A nova fase do socialismo

 

João de Menezes

João de Menezes (*)

 

 

I

 

No seu estudo sobre a «crise do marxismo», o professor Masaryk, da Universidade de Praga, depois de haver constatado que muitas afirmações de Marx são hoje contraditadas pela experiência, termina por dizer que a crise da sua doutrina, longe de significar a morte do socialismo, demonstra que ele se torna dia para dia mais prático sob o ponto de vista científico.

 

Precisando bem o seu pensamento, o autor da Crise Filosófica e Científica do Marxismo Contemporâneo, conclui por afirmar que, mesmo quando a doutrina de Marx tivesse feito bancarrota, nem por isso a ideia socialista deixaria de influir na formação de um partido político, independente e organizado, com os seus quadros próprios e o seu programa definido (1). Porque, acrescenta o aludido escritor, «o socialismo tem a sua base nos desvios evidentes da organização social presente, na sua injustiça, na sua imoralidade, na grande miséria material, intelectual e moral das massas populares».

 

Esta advertência, feita aliás por um escritor que não pertence ao partido socialista, deve sem dúvida parecer desagradável àqueles que, periodicamente, dão como enterradas, para sempre, as aspirações que movem a sociedade presente e a determinam a procurar a realização de um Estado Social, quando não inteiramente justo, menos iníquo e mais compatível com a dignidade humana.

 

Querer negar o fundamento dessas aspirações, e diminuir a importância dos factos que as reflectem, seria faltar à verdade com desmedida insensatez e sem aliás, com a mentira, se poder destruir o que aos olhos de todos se manifesta evidente.

 

Mas, por outro lado, se aos que julgam morta a aspiração socialista é devida a reprimenda, não menos a propósito vem o dirigi-Ia àqueles que, dizendo-se apóstolos ou propagandistas de urna nova ideia, cuidam que para a sua realização basta enunciar fórmulas abstractas e, proclamar com um simplismo estreito, a proximidade de urna revolução universal que transforme de súbito as circunstâncias e os homens e dê origem, a uma sociedade inteiramente nova, completa e perfeita mesmo nos mais insignificantes elementos.

 

A visão de urna catástrofe que subverta a velha organização social e faça surgir, num relâmpago, outra organização que seja a negação da primeira, desde a base até ao cume, passou à categoria das ilusões próprias daqueles que se deixam arrastar pelo messianismo ingénuo que vive mais ou menos no espírito dos sectários de religiões e doutrinas políticas. E assim, mentem, por ignorância, ou o que é pior, conscientemente, os que cingindo-se a proposições dogmáticas, que não passam de ser a contrafacção de teorias mal compreendidas e superficialmente estudadas, negam a conexão necessária dos factores sociais, a evolução provável dos acontecimentos e, em nome de uma pretendida dialéctica da história, tudo referem a um só daqueles factores recusando aos restantes qualquer influência na vida das sociedades.

 

O espírito estreito dos sectários do socialismo que somente ao facto económico reconhecem importância e que de todas as transformações políticas desdenham, porquanto as consideram inúteis desde que não se afirmem, imediatamente, na prática, pela transformação integral da sociedade capitalista em sociedade comunista, tem provocado as censuras daqueles que do socialismo são, na realidade, os mais autorizados representantes. Assim, em 1892, por exemplo, Frederico Engels, numa carta a Bernstein, se referia severamente a alguns socialistas franceses que, sob o pretexto de que a «revolução social estava próxima», combatiam os republicanos radicais que pretendiam dar urna feição mais democrática à República Francesa. O companheiro de Marx, na carta referida, que como tantos outros documentos recentemente publicados vem esclarecer muitos equívocos e destruir muitos erros de interpretação doutrinária, escrevia: «A X (há quem afirme que se trata de Jules Guesde) meteu-se-lhe em cabeça a ideia de que a República Ateniense de Gambeta é bem menos perigosa para os socialistas do que a República Espartana de Clémenceau e, por isso, quer opor-se ao advento da última, imaginando que a nós outros, ou a qualquer partido neste mundo, é possível impedir que um país passe pelas étapes historicamente necessárias da sua evolução. Ele ignora, decerto, quão pouco provável se afigura que em França possa transitar-se da república de Gambeta ao socialismo, sem se haver passado pela República de Clérnenceau» (2).

 

Se reproduzimos estas palavras de Frederico Engels, não o fazemos no intuito de legitimar, por agora, a acção política daqueles que, como nós, aspiram à proclamação da República e consideram esta forma de organização política adequada e necessária ao desenvolvimento de novas instituições económicas. Apenas quisemos, no momento, por meio de um exemplo claro e simples, demonstrar que, na realidade, o espírito estreito dos sectários a que nos referimos, não pode prevalecer na apreciação dos fenómenos sociais e que, por tal motivo, carece de rigor científico a doutrina professada por aqueles que encarando apenas um aspecto da vida das sociedades, a um determinado princípio subordinam a sua crítica desdenhando da complexidade dos factores a estudar.

E, como venha a propósito, não deixaremos de dizer que, por mais de uma vez, responderemos às afirmações daqueles que se confessam discípulos e seguidores de Marx e Engeis, com as palavras dos autores do Manifesto Comunista.

 

Amiúde recordaremos o que estes dois homens escreveram, porquanto é forçoso impedir que, impunemente, sob a invocação de nomes de tão alto valor, sejam feitas afirmações erróneas e falsas, como tantas vezes tem sucedido.

 

Aos marxistas quando reincidam, e por ignorância ou cálculo deturpem a doutrina, responderá o próprio Marx. E ele e o seu colaborador de tantos anos, com os seus escritos modernamente dados à estampa e coligidos por estudiosos sinceros, virão justificar os que afirmam operar-se, presentemente, um grande trabalho de renovação doutrinária a que corresponde, no campo da acção política, uma transformação de processos e uma profunda mudança de táctica.

 

De resto, embora nem todos tenham a nobre coragem de confessar que se enganaram, já é impossível contestar que, desde há alguns, anos, se opera essa renovação de doutrina e uma nova táctica vem sendo adoptada, mais conforme às exigências da luta política, e mais de acordo com as necessidades impreteríveis que os acontecimentos impõem.

 

Essa renovação doutrinária, constante, e que preocupa os mais eminentes escritores do socialismo, exerce-se no sentido de esclarecer, umas vezes pela publicação dos escritos complementares de Marx e Engels, a sua teoria fundamental, outras vezes pela modificação de certas proposições enunciadas pelos mesmos, porque a observação e a experiência ensinam que os factos as contradizem ou, pelo menos, limitam sensivelmente o seu alcance.

 

Com a modificação doutrinária, correspondentemente, produz-se a alteração profunda na acção política observada nos últimos tempos. E não é para estranhar que tal suceda; antes o contrário seria para admirar. Com efeito, afigura-se natural essa modificação, desde que o partido socialista, sendo um partido político, é «um órgão num organismo», uma força que coopera com determinadas forças, mantida em equilíbrio por outras, tendo por isso de adquirir qualidades de adaptação que, não lhe fazendo perder o seu carácter específico, lhe permitam contudo actuar constantemente, e segundo as circunstâncias, num determinado sentido. De contrário, o partido socialista haveria de conservar-se inactivo, imobilizando-se na contemplação de símbolos, ou perdendo-se na monótona e constante repetição de máximas sem realidade objectiva.

 

A renovação doutrinária do socialismo pela crítica e modificação da teoria marxista - que constitui a base de todos os programas socialistas modernos - vem-se acentuando desde há muitos anos e tomou verdadeira importância, influindo decisivamente, desde que aos escritos de Benoit Malon e seus companheiros colaboradores da Revue Socialiste (3) seguiram os trabalhos de Vandervelde e Destrée na Bélgica, Van Koll na Holanda, Merlino, Benedeto Croce e Arturo Labriola na Itália e, para não citar tantos outros - dando apenas de passagem resumida nota de alguns nomes - Bernstein na Alemanha.

 

Sobretudo o livro deste último, compilação de artigos publicados na Neue Zeit, ­ «Problemas do Socialismo» - teve uma influência decisiva na orientação presentemente seguida e deu origem às mais eruditas e apaixonadas discussões (4).

 

Não exageram aqueles que, como Bourdeau, consideram o referido livro a obra de maior importância, depois do Capital, da literatura socialista alemã.

 

A impressão produzida pelo livro de Bernstein compreende-se, desde que se saiba que o eminente escritor foi o discípulo dilecto de Frederico Engels. Ser de um alemão, íntimo do colaborador de Marx, uma das obras de crítica mais completa das doutrinas de Marx, eis o que na verdade causou certa surpresa no mundo socialista. De tal surpresa dão conta as actas dos congressos de Hannover e Lubeck, reproduzindo as discussões acaloradas a que deu lugar a «heresia bernsteiniana» (5).

 

Convém todavia não esquecer, apesar do valor do livro de Bernstein, que anteriormente a ele, outros escritores, sobretudo latinos, haviam empreendido um trabalho de crítica, por vezes implacável, da obra marxista. E não admira que assim sucedesse porque, a clareza, o método e o rigor lógico, são para os latinos uma condição indispensável de êxito, e destes predicados pode dizer-se que nem sempre caracterizam os vários estudos do grande socialista alemão.

 

Mas, se havemos de ter ocasião de lembrar o que escreveram franceses e italianos a propósito da obra de Marx, reivindicando o papel que lhes cabe como críticos dessa obra, não deixaremos de acentuar que o livro de Bernstein, pelas polémicas a que deu origem, pode contar-se como o de mais valor e alcance entre todos até agora publicados, sobretudo pelas circunstâncias especiais que concorrem no seu autor.

 

Logo a seguir à publicação dos «Problemas do Socialismo», em réplica, o dr. Karl Kautsky, escritor dotado de vasta erudição e conhecedor, como poucos, da literatura marxista, deu à estampa um outro livro, aliás valioso, o Marxismo e o seu crítico Bernstein, algum tanto pessoal é certo mas, sem sombra de dúvida, extremamente correcto se nos lembrarmos do que ele poderia ser, caso a polémica se travasse, por exemplo, entre socialistas franceses, ou mesmo italianos, apesar de estes darem mais provas de tolerância do que os seus correligionários de França, onde os herejes caiem, a cada passo, fulminados pela excomunhão dos grandes sacerdotes (6).

 

Porque, é bom saber-se, a intolerância dos marxistas alemães, para com aqueles que discutem as suas doutrinas, embora pertencendo ao partido socialista, está muito longe de se manifestar violenta, implacável, como talvez a muitos pudesse afigurar-se.

 

No último congresso socialista, realizado em Lubeck, foi permitido a Eduardo Bernstein expor livremente as suas opiniões, sem que a sua dignidade e os seus direitos de crítico fossem desrespeitados e desatendidos. Seria difícil que, sem correr o risco de sofrer as mais duras invectivas, ele pudesse dissertar, assim, tranquilamente, num congresso em França.

 

Dado mesmo o caso de que não se produzisse um tumulto violento, seria inevitável, pelo menos, que as expressões injuriosas de traidor e vendido glosassem os períodos mais heterodoxos do seu discurso.

 

Se é certo que, nos últimos anos, uma grande parte dos socialistas franceses, alargando a sua acção, conseguiram dar um sentido verdadeiramente humano à doutrina; se é verdade que há-de partir de França a orientação definitiva, que já se acentuou com os últimos acontecimentos políticos que profundamente abalaram aquele país e formaram uma nova consciência democrática, também não pode negar-se que, em França, os sectários do marxismo são os mais intransigentes, os mais estreitos e os mais intolerantes.

 

É possível que não erremos atribuindo aos prejuízos da educação católica o defeito, vulgar em tantos propagandistas, nos países latinos, de extrairem da obra dum pensador certo número de proposições abstractas, arquitectando com elas um catecismo que pretendem impor, sem admitir discussão, à observância dos membros da seita. A sobrevivência da intolerância católica dá este resultado: Os que são por convencimento, por educação, por necessidade de espírito de combatividade, os maiores inimigos da Igreja e do Catolicismo, aparecem-nos como católicos a rebours, na profissão e na propaganda de qualquer princípio filosófico ou político. Muitos doutrinários socialistas franceses, aqueles que se apresentam reivindicando o título arrogante de puros e irredutíveis marxistas, e os que pensam como eles nos demais países latinos, entendem que tocar na doutrina do Mestre, para duvidar de alguma afirmação e criticá-la com independência de espírito, constitui sacrilégio merecedor de anátema e representa um perigo mortal para o êxito da propaganda e da acção da democracia socialista.

 

Não admitem que se pretenda conhecer, conscientemente, do valor dum livro, nem que se considere o trabalho de um filósofo e de um economista, como base de estudos ulteriores e, por isso mesmo, susceptível de esclarecimentos e modificações.

 

Contudo, os depositários da doutrina, e isto sucede como haverá ocasião de ver-se tanto na Itália como na França, reivindicam o privilégio de - eles e somente eles! - discutirem e apreciarem entre si, o que impõem como indiscutível aos outros mortais. Mais ainda, julgam-se até no direito de alterar, como melhor lhes pareça, e segundo as circunstâncias, o conteúdo das obras de Marx, produzindo uma contrafacção tanto mais desonesta quanto é certo não admitirem que ela possa ser contestada pelos adversários sem que, imediatamente, os denunciem com sanha implacável e feroz, apodando-os de «imundos burgueses» e de ignorantes ou estúpidos.

 

Com a doutrina de Karl Marx dá-se precisamente o que se deu com a doutrina de Hegel, como observa justamente Georges Sorel, quando faz a crítica do livro, por muitos títulos notável, de Saverio Merlino Pro e contra il socialismo. Constatando que, sob a invocação do nome de Karl Marx se proferem as maiores heresias, comenta o facto nestes termos um pouco duros mas sem dúvida merecidos: «Marx a eu Ia même mauvaise fortune que son maitre Hegel; s'a manière de formuler a permis de lui attribuer toutes les sottises» (A). Isto é tão verdadeiro a propósito dos que se dizem discípulos de Marx, como de muitos que o criticam e refutam sem o haverem lido.

 

Desta confusão, e de repetidas contrafacções, resulta haver-se formado, conforme a nacionalidade e o temperamento de certos escritores e propagandistas, um marxismo especial e próprio de cada partido ou seita. Já Frederico Engels o notava - em uma das cartas a que aludimos - ao seu amigo Bernstein, em data de 3 de Novembro de 1882.

 

Referindo-se ao marxismo de um certo indivíduo designado pela inicial L, Engels escrevia: «... O facto é que o dito marxismo em França é uma criação particular, um produto por tal forma especial que Marx dizia a XXX: «A verdade é que eu não sou marxista» (7).

 

Mas voltemos ao assunto inicial de que nos afastamos talvez em demasia.

 

 

II

 

Dissemos que, desde há alguns anos, se procede a uma revisão das doutrinas de Karl Marx, doutrinas que servem de base aos programas e declarações de princípios dos modernos partidos socialistas.

 

Essa revisão efectua-se:

 

a) Pela publicação de escritos complementares de Marx e Engels, no sentido de esclarecer a sua doutrina fundamental;

 

b) Pela crítica dos escritores contemporâneos a essa doutrina, modificando-a de harmonia com as observações baseadas numa longa experiência dos acontecimentos de ordem económica e política;

 

c) Pela comparação dos trabalhos de Marx e Engels com os de escritores coevos ou anteriores, no intuito de apreciar a originalidade de algumas das suas obras.

 

Não se trata pois de contrafazer ou desvirtuar uma doutrina mas de a esclarecer, criticar, e julgar do seu valor, fixando num sentido geral a orientação a seguir na luta contra a sociedade capitalista.

 

Naturalmente, neste período de revisão e crítica acentuam-se diversas escolas que entre si discutem, devendo chegar, sem dúvida, o momento em que as discussões se atenuem e a nova fase venha a definir-se.

 

No actual período essas escolas podem classificar-se pela seguinte forma:

 

a) A escola marxista intransigente que não admite modificações, nem mesmo acidentais, na doutrina ou na forma, exigindo que o bloco doutrinário, ainda quando as contradições possam notar-se e resultar com evidência, se conserve intacto, indiscutível como um dogma.

 

b) A escola, também intransigente, que interpreta a doutrina segundo as conveniências políticas, ou segundo os seus preconceitos, e pretende impor a sua interpretação como a única verdadeira.

 

c) A escola que julga tornar-se necessária uma revisão completa da doutrina, de acordo com o exame dos factos, modificando as asperezas de determinadas fórmulas, expondo - sem os desnaturar - os princípios essenciais, aplicando-os conforme as circunstâncias e realizando, em obediência a esses princípios, as conquistas possíveis como preparação de um estado social futuro que resultará duma constante evolução «através de longas lutas e de toda uma série de progressos históricos que transformarão as circunstâncias e os homens».

 

d) A escola dos que exageram a importância das conquistas mínimas, até ao ponto de quase se esquecerem da aspiração final, muito embora não deixem de proclamar a sua intransigência de princípios, sobretudo quando tratam de agredir os outros partidos democráticos.

 

Das várias opiniões doutrinárias resulta que, na acção política, os critérios se manifestam diversamente e, conforme a táctica preconizada em vários grupos, nos aparecem:

 

a) Os que tudo esperam duma catástrofe que subverta a presente organização social, não se preocupando com os resultados que possam obter-se duma acção persistente em vista da realização das reformas possíveis, desdenhando de todo «as preocupações ideológicas».

 

b) Os que igualmente só confiando na «catástrofe» e alegando completa despreocupação a respeito da questão política, se contradizem a cada passo, quando se envolvem na luta política, dando à sua táctica as direcções mais opostas e pretendendo explicar as suas contradições por uma especial e estranha interpretação de princípios que afirmam irredutíveis.

 

c) Os que reconhecendo a interdependência dos fenómenos sociais, actuando como causas e manifestando-se como efeitos, simultaneamente, entendem dever lutar em todas as circunstâncias e, embora atendendo de preferência ao factor económico, intervir activamente, cooperando em todas as obras de carácter pacífico ou revolucionário que tenham como resultado a extensão das conquistas democráticas, e a destruição de privilégios, preconceitos e forças reaccionárias para a realização do objectivo final.

 

d) Os que, opondo-se a toda e qualquer acção revolucionária, afastam essa hipótese para um futuro indeterminado e se confinam em limites estreitamente legalitários, chegando ao ponto de aceitar as transacções mais absurdas e de acatar as instituições políticas mais reaccionárias.

 

Através deste embate de opiniões e diferença de processos, apesar dos ódios pessoais, das vaidades e das aspirações ao predomínio, os princípios essenciais propagam-se, as asperezas da fórmula atenuam-se e, ao passo que o espírito socialista penetra as velhas instituições, por outro lado adapta-se às circunstâncias e não se exime a exercer a sua acção no presente, sob o pretexto de que este difere do futuro anunciado; não se preocupa simplesmente com a aspiração final - o que daria em resultado uma imobilização de forças - mas atende, constantemente, e sem descanso, ao movimento.

 

Do primitivo socialismo sectário resta bem pouco. E não é este um caso novo. Pelo contrário é perfeitamente natural. Já o notava Schérer quando, referindo-se ao hegelianismo, escrevia que «toda a filosofia digna deste nome, se compõe de dois elementos, um transitório outro eterno. Vivendo, desenvolve-se, desenvolvendo-se transforma-se, isto é, abandona os seus elementos inferiores e restringe-se a um certo número de verdades que vão enriquecer o grande património da humanidade. Esta transformação é a sua morte e é, ao mesmo tempo, a sua ressurreição. Unicamente enquanto que a sua essência, o seu espírito, é absorvido pelo espírito universal, o que resta na terra não passa de um esqueleto ressequido.»

 

Mas certas sobrevivências permanecem por muito tempo ainda em alguns homens; esses ficam absortos na contemplação do esqueleto que se vai desfazendo em pó.

 

E, trémulos, intratáveis, apenas respondem com o anátema frio, implacável, dos sacerdotes que vêem profanar um santuário e ouvem duvidar dum dogma, sempre que alguém tenta apontar-lhes a realidade da vida e lhes demonstra que a ideia não pode deixar de manifestar-se pela acção, que é de natureza contingente.

 

E, entretanto, nada mais lógico de que todos aceitarem o princípio de que uma doutrina, constituindo-se em bases sólidas, tem forçosamente que despojar-se de muitas inutilidades. Sobretudo, tratando-se duma doutrina tão complexa como a que tem seu fundamento nos fenómenos sociais, é forçoso confessar que do seu próprio desenvolvimento haveria de resultar, como está resultando, a atenuação do seu carácter sectário, sem daí resultar diminuição no valor dos princípios essenciais.

 

Como quer que seja a verdade é que hoje os irredutíveis, cuja função é aliás necessária, estão limitados a conveniente minoria, e que a evolução do socialismo se opera como era de prever que se operasse. Para confirmação do que dizemos basta um exame rápido. Assim, estudando os antecedentes da actual teoria socialista, vê-se que o socialismo sendo originariamente uma doutrina filosófica, sem grande influência na sociedade, pouco a pouco, desde que um certo número de homens se deixou penetrar pelo seu espírito e pensou em dar-lhe uma realidade prática, se transformou na doutrina duma seita convicta de possuir a verdade. Vê-se então que, nesse momento, os sectários, ardendo numa grande febre de proselitismo, fazem a propaganda apaixonada, intransigente, dos princípios que professam. Agitam os espíritos, arrastam os homens, fixam um pensamento que domina e se impõe; organizam para a luta uma classe e, despreocupando-se do valor das reformas imediatas, isolando-se em um mundo ideal, profetizam a derrocada súbita do «velho mundo social» e propõem a ditadura revolucionária do proletariado, formulando programas impregnados de um espírito filosófico abstracto, e afirmando que eles não podem nem devem realizar-se senão em bloco.

 

A seita socialista pouco a pouco, porém, ao passo que a ideia se propaga, abandona o seu isolamento, generaliza a sua acção disciplinada.

 

Então, como partido político, pelas necessidades da sua adaptação, sente que tem de combinar-se com outras forças sociais. E assim, sem perder de vista o objectivo final, passa a cooperar com todos aqueles que, mais ou menos amplamente, prosseguem num trabalho progressivo facilitando a evolução económica, moral e política da sociedade.

 

O movimento sectário sem dúvida foi indispensável para imprimir carácter ao novo partido, dar-lhe condições próprias de vida, acentuar a sua autonomia. Mas, chegado o período em que a seita socialista se transformou em partido político, esse partido não pode mais isolar-se, abster-se, conservar-se indiferente aos sucessos que se desenrolam e deixar que os outros partidos se degladiem e se combatam sem que ele se pronuncie, intervindo para auxiliar o que represente uma ideia mais progressiva e para, no seu próprio interesse socialista, concorrendo para que essa ideia triunfe, vencer uma nova étape da longa e dolorosa marcha a empreender.

 

Esta concepção racional da actividade política do operariado foi perfeitamente enunciada por Karl Marx nas páginas do livro Revolução e Contra-Revolução na Alemanha. Assim, falando da intervenção da classe operária alemã no momento revolucionário de 1848, Marx justificou essa intervenção embora reconhecendo que o operariado não conquistaria ainda o poder político (8).

 

São claras as suas palavras a tal respeito: «A classe operária tomou parte nesta insurreição, como tomaria parte em qualquer outra que lhe proporcionasse afastar qualquer obstáculo na sua marcha para a conquista do poder político e para a revolução social, ou pelo menos impelisse as classes mais influentes e menos corajosas da sociedade, a seguir um caminho mais resoluto e mais revolucionário do que aquele que até então haviam seguido. Tomando armas, a classe operária sabia perfeitamente que essa luta não era directamente a sua, mas seguiu a única táctica boa para ela, a de não permitir a nenhuma classe que se elevasse à sua custa (como a burguesia em 1848, para consolidar o seu domínio) sem abrir ao menos aos trabalhadores, um largo campo onde lhes fosse possível lutar pelos seus próprios interesses» (B).

 

Semelhante afirmação contradiz, e bem, o parecer daqueles que interpretando estreitamento o princípio da luta de classes - que de resto Marx e Engeis não foram os primeiros a formular e que, pelo contrário, já fora enunciado e justificado por outros escritores franceses e alemães - aconselham a abstenção do proletariado em face dos conflitos entre os partidos burgueses, autorizando-se com uma proposição que o próprio Marx não só não formulou mas combateu.

 

Queremos referir-nos à célebre afirmação, tantas vezes repetida e incessantemente ditada como princípio orientador do partido socialista: - «perante a classe operária todas as outras classes constituem um bloco reaccionário.» Não formulou Marx, repetimos, esta afirmação que se encontra, aliás, na exposição de princípios do programa de Gotha.

 

Escreveu-a, por várias vezes, Fernando Lassalle, organizador do partido que em 1875, ano em que se realizou o primeiro congresso socialista alemão, morto o chefe (1864), ainda dispunha de força política superior à de Marx, Engels, Geib, Auer, Bebei e Liebknecht. E se bem que o programa já fosse em grande parte redigido de acordo com as ideias deste, é certo que algumas concessões foram feitas à doutrina de Lassalle para facilitar a fusão, que realmente se operou, dos dois partidos, o lassaliano e o marxista.

 

Entretanto Karl Marx não se conformou com o programa que veio a ser alterado em 1891, no congresso de Erfurt (9). E como não se conformou, escreveu a Bracke a célebre carta, mais tarde publicada sob o título de Carta sobre o programa de Gotha (10). Aí pode ler-se a refutação do princípio expresso no programa. Karl Marx, comentando, recorda o que escreveu no Manifesto Comunista, e conclui dizendo «que é um absurdo, formar com as classes médias, juntando-as à burguesia e aos feudais, uma mesma massa reaccionária» (C).

 

Havemos de citar, mais de uma vez, em trabalhos subsequentes, esta carta sobre o programa de Gotha, para esclarecer muitos equívocos e, mais desenvolvidamente ainda, citaremos a carta de Frederico Engels sobre o programa de Erfurt.

 

São dois documentos de alta importância e imprescindíveis para a interpretação da doutrina marxista e para a orientação política do proletariado.

 

Por agora basta dizer, que censurando Karl Marx aos autores do Programa de Gotha o haverem afirmado que a burguesia constitui, perante os trabalhadores, «um bloco reaccionário», o seu companheiro Frederico Engels estranha que no programa de Erfurt não se incluisse como princípio do partido socialista, por ser condição imprescindível para o seu triunfo, o da proclamação da República. Semelhante opinião formulada e desenvolvida por Frederico Engels, e recentemente reproduzida, causou e continuará causando surpresa aos reaccionários, que não cessam de afirmar serem os socialistas indiferentes à questão política. Contudo o mesmo Frederico Engels poderia replicar-lhes não compreender a surpresa, recordando-lhes estas palavras, ao que parece, não muito conhecidas:

 

«Há quarenta anos que Marx e eu repetimos à saciedade que, para nós, a República democrática é a única forma política dentro da qual a luta entre a classe operária e a classe capitalista (D) pode, primeiramente generalizar-se, depois atingir o seu fim com a vitória decisiva do proletariado» (E) (11).

 

No decorrer das nossas reflexões chegámos a pormenorizar, talvez excessivamente, o que pretendíamos afirmar, citando algumas passagens dos escritos de Marx e Engels. Não será a primeira vez que tal nos suceda. Tanto é certo que não errámos dizendo que a revisão do marxismo se fazia, em grande parte, pela publicação de trabalhos complementares dos dois grandes escritores socialistas. E tão verdade é que, a cada passo, aliás sem o menor espírito preconcebido, antes involuntariamiente mesmo, porque não nos agradam as diversões, tudo concorre para justificar o que nos propusemos demonstrar: que o socialismo, na realidade, entrou numa fase nova.

 

 

III

 

Prosseguindo.

 

Ainda sobre a evolução do socialismo, Georges Sorel, um antigo marxista que na revista Le Devenir Social tão notáveis estudos publicou, realizando em 1899 urna conferência sobre a Ética do Socialismo distinguiu, no que ele chama a evolução da revolução, três momentos:

 

1.º Uma fase caótica de perturbações e agitações sucessivas, de revoltas espontâneas e desordenadas, contra a organização social burguesa; é a fase da revolução blanquista: o proletariado acredita na eficácia misteriosa do golpe de mão audacioso e na virtude mística das minorias ardentemente revolucionárias; é a infância do movimento proletário, a reacção afectiva dos trabalhadores contra o organismo social burguês, dentro do qual se encontra oprimido e sufocado.

 

2.° Uma fase que pode denominar-se política ou legalitária, na qual o proletariado se constitui como partido político distinto, na esperança de conquistar, legalmente, pelo sufrágio universal, os poderes públicos, transformando-os.

 

É a fase da revolução legalitária; o proletariado espera duma maioria socialista parlamentar, dum estado-maior político, a transformação da ordem social presente numa ordem social comunista; o movimento socialista reveste a aparência dum movimento científico. É o movimento dogmático, do qual, segundo o formalismo abstracto, surge o proletariado organizado no terreno político da luta da classe.

 

3.º Urna fase em que o espírito ético penetra a revolução. A violência não desaparece; mas não constitui o elemento primacial. Reduz-se ao esforço necessário para, sacudindo a velha árvore, fazer cair os ramos que persistam em conservar-se embora quase secos; circunscreve-se ao abalo preciso para agitar a atmosfera renovando-a e purificando-a; limita-se ao esforço requerido pela necessidade de assegurar a vitória a novas instituições. Assim, o acto puramente revolucionário não é mais que a obra de um certo número, antecipando-se à unanimidade que se formará em seguida e que sancionará, garantindo-lhes a vida, as transformações realizadas.

 

Esta é a fase ética do socialismo, aquela em que estamos entrando presentemente.

 

Nessa fase o proletariado interessa-se mais pelas instituições que pelo próprio esforço pode criar, do que pelo dogmatismo. Desde que realize, pelo exercício dos seus direitos políticos, a conquista de instituições democráticas, ele trata mais de organizar do que de destruir. Passa a esboçar organizações que mais tarde virão a completar-se pelo seu desenvolvimento progressivo.

 

Este movimento, que se caracteriza pelo abandono da utopia de uma vida absolutamente perfeita e leva a pensar na melhor maneira de realizar as condições de uma vida tolerável e animada de um espírito novo, acentua-se a cada passo.

 

Depois da ideia da revolta puramente afectiva, depois da organização rígida, fundada no culto de princípios abstractos, o proletariado, realizando uma síntese racional, transpõe, sem repudiar os princípios essenciais, os dois períodos anteriores, e procura utilizar em seu proveito tudo quanto concorra para a fundação da sociedade nova.

 

A evolução do socialismo está, no estudo que procuramos resumir (F), perfeitamente caracterizada. Mas, para evitar equívocos, julgamos conveniente acentuar que as características dos dois primeiros momentos hão-de manifestar-se, ainda várias vezes, embora sob um aspecto mais amplo. Não há dúvida que se produzirão movimentos revolucionários parciais, como não há dúvida que a classe operária tomará parte em movimentos revolucionários nacionais.

 

Por outro lado o princípio da luta de classes há-de actuar, embora não permanentemente, mas em dados momentos, imprimindo carácter aos movimentos revolucionários.

 

Não vamos supor que a fase positiva anunciada por Georges Sorel será uma fase tranquila. Nesse período o proletariado aproveitar-se-á de todos os germens, duma sociedade nova. Ora, para essa nova sociedade se realizar ainda se hão-de produzir revoluções que nunca serão, pelo menos até um período muito distante, exclusivamente feitas pelo proletariado, mas nas quais há-de intervir a comunidade dos cidadãos de um determinado país.

 

Não está encerrada a era das revoluções chamadas políticas, corno se diz para as distinguir da revolução-tipo anunciada como sendo «a revolução social».

 

Nem nos países latinos, nem nos países germânicos, ou eslavos, nem mesmo nos países anglo-saxónicos, onde erradamente se julga haver-se encerrado para sempre o período das revoluções políticas, elas deixarão, segundo todas as probabilidades, de produzir-se.

 

O próprio facto de o partido socialista entrar numa fase que exclui todo o isolamento dogmático é indício de que, dispondo-se a intervir em todos os acontecimentos, há-de cooperar com outros partidos ou levá-los a realizarem transformações políticas. E, a mesma força do partido socialista, é indício também de que ele necessita de que essas revoluções se realizem para melhor exercer, num estado novo, a sua acção.

 

Parecem-nos convenientes estas reflexões, para que não se perca a serenidade e firmeza do critério tão necessárias na apreciação dos acontecimentos que se produzem nas sociedades políticas actuais. Aliás podia chegar-se ao absurdo duma fé exagerada na infalibilidade do legalitarismo, como se havia chegado à formação da crença, igualmente absurda, daqueles que absorvidos na concepção dum princípio abstracto, unilinear e estreito, nada esperavam dos progressos parciais mas tudo fiavam da misteriosa revolução, que tudo havia de destruir e reedificar nos três dias do Evangelho.

 

Que o actual momento seja confuso ninguém o desconhece. Que o socialismo, como expressão do princípio político de partidos, sofra uma grave perturbação, é evidente. Que, todavia, dentro do socialismo urna transformação profunda se opere, também não há que negá-lo.

 

Na ordem política, a indiferença pelas formas de governo, vai constantemente desaparecendo em todos os partidos socialistas. Assim já não é possível que um partido socialista deixe de confessar-se republicano e possa escusar-se a reconhecer que, anteriormente à República Social, há-de fundar-se a República Democrática, mais ou menos burguesa, o que não depende da vontade dos partidos, mas de circunstâncias de ordem política, económica e moral que os mesmos partidos não podem eliminar, embora as possam - e é sobretudo esse o seu papel constante - modificar.

 

Numa palavra, reconhece-se que a revolução da qual, segundo o critério de Marx e Engels, sugestionados pelo exemplo da ditadura do povo de 1793, há-de surgir a ditadura impessoal do proletariado, - a admitir a verosimilhança desta hipótese - terá de ser precedida de algumas revoluções, em largos períodos, nas quais o proletariado tomará parte sem contudo os resultados do seu esforço conduzirem ao seu triunfo como classe.

 

Na ordem económica - e pretendemos referir-nos não à acção exterior do proletariado sobre a sociedade capitalista conquistando novas garantias, mas à sua vida e organização interna - o socialismo preocupa-se com a criação de instituições sólidas e práticas, tendendo a dar aos trabalhadores a consciência dos seus direitos, e a aumentar a sua capacidade, preparando a sua educação física, intelectual e moral. Assim se organizam e multiplicam os sindicatos profissionais, as sociedades de socorro mútuo, as cooperativas, as universidades populares. Assim, de dia para dia, a classe operária conquista, parcialmente, os elementos indispensáveis à sua emancipação.

 

Sem a organização económica derivada desse trabalho e do desenvolvimento das instituições que acima indicamos, todo o esforço do proletariado para conquistar o poder político seria inútil e a conquista provisória desse poder, nefasta.

 

É o que, sensatamente, observa um dos mais esclarecidos publicistas do socialismo francês Hubert Lagardelle: «Enquanto o proletariado não for, no seu conjunto, capaz da direcção social dos meios de produção, isto é, enquanto ele não estiver organizado economicamente, todo o triunfo político seria não somente vão mas nefasto» (G).

 

É pois um trabalho necessário e indispensável o que indicamos. E de consequências profundas. É a preparação duma obra cujo terreno está bem mais longe, todavia, de alcançar-se, do que o supunham aqueles que, cegamente aceitando a teoria da concentração capitalista e da proletarização crescente, anunciavam, até fixando o ano em que ele se produziria, a crise suprema, a grande catástrofe, o terramoto que alterando todas as leis da evolução subverteria num momento, e em todo o mundo, a sociedade capitalista, substituindo-lhe como por encanto a sociedade comunista.

 

Se constitui uma ilusão cuidar que o regime do salário é permanente e não transitório, se é um erro funesto imaginar que a revolta não há-de ser legitimada muitas vezes pelo protesto contra a injustiça e contra a iniquidade, se é criminoso propagar que o senhor da terra ou o senhor da indústria hão-de sempre fazer curvar, resignado à sua sorte, o proletário, não menos funesto será iludir os trabalhadores, dizendo-lhes que a nova sociedade se fundará de súbito, e que a revolução de classe triunfante é um facto inevitável dentro de pouco tempo. Decerto, para criar entusiasmo e dar a clara compreensão das aspirações a realizar, as fórmulas simples, e no seu simplismo sedutoras, são um elemento de propaganda e de organização. Decerto que, excitar a imaginação e elevar os espíritos ao conceito de um nobre e grande ideal futuro, é obra de intuitos generosos. Mas chega-se a um momento em que a realidade dos factos brutalmente desvanece as mais belas ilusões. E para esse momento é que se requer uma perfeita conciência das realidades da vida a fim de que, conformemente, se proceda. Para que uma perturbação profunda não se produza nos espíritos, para que não se perca a noção do que seja a evolução necessária dos acontecimentos, segundo o dizer de Engels.

 

É por isso que para nós, têm um alto valor estas palavras de Karl Marx no manifesto da Internacional sobre a Comuna de Paris:

 

«Os trabalhadores não esperavam milagres da Comuna. Eles não têm utopias preparadas para aplicar, imediatamente, por decreto do povo. Eles sabem perfeitamente que, para realizar a sua própria emancipação, e ao mesmo tempo a forma mais nobre para a qual a sociedade actual se dirige pelas suas próprias forças económicas, terão que atravessar longas lutas e toda uma série de progressos históricos, que transformarão as circunstâncias e os homens» (H).

 

Eis, depois de tantos anos de luta, ao cabo de tantas revoluções anunciadas e não realizadas, ao fim de tantas previsões que falharam, conforme o reconheceu, como se verá, Frederico Engels, o que nos vem dizer Karl Marx, em cujo nome alguns pretendidos marxistas proferem tantas heresias. E, contudo, estas palavras não contradizem o carácter geral da obra de Marx, cujo espírito é necessário procurar através de grande soma de contradições e deficiências, que os factos concorrem para suprir, e de exageros que os mesmos factos se encarregam de reduzir às proporções devidas.

 

E já agora, reproduzindo as palavras de Marx, não nos esqueçamos de recordar que as palavras de Karl Kautsky, na moção aprovada no congresso internacional socialista realizado em Paris no ano de 1900, concordam plenamente com as do primeiro, escritas em 1871.

 

E recordemo-las porque, o dr. Karl Kautsky, passa, perante a social-democracia, como sendo hoje na Alemanha o mais autorizado intérprete e o mais sábio comentador da doutrina de Marx. Embora, diga-se de passagem, não lhe valesse esse título bem legítimo para ser poupado à crítica do delegado francês Vaillant, que amargamente, votada a moção, o acusou de capitular perante Bernstein.

 

Bernstein! É este homem, autor dos mais notáveis trabalhos nestes últimos anos publicados sobre a revisão da doutrina de Marx, a bête-noire de todos aqueles que, profissionais da revolução ou cultores do dogma, não consentem que dos factos se conclua com simplicidade o que se mostra evidente e verdadeiro.

 

Capitular perante Bernstein, eis um crime imperdoável! Tê-lo combatido, manter as suas opiniões - porque Karl Kautsky insiste em contradizer Bernstein - mas não atingir os limites do extremo sectarismo é para os intransigentes do marxismo francês um crime. E todavia esse crime consiste em repetir, por outras palavras, o pensamento do próprio Marx.

 

Veja-se como, na realidade, as palavras da moção correspondem às palavras que de Marx mais acima reproduzimos:

 

«Num estado democrático moderno, a conquista do poder político pelo proletariado não pode efectuar-se de súbito mas antes será consequência dum longo e penoso trabalho de organização proletária, no terreno económico e político, da regeneração física e moral da classe operária e da conquista gradual das municipalidades e das assembleias legislativas».

 

O que significa esta expressão Estado democrático moderno? Evidentemente o Estado dentro do qual os poderes não estejam centralizados, onde somente o único poder seja o do povo, o que realize a verdadeira democracia política, definida por um publicista como sendo o sufrágio universal em permanência. Poderá ser esse estado a monarquia?

 

Evidentemente não.

 

Prossegue a moção de Kautsky: «Mas nos países onde o poder governamental está centralizado, esse poder não pode ser conquistado fragmentariamente».

 

Nesses países o partido socialista, quando realizar a revolução, conquistará por completo o poder político? E realizará o seu programa?

 

Suponhamos que na Alemanha, depois de uma guerra, de uma grande crise, surge a revolução que determina a queda do império e que o partido socialista ocupa o poder. O proletariado terá por tal facto realizado imediatamente a conquista do poder político? E, se realizou essa conquista, porá em prática o seu programa?

 

Mas qual dos programas? O máximo ou o mínimo?

 

Eis a questão.

 

O máximo, digamo-lo desde já, sem receio de que os factos nos desmintam, nem temendo que as estatísticas, as teorias, as citações e as profecias nos contradigam: não a realizariam. Porque, afirmar a possibilidade da sua realização, seria querer contestar a realidade dos factos económicos cuja marcha poderia ser superficialmente modificada, mas que na essência não sofreria alteração profunda que conduzisse a uma transformação, em curto lapso, da sociedade capitalista em sociedade colectivista. Seria contradizer as próprias previsões que a doutrina marxista autoriza.

 

Diga-se o que se disser a tal respeito, são profundamente verdadeiras as palavras de Bernstein publicadas na revista oficial do partido socialista alemão: «Se por um levantamento em massa, o partido socialista alemão fosse levado ao poder, encontrar-se-ia face a face com um problema insolúvel. Não poderia decretar a supressão do capitalismo; não poderia mesmo prescindir dele, e por outro lado não poderia dar-lhe as garantias de que ele carece para desempenhar as suas funções. O partido socialista esgotar-se-ia fatalmente em contradições e o fim de tudo poderia ser um desastre colossal.

 

«Eis-nos a cinquenta anos de distância da revolução de Fevereiro em França; seria para desejar que, recordando as gloriosas jornadas populares e os vergonhosos crimes da reacção, se recordassem também os ensinamentos desse ano, desde o entusiasmo de 24 de Fevereiro até ao drama de 24 de Junho, considerados sem declamações melodramáticas. As dificuldades do governo provisório em 1848, por maiores que tenham sido, nada seriam comparadas com as dificuldades em que o partido socialista haveria de tropeçar, se uma crise económica universal o levasse ao poder num momento em que a constituição da sociedade fosse ainda análoga à que hoje constatamos» (I).

 

Não citamos estas palavras para opormos um argumento de autoridade a quem contradizer quisesse, no caso de merecer o nosso trabalho o favor e estímulo duma discussão, o que mais acima afirmámos. É, somente, para opormos aos exageros da fase hiper-revolucionária uma reflexão de simples mas profundo bom senso.

 

Que programa realizaria então o partido socialista da Alemanha? O seu programa mínimo. O programa de Erfurt certamente modificado no sentido que Frederico Engels indicava, isto é, incluindo como condição essencial a proclamação da República.

 

A não ser que, os socialistas alemães, viessem a aceitar a antiga opinião de Liebknecht o qual chegou a admitir, na própria Alemanha, a conquista parcial dos poderes políticos, e não rejeitou a hipótese da entrada de um ministro socialista num ministério do imperador.

 

Pelo menos é o que se lê no extracto dum trabalho inédito encontrado nos seus papéis, e após a sua morte, reproduzido no Vorwärts e transcrito em um dos muitos e notáveis artigos que Jean Jaurés recentemente publicou em volume (J) (12).

 

Deixando as divagações. A essência da moção de Karl Kautsky é, em última análise, a essência das palavras de Karl Marx. Não será apenas obra de uma revolução milagrosa, rápida como a substituição dum cenário, a transformação radical do presente modo de ser económico.

 

Uma organização complicada e resistente como a que derivou da nova fase industrialista, ou para usarmos do vocabulário marxista, a complexa organização social determinada pela forma de produção capitalista, não se altera de vez nem mesmo se extingue sob os golpes de grandes crises.

 

Demos o devido valor à palavra evolução porque algum valor têm, naturalmente, as transformações políticas realizadas pelos partidos democráticos e as revoluções levadas a cabo por um povo cujas classes, até determinado momento, cooperam numa obra comum revolucioniariamente.

 

Acima dos sofismas e dos votos solenes; superiores às demonstrações teóricas exageradas, se bem que à primeira vista aparentando o mais lógico rigor; prevalecendo sobre as perfídias dos partidos reaccionários cuja táctica tem consistido em separar, tornando-os inimigos, os partidos democráticos; vemos os acontecimentos e os factos reflectindo a transformação que se opera no modo de actuar dos partidos socialistas, conscientes e organizados, na Alemanha como na França, na Itália como na Bélgica. Esta é a verdade.

 

E tem de ser assim porque, digamo-lo, ainda nenhum partido democrático representa hoje a unanimidade das opiniões e sentimentos dos povos, e é a vontade destes, fora da estreita disciplina dos quadros partidários, a que prevalece ainda.

 

É por isso que o povo, quando se decide a proceder, não distingue entre escolas democráticas. Leva a revolução, conforme o temperamento e a aspiração das classes, por um caminho diverso daquele que os programas indicam.

 

É um grande mar que destrói os diques e inunda tudo no primeiro momento. Depois a onda revolucionária reflui, aplaca-se a tormenta, e as conquistas proclamadas nos mais luminosos e desenvolvidos programas encerram-se em limites muito aquém daqueles que eram previstos e que determinaram a acção. Serenada a agitação entra-se no trabalho de legalizar o que a revolução produziu e um novo período se fixa na história. Mas a criação de uma nova ordem de coisas torna possíveis futuras conquistas e é ao mesmo tempo o gérmen de outra revolução a realizar. E assim as sociedades evolucionam, «atravessando longas lutas e toda urna série de processos históricos, que transformarão as circunstâncias e os homens», sempre na aspiração constante de que finalmente se inaugura uma tranquila era de Justiça. É a evolução revolucionária realizando-se, segundo a concepção de Frederico Engels, ainda uma vez de acordo com o seu companheiro de nobres trabalhos intelectuais e fecunda de renovadora crítica.

 

 

IV

 

Prosseguindo nas nossas apreciações julgamos conveniente explicar - pois que é fértil em ciladas a má fé - que de maneira alguma pretendemos negar «o conjunto crescente e cada vez mais sistematizado, de ideias, sentimentos e aspirações, tendentes a assegurar a todos os homens a possibilidade de trabalhar e de prover às suas necessidades razoáveis e a tornar mais equitativas do que actualmente as relações entre os indivíduos, suprimindo os monopólios, a usura, todas as formas de exploração do homem pelo homem, atenuando quanto possível as lutas e favorecendo a solidariedade social». Esse conjunto de aspirações, ideias e sentimentos, que no dizer de Merlino constitui o socialismo, existe na realidade, sistematiza-se, impõe-se e actua constantemente.

 

Assim o reconhecemos participando dessas aspirações, ideias e sentimentos. Mas, como o escritor citado, entendemos que no socialismo é necessário distinguir entre a aspiração ao bem-estar geral, à igualdade de condições e à sistematização das relações sociais - que é a parte fundamental e indestrutível - e o corpo de doutrinas económicas, políticas, filosóficas e morais apresentado para justificar e sustentar aquela aspiração (K).

 

Essa distinção é necessária porque nem sempre as doutrinas correspondem aos factos. E, daí, o reconhecimento da indispensável revisão das mesmas doutrinas e da correspondente modificação da táctica política. Errando, porém, por ignorância, uns, ou por má fé e vaidade, propositadamente mentindo, outros, acodem clamando que se nega a justiça das aspirações socialistas sempre que das doutrinas se faz a crítica e se aconselham novos processos de luta. E, entretanto, Merlino, demonstrando a inaplicabilidade do colectivismo, não deixa de propor um novo plano de organização social reconhecendo as injustiças do presente; Bernstein, refutando quase todos os postulados do marxismo, e embora rejeitando a hipótese duma transformação social absoluta, não deixa de afirmar o credo socialista; Van Koll negando-se a aceitar como verdadeiras, certas afirmações de Marx; Graziadei combatendo com outros a teoria do valor como a apresenta o Capital; Tcherksoff e Cornellissen duvidando da realização da lei da concentração capitalista; Sorel negando a teoria da grande crise (l'écroulemet final); Labriola restringindo o alcance da concepção materialista da história; nenhum destes escritores, doutrinários ou militantes, abandona o socialismo (13). Nem o abandonou Vandervelde quando numa célebre conferência, depois reproduzida e publicada largamente (L), negou a lei de bronze dos salários, a absoluta e rápida concentração capitalista, afirmando ao mesmo tempo «não crer na iminência duma revolução social que substitua a ditadura do proletariado ao domínio da classe burguesa».

 

Assim também o que nós queremos é que se atenda conscienciosamente aos factos e que se esclareçam equívocos funestos. Que haja dos princípios socialistas uma noção clara e não continue havendo, como Sorel observa com tanto espírito e critério, dois socialismos, como há dois catolicismos, um para os homens instruídos, outro para os simples. O que desejamos é que o simplismo das fórmulas não sirva a inutilizar o movimento - em todas as necessárias e graduais manifestações - sacrificando tudo, pela falta de acção, ou por uma acção que contrarie e prejudique a aspiração final. Porque se não aceitamos, interpretando-a estreitamente, a proposição de Bernstein - o movimento é tudo e a aspiração final nada importa, não podemos admitir, por outro lado, a afirmação absoluta em contrário, de Rosa Luxemburgo, no congresso de Stuttgart - a aspiração final é tudo, o movimento nada vale.

 

No meio termo, justamente, encontrou Liebknecht a verdade, replicando que uma e outra afirmação eram falsas. A primeira porque movimento sem aspiração seria apenas uma abalada para o combate sem plano e sem razão, a segunda porque seria impossível conceber que se realizasse a aspiração final sem o movimento.

 

Assim pensamos. E, nessa orientação, perguntamos a propósito:

 

Em que condições efectuar o movimento?

 

Como preparar o futuro?

 

Recusando participar de todos os actos políticos logo que não revistam um carácter puramente de luta de classe?

 

Afirmando que o factor económico é o único determinante de todos os acontecimentos?

 

Negando a importância dos factores de ordem política, moral, jurídica, religiosa e filosófica?

 

Clamando que fora do critério histórico pretendidamente marxista todos os mais são falsos?

 

Procurando, inutilmente é certo, evitar «que um país passe pelas étapes historicamente necessárias da sua evolução»?

 

Mas isto nunca se lembraram de afirmar nem Karl Marx, nem Frederico Engels, nem Liebknecht, e muito menos aqueles que no congresso internacional de Paris em 1900, aprovaram a moção de Karl Kautsky, depois de haverem aprovado as decisões - de que todavia nem todos parecem recordar-se - do Congresso de Londres de 1896.

 

Certo é que os homens de pensamento e de acção da democracia socialista nunca afirmaram, ou se afirmaram reconheceram depois haver errado, o que se propaga tantas vezes como sendo a verdadeira doutrina e se aconselha como a última palavra de táctica política.

 

Dessas afirmações absurdas é que nascem, por sua vez, os absurdos em contrário da corrente reformista ultra-pacífica, recentemente afirmados na Itália por um homem, aliás de raro valor, como é Filippo Turati (M).

 

Encontramo-nos, positivamente, num período de confusionisrno que entretanto nos anuncia a fixação dum critério novo, aliás acentuando-se desde há muitos anos, e que há-de prevalecer sobre todos os exageros, - sobre os exageros dos revolucionários à outrance e sobre os exageros pacíficos dos reformistas não menos outranciers.

 

Essa corrente é a que nós temos vindo estudando e que, através de tudo, se afirma a cada passo determinando uma revisão de doutrina e uma alteração de táctica. Não diminuindo o valor do socialismo crítico reconhece a necessidade indispensável de, a social-democracia, a nenhum movimento – embora não seja exclusivo da classe operária - conservar-se estranha ou indiferente.

 

A acção socialista não pode restringir-se. Tem de ampliar-se. E nesse movimento, crescente, aumentando em extensão, terá que diminuir de intensidade, não para abdicar mas para, concorrendo com outras forças da democracia, determinar sucessivas transformações no terreno político, as quais, por seu turno, influindo ou sofrendo a influência de transformações económicas, darão origem a novas e fecundas reformas em favor do progresso social.

 

A compreensão destas verdades veio trazer aos espíritos uma outra orientação, e determinou - insistamos na expressão - a nova fase do socialismo. De há muitos anos que se anunciava. Não surgiu da grande crise que se reflectiu em todos os partidos democráticos e que os acontecimentos ocorridos desde 1899 originaram em França. Esses acontecimentos vieram apenas justificar as opiniões e o proceder daqueles que muito antes, - Benoit Malon, por exemplo, - falavam a linguagem da justiça e ao mesmo tempo a linguagem do bom senso, inspirando-se na observação reflectida dos factos, e não se alucinando com a embriagante sedução das frases.

 

A Consulta Internacional, a Revolução-Kautsky, as decisões e debates dos congressos de Paris, Lyon e Roma, dos congressos de Stuttgart, Hannover, Moguncia e Lubeck, a controvérsia Kautsky-Bernstein e a discussão Guesde-Jaurés, são de importância indiscutível, mas tiveram precedentes em afirmações anteriores e foram a consequência de um estado de espírito que já no congresso de Londres se manifestara poderosamente (14).

 

Esse congresso, um dos mais importantes da Social-Democracia, foi precedido de muitos outros.

 

A resenha histórica vem a propósito.

 

É sabido que os delegados operários de vários países, reunidos em Londres, em 1864, fundaram a Associação Internacional dos Trabalhadores cujos estatutos foram redigidos por Karl Marx. Quem ler o manifesto, ou declaração de princípios, da Internacional, facilmente verá que o espírito francês, revolucionário e idealista, de certa maneira se impôs atenuando nessa declaração o critério rígido, unilinear, materialista, que se notava no Manifesto Comunista, cujas previsões de resto, mais tarde, os próprios autores reconheceram não haverem sido, em parte, como o esperavam, confirmadas pelos factos.

 

Os delegados reunidos em Londres decidiram a convocação dum congresso internacional dos trabalhadores, em Genebra, na Suíça.

 

Foi esse, de facto, o primeiro dos congressos internacionais socialistas até hoje realizados, como se vê da relação que segue:

 

1.º Genebra (1866). 2.º Lausanne (1867). 3.° Bruxelas (1868). 4.º Basileia (1869). 5.º Haia (1872). 6.º Genebra (1874). 7.º Bruxelas (1875). 8.º Berna (1876). 9.º Verviers (1877). 10.º Paris (1889). 11.º Bruxelas (1891). 12.º Zurique (1893). 13.º Londres (1896). 14.º Paris (1900).

 

O resumo das decisões desses congressos, com o respectivo comentário, será discutido em outra brochura (N) na qual se fará uma exposição dos princípios marxistas, indispensável para compreensão de outros trabalhos que desejamos dar à estampa. Contudo, agora, não queremos deixar de acentuar a significação do que se passou no congresso de Londres.

 

Este congresso, cujas decisões resumem, até certo ponto, mais ou menos a doutrina dos programas mínimos de vários partidos socialistas, baseados no programa de Erfurt, terminou pela aprovação do documento seguinte:

 

«A mesa do congresso fica incumbida de redigir os convites para o próximo congresso dirigindo-se unicamente:

 

1.º Aos representantes dos grupos que procuram substituir a propriedade e a produção capitalista pela propriedade e produção socialista e que consideram a acção legislativa e parlamentar como um dos meios necessários para a consecução desse fim.

 

2° Às organizações puramente corporativas que, embora não figurando na política militante, declarem reconhecer a necessidade de acção legislativa e parlamentar. Por consequência os anarquistas são excluídos» (O).

 

Não vem agora para aqui apreciar o espírito de intolerância manifestada para com os socialistas, qualquer que fosse a designação que adoptassem, inimigos ou descrentes da acção legislativa e parlamentar. Vem apenas o lembrarmos que esta resolução do congresso de Londres, apresentada por Liebknecht, confirma tudo quanto temos escrito e explica sucessos posteriores. A acção legislativa e parlamentar, em 1896, foi considerada pelos representantes do proletariado universal como um dos meios necessários para a realização das aspirações da Social-Democracia. Pensaram sempre assim os socialistas, sobretudo os alemães? Não pensaram.

 

A começar pelo próprio Liebknecht que, autor da proposta apresentada no congresso de Londres, em 1896, na célebre brochura citada entre outros, por Jaurés e Domela Niewenhuis (P) havia escrito contra o parlamentarismo e contra a acção legislativa, estas palavras:

 

«Os nossos discursos (no parlamento) não podem ter nenhuma influência directa sobre a legislação. Não converteremos o parlamento por meio de palavras. Falando da tribuna parlamentar não podemos proclamar, perante o povo, verdades que não possamos divulgar melhor, e por outra forma.

 

«Que utilidade prática oferecem então os discursos no parlamento? Nenhuma. E falar sem nenhum fim pode satisfazer apenas os imbecis. Nenhuma vantagem pois. E, por outro lado, vejamos as desvantagens:

 

«Sacrifício dos princípios; rebaixamento da luta política séria a uma escaramuça parlamentar, convencendo o povo de que o parlamento bisrnarckiano pode resolver a questão social.

 

«E por motivos práticos deveríamos ocupar-nos do parlamento?

 

«Somente a cegueira ou a traição a tal nos poderiam obrigar».

 

Vinte e sete anos depois a experiência dos factos havia levado Liebknecht a considerar necessária para o socialismo a acção legislativa e parlamentar. Já então os acontecimentos forçavam o socialismo a entrar numa nova fase, e a proposta votada em Londres, em 1896, estava de acordo com as palavras que Frederico Engels em 1895, pouco antes da sua morte (Q) escrevera:

 

«Com o emprego do sufrágio universal tão rico em resultados, um novo método se desenvolveu rapidamente. Viu-se que as organizações políticas onde se exerce o domínio da burguesia oferecem à classe operária largas ensanchas para combater essas instituições. Começou-se pelas eleições que se realizaram para os concelhos municipais e para as jurisdições industriais; disputou-se cada posto à burguesia sempre que urna fracção suficiente do partido operário podia tomar parte na luta. E assim sucedeu que a burguesia e o governo passaram a recear mais urna acção legal do que uma acção ilegal do partido operário e a temer ainda mais as consequencias do voto do que as de rebelião.»

 

«... mesmo em França, os socialistas compreendem cada vez mais que nenhuma vitória duradoira é possível enquanto não se conquistar a grande massa do povo, o que neste país significa os trabalhadores e pequenos proprietários rurais.

 

«O trabalho lento da propaganda e da acção parlamentar também são reconhecidos na França como dever mais imediato do partido» (11).

 

De resto, à semelhança de Engels, também Liebknecht já em 1891 no congresso de Erfurt (R) se havia manifestado corno no congresso de Londres. Assim dizia ele: - «Como conquistamos nós o nosso poder na Alemanha? Precisamente porque, desde o princípio em vez de nos considerarmos habitando nas nuvens ou despreocupando-nos de coisas práticas, pelo contrário, trabalhámos sempre praticamente pelo bem da classe operária, nas comunas, no Landstag, no Reichstag, utilizando todas as armas que tínhamos à nossa disposição. Não fizemos como aquele inglês que só queria lavar-se tendo ao seu dispor toda a água do mar e por isso acabou por não se lavar. A revolução não está nos meios mas no fim. A violência é desde séculos um factor reaccionário.»

 

Seja-nos permitido notar o exagero de Liebknecht afirmando que a força é desde séculos um factor reaccionário. Tal exagero é flagrante por parte do homem que em 1848 combateu nas barricadas e, ainda perante o conselho de guerra a que foi submetido depois da vitória da Prússia sobre a França, recordava com orgulho ser um republicano, um velho soldado da revolução que por ela se bateu como tantos outros. É manifesto o contrassenso por parte dum homem que não podia ignorar o valor da força como um instrumento revolucionário, em 1789 e 1792, para a destruição da velha sociedade feudal e monárquica. Decerto a força não pode ser um factor permanente da revolução, mas um factor necessário em determinados momentos de conflito entre uma sociedade que insiste em imobilizar-se e uma sociedade que tem de avançar. Sem dúvida, nas sociedades democráticas, a transformação das suas instituições em sentido progressivo pode realizar-se mais pacificamente, mas estados democráticos raros são os que existem, e a maioria dos estados não democráticos somente pela revolução armada virão a transformar-se. De resto Liebknecht não devia ter esquecido quantas verdades a esse respeito podem ler-se nas obras de Marx, tais como A Revolução e a contra-revolução na Alemanha, A Guerra Civil em França, etc.. A força é um factor reaccionário nos golpes de estado em favor do autoritarismo; mas terá de ser ainda muitas vezes um factor necessário para as transformações políticas que urge realizar a fim de que se entre num regime de verdadeira democracia onde nenhum predomínio de classe ou casta privilegiada possa neutralizar as manifestações do sufrágio universal. Mas, descontando o que há de excessivo nas afirmações ultra-legalitárias de Liebknecht, provocadas talvez pelo exagero das declamações hiper-revolucionárias dos que supõem ser possível a transformação, em bloco, duma sociedade, convém notar a evolução, que o socialismo operou na sua táctica, em virtude certamente do exame reflectido de proposições interpretadas tantas vezes com mais entusiasmo do que serena ponderação. E já agora, para bem acentuarmos o espírito novo do socialismo, reproduzamos também a opinião do blanquista Vaillant que, não renegando a tradição revolucionária, vem explicar-nos com um admirável bom senso a evolução do socialismo, nestas palavras pronunciadas em 10 de Junho de 1901 no parlamento francês:

 

«Na sociedade tal como presentemente começa a manifestar-se na França republicana, vê-se que a democracia penetrou pouco a pouco o Estado capitalista e nele se infiltrou suficientemente de forma a dar-nos os primeiros lineamentos das instituições futuras.»

 

Evidentemente, Vaillant, reconhece nestas palavras a importância das reformas e da acção legislativa e parlamentar, mas dentro da sociedade democrática.

 

De tudo o que temos reproduzido ou afirmado se vê que o critério socialista acerca da importância das reformas se tem modificado consideravelmente. No princípio os socialistas, formulando o seu programa de reformas, consideraram-no apenas como um instrumento de agitação; partindo da hipótese de que no regime capitalista elas seriam irrealizáveis, tornavam portanto, inevitável o recurso à violência revolucionária. Depois, como algumas reformas fossem realizadas, o partido socialista aceitou entrar na luta legislativa e parlamentar, para obter novas reformas, considerando estas como necessárias à educação e ao bem estar físico, intelectual e moral dos trabalhadores e ainda como instrumento de revolta. A seguir - e é precisamente a fase actual, a nova fase - viu-se, e as palavras de Vaillant o confirmam, que um sistema de reformas alcança mais longe e, num Estado democrático, prepara a transformação futura, lançando as bases, esboçando a organização da nova sociedade. Assim, a indiferença dos socialistas pela forma política dos estados desaparece e, na lógica dos princípios da evolução revolucionária, eles reconhecem a necessidade de fundar o estado democrático, aceitando a doutrina de Karl Kautsky - a doutrina, de resto, de todos os socialistas conscientes, de que somente sobre a base duma república democrática se pode fundar uma república social.

 

As resoluções dos congresso de Londres e de Paris, não obedecem, no primeiro, a estritas convenções de partidarismo político, no segundo, a definir, por uma transacção, a hipótese táctica, e por enquanto rara, da entrada dum socialista num ministério burguês. Que essa hipótese tivesse sido, e não o foi, rejeitada in limine no congresso de 1900, que as organizações socialistas da França reneguem toda a solidariedade com Millerand, que o combatam violentamente, nada disso modifica a essência dos factos, nem altera o carácter dum período histórico fundamental na evolução do socialismo. Através de tudo permanece a conquista duma grande verdade, acentua-se uma nova orientação; e se os estados democráticos evoluem num sentido mais progressivo e o socialismo reivindica para si o ter forçado essa evolução, ele vê-se também na necessidade de reconhecer, por isso mesmo, que os estados democráticos são logicamente susceptíveis de progresso e constituem uma base, um instrumento necessário, imprescindível, de futuras conquistas. Eis a verdade superior a todos os sofismas e a certos acontecimentos, só na aparência contraditórios com a mesma verdade, pelo motivo de, quem os estuda, vivendo dentro deles e deixando-se impressionar pelo que é puramente acessório, não possuir a serenidade bastante para bem distinguir o que é fundamental.

 

 

V

 

A característica essencial da nova fase do socialismo, definida como vimos por Georges Sorel, encontra-se na moção de Karl Kautsky votada no congresso de Paris (1900), moção que, em última análise, está de acordo com as palavras de Marx por nós anteriormente citadas e que não diverge das opiniões emitidas por Frederico Engels e Liebknecht. Não pronunciou pois uma frase de efeito mas disse a verdade Vandervelde quando, ao comentar a moção Kautsky, afirmou que ela constituía uma sábia consulta dada ao socialismo internacional (S).

 

E se bem que Enrico Ferri e Jules Guesde se esforçassem, com a sua penetrante dialéctica, por evitar que essa moção fosse aprovada, eles não conseguiram que uma enorme e esmagadora maioria deixasse de consagrar as opiniões daquele que é hoje na Alemanha o mais profundo e consciencioso intérprete das doutrinas marxistas. O comentário à resolução de capital importância, votada no congresso de Paris, fizeram-no Anseele, o grande organizador do cooperativismo belga, e Auer, hoje indiscutivelmente a mais lúcida inteligência de político da social democracia alemã.

 

Anseele, cujo esforço de organização cooperativista é fruto dum generoso espírito, iluminado pela mais ardente fé e movido pelos mais nobres intuitos, Anseele que tem lutado e sofrido como poucos, sincero e simples como a verdade, intervindo na discussão, falou assim (T):

 

«Considero-me bastante feliz por ver que o socialismo internacional teve a coragem de proclamar perante o mundo inteiro que o triunfo para a classe operária será resultado de uma obra lenta, longa e penosa!

 

«... O congresso rompe com o passado. Podia julgar-se até hoje que nós éramos como a Igreja que prega: «Crê em Deus que o resto o alcançarás no céu»; podia julgar-se que nós éramos como a burguesia que diz: «Crê na liberdade que o mais ser-te-á dado depois como acréscimo». Afinal estavamos procedendo da mesma forma, clamando: «Crê na Revolução que o mais virá em seguida...»

 

E, continuando sempre no mesmo tom, o grande cooperativista de Gand, para que não restem dúvidas sobre a sua fidelidade aos princípios socialistas, diz:

 

«Sob o ponto de vista da teoria eu sou tão rigoroso como Guesde, de quem sou discípulo.»

 

«Porém... é necessário pensar na maneira prática de fazer penetrar a teoria no cérebro do proletariado. Não basta escrever uma bela brochura; para que ela seja útil é necessário que o trabalhador a possa ler. Mas para a ler falta-lhe tempo e dinheiro, bem como a capacidade intelectual para a estudar. Entretanto aparece um socialista de talento como Guesde, que nos diz: o movimento alastrou mas perdeu em intensidade o que adquiriu em extensão.

 

«E porquê? Porque a miséria é muito grande e longas as horas de trabalho. Não praticará, por acaso, uma obra meritória aquele que se empenha para que as horas de trabalho sejam diminuídas e elevados os salários, para que, numa palavra, aumente o bem estar da classe operária?»

 

Depois das palavras de Anseele que falou com tanta precisão, chega-nos a vez de citarmos as palavras de Auer, da social-democracia alemã.

 

Anseele pôs em evidência que o socialismo internacional confessa, finalmente, votando a moção, que a sua obra será longa e penosa. Auer, na mesma ordem de ideias, faz ressaltar outra verdade: que os socialistas não podem continuar indiferentes aos conflitos entre a reacção e a liberdade, nem permanecer inertes quando se empenhe um combate entre os partidários da Monarquia e da República.

 

Referindo-se aos acontecimentos que o caso Dreyfus provocou em França ele exprimiu-se nestes termos:

 

«Tratava-se de saber se em França seria destruída a República e venceria a Reacção; tratava-se de saber se poderia deixar-se recuar por muitos anos esse grande movimento de libertação pelo qual vós, os franceses, principalmente, tendes derramado ondas de sangue! Pela minha parte - não faço mais do que seguir as tradições do partido -, tenho a declarar-vos o seguinte: «Em circunstâncias tais, quando havia que repelir a reacção que dava assalto à liberdade, quando havia que impedir um recuo económico e político, não teríamos que hesitar um instante em cumprir com o nosso dever. E se nos víssemos na mesma situação em que se encontravam os socialistas franceses, diríamos aos partidos que fossem forçados a aproximar-se de nós: «Tranquilizai-vos, são a nossa tradição e a nossa própria existência que nos impõem que combatamos ao vosso lado pela Liberdade, pelo Direito e pelo Progresso».

 

«... E se algum de entre os nossos viesse dizer-nos: «O caso respeita unicamente aos burgueses e a nós nada nos interessa, trata-se apenas de saber se haverá uma República conservadora ou uma República democrática» eu responderia: «Não é verdade! Não é assim!» e passaria esta palavra de ordem: «Loubet, e nunca, por nada deste mundo, um César!»

 

A moção Kautsky foi aprovada. O caso Millerand, julgado mal ou bem, passa a um plano secundário. O que há de importante na resolução do congresso é a parte doutrinária que Anseele e Auer puseram em evidência. Na verdade o congresso rompeu com o passado. E o socialismo internacional que já se havia manifestado a propósito da consulta feita por Jaurés, não abdicando dos seus princípios, antes insistindo pela sua realização, veio dizer-nos francamente o que até agora não tinha ousado afirmar embora o sentisse.

 

O estado de espírito revelado por estas palavras é bem diverso daquele que, anos antes, levava Frederico Engels a anunciar a revolução social para 1897 e Jules Guesde a afirmar no célebre discurso de Ivry que a Exposição Universal de Paris seria inaugurada pelo partido socialista no poder (15). E pelo partido socialista no poder, não em virtude duma revolução, mas porque o sufrágio universal daria ao mesmo partido uma importante maioria parlamentar. No fim de contas era a mesma alucinação profética daqueles que, no primeiro período da propaganda dos princípios de Marx, fundando-se na infalibilidade da lei da concentração capitalista e no princípio da proletarização progressiva da pequena burguesia, na lei da miséria crescente do proletariado e no princípio do automatismo evolutivo do modo de produção, viam sob um aspecto unilinear o problema social resolver-se com toda a simplicidade e rigor lógico, abstratamente, sem atenderem à complexidade dos fenómenos de toda a ordem e desdenhando da importância e da influência de quaisquer outros factores, além do económico. Ser-nos-ia fácil - e se por acaso este nosso trabalho determinasse uma discussão o provaríamos - citar passagens, não somente de discursos mas de artigos e manifestos, corroborando quanto avançamos. E comparando o que se escreveu com o que se escreve, notando flagrantes contradições, e apresentando em última análise os factos que prevalecem sobre as palavras, teríamos copiosa fonte de argumentos para justificação de quanto vimos afirmando.

 

Ainda ultimamente, Jaurés, discutindo com Paul Lafargue, reproduz as palavras de Parvus, pseudónimo do mais intransigente dos escritores socialistas alemães, sobre o que seja a essência da revoução socialista (U). Essas palavras, precisas e claras, definem o pensamento, hoje dominante, entre os doutrinários e políticos de mais valor no socialismo internacional:

 

«A ideia da supremacia do proletariado, que forma o eixo da política revolucionária da democracia social, pode resumir-se nas seguintes linhas: desde que o poletariado chegue a constituir a maioria da nação, apodera-se do poder político. As instituições políticas e militares do Estado serão reorganizadas sobre as bases da mais avançada democracia.

 

«Os abusos do poder coercitivo do Estado não mais subsistirão, de maneira que será impossível que o mesmo Estado possa, daí por diante, dar força a uma minoria económica impondo a sua lei à grande massa. Cada um após outro, sucessivamente, dos ramos de produção, passará para as mãos do Estado. Assim este se transformará, duma máquina de opressão do povo, em um organismo administrativo. O proletariado activará o desenvolvimento da propriedade comunal e das cooperativas, com todo o poder político de que virá a dispor. A propriedade privada dos meios de produção capitalista cederá o seu lugar ao socialismo.»

 

Vejamos o que se conclui destas palavras:

 

Primeiro. O publicista alemão parte do princípio de que, para o proletariado se apossar do poder político, se torna preciso que ele constitua a maioria da nação.

 

Suponhamos que a tendência é para a proletarização da maior parte dos cidadãos de um país. Aceitemos esse princípio, - embora ele não se tenha realizado, porque a pequena burguesia industrial, comercial e rural não demonstra tendência para desaparecer - e continuemos a analisar as palavras transcritas. Apesar de considerar um Estado em que o proletariado se encontra senhor do poder político, o autor, internacionalista, não compreende o desaparecimento da nacionalidade e cura da sua defesa, pois não suprime as instituições políticas e militares mas apenas as reorganiza sobre as bases democráticas mais desenvolvidas.

 

Trata-se pois da fundação duma república democrática e da organização das milícias nacionais, equivalente da expressão usada nos programas socialistas: «nação armada».

 

Também, apesar de o proletariado constituir a maioria da nação, o autor não propõe a expropriação imediata e em bloco do capitalismo.

 

Ele admite que, um após outro, os diversos ramos da produção capitalista vão, progressivamente, passando para as mãos do Estado, isto é, da colectividade, porquanto o Estado será um organismo simplesmente administrativo, regulando a produção e as operações subsequentes. E, essa passagem, far-se-á ao passo que a propriedade comunal (não é o mesmo que propriedade comunista) e a organização cooperativista se vão desenvolvendo. Isto é, dentro do Estado socialista, fundado ele, não desaparecerá a propriedade capitalista, subitamente, mas evolutivamente.

 

Está longe o escritor citado, marxista ortodoxo e irredutível, do simplismo daqueles a quem são indiferentes as transformações políticas e as formas de governo, monarquia ou república, seja mesmo esta última conservadora e centralista, democrática e federal. E como ele, está longe igualmente de desdenhar dos períodos historicamente necessários da evolução dum país, Liebknecht, tantas vezes invocado e transcrito contra aqueles que não se conformam com a frase hiper-revolucionária, irritante por banal e falha de sinceridade, de fáceis e nem sempre insuspeitos declamadores.

 

Assim convém saber que Liebknecht, muito antes de Parvus, havia reconhecido que mesmo quando o partido socialista ocupasse o poder - hipótese que ele faz depender da adesão dos pequenos proprietários das cidades e dos campos à ideia socialista, porque estas duas classes constituem a maioria da população alemã - a expropriação da sociedade capitalista não se realizaria de súbito, pela violência, mas lenta e progressivamente. Definindo a social-democracia, e esboçando o seu programa de governo, Liebknecht escreveu (V):

 

«A Social-Democracia é o partido do conjunto do povo (W), à excepção de duzentos mil grandes proprietários, fidalgotes, burgueses e padres. É portanto para o conjunto do povo que ela tem de voltar-se, e sempre que se lhe ofereça ocasião dar-lhe, por meio de propostas práticas e projectos de lei de interesse geral, a prova de facto de que o interesse do povo é o seu único fim e a vontade do povo a sua única regra.

 

«Sem nunca violentar ninguém, mas com um propósito firme e um fim imutável, deve seguir o caminho da legislação.

 

«Mesmo aqueles que hoje estão no gozo de monopólios e privilégios, devem saber que nós não premeditamos pôr em prática medidas violentas, de súbito, contra as situações sancionadas pela lei, e que estamos resolvidos, no interesse duma evolução tranquila e pacífica, a realizar a passagem da injustiça legal para a justiça legal com a maior prudência possível, tanto para com as pessoas como para a condição dos privilegiados e monopolistas.

 

«Reconhecemos que praticaríamos uma injustiça tornando aqueles que criaram uma situação privilegiada, apoiando-se numa legislação má, pessoalmente responsáveis por essa legislação e punindo-os por esse motivo.

 

«Declaramos expressamente que é nossa opinião constituir um dever para o Estado pagar, àqueles que podem ser lesados nos seus interesses pela abolição necessária de leis prejudiciais ao interesse geral, uma indemnização, sempre que isso se torne possível e se concilie com as conveniências da colectividade.»

 

Muitas e expressivas afirmações do velho combatente da Social-Democracia poderíamos reproduzir no mesmo sentido. Mas para demonstrarmos que as opiniões de Parvus sobre a transformação lenta da sociedade capitalista, mesmo quando o partido socialista haja conquistado o poder político, são conformes às de Liebknecht, as palavras transcritas são mais do que suficientes.

 

E não nos demonstram elas que estamos já bem distanciados do tempo em que se predizia a queda da sociedade capitalista, afirmando-se a inutilidade de todos os movimentos políticos intermédios e a improficuidade de todas as reformas?

 

Não é bem diversa a linguagem de Marx, de Engels, de Liebknecht, da linguagem daqueles que, proclamando-se tantas vezes seus adeptos, não os leram, ou apenas conhecem a sua obra de resumos avariados?

 

Não é certo que a social-democracia deixou de ser um partido exclusivista para, embora conservando a sua característica especial mercê da classe a que no seu conceito económico mais directamente interessa, cooperar, sem perder a sua autonomia, com os partidos democráticos, até onde seja possível defender um programa de reivindicações comuns - e tantas elas são! - no interesse do Direito, do Progresso da Liberdade?

 

E não é, com efeito, uma fase nova aquela em que, pela força das circunstâncias, entrou o socialismo?

 

Não pode, a tal respeito, restar a menor dúvida.

 

Qual era efectivamente, não há muitos anos o espírito dominante?

 

Dizia-se:

 

O socialismo não tardará em vencer.

 

É a própria história que impõe o seu triunfo.

 

Duas leis assim o determinam: a lei da concentração capitalista que arruina o pequeno industrial em proveito do grande industrial, e a lei de bronze que rege os salários reduzindo-os ao estritamente necessário à vida, mercê da concorrência que os operários fazem uns aos outros forçados pela constituição da sociedade actual. Portanto, daqui a poucos anos as classes médias terão desaparecido, o operariado terá chegado ao extremo da miséria e, todo esse mundo infinito de deserdados, surgirá dando a batalha final, expropriando algumas dezenas de ricos e privilegiados. O dia da grande catástrofe não tarda em chegar. Aqueles que espalharam a fome e a desventura, aqueles que estão senhores das máquinas e de todos os instrumentos de produção, lançando na ruína a grande maioria dos homens, lavraram a sentença que os condena! A fatalidade trabalhou pela Justiça. Esperemos o desenlace do drama. Não queiramos pois saber de leis protectoras, de reformas, de transformações políticas. É mesmo um crime pretender atenuar a miséria, porque só da miséria poderá surgir a sociedade nova.

 

Abandonemos a luta política. Fujamos do parlamento, deixemos de querer conquistar os municípios. Há só urna palavra de ordem a passar: - Morte à burguesia! - um só meio a pôr em prática, a revolução violenta. E o velho mundo terá desaparecido.

 

Era simples nos seus princípios e nas suas conclusões esta doutrina. Impressionava, dominava, fazia revoltados. Mas quando das frases nada mais restava de que uma ou outra palavra vibrando como uma flecha despedida contra una árvore gigantesca, quando os adeptos aumentavam e o mundo continuava sendo o mesmo, então reconheceu-se que era necessário seguir por uma longa e difícil estrada, caminhando, léguas e léguas, até que pudesse avistar-se a terra da promissão. A realidade era triste mas, longe de lançar o desânimo entre os que, resolutos, queriam seguir avante, deu-lhes coragem e chamou-os à reflexão:

 

- Se o mundo não pode transformar-se tão rapidamente como o desejamos, nem por isso nos falecerá a fé nos nossos ideais.

 

Não perdendo de vista a aspiração final, trabalhemos para facilitar o advento duma sociedade na qual seja impossível manter-se o predomínio de classe.

 

Apressemos pela educação moral, intelectual e física dos trabalhadores, o momento da sua emancipação, que será a emancipação de toda a humanidade. Mas tenhamos em conta a dura realidade dos factos e lembremo-nos de que não podemos limitar-nos a encarar o movimento social, cingindo-nos ao conceito restrito que resulta de só encarar o seu aspecto económico.

 

Assim não desdenhemos de concorrer para a fundação da democracia política, fundando um Estado onde a classe dos trabalhadores seja igual, juridicamente, às outras classes, podendo assim constantemente influir em defesa dos seus interesses, modificando as instituições económicas. Por outro lado organizemo-nos e pelos sindicatos, pelas cooperativas, pelas universidade populares, melhoremos as nossas condições, pelo próprio esforço, adquirindo a capacidade indispensável para nos elevarmos. Tenhamos sempre em vista que a nossa intervenção em todos os movimentos sociais deve subordinar-se aos princípios da Justiça, e não deixemos portanto de intervir, concorrendo para a realização de novas conquistas em proveito de todos.

 

Não são estas palavras de desesperança, nem de apostasia. Aqueles que hoje, por esta forma se exprimem, estão de acordo com a doutrina de Karl Marx. Este reconhecia a verdade dos factos e a necessidade dos períodos históricos.

 

E por isso escrevia que «uma sociedade não pode transpor dum salto nem abolir por decretos as fases do seu desenvolvimento natural, mas pode abreviar o período da gestação e suavizar as dores do parto» (X).

 

É essa exactamente a obra das reformas subordinadas a um plano racional, da organização económica dos trabalhadores, da sua emancipação política, da sua educação intelectual e moral, que leva a conceber, em última análise, o socialismo como um movimento operário desenvolvendo-se na democracia.

 

Quando, orientados por estas verdades que a experiência consagrou, os socialistas acabaram por distinguir entre o dogmatismo e a prática, o socialismo entrou, efectivamente, numa nova fase.

 

Se nós soubemos definir e compreender essa nova fase do socialismo, di-lo-ão os raros que, complacentes, lerem este nosso trabalho, o primeiro de uma série de ensaios de propaganda e crítica, a que esperamos dar publicidade. O actual constitui, rigorosamente falando, o prefácio.

 

Passará, naturalmente, como tantas outras folhas de papel que o esquecimento faz desaparecer, sem prender a atenção de quem quer que seja. E, quando assim não suceda, é talvez provável que antes o malsinem do que o considerem como um esforço para esclarecer e definir a significação de factos e doutrinas em proveito da democracia. Mediocremente nos importa que o desdém nos acolha ou a má fé envenene as nossas palavras pelos propósitos que nos atribua. Com a mesma serenidade prosseguiremos estudando e trabalhando e, modestamente, aceitando as críticas, não fugiremos à discussão com quem deseje ensinar-nos embora a recusemos com aqueles que, da grosseria enfatuada e pedante, fazem arma de combate por se julgarem possuidores da verdade absoluta.

 

O objecto deste e de outros estudos que devem seguir-se, não nos preocupa desde recente data. Simplesmente, agora, julgamos poder afirmar, com algum conhecimento de causa, certas verdades que entrevíamos sem as poder justificar com a experiência da vida e o estudo de várias obras fundamentais. E porque possa ver-se na cópia de citações que fazemos, incerteza de quem não está seguro da sua opinião e busca justificar-se com argumentos de autoridade ou pedantismo que se compraz em exibir ciência de catálogo, queremos acentuar que as citações as fizemos contando com a malevolência daqueles que se lembrem de nos acusar de avançarmos afirmações gratuitas, e prevenindo a hipótese de qualquer controvérsia.

 

 

 

 

 

(*) João Duarte de Menezes (1868-1918) licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra, tendo exercido a advocacia em Lisboa e no Porto. Ainda estudante, participou na revolta portuense de 31 de Janeiro de 1891. Foi também jornalista (‘A Pátria’, ‘Voz Pública’, ‘O Norte’, ‘A Luta’) e político, filiado no Partido Republicano Português, que serviu tanto na oposição como no poder. Deputado eleito em 1906, 1908, 1910 e 1911, foi ministro da Marinha entre Setembro e Novembro de 1911 e presidente do Supremo Tribunal Administrativo (1914). A partir de 1899, foi o grande impulsionador da aliança entre republicanos e socialistas no Norte do país, de que resultariam alguns triunfos eleitorais. É no âmbito desse esforço que surgiu este ensaio, cuja 1.ª edição foi publicada em 1902 na colecção «Ensaios de Propaganda Critica» de que constituíu o primeiro volume. Do lado das fileiras socialistas, não havia nesta altura – entre adeptos ou adversários da chamada “concentração democrática” - ninguém capaz de lhe replicar com este mesmo nível de conhecimento e reflexão sobre os debates marxistas contemporâneos. Este escrito pode ser considerado o introdutor em Portugal da moderna doutrina social-democrata. As anotações de origem, do autor, são assinaladas por letras. As notas numeradas são da responsabilidade de Carlos da Fonseca, prefaciador e anotador da reedição de 1975 para Guimarães & C.ª Editores.

 

  

João de Menezes - A nova fase

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NOTAS:

 

(1) Thomas Garrigue MASARYK (1850-1937) - Die Wissenschafliche und philosophiche Krise innerhalbe des gegenwärtigen Marxismus, publicado em Viena no Die Zeit, n.° 177-179 (19.2.1898 a 5.3.1898). Menezes deve referir-se a uma tradução francesa publicada na Revue Internationale de Sociologie, 1898, pp. 511-28.

 

(2) Esta carta não foi incorporada até agora nas Marx/Engels Werke. Tendo em Conta os critérios das edições Dletz, ela devia figurar no tomo 3.

 

(3) A Revue Socialiste, fundada por Benoit Maion (1841-1893) em Janeiro de 1880, era o orgão mensal dos possibilistas franceses.

 

(4) Die Neue Zeit, órgão teórico da Social-Democracia Alemã. Editada em Stuttgart como mensário (1883 a 1890) e semanalmente até 1923. Kautsky (1854-1938) foi o seu principal animador. A obra de Eduard Berflsteln (1850-1932) é o célebre ensaio Die voraussetzungen des Sozialismus und die Aufgaben des Sozialdemokratie, Stuttgart, 1899.

 

(5) Menezes exagera o significado destas «discussões acaloradas». No Protokoll über die Verhandlungen dos Parteitages der Sozialdemokratischen Partei Deutschlands. Abgehatten zu Hannover vom 9-14 okt. 1899, a ortodoxia limita-se à discussão de pura teoria.

 

(6) Karl Kautsky. - Eduard Bernstein and das sozialdemokratische Programm. Stuttgart, 1899.

 

(A) Le Devenir Social Octobre 1897. [Nota de Carlos da Fonseca] Le Devenir Social, revista do socialismo científico, editada entre Agosto de 1895 e Dezembro de 1898. Além de Engels e Kautsky os principais colaboradores foram Georges Sorel (1847-1922) e Plekanov (1856-1918).

 

(7) F. Engels. - Carta a Bernstein, 2-3 de Novembro de 1882, Marx/Engels Werke, t. 35, p. 386.

 

(8) A «Revolução e Contra Revolução na Alemanha» é o título dado a uma série de artigos escritos por Marx no New York Daily Tribune em 1851-1852. Em 1896 apareceu uma edição inglesa da iniciativa do Eleonor Marx-Aveling (1853-1898). A tradução francesa utilizada por Menezes data de 1900 (Paris, Giard et Brière).

 

(B) Karl Marx - Revolution et Contre-Revolution en Allemagne. Trad. francesa de Laura Lafargue, Pág. 188-159.

 

(9) Veja-se o Protokoll über die Verhandlungen des Partaitages des Sozialdemokratischen Partei Deutschlands. Abgehalten zu Erfurt vom 14 bis 20 oktob. 1891.

 

(10) O autor refere-se à carta de Marx a W. Bracke (1842-1889) em 5 de Maio de 1875. A posição de Marx acerca do Programa de Gotha encontra-se nas Marx/Engels Werke, t. 19, pp. 11-27. [Kritik des Gothaer Programms].

 

(C) Karl Marx. Lettre sur le programme de Gotha. Trad. francesa de O. Planton. pág. 25 e 26.

 

(D) Classe capitalista. Convém notar a expressão de Engels para mais uma vez acentuar que além desta classe e a classe operária, existem a pequena e a média burguesia. N. do A..

 

(E) Vide a revista de Milão Critica Sociale, de 1852, pág. 50. [Nota de Carlos da Fonseca] Critica Sociale. Folha teórica bi-mensal do Partido Socialista Italiano. Editada em Milão entre 1891 e 1926. Filippo Turati (1857-1932) foi o seu principal animador.

 

(11) Engels tem sido frequentemente acusado de ter caucionado e estimulado o revisionismo na «Einleitung zu» Die Klassenkämpfe in Frankreich 1848 bis 1850 escrita em 6 de Março de 1895 (MEW, t. 22, pp. 509-511).

 

(F) Morale Sociale (Leçons professées ou College des Sciences Sociales) vu L'Ethique du Socialisme par G. Sorel, pág. 145-147. [Nota de Carlos da Fonseca] Esta conferência foi publicada na Revue de Métaphysique et de Morale, VII, 1899 e retomada no volume colectivo La Morale Sociale do mesmo ano. O leitor encontrará os temas caros à ética soreliana nas Reflexions sur Ia Violence. Paris, Marcel Rivière, 1922 (5ª ed.).

 

(G) Devenir Social 1898, pág. 81.

 

(H) La Commune de Paris, Karl Marx, traduction préface et notes de Charles Longuet, pág. 45. [Nota de Carlos da Fonseca] A edição data de 1901.

 

(I) Neue Zeit, t. XVI, 16-484-485, trad. francesa de Ernest Seillière. [Nota de Carlos da Fonseca] Veja-se o Protokoll des Internationalen Zozialistischen Arbeiter Kongresses zu Paris (23-24 de Setembro de 1900). As discussões a propósito dum ministro socialista (Millerand, 1859-1943) num governo em que figurava o carrasco da Comuna de Paris (Gallifet, 1830-1909), dividem o congresso em duas tendências. Jaurés (1858-1914), Vandervelde (1869-1938), Ramsay e Huysmans, favoráveis à participação; outra, desfavorável, constituída por Vaillant (1840-1915) e Guesde (1845-1922). Para «acalmar os espíritos» Kautsky apresentou um documento baptizado de «moção de borracha»: «Num estado democrático moderno, a conquista do poder político pelo proletariado não poderá realizar-se com um golpe de força, mas através de um longo e paciente trabalho nos terrenos económico e político por parte da organização proletária».

 

(J) Jean Jaurés, Études Socialistes, pág. 54 e 55. [Nota de Carlos da Fonseca] Jean Jaurés. - Études Socialistes. Paris, 1902.

 

(12) Vorwärtz. órgão central do Partido Operário Socialista Alemão, editado em Leipzig a partir de Outubro de 1876.

 

(K) Saverio Merlino, Pro e contra il Socialismo, pág. 1 e seguintes.

 

(13) Sobre a teoria do valor o leitor poderá consultar:

A. Graziadei. - Critique aux Théories de Marx: «La Rente et Ia Propriété de Ia Terre» (Paris, Rieder, 1933); «La Théorle de Ia Valeur» (idem, 1935) e «Le Capital et l'Intérêt» (Idem);

Cornelissen (1864-1943). - Théorie de Ia Valeur avec une Réfutation des Théories de Rodbertus, Karl Marx, Stanley Jevons et Böhm-Bawerk. Paris, Giard et Briére, 1913 (2.º ed.);

Sorel. - «La Crise du Socialisme Scientifique» in Critica Sociale (1.5.1893), pp. 134-38; «La Théorie de Ia Valeur» In Journal des Economistes, Paris, n.° de 15.5.1897 e, duma maneira geral, na Introduction à l'Economie Moderne.

Paris, Marcel Rivière, 1921 (2.º ed.);

Labriola. - Karl Marx, L'Econoniste - Le Socialiste. Paris, Marcel Rivière, 1923 (reed.).

 

(L) Vide Revue Socialiste, Março, 1898.

 

(M) Il partito Socialista e L'attuale momento politico. Filippo Turati.

 

(14) Discussão difundida em brochura com o título Les Deux Méthodes. Paris, Spartacus, 1945.

 

(N) Doutrinas e Factos. [Nota de Carlos da Fonseca] Não encontramos a obra anunciada.

 

(O) Esta proposta foi redigida em substituição de outra que os partidários da acção legislativa e parlamentar decidiram, à última hora, não apresentar. Nela se dizia: «não poderão tomar parte no congresso, os anarquistas anti-parlamentares ou adoptem qualquer outra denominação, qualquer que seja a organização a que pertençam». [Nota de Carlos da Fonseca] D. Nieuwenhuis (1846-1919). - Le Socialisme en Danger. Paris, Stock, 1897; La Débâcle du Marxisme. Paris, 1901.

 

(P) Le Socialisme en danger, pág. 5.

 

(Q) Frederico Engels nasceu em Barmen a 28 de Novembro de 1820 e faleceu em Londres a 6 de Agosto de 1895. As palavras transcritas são reproduzidas da tradução francesa do seu prólogo à nova edição a Luta de classes em França de Karl Marx.

 

(R) Actas do Congresso, pág. 206.

 

(S) Congrés Soc. Int. 1900. Compte rendu analytique officiel, pág. 60.

 

(T) Compte rendu sténographique non officiel de Ia version française du cinquième congrés socialiste tenu à Paris du 23 au 27 Septembre 1900, pág. 154-156. Este trabalho é mais desenvolvido, mais fiel e mais correcto do que o oficial. Contém todos os discursos estenografados e foi publicado por Charles Péguy depois de revisto por Hubert Lagardelle.

 

(15) Consulte-se Compére-Morel. - Jules Guesde. Paris, Lib. Quillet, 1937.

 

(U) Petite Republique 1.er Fevrier 1902 (n.º 9423, col. 3.ª).

 

(V) Estas palavras de Liebknecht são extraídas de um manuscrito incompleto - Como se realizará o socialismo - publicado no Vorwaerts de 7 de Agosto de 1901 e reproduzido no livro de Jean Jaurés, Études Socialistes, pág. 53 a 83.

 

(W) Liebknecht refere-se apenas à Alemanha.

 

(X) Le Capital, trad. francesa, 1.º vol. Prefácio, pág. 2.