antes urna evolução complexa, em que vão integrados os phenomenos economicos, familiares, religiosos, artisticos, moraes e politicos. As ideias não são puramente reflexos do mundo real transportados para o cerebro humano; não são exclusivamente os factos que trabalham na realisação do progresso: elle é antes o producto de acções e reacções constantes, do cruzamento e entrecruzamento de toda a phenomenalidade. O socialismo, por isso, diz Malon, não é exclusivamente econornico: ao contrario, abraça todas as manifestações da vida social; o seu caracter não é simplista, mas, sim, integralista.

 

No congresso de sociologia, celebrado em Paris, em 1894, pelos membros do Instituto Internacional de Sociologia, Enrico Ferri apresentou uma memoria com o titulo de Sociologie et Socialisme, em que, expondo a concepção marxiana, concluia por consideral-a «a synthese sociologica mais completa com o seu determinismo economico». René Worms, porem, objectou, dizendo que, embora reconhecesse que as condições economicas são factores determinantes dos principaes phenomenos sociaes, não podia aceitar que fossem os unicos propulsores, pois que os factos intellectuaes, religiosos e moraes reagem a seu turno sobre os factos economicos (14).

 

De Greef, prestando homenagem á grande obra do economista allemão, julga tambem incompleta a sua concepção historica por ter em pouca conta a lei de interdependencia das forças sociaes e não attender, como deveria, a que os centros de coordenação mais especiaes intervem methodicamente na organisação e no funccionamento da structura economica, de tal sorte que a evolução e a direcção sociaes não são somente necessarias e inconscientes, mas tambem deliberadas e conscientes (15).

 

Sem pretendermos demorar-nos n'este assumpto, não podemos deixar de dizer que, a concepção de Marx tem um grande fundo de verdade. Platão e Aristoteles emittiram excellentes ideias; todavia não modificaram grandemente os factos sociaes do seu tempo. São, sem duvida, as condições do meio que determinam a humanidade na vida social; e quaes d'ellas são mais importantes do que as que se referem á constituição economica? - Primurn vivere, deinde philosophari.

 

Sobretudo nas primeiras edades da humanidade, as condições economicas foram, sem duvida, se não as unicas determinantes do movimento social, ao menos as que exerceram influencia decisiva. Ante a moderna orientação sociologica, é indiscutivel esta asserção. O Estado nas primeiras edades (e ainda nas seguintes) foi, como disse Marx, o reflexo das condições economicas, a organisação da violencia creada por um grupo ou grupos, que conseguiram dominar outros para sobre elles se descarregarem do pezo do trabalho (escravidão). «Os primeiros movimentos dos grupos primordiaes, diz L. Gumplowicz, tiveram por consequencia uniões forçadas, que constituiram as primeiras organisações da dominação dos grupos sobre outros grupos ou os Estados» (16). E toda a vida social se resume, accrescenta, na palavra lucta; a historia sempre tem sido, no fundo, uma lucta de classes, e o progresso, opera-se pela prevalencia do elemento ethnico que vence e impõe sobre os outros a sua influencia, assimilando o que lhe convem, dividindo o trabalho e favorecendo o desenvolvimento geral (17).

 

Demais, é hoje para os sociologos um facto averiguado que, nas primitivas civilisações, se constituiram, por excepção, organismos livres, em todos os pontos da terra, em que as condições economicas foram assás favoraveis para permittir a vida de uns grupos sem a sujeição dos outros. Herbert Spencer cita «communidades excepcionaes que não foram aggressivas» (18); e affirrnacão identica faz Elisée Reclus, dizendo que sempre existiram e ainda hoje existem «populações chamadas selvagens que vivem em perfeita harmonia social, sem chefes nem leis, sem muros nem força publica» (19). Estas excepções confirmam a these marxista.

 

Assim, pois, nos primeiros tempos o phenomeno economico dominou por completo ou quasi por completo toda a vida social; reconhecemos, porem, que, á medida que as condições econornicas se foram tornando mais favoraveis pela facilidade e pela accumulacão da producção, outros factores começaram de actuar sobre a marcha da civilisação com mais largueza e intensidade, a tal ponto que, actualmente, nos grandes acontecimentos, nunca se pode ver um factor unico. Reduzir, portanto, a complexidade social a um typo unico de factores, de que todos os outros derivem, é contradizer a correlação dos seus elementos; é pôr na sciencia um criterio simplista em nada conforme com a complicação da structura social.

 

Mas não exageremos. Se, para Marx, o progresso é auto-evolução do phenomeno economico; se affirma que o systema intellectual e moral das sociedades depende da sua organisação juridica e politica e esta do systerna economico, que é, por seu turno, uma dependencia da organisação da producção, - não cremos que no seu espirito largo se abrigasse a estreita concepção de encerrar todo o progresso na concha da economia, como entendeu Malon. A nosso ver, Karl Marx quiz apenas significar o predominio do factor economico sobre os restantes factores da vida social, sem que, por isso, negasse a efficacia dos factores intellectual, sentimental, moral, etc., ou meIhor, a interdependencia das forças sociaes, que certamente não é prejudicada com affirmar-se a preponderancia do factor economico.

 

Porque é preciso não esquecer que, se o homem é um producto do meio cosmico, n'elle se comprehende o meio especial creado pelo proprio homem por via dos meios de acção, que successivamente foi adquirindo; de maneira que o factor economico abrange não só o complexo dos recursos naturaes do meio cosmico, mas tambem os recursos artificiaes do meio economico, creados por um conjuncto de innovações ou de materialisações de pensamento humano. Ora, sendo isto assim, Marx não negou a interdependendia das forças sociaes; pelo contrario, afirmou-a; pois que a concepção que acabamos de apresentar do meio economico, faz entrar em jôgo a intelligencia como factor indispensavel. Sobre os elementos economicos naturaes o factor intellectual exerce uma funcção modificadora de tal importancia que, sem elle, não haveria progresso economico. Mas esta mudança que elle opera, converte-se logo em seu agente modificador; de modo que a influencia decisiva, afinal, pertence ao phenomeno economico. O progresso economico, como diz Yves Guyot, traz comsigo modificações psychologicas profundas (20).

 

Engels, referindo-se á critica que se costuma fazer a Marx, de admittir a ideia de acção exclusiva do meio economico, escreve que «segundo a concepção materialista da historia, a produccão e a reproduccão da vida real são os ‘momentos’ decisivos em ultima instancia na historia». «Quando se falseia a nossa doutrina, affirmando que n'ella o ‘momento’ economico é o unico decisivo, attribuem-nos uma opinião absurda e abstracta. A situação econornica é a base; mas os diferentes ‘momentos’ da structura superior, formas politicas da lucta de classe e seus resultados, constituições estabelecidas pela classe conquistadora depois da victoria, leis, e até os reflexos de todos estes combates reaes no cerebro d'aquelles que n'elles tomam parte, theorias politicas, religiosas, juridicas, etc., tudo isso exerce a sua acção sobre o curso dos movimentos historicos e obra ás vezes de um modo predominante sobre a sua forma» (21).

 

Labriola insurge-se tambern contra o pretendido simplismo economico de Marx, contestando que na concepção marxista o factor economico seja considerado isolado de um modo abstracto dos restantes factores (22). Gabriel Deville, o conhecido vulgarisador do Kapital, protesta egualmente contra o sentido exclusivista que muitos pretendem attribuir á theoria marxista, affirmando que n'ella se não põe de parte a lei da interdependencia dos factores sociaes, mas simplesmente se atribue ao meio economico uma influencia geralmente superior. Cita-se, diz elIe (referindo-se a Malon que teve a pretenção de completar Marx), cita-se a invenção da polvora e a revogação do edicto de Nantes como tendo exercido uma influencia decisiva na historia. Esquece-se, porem, que se tal ou tal acontecimento importante não é directamente um phenomeno economico, a sua importancia resulta-lhe das consequencias economicas. A introducção da polvora, como Engels escreve (23), foi principalmente um progresso industrial e, portanto, economico. Ainda que viesse a transformar as relações politicas de soberania e servidão, foi preciso para se obter este resultado, o auxilio da industria e do dinheiro. Tal invenção foi, portanto, originariamente um phenomeno economico com resultados politicos immediatos que, por seu turno, determinaram uma alteração na vida economica. O desapparecimento da nobreza feudal, facto politico, trouxe consequencias economicas (24).

 

Em summa: pode ver-se um defeito de exposição no systema de Marx, ou seja até uma preocupação economica exagerada; porem o correctivo, ainda mesmo que outro fosse o seu pensamento, é facil de fazer. O proprio procedimento do grande economista vem corroborar o nosso modo de ver. Pois não escreveu que são os factos que trabalham em proveito das doutrinas, isto é, que o desenvolvimento historico se impõe necessariamente? E, todavia, Marx organisa a Associação Internacional dos Trabalhadores para que as classes operarias se unam e conquistem revolucionariamente a sua emancipação economica e politica.

 

Não será mais justo ver-se no materialismo economico de Marx uma reacção contra o metaphysismo economico do seu tempo? Ver-se ainda na sua concepção social uma reacção contra o naturalismo idealista kantiano, contra a philosophia semi-theologica da escola espiritualista, contra o theologismo metaphysico e idealista herderiano, contra a mystagogia socialista dos seus contemporaneos, e, portanto, distinguir na obra de Marx uma parte critica e outra organica?

 

E porque Lotze, Augusto Comte, Tarde, Lilienfeld, corno todos os philosophos allernães de Kant a Hegel inclusivè, attribuiram maior preponderancia na historia ao factor intellectual, segue-se que tiveram em pouca conta a lei de interdependencia dos phenomenos sociaes?

 

É preciso não esquecer que Marx está na tradição dos economistas rnetaphysicos, que já admittiam as concepções organicas e evolucionistas da philosophia allemã. O proprio Marx considerava o economista Adam Smith como um dos precursores do materialismo economico; ora, como já dissemos, Smith foi um dos primeiros economistas que rejeitaram o absoluto economico dos physiocratas. Foi elle o primeiro que tentou organisar uma sociologia economica, estabelecendo uma correlação estreita entre os phenomenos economicos e as restantes forças sociaes. Marx e Smith até no optimismo se accordam; se bem que o optimismo de Smith fosse resultante da crença n'uma harmonia preestabelecida, á maneira da dos physiocratas, e o de Karl Marx tivesse um fundamento mais scientifico e, ao mesmo tempo, mais seductor (25).

 

Tal a obra do theorico que fez mais proselytos nos tempos modernos; do heresiarca que, no dizer de G. de Greeff, reuniu n'uma mesma communhão maior numero de adeptos do que Mahomet. Tal a obra do socialista, em favor de cuja doutrina combatem os proprios deuses e, acima de todos elles, o invencivel Fatum da Historia!

 

 

 

 

 

 

(*) Manuel da Silva Mendes (1876-1931) foi um destacado intelectual anarco-comunista na última década do século XIX. Nascido em S. Miguel das Aves, Santo Tirso, fez estudos de Direito em Coimbra, onde terá aderido ao ideal anarquista que então conhecia alguma voga nos círculos académicos mais radiciais, na sequência da visita a Portugal do geógrafo Elisée Reclus em 1886. Temos notícia de que foi preso em Braga em 1894 por propaganda anarquista. Em 1896 publicou, sem menção de editor, a sua conhecida e valiosa obra ‘Socialismo libertário ou anarquismo. História e doutrina’, da qual aqui publicamos na íntegra o capítulo VII, com a ortografia original, a partir da edição fac-símile publicada por Letra Livre em 2006. É uma obra extensa e bastante informada, sem paralelo em Portugal, de divulgação, estudo e problematização das diversas doutrinas socialistas da época, confrontando-as com a ciência sociológica coeva. O autor partiu para Macau em 1901, aí residindo até ao final da sua vida. Exerceu advocacia, foi professor liceal, escreveu poesia e fez estudos sinólogos. Tendo aderido ao republicanismo, exerceu diversos cargos públicos, na justiça e na administração, incluindo a presidência do Leal Senado macaense.

 

Silva Mendes - Socialismo

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NOTAS:

 

(1) Este mesmo pensamento dominou o espirito de Bakounine, que rejeitou precisar os termos particulares da evolução futura. (Vide Oeuvres de M. Bakounine, pag. 36 e seg.).

 

(2) Vide L. Tolstoï, Le salut est en vous, pag. 274. Paris, Perrin et Cie., 1893.

 

(3) Vide Mercier de Ia Rivière, De l'ordre naturel et essentiel des sociétés politiques. Londres, 1767.

 

(4) Vide G. de Greef, Le transformisme social, pag. 56-58.

 

(5) Vide Giuseppe Salvioli, La theoria storica di Marx, artigo public. na Rivista di Sociologia, 2º anno, março de 1895.

 

(6) Vide R. Flinti, La philosophie de l'histoire en Allemagne, pag. 267. Paris, F. Alcan, 1878.

 

(7) Vide Karl Marx, Critique de Ia philosophie du droit de Hegel. Paris, V. Giard et E. Brière, 1895.

 

(8) Vide Enrico Ferri, Sociologie et socialisme, nos Annales de l'Institut International de Sociologie, de 1891, pag. 164 e 165.

 

(9) Vide G. de Greef, Le transformisme social, pag. 313 e seg.

Nesta concepção repousa a classificação hierarchica das sciencias sociaes, d'este sociologo, geralmente admittida. (Vide tambem do mesmo autor Les lois sociologiques, pag. 82 e seg.; e Introduction à Ia sociologie, 1 tomo, pag. 214 e seg. Paris, F. Alcan).

É em presença d'estas considerações que se tem dicto que o socialismo é uma questão de ventre. A phrase, vulgarmente tomada em sentido deprimente, tem um grande fundo de verdade; é uma conclusão rigorosamente sociologica. Schäffle foi o primeiro que lançou a phrase (Vide La quintessence du socialisme, trad. fr. por Malon. Paris, 1880, cap. I, pag. 36), depois explorada por todos os inimigos do socialismo, Bismarck inclusivè. (Vide J. Bourdeau, obr. cit.), e ainda por B. Malon Para completar Marx (Vide G. Deville, socialistes, pref., pag. xx e seg. Paris, V. Giard et E. Brière, 1896. Vide tambem Le Citoyen de Paris, de 22 de julho de 1881: Candidature ouvrière et candidature de classe, artigo de Jules Guesde; e no Socialiste, de 26 de nov. de 1887, um artigo de G. Deville).

 

(10) Vide F. Engels, Socialismo utopistico e socialismo scientífico, pag. 50 e seg., cit. por G. Salvioli na Rivista di Sociologia, de março de 1895.

 

(11) Vide G. de Greef, Le transformisme social, pag. 198.

 

(12) Vide G. Deville, Le capital de Karl Marx résumé et accompagné d'un aperçu sur le socialisme scientifique, pag. 4 e 5. Paris, E. Flammarion, 1883. Esta mesma doutrina se encontra no celebre Manifesto Communista, de fev. de 1848, redigido por Marx e Engels. Foi publicado em portuguez pelo Ecco Socialista, de julho de 1892.

G. de Greef, referindo-se á expressão - socialisação dos instrumentos de trabalho, diz que é uma expressão pouco scientifica para uma ideia justa: «com effeito, os orgãos sociaes estão sempre ao serviço da sociedade, mesmo quando as suas funcções são exercidas por castas, classes ou até simples individuos; a socialisação é somente imperfeita ou perfeita, rudimentar ou elevada. Isto não passa de uma critica formal, mas tem sua importancia sob o ponto de vista da theoria do progresso, porque o systema de Marx tende a oppôr sociedades não civilisadas a sociedades socialisadas; por consequencia, periodos inorganicos ou criticos a periodos organicos, o que se não dá; toda a sociedade é um organismo, ao mesmo tempo instavel e equilibrado em todos os momentos da sua existencia; as sociedades não differem, como as especies animaes, senão pelo grao de organisação». (Vide Le transformisme social, pag. 285 e 286).

 

(13) Vide Benoit Malon, Prefacio ao Socialismo na Europa do sr. Magalhães Lima, pag. 10-13.

Estas ideias encontram-se desenvolvidas no Précis historique, théorique et pratique de socialisme, e no Socialisme intégral, onde Malon cita, em appoio da sua these, «a conquista musulmana, cujas origens são puramente religiosas e que alterou completamente a situação politica e economica de numerosos povos da Africa, da Asia e até da Europa»; a expulsão dos mouros, «facto politico e religioso, que determinou a ruina material e a decadencia da Hespanha»; a revogação do edicto de Nantes que «matou a industria franceza nascente em proveito da Hollanda e da Inglaterra».

 

(14) Vide Enrico Ferri, Sociologie et socialisme, nos Annales de l'Institut International de Sociologie (1894), pag. 164-167. E. Ferri sustenta a mesma these nas suas duas obras - Sociologie criminelle, (Paris, A. Rousseau, 1892) e Socialismo e scieza positiva (Roma, 1894).

 

(15) Vide G. de Greef, Le transformisme social, pag. 282.

Esta observação, porem, não impede que G. de Greef aceite fundamentalmente a doutrina de Marx, como facilmente reconhece quem attender a que na sua classificação interna da sociologia os phenomenos econornicos occupam o primeiro logar. Não sabemos até se é maior em Marx do que em G. de Greef a preoccupação do phenomeno economico.

 

(16) Vide L. Gumplowicz, Un programme de sociologie, nos Annales cit., pag. 76 e 77; e Grundriss der Sociologie, do mesmo autor.

 

(17) Vide L. Gumplowicz, La lutte des races humaines. Paris, Guillaumin, 1893.

 

(18) Vide H. Spencer, L'individu contre l’Etat, pag. 65. Paris, F. Alcan, 1888.

 

(19) Vide Elisée Reclus, L'anarchie, conferencia public. nos numeros 3.º, 4.º e 5.º de Les Temps Nouveaux.

 

(20) Vide Yves Guyot, La science économique, pag. 452. Paris, C. Reinwald, 1881.

 

(21) Vide F. Engels, extracto de uma carta escripta em 1890 e public. em 1895 pelo Sozialistische Akademiker e reproduzida pelo Socialiste, de 17 de nov. de 1895, cit. por G. Deville nos seus Principes socialistes, pag. 9 e 10.

 

(22) Vide Antonio Labriola, En mémoire du manifeste du parti communiste, artigo public. no Devenir Social, de julho de 1895, pag. 343, cit. por Deville.

 

(23) Vide F. Engels, M Eugène Düring et sa révolution de Ia science, pag. 175, 3.ª ed. da trad. de Edouard Vaillant no Républicain Socialiste, de 19 de abril de 1884.

 

(24) Vide G. Deville, Principes socialistes, pag. 4-10. Paris, V. Giard et E. Brière, 1896.

 

(25) Vide sobre esta materia, alem dos escriptores citados:

 

J. Jaurès, Les origines de socialisme allemand. Paris, 1892.

 

P. Leroy-Beaulieu, Le collectivisme. Paris, Guillaumin, 1885.

 

E. de Laveleye, Le socialisme contemporain. Paris, F. Alcan, 1894.

 

A. Bebel, La femme dans le passé, le présent et l'avenir, trad. fr. de H. Ravé. Paris, G. Carré, 1891.

 

Leo, La propriété et le socialisme. Bruxellas, na redac. do jornal Le Peuple, 1894.

 

J. Guesde, La loi des salaires et ses conséquences; e Le collectivisme au Collège de France.

 

F. Engels, Origine de l'Etat, de Ia famille et de Ia propriété privé. Paris, G. Carré, 1893.

 

Rienzi, Socialisme et liberté (Socialisme en vrijheid); L'anarchisme; e Capitalisme et socialisme. Bruxellas, Désiré Brismée, 1893.

 

Charles Ander, La fin du «Capital» de Marx, na Revue Blanche, de 15 de maio de 1895.

 

A. E. Schäffle, La quintessence du socialisme, trad. por B. Malon. Bruxellas, rue des Sables, 1895.

 

A. Naquet, Socialisme collectiviste et socialisme libéral.

 

Marx Nordau, Dégénérescence, II vol. Paris, F. Alcan, 1894.

 

Th. Rogers, L'interprétation économique de l'histoire.

 

W. Hohoff, Importance de Ia critique marxiste du capital par rapport à Ia science et à l'histoire de Ia civilisation, na Monatsschrift für Christliche Social-Reform, n.º 3, 4 e 6 de 1895. Este estudo encontra-se resumido na Revue Catholique des Revues, I anno, n.° 20, de abril de 1896.

 

La Logique de Hegel, artigo public. pela Revue Catholique des Revues, I anno, pag. 256 e seg.

 

Le problème de l'interêt de capital, artigo public. na Revue Catholique des Revues, I anno. pag. 526 e seg.

 

Le problèrne de justice du capital moderne, artigo public. pela Revue Catholique des Revues, I anno, pag. 425.

 

W. Sombart, Archiv für Sociale Gesetzgebung und Statistik.

 

Barth, Die Geschichte philosophie Hegel's und der Hegelianer bisauf Marx und Hartmann. Leipzig, 1890.

 

Engels, Feuerbach, na Neue Zeit, de 1886.

 

Muhlberger, Marx und Feuerbach, na Deutsche Wörte, de 1893.

 

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Jäger, Der moderne Sozialismus. Berlim, 1873.

 

Mehring, Die deutsche Sozialdemokratie. Bonn, 1878.

 

Adler, Die Grundlagen der K. Marschen Kritik. Tubingen, 1887.

 

Schäffle, Geselschaftliches System der menschischen Wirthschaft; e Bau und Leben des socialen Körpers.

 

J. Sampaio (Bruno), Notas do exilio. Porto, E. Chardron, 1893.