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Luta pacífica e luta armada no nosso movimento
Francisco Martins Rodrigues (*)
INTRODUÇÃO
A reunião de Agosto do CC do nosso Partido teve o grande mérito de ter colocado frente a frente duas linhas divergentes para a actividade do Partido.
Tendências e concepções que se têm vindo manifestando no seio do Partido sob a forma de crítica a aspectos parcelares da actividade do CC, apareceram desta vez relacionadas entre si, o que permitiu confrontar com certo rigor duas linhas diferentes e localizar as divergências essenciais em torno de três questões: a via para o levantamento nacional e a questão da luta armada; a direcção proletária da nossa revolução e a política da unidade nacional anti-fascista; a linha do movimento comunista internacional e a luta contra o imperialismo e o revisionismo.
Neste artigo pretendo fazer a crítica da linha seguida pela direcção do Partido no que se refere à primeira questão, ou seja, a via para o levantamento nacional e a luta armada, desenvolvendo algumas conclusões que se tornam claras depois da reunião de Agosto. Em artigos seguintes abordarei as duas outras questões.
Sei que para alguns camaradas esta iniciativa parecerá incorrecta, porque embora meçam os riscos que o Partido corre actualmente de ser afastado da vanguarda da revolução, temem mais ainda os prejuízos que resultarão da luta dentro do Partido; eles agarram-se por isso à esperança numa futura conciliação dos pontos de vista divergentes, procuram diminuir a gravidade das divergências, aguardam que a correcção dos erros se façam a partir de cima, pensam que a unidade do Partido deve ser posta acima de todas as divergências.
Estes camaradas não têm razão. No nosso país, as forças revolucionárias e as forças contra-revolucionárias encontram-se hoje alinhadas frente a frente e fazem os últimos preparativos para a grande batalha de que dependerão por muitos anos os destinos do nosso povo: trata-se de saber se ainda prevalecerá o poder da grande burguesia apoiada no imperialismo ou se triunfará o novo poder democrático do povo. E, para cada comunista, é uma questão de vida ou de morte saber se o seu Partido ocupará o lugar que lhe compete de vanguarda revolucionária do proletariado, de guia de todo o povo, ou se se reduzirá pouco a pouco ao papel de força auxiliar da burguesia. A reunião de Agosto mostrou fora de toda a dúvida que, se não houver uma intervenção crítica independente, as tendências oportunistas que dominam actualmente a direcção do Partido, levarão cada vez mais longe a dispersão ideológica e o amortecimento do poder revolucionário nas suas fileiras. Nestas condições é um dever estrito intervir, levar ao conhecimento do Partido as divergências cuja existência se procura ocultar, permitir ao Partido pronunciar-se. Renunciar à discussão de princípios a bem de uma “unidade” formal e enganosa seria prestar uma mau serviço ao Partido. “A luta interna” dá ao Partido força e vitalidade; a prova maior da debilidade de um Partido é o amorfismo e a ausência de fronteiras nitidamente delimitadas; [“] o Partido fortalece-se depurando-se” - escrevia Lassale a Marx, e isto é hoje, mais que nunca, verdade no nosso Partido.
Há ainda bastantes camaradas que procuram abafar as suas discordâncias com a linha do Partido, agarrando-se desesperadamente à confiança na honestidade, experiência e boas intenções dos seus dirigentes. Eles não têm também razão.
Lenine mostrou como as boas intenções e as qualidades dos oportunistas não conseguem tirar nem um átomo ao seu oportunismo, não diminuem em nada o prejuízo que as suas ideias causam ao Partido e à revolução. Nós tivemos já ocasião de ver durante a “política de transição” e durante o desvio de 1956-1959 como dirigentes experientes e honestos formularam e puseram em prática concepções oportunistas que conduziam objectivamente a revolução à derrota e o Partido à liquidação; alguns deles compreenderam, mais tarde o erro das suas posições e rejeitaram-nas, mas a primeira condição para os salvar e salvar o Partido foi a crítica aos seus erros e desvios, foi a defesa do marxismo-leninismo. A pior ajuda que agora poderíamos dar aos dirigentes que se deixam arrastar pelo oportunismo seria pormos as suas intenções (que são excelentes) por cima das suas ideias e da sua actuação prática (que são oportunistas); invocar o perigo de que o Partido se afaste dos seus dirigentes é pôr as coisas de pernas para o ar pois, o que se impõe é evitar que os dirigentes se afastem mais do Partido, do que já fizeram, mostrar-lhes com firmeza que seguem um caminho errado.
Todos os militantes do nosso Partido que hoje se sentem perplexos e angustiados perante a situação que o Partido atravessa e as perspectivas do futuro, só poderão encontrar o caminho correcto em relação ao Partido, em relação à classe operária e à revolução, se se esforçarem por compreender em primeiro lugar as questões de princípio e se não se deixarem governar por outras considerações, quaisquer que sejam.
Actualmente, a marcha ascendente da revolução no nosso país está pondo à prova todas as ideias e concepções políticas, faz ressaltar com a dureza os seus aspectos errados, rejeita irremissivelmente todos aqueles que não conseguem compreender o que está em curso e que pretendem opôr-se à marcha dos acontecimentos; devemos alegrar-nos com isso e não entristecer-nos, porque desta luta todo o movimento sairá reforçado, será através dela que criará uma têmpera nova que o tornará invencível.
O nosso Partido existirá como partido revolucionário do proletariado português, será um partido coeso, será o condutor do nosso povo na revolução democrática, na construção do socialismo e do comunismo em Portugual, enquanto se ativer firmemente aos princípios marxista-leninistas, enquanto lutar sem descanso para resolver e compreender as tarefas da nossa revolução à luz do marxismo-leninismo. No dia em que o Partido se desviasse desse caminho, ele abandonaria a trajectória gloriosa que é chamado a percorrer e seria rejeitado pela História como inútil. É evidente que os comunistas não consentirão que isto aconteça.
1. Qual é o traço característico da nova fase da luta em Portugal?
O traço característico da nova fase da luta em Portugal é o aparecimento da acção armada como forma de luta que tenderá a tornar-se cada vez mais determinante, em relação a todas as outras. Aqueles que o não conseguem compreender e que se opõem ao desencadeamento de acções armadas, opõem-se objectivamente ao levantamento popular antifascista, à marcha da nossa revolução.
Em que condições se declarou no nosso país a nova fase da luta pelo derrubamento da ditadura fascista? Que factores concorreram para ela? Esses factores foram três:
1.º) Iniciou-se o ciclo das revoluções de libertação nacional das colónias. Com a insurreição do povo angolano em Março de 1961 iniciou-se um ciclo grandioso de revoluções que está desmoronando o império colonial português e com ele, uma das bases da ditadura da grande burguesia portuguesa. As guerras de libertação que se alargam em Angola, na Guiné, em Moçambique, precipitaram rapidamente a crise política, económica e diplomática da ditadura, são uma ajuda inestimável à luta do nosso proletariado e do nosso povo, permitem-lhe avançar em melhores condições no caminho do derrubamento do fascismo e da instauração da democracia.
2.°) O movimento operário e democrático nacional passou a uma etapa superior. A guerra colonial, o aumento da miséria das grandes massas proletárias e camponesas, o recrudescimento da opressão fascista, empurraram em 1961-1962 o movimento revolucionário português para formas superiores de luta; dão-se em várias cidades manifestações de dezenas de milhares de pessoas encabeçadas pelos operários, que desafiam abertamente a legalidade fascista, levantam as palavras de ordem revolucionárias de Pão, Paz e Liberdade, e revelam o desejo das massas de passar à ofensiva contra o aparelho repressivo.
Em 1 de Janeiro de 1962, o movimento de massas atinge pela primeira vez o seu desenvolvimento na luta armada; a acção de Beja, dominada superiormente por forças conservadoras e seguindo por esse facto uma concepção tática golpista, nem por isso exprime menos a revolta do proletariado, o seu desejo de ensaiar as armas; daí que possamos considerar a acção de Beja como a primeira acção armada de cunho popular, de ofensiva contra a ditadura decadente, tal como o motim dos marinheiros da armada de Setembro de 1936, fora a última acção armada de cunho popular de resistência à ditadura ascendente.
3.°) Dentro do movimento anti-fascista, a corrente revolucionária separou-se definitivamente da corrente reformista. Sob a pressão da radicalização revolucionária das massas, dá-se a partir de 1961 uma sensível deslocação de forças no campo antifascista:
- a pequena-burguesia, os estudantes e outros sectores influenciados pela pequena-burguesia, libertam-se das ilusões numa saída constitucional ou a partir de cima, emancipam-se mais e mais da ideologia liberal, começam a procurar a aliança da classe operária, orientam-se no sentido da insurreição armada;
- ao mesmo tempo, a média-burguesia liberal e conservadora e os sectores por ela dominados deslocam-se no sentido inverso, definem-se cada vez mais como forças intermédias, não revolucionárias; a base da sua táctica é o esforço para explorar as contradições no campo da grande-burguesia e do imperialismo, com a esperança de poder vir a partilhar o poder sob a tutela de uns grupos contra outros; a forma de acção que se lhe abre é o golpe militar e a conspiração de palácio, únicas que lhes parecem capazes de derrubar a ditadura, dominando ao mesmo tempo o perigo duma explosão revolucionária.
Esta deslocação de forças é extremamente favorável ao proletariado e às forças revolucionárias, pois que, arrancando o movimento democrático nacional à influência dos grupos liberais e conservadores, lhe permite encaminhar-se francamente no caminho da revolução.
É indiscutível que esta nova situação afirma só por si a existência de uma crise revolucionária em Portugal. Desde há três anos entrámos no período histórico do derrubamento da ditadura e do triunfo da revolução democrática, este período, que se pode prolongar por alguns anos, caracteriza-se pelo papel cada vez mais determinante que nele desempenharão os choques armados entre as forças da revolução e as forças da ditadura, preparando o levantamento das massas, a insurreição popular.
As três grandes correntes que tendem a destruir a ditadura da grande-burguesia portuguesa – o movimento revolucionário do proletariado, o movimento democrático nacional, e movimento de libertação nacional das colónias - estão em pleno desenvolvimento, apoiam-se mutuamente e têm todas as condições para desferir golpes demolidores sobre a ditadura. As forças dos grupos reaccionários da grande-burguesia e do imperialismo estrangeiro, por muito poderosas que sejam, serão impotentes para conter ou esmagar a revolução em Portugal se as forças revolucionárias souberem actuar correctamente e com decisão, apoiando-se nos milhões de operários e camponeses, no povo trabalhador, nos estudantes, em todas as forças progressivas do país, na aliança fraternal com os povos das colónias, no poderio do campo socialista, na solidariedade do proletariado e forças progressivas de todo o mundo.
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Os dirigentes do nosso Partido também reconhecem em palavras a existência duma situação nova. Eles indicaram desde há dois anos que “a ditadura de Salazar, está a atravessar a mais grave crise da sua história” e que “a oposição contra a ditadura entrou numa nova fase e amadurecem as condições para lutas revolucionárias agudas”. Contudo, eles não só não tiraram as conclusões práticas e teóricas que esta constatação impunha, como se vêm opondo cada vez mais encarniçadamente a toda a tendência para conduzir o movimento proletário e democrático a uma etapa superior.
Segundo a sua análise, a situação actual caracteriza-se pelo facto de, as condições objectivas extremamente favoráveis, não corresponderem ainda às necessárias condições subjectivas que permitam levar o movimento a etapas superiores. Ainda segundo a sua análise, as actuais dificuldades do movimento democrático nacional derivam essencialmente da propagação de concepções aventureiras, sectárias e desesperadas, de origem pequeno burguesa, que se recusam a trabalhar persistentemente pela elevação das condições subjectivas e que pretendem queimar etapas do movimento.
Que ideias fundamentais é preciso ter em conta, segundo os dirigentes do Partido, para vencer as actuais dificuldades e conduzir o movimento democrático ao levantamento nacional? Passamos a citá-las:
- é preciso que se travem muitas mais lutas de massas, de todos os tipos, grandes e pequenas, económicas, políticas, culturais, etc., com amplo aproveitamento das organizações legais de massas; só assim se criarão condições favoráveis ao levantamento armado;
- essas lutas não poderão ser travadas sem que so formem milhares de comissões legais e milhares de comités ilegais para as dirigir, sem que exista uma forte organização partidária; portanto, uma grande atenção deve ser dada ao, trabalho de organização;
- sem uma sólida organização militar que assegure a participação no levantamento de parte importante das forças armadas e a neutralização de outra parte, não é possível assegurar o êxito duma insurreição nacional;
- as tendências terroristas (que Lénine combateu) favorecem a ideia de que um pequeno grupo de homens pode derrubar a ditadura e paralizam por isso as massas; elas fariam além disso recuar as massas menos radicalizadas e dariam pretexto a uma repressão mais feroz, com a liquidação escusada de combatentes de vanguarda;
- actualmente, são de encarar acções de “tipo novo” (acções violentas), mas apenas em ligação com o movimento de massas e para o apoiar e estimular; formar grupos de “acção directa” é virar as costas às massas.
Estes são os argumentos invocados pelos dirigentes do Partido, para justificar a sua posição. Vamos discutir cada um deles e demonstrar que não têm, efectivamente, nada que ver com a análise marxista-leninista da situação nacional e, no fundo, conduzem a entravar a marcha da revolução.
Mas seria impossível discutir a linha do Partido perante a actual situação nacional sem voltar ainda à questão do movimento de libertação nacional das colónias e sem assinalar a sua extraordinária importância para o movimento nacional democrático, porque o essencial deste problema não está ainda claro para muitos militantes do Partido; é por aí que começaremos, portanto.
2. Há o perigo de subestimarmos o movimento libertador das colónias?
Sim, esse perigo existe e os comunistas devem estar atentos contra ele e combatê-lo, porque a subestimação do movimento libertador das colónias embotaria inevitavelmente o fio da sua luta revolucionária, enfraqueceria o movimento operário e democrático e fortaleceria a ditadura.
Para o proletariado e o povo português, o aspecto essencial das revoluções de libertação nacional que actualmente se desenvolvem nas colónias está em que elas não só facilitam extraordinariamente o derrubamento do salazarismo, mas golpeiam também de morte a grande burguesia e, com isso, criam as melhores condições para o triunfo da revolução democrática e nacional no nosso país. A tese leninista de que os povos coloniais são os aliados naturais do proletariado das metrópoles foi no nosso caso, confirmada com uma clareza e uma força excepcionais.
Porque tem tanta importância para a nossa revolução, a luta de libertação das colónias? Nunca o poderemos compreender se não tomarmos em conta as características de parasitismo e putrefacção invulgares que reveste o sistema de exploração colonial montado pela grande burguesia portuguesa nos últimos 50 anos. Como já tem sido assinalado, o colonialismo português do século XX não deu lugar ao desenvolvimento das forças produtivas nas colónias; o atraso e a distorção do desenvolvimento do capitalismo em Portugal nos princípios do século (resultado, por sua vez, da dominação imperialista sobre o país), deram lugar a um colonialismo baseado na pilhagem de matérias-primas, vivendo do trabalho escravo de milhões de camponeses e mineiros africanos. Este sistema criou em Portugal condições sociais e económicas muito particulares: prosperaram ramos da indústria e do comércio assentes nas matérias-primas baratas trazidas de África ou na exploração forçada dos seus produtos para o mercado africano; uma massa enorme de super-lucros arrancados ao trabalho dos povos africanos subjugados, estimulou toda a economia nacional; a grande burguesia cristalizou um grupo de «cem famílias» de milionários - banqueiros, industriais, importadores-exportadores, latifundiários; pode-se comprar, sucessivamente, o apoio dos diversos grupos imperialistas através da distribuição dos diamantes, do petróleo, do minério, das bases e vias de comunicação estratégicas; de tudo, o que as colónias podem ter de interesse para os imperialistas.
Se não se tiverem em conta as características deste sistema colonial parasitário ao mais alto grau, não se poderá compreender a ascenção e degradação do regime republicano em 1910-1926 e a criação e fortalecimento do Estado fascista ao longo de perto de 40 anos, e muito menos ainda se poderá compreender a profundeza da actual crise da ditadura da grande-burguesia.
Agora, que a vaga ascendente das revoluções de libertação nacional das colónias anuncia a derrocada deste sistema, que posição tomam as diferentes classes?
A grande-burguesia, as cem famílias de milionários consideram a destruição iminente do império colonial colmo uma “catástrofe nacional”, lutam ferozmente contra o movimento colonial e tentam afogar em rios de sangue a insurreição das colónias. Se eles persistem na guerra e não procuram manobrar para posições mais flexíveis, neocolonialistas, não é por falta de habilidade política mas porque sabem que o desaparecimento do actual sistema de pilhagem acarretará a sua ruína.
A média-burguesia critica duramente a grande burguesia por ter exasperado a tal ponto a revolta dos povos coloniais, defende o fim da guerra cuja vitória sabe impossível, vê aterrada o cataclismo que se aproxima e procura activamente uma fórmula neocolonialista, sob tutela imperialista que lhe viria a permitir algumas vantagens.
A pequena-burguesia condena cada vez mais decididamente a guerra, para cujo custo tem que contribuir sem daí lhe virem vantagens, compreende cada vez melhor que o movimento de libertação das colónias é favorável à luta anti-fascista, mas deixa-se ainda parcialmente dominar pelo chauvinismo, teme a crise económica, é instável e hesitante.
O proletariado, revolucionário é o único que saúda jubilosamente o grande movimento libertador das colónias em que conhece o seu mais combativo aliado. Ele compreende que o desmoronamento do sistema colonial português, em vez de trazer a catástrofe que lhe anunciam, traz precisamente a possibilidade de um grande salto em frente pela destruição da grande-burguesia e a instauração duma democracia verdadeira.
A insurreição dos povos das colónias tem para o proletariado e para o povo português um outro mérito inestimável: é que ela abriu pela primeira vez em 37 anos uma frente de luta armada contra a ditadura. Os povos coloniais, oprimidos pelo mesmo poder reaccionário que oprime o povo português, adiantaram-se audaciosamente ao nosso proletariado e ao nosso povo, mostrando-lhe como se empunham as armas, como se enfrentam os sacrifícios, como se vence o inimigo; ignorantes, embrutecidos, desunidos como eram geralmente considerados em Portugal, eles demonstraram uma maturidade revolucionária superior e estão há já três anos caminhando na vanguarda da luta que abaterá a ditadura de Salazar e a grande burguesia portuguesa.
A posição que se toma perante a luta dos povos das colónias é actualmente um bom critério para separar em Portugal os revolucionários dos reaccionários e das forças intermédias.
Nós temos que combater com extrema intransigência dentro do Partido, todos os que diminuem a importância decisiva das revoluções de libertação nacional nas colónias, todos os que apagam a tese fundamental da aliança dos povos coloniais com o nosso proletariado, todos os que baseiam a posição colonial do Partido apenas no reconhecimento do direito à independência e na condenação da guerra, recuando assim de facto para a posição da pequena-burguesia radical; todos os que procuram, acima de tudo, uma posição colonial comum com a burguesia anti-fascista descurando o desenvolvimento da posição revolucionária independente do proletariado; todos os que, contagiados pelo chauvinismo, temem as “contradições que se poderão desenvolver no decurso da guerra, entre os povos das colónias e o povo português” (!).
Nós temos de dar ao nosso proletariado e ao nosso povo a consciência clara do papel decisivo da aliança dos povos coloniais, temos que combater intransigentemente o chauvinismo entre as massas (não só o chauvinismo odioso dos fascistas mas sobretudo o chauvinismo atenuado da média e pequena burguesia, que penetra mais facilmente); temos de chamar incansavelmente à luta contra a guerra, à solidariedade actuante aos povos irmãos das colónias, que sustentam o peso principal dos ataques ferozes dos fascistas e que dão a contribuição principal para a derrota do fascismo.
Só aplicando a sua posição na questão colonial sobre uma base revolucionária coerente e sem compromissos, os comunistas podem arrastar atrás de si o proletariado e as massas num grande movimento popular contra a guerra. Esse é actualmente o seu maior dever internacionalista, a sua maior contribuição à defesa da paz mundial e a primeira condição para triunfarem na luta anti-fascista.
Estes são os aspectos do problema colonial que nos parecia indispensável tocar, antes de passar a discutir a questão das formas de luta do movimento democrático nacional.
3. Onde está a linha das acções de massas?
Os dirigentes do nosso Partido procuram fazer acreditar a sua linha como a expressão da linha leninista do movimento revolucionário de massas, em oposição ao aventureirismo e terrorismo pequeno-burgueses desligados do proletariado e das massas. Como este artifício pode confundir muitos militantes, vamos mostrar como é o nosso movimento de massas que se encarrega, ele próprio, de fazer a critica à linha seguida pelos dirigentes do Partido; para isso começaremos por relembrar os pontos mais salientes do movimento operário e democrático português nos últimos 20 anos, isto é, desde 1941, quando começa a fase ascendente da revolução.
Os anos de 1941 a 1949 formaram um ciclo na evolução do movimento operário e democrático nacional. Até 1945, numa primeira fase, as acções de massas são quase exclusivamente de carácter económico e passam, gradualmente das formas legais às formas ilegais: exposições, comissões, acção sindical, greves, marchas da fome, assinalam o crescimento deste grande movimento económico do nosso proletariado.
Na segunda fase, de 1945 a 1949, embora a luta económica continue a ter um papel de grande importância no movimento, dando lugar a formas superiores (concentrações, greves) o centro de gravidade do movimento desloca-se para a luta política e o movimento toma outra amplitude: é o período do MUD e das «eleições». Contudo, devemos notar que este grande movimento político de massas tem ainda uma envergadura limitada, tanto pelas suas reivindicações, como pelas formas de luta que adopta; o movimento depende muito dos limites legais das “eleições” e do MUD, as massas são em grande medida dominadas pela burguesia liberal, as suas reivindicações são limitadas (eleições livres, amnistia), as formas de luta mais elevadas são as manifestações pacíficas de rua.
Em 1949, este ciclo do movimento encerra-se porque a burguesia anti-fascista não tinha outras reivindicações e outras formas de luta mais avançadas para lhe oferecer e porque o nosso Partido não soube então encontrar em si as forças para tentar conduzi-lo a formas superiores. Durante alguns anos, o movimento das massas arrasta-se, procurando penosamente o seu caminho.
Em 1958 todos puderam verificar que o movimento das massas não esquecera as lições anteriores e que irrompia com novas energias; a grande campanha política em torno das «eleições» é muito mais poderosa que a de 1949; as reivindicações levantadas pelas massas são mais radicais, a influência dirigente da burguesia radical declina, afirma-se a disposição das massas para entrar em choque com as forças repressivas; após as manifestações, a greve política faz pela primeira a sua aparição entre nós, como arma específica do proletariado contra a ditadura.
As manifestações políticas de Novembro de 1961 surgem ainda em ligação com o pretexto legal das «eleições», mas dão a medida nítida duma nova radicalização, pela sua independência em relação às candidaturas e pela sua combatividade.
Finalmente, em 1962, são as grandes manifestações políticas, sem qualquer apoio «eleitoral», desafiando abertamente a legalidade, levantando as reivindicações revolucionárias de Pão, Paz e Liberdade, entrando em choque com as forças armadas da repressão; elas estão bem longe dos comícios «eleitorais» de 1949, em que as massas iam aplaudir os dirigentes liberais e dispersavam «ordeiramente».
Em 1 de Janeiro de 1962 vemos a primeira acção armada do povo contra a ditadura, que, à falta de uma direcção proletária e revolucionária, cai sob a direcção de revolucionários burgueses e se concretiza numa tentativa golpista, forçosamente fracassada; isto não chega contudo para diminuir a sua importância de acção armada contra a ditadura.
Esta simples enunciação mostra desde logo que o nosso movimento operário e democrático tem caminhado invariavelmente para reivindicações sempre mais avançadas e para formas de luta mais extremas ao longo destes vinte anos; das comissões e exposições à greve económica e à manifestação económica; da exposição política legal à manifestacão política «eleitoral» e desta à manifestação política puramente ilegal; da greve política à acção armada. É evidente que estas etapas ascendentes não se sucedem em cadência regular; há saltos em frente, pausas, as diversas fases aparecem por vezes entrelaçadas, mas nem por isso o sentido geral do movimento deixa de ser particularmente nítido.
Ver no movimento destes 20 anos apenas um amontoado amorfo de lutas diversas, cujos altos e baixos seriam ditados apenas por factores exteriores (como os acordos ou desacordos entre as forças anti-fascistas, os efeitos da repressão fascista, o estado da organização partidária, etc.), seria desconhecer grosseiramente que o movimento revolucionário tem o seu crescimento próprio, acumula a sua experiência própria, forma a sua «personalidade própria», e que o papel do Partido não é de modo nenhum o de «fabricar» um movimento revolucionário, mas o de o conduzir à vitória.
Assim, a primeira lição, indiscutível, que nos oferece o nosso movimento revolucionário é que o centro de gravidade da luta anti-fascista, se tem deslocado ao longo destes 20 anos no sentido da revolução, isto é, que o proletariado e as largas massas do povo têm tirado lições das lutas travadas (o que nem todos os seus dirigentes têm sido capazes de fazer...) e que procura pouco a pouco as reivindicações mais radicais e as formas de luta mais extremas, abandonando as reivindicações e formas de luta que já utilizou e que compreendeu serem ineficazes, voltando-se para a insurreição. O Partido não pode dirigir o movimento anti-fascista se não estudar atentamente esta deslocação do centro de gravidade da luta.
Alguns camaradas pretendem que o Partido deve dedicar igualmente a sua atenção às reivindicações e às formas de luta mais diversas, económicas e políticas, legais e ilegais, porque essa seria a forma de mobilizar as massas. Isto não é verdade.
A experiência tem mostrado que, se o Partido analisa correctamente a situação e dá a palavra de ordem que atira para a frente os sectores de vanguarda do proletariado e do povo, os sectores mais avançados politicamente, mais experimentados na luta, esse movimento repercute-se nos sectores mais atrasados, que se sentem capazes, por sua vez, de acompanhar a luta, ainda que mais à rectaguarda, como é evidente, adoptando formas de luta inferiores que ainda não tiveram ocasião de ensaiar, lutando por reivindicações mais limitadas, que ainda julgam poder resolver os seus problemas. É assim que a correcção duma forma de luta superior, só acessível aos sectores de vanguarda de proletariado, a alguns milhares ou dezenas de milhares de operários, pode desencadear um movimento geral com a participação de centenas de milhares empenhados nas mais diversas acções e apresentando as mais diversas reivindicações. É isto que nos tem mostrado repetidamente o nosso movimento: as grandes greves de 1942, 1943, 1944 e 1947 na região de Lisboa alimentaram um amplo movimento económico e impulsionaram todo o movimento democrático; as manifestações e a greve política de 1958 abriram um grande movimento económico que se prolongou por 1959; as manifestações políticas de 1962 deram novo arranque ao movimento económico na região de Lisboa e do Porto; etc..
Se, pelo contrário, o Partido, na esperança de ser seguido por todos, descura o estudo de onde se encontra o centro de gravidade da luta, do nível político da vanguarda e lhe dirige palavras de ordem atrasadas, que já não lhes interessam porque ele já as ensaiou e já as ultrapassou, é evidente que este erro do Partido lançará a confusão e a estagnação nessa vanguarda, e que essa confusão se propagará às camadas mais atrasadas, paralizando-as e acabando por paralizar todo o movimento. Foi assim que, depois do 1º de Maio de 1962, a palavra de ordem de insistir ainda na manifestação política (em Lisboa), quando as massas de vanguarda tinham já tirado as suas conclusões acerca desta forma de luta e procuravam se orientar avante, fez afrouxar o movimento de massas em vez de o facilitar; foi assim ainda que a palavra de ordem «todos os trabalhadores às eleições sindicais», lançada em princípio de 1963 com o objectivo de relançar o movimento a partir de baixo, teve o efeito contrário e acentuou a confusão e a estagnação.
O Partido deve ter o cuidado de não deixar a vanguarda isolar-se perigosamente da rectaguarda, de não a lançar numa luta decisiva, sem ter a garantia do apoio da rectaguarda, mas a única base para conduzir a luta com êxito está na distinção entre o proletariado e as massas não-proletárias, entre a vanguarda do proletariado e a sua rectaguarda. Só apoiando-se audaciosamente na vanguarda do proletariado é possível conduzir a movimento revolucionário avante.
Assim, a segunda lição que nos oferece o nosso movimento revolucionário é que, por detrás da variedade e multiplicidade das lutas travadas em cada período; por detrás da aparente anarquia e confusão, existe um centro de gravidade determinado em cada momento e que só apoiando-se nele e conduzindo-o com êxito pode o Partido fazer desenvolverem-se as mais vairiadas formas de luta. Se o Partido não definir o centro de gravidade do movimento e o dissolver no conjunto das lutas, origina uma tendência de paralização e estagnação.
Não tomando em conta estas lições do nosso movimento revolucionário, os dirigentes do Partido encontram-se desarmados para compreender a evolução da luta e para traçar a linha adequada a cada etapa.
Eles não podem explicar, por exemplo, porque razão as grandes greves económicas, que começaram em Abril de 1942 e se repetiram quase anualmente até Abril de 1947, entraram a partir daí em declínio. Como explicar que as greves económicas desencadeadas nos últimos 16 anos tenham sido escassas, não tenham tomado amplitude nacional nem sequer regional e não surjam nos sectores mais avançados e revolucionários da classe operária, mas de preferência nos sectores que marcham politicamente à rectaguarda, como as tecedeiras do Porto em 1954 e os pescadores de Matosinhos em 1959? (Não consideramos aqui a evolução do proletariado agrícola que constitui uma secção do proletariado com características especiais).
Será que melhoraram as condições de vida da classe operária e já não são favoráveis à greve? Parece não haver dúvida de que é o contrário que sucede. Será que se perdeu a consciência revolucionária da vanguarda operária da região de Lisboa ou que ela está paralizada pelo peso da repressão? Mas então porque se lança ela em manifestações e na greve política? Estariam os pescadores de Matosinhos mais bem orqanizados? Toda a gente sabe que a greve de Matosinhos se declarou espontaneamente.
Como vemos, a consideração da greve económica como uma catenoria abstracta, isolada no tempo e tendo um valor imutável, incapacita-se para compreender a marcha do movimento no seu conjunto. Só a compreenderemos se tivermos em conta que a greve econômica surgiu em 1942 como expressão superior do movimento de massas, foi durante algum tempo o centro de gravidade do movimento; ela já não pode voltar a estar no centro de gravidade do movimento.
Os dirigente do Partido não sabem explicar do mesmo modo porque razão a palavra de ordem «todos os trabalhadores aos sindicatos» foi seguida em massa aquando das “eleições” de 1948, dando lugar a uma importante vitória do movimento operário, com a conquista de dezenas de direcções sindicais, e essa mesma palavra de ordem, largamente agitada nas últimas eleições em 1963, foi seguida numa percentagem insignificante e trouxe um desaire político ao Partido. Porquê isto? Porque razão em 1951 e 1954, apesar das condições políticas e orgânicas muito mais desfavoráveis que em 1963, a classe operária correspondeu ainda, apesar de tudo de forma apreciável, ao apelo do Partido? Terá vindo a recuar a consciência de classe dos operários, será ela mais baixa em 1963 do que era em 1946?
É evidente que eles não conseguem compreender que a utilização dos sindicatos, que em 1942 era uma tarefa política de primeiro plano para o movimento de massas, possa ter vindo a ocupar um lugar cada vez menos decisivo, e que hoje, tenha uma posição mais que modesta entre as formas de luta do proletariado. Há 20 anos, a posição revolucionária era ir em massa aos sindicatos fascistas; mas nestes 20 anos os trabalhadores foram em massa aos sindicatos, apoiaram-se neles para a luta económica legal, passaram à luta ilegal e à greve, chegaram já à luta política superior, dispõem-se a passar [à luta armada]; precisamente porque utilizaram os sindicatos é que estes perderam já hoje a importância decisiva que tinham. Querer meter outra vez o movimento revolucionário nos sindicatos fascistas não é ser dogmático e anti-dialéctico?
Os dirigentes do Partido, não sabem explicar ainda porque razão hoje os sectores mais avançados da classe operária se recusam na generalidade a apoiar os seus movimentos económicos em comissões e abaixo-assinados e procuram formas de luta mais radicais. Eles não podem compreender também que a movimento pela Amnistia não temha já hoje a importância política central para a mobilização das massas populares, que tinha por exemplo em 1946, quando as reivindicações do movimento democrático nacional eram muito mais limitadas do que são hoje. Eles não compreendem que a conquista de posições em associações legais de massas não mobilize já hoje as massas como no passado.
Eles não compreendem que as «eleições» possam ter mudado progressivamente de carácter e que, tendo começado por ser uma vitória do movimento democrático, uma cedência imposta à ditadura, elas se tornariam sem falta numa ratoeira se não conseguíssemos que a força das acções de massas ultrapassasse (como ultrapassou em 1958 e 1961) todos os limites legais e demolisse a fachada eleitoral, obrigando os fascistas a abandonar este expediente retardador e permitindo ao movimento democrático subir mais um degrau no caminho da insurreição; e assim, os dirigentes do Partido alertam o movimento democrático em 1960 contra o perigo da possibilidade de movimentação legal aberta pelas «eleições» vir a ser perdida por falta de utilização, quando era preciso sublinhar que a utilização das “eleições” tinha em vista acabar com elas, inutilizar de uma vez essa arma envenenada com que o fascismo procurava alimentar a crença na possibilidade de uma saída constitucional, com que procurava evitar a radicalização revolucionária do movimento democrático.
Na concepção dos dirigentes do Partido, as reivindicações parciais e as formas limitadas tendem [a] elevar-se à categoria de objectivos em si mesmos, tendem a ser apreciadas isoladamente, como se não fossem uma parcela, uma fracção do movimento revolucionário, que só pode ser devidamente avaliada e orientada dentro da etapa a que pertence.
O leninismo ensina-nos que as reivindicações parciais e as formas de luta limitadas, que lhe correspondem, não têm nada de absoluto. A concepção revolucionária consiste em compreender as reivindicações limitadas, passar por elas sim, mas apenas com o objectivo de as franquear, de marchar avante, de levar as massas, pela sua própria experiência, à sua consciência revolucionária superior que lhes permita finalmente dirigir-se sem hesitações para o único objectivo válido, o único que interessa verdadeiramente, para a insurreição.
Perguntemos finalmente: Porque chegaram os dirigentes do nosso Partido ao ponto de desconhecer que o centro de gravidade do nosso movimento revolucionário se tem deslocado incessantemente nestes 20 anos e deixou de estar já na luta pacífica, porque chegaram eles ao ponto de desconhecer que o movimento paralisará sem falta se não conduzirmos a sua vanguarda nas acções superiores correspondentes a cada etapa, porque chegaram eles ao ponto de desconhecer que as acções parciais não têm qualquer valor absoluto e só valem pela sua posição no conjunto do movimento?
Isso aconteceu porque, julgando a revolução muito longínqua e desabituando-se de pensar nela, eles deixaram de estudar o processo revolucionário como um todo, passaram a pôr todas as suas esperanças e perspectivas em tais ou tais etapas, e levaram a pouco e pouco estas à categoria de objectivos em si mesmos, deixaram de ver nas acções parciais a função única e exclusiva de fazer a educação revolucionária das massas e permitir-lhes marchar à revolução, e passaram a ver nelas o meio de obter certas posições, como condição prévia para passar à revolução.
Os dirigentes do Partido passaram assim lentamente nos últimos 20 anos duma posição revolucionária perante as lutas de massas para uma posicão burocrática de fundo reformista. Eis ao que nos conduz finalmente a análise da tão decantada fidelidade dos dirigentes do Partido à linha leninista das acções de massas.
É isto que explica a sua tendência para fazer da vitória ou derrota de cada luta parcial a questão decisiva, quando a questão decisiva de cada luta parcial é saber se as massas tiraram ou não dela as lições necessárias para avançarem na via revolucionária, para se libertarem de todas as ilusões quanto às concessões limitadas, quanto às reformas.
Os dirigentes do Partido pretendem chamar as massas à luta apontando-lhes as «vitórias» já conseguidas, quando o que é preciso é mostrar às massas que todas as vitórias até agora conseguidas, são limitadas, frágeis, enganosas, quando é preciso mostrar-lhes que estão hoje pior do que nunca, esmagadas pela fome, pela guerra, pela opressão, mostrar-lhes que a grande vitória, a única vitória destes 20 anos foi ter levado o proletariado e o povo à convicção de que não há qualquer saída além da insurreição.
Porque se preocupam os dirigentes do Partido com as vitórias parciais tão obsessivamente, a ponto de as descobrirem onde elas não existem? Visivelmente, porque não acreditam que o movimento possa avançar senão pela acumulação de vitórias parciais, porque julgam que a revolução é impossível sem estarem preenchidas as condições por eles imaginadas, sem estarem conquistadas as posições por eles fixadas.
Eles pretendem assim insistir na conquista de posições em organizações legais de massas, na formação de movimentos legais da Oposição (!), na formação de «milhares» de comissões legais, na comemoração de datas históricas, etc., como se o movimento revolucionário português não tivesse hoje um nível bem superior ao de há 20 anos, como se a luta de classes não se tivesse agudizado extraordinariamente desde então. Precisamente um dos melhores índices do amadurecimento da crise revolucionária em Portugal está na rapidez com que, hoje, as acções legais evoluem para ilegais, as acções económicas evoluem para políticas, as acções pacíficas evoluem para a violência. Não o compreender e chamar as massas a atingir metas, já ultrapassadas, é objectivamente puxar o movimento para trás.
Nos últimos tempos, à medida que nos temos vindo a aproximar duma crise revolucionária, os dirigentes do Partido acentuam a tendência para a valorização exagerada das acções limitadas, obscurecem mais e mais os objectivos finais do movimento, multiplicam as exigências sobre as condições que deve preencher uma situação revolucionária; quanto menos etapas vêem à sua frente para franquear, mais tímidos e hesitantes eles se tornam, visivelmente porque receiam que não haja mais etapas e depois venha o vácuo..., isto é, a revolução.
Em Junho de 1958, o movimento de massas atingira um nível muito elevado, passara sucessivamente das acções «eleitorais» legais às manifestações, aos choques com as forças repressivas, à greve política. Era preciso abrir-lhe uma saída revolucionária. Mas a direcção do Partido, desnorteada com a torrente popular, não encontrou nada de melhor do que favorecer o putsch dos oficiais, e, perante o fiasco deste, chamar as massas a uma «grande jornada nacional pacífica pela demissão de Salazar»! Isto foi o resultado de um desvio oportunista e está já criticado; mas hoje, quando o movimento atinge de novo formas elevadas e tenta passar às formas não pacíficas, a direcção do Partido não tem melhor consigna revolucionária do que a «insistência» nas formas legais, semi-legais e ilegais, [nas] lutas por objectivos políticos, económicos, culturais, etc. É preciso reconhecer que em 1958 havia pelo menos mais imaginação...
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Os dirigentes do Partido dirigem o fio da sua crítica contra os «sectários desligados das massas» e citam abundantemente a crítica de Lénine na «Doença Infantil» aos sectários e “esquerdistas” que se recusavam a elevar o movimento revolucionário ainda atrasado (Inglaterra, França, Itália, Holanda, em 1920) através da utilização dos parlamentos, sindicatos, etc.; eles não se perguntam se essa crítica tem aplicação às condições nacionais, à ditadura fascista, à actual crise revolucionária que se atravessa em Portugal. E, ao mesmo tempo, eles recusam terminantemente editar as «Duas Tácticas», em que Lénine criticava os oportunistas que, ao chegar ao período revolucionário, se agarram ainda às formas ultrapassadas por medo à revolução; eles alegam que a edição das «Duas Tácticas» só faria aumentar a confusão. Aqui está uma forma original de seguir Lénine e uma confissão eloquente...
O que escreveu Lénine nas «Duas Tácticas»? Ele escreveu, por exemplo, o seguinte: «Não se deve esquecer que o pessimismo em voga acerca do nossso contacto com as massas encobre agora com muita frequência as ideias burguesas, relativas ao papel do proletariado na revolução. É indubitável que teremos de trabalhar ainda muitíssimo para educar e organizar a classe operária, mas actualmente toda a questão consiste em saber onde deve residir o centro de gravidade principal dessa educação e dessa organização: nos sindicatos e nas organizações legais ou na insurreição armada, na formação dum exército revolucionário e de um governo revolucionário? A classe operária educa-se e organiza-se tanto num como no outro. Naturalmente, tanto um como o outro são necessários. Contudo, toda a questão agora, na revolução actual, reduz-se a saber onde residirá o centro de gravidade da educação e da organização da classe operária; se no primeiro ou no segundo. («Duas Tácticas», prólogo).
A questão actual a que é preciso responder é: onde está o centro de gravidade da luta em Portugal? Qual é a palavra de ordem, a reivindicação, a forma de luta, que mobilizará a vanguarda proletária e porá em marcha as grandes massas, preparando finalmente as tão faladas «condições subjectivas» para o levantamento popular?
Segundo os dirigentes do Partido, parece que deixou de haver propriamente alguma coisa que se possa considerar o centro de gravidade do movimento, visto que todas as lutas, grandes e pequenas, económicas ou políticas, são importantes, visto que as pequenas lutas estimulam as grandes e vice-versa, etc., etc.; parece até que se quisermos determinar um centro de gravidade, segundo esta concepção, o encontraremos nas lutas inferiores, que ainda são afinal as mais «acessíveis» a toda a gente.
É assim que a insistência nas acções «mais variadas», a recusa a destacar qual é a forma superior, qual é o centro de gravidade actual do movimento, representa a recusa a admitir que o centro de gravidade tenha passado da luta pacífica para a luta violenta, representa a tentativa de fazer estacar o movimento de massas, e por isso está mergulhando a vanguarda e com ela todo o movimento, na confusão e na paralização.
Chamar à greve política em 1943, por exemplo, teria sido insensato e conduzir-nos-ia ao fracasso: mesmo a vanguarda proletária da região de Lisboa não tinha atingido ainda esse nível em 1943. Mas voltar hoje, depois das acções de 1962-63 e quando o movimento não foi de forma nenhuma derrotado mas quer marchar avante - voltar a chamar vanguarda às comissões legais e aos sindicatos é uma insensatez maior ainda, porque é querer puxar o movimento para trás, é dizer aos operários que atingiram em 20 anos de luta um elevado nível revolucionário: “Esquece o que aprendeste, recomeça de novo”, não penses na insurreição. E admiramo-nos que eles nos voltem as costas?
Saber conduzir corajosamente a classe operária e as massas de vanguarda na acção violenta - tal é a obrigação estrita do nosso Partido, se quizer manter-se nas primeiras filas do movimento revolucionário português, se quiser acompanhar as massas.
4. Os comunistas e a violência
Acabamos de ver como a linha da direcção do nosso Partido em relação ás lutas de massas, apresentada como prova da fidelidade à linha leninista do movimento de massas, é na realidade uma deturpação do leninismo, sob o peso de concepções reformistas que se têm vindo a desenvolver nos últimos 20 anos no seio da direcção do Partido. Vamos ver em seguida como a posição dos dirigentes do Partido acerca do emprego da violência, apresentada também como linha leninista, nada mais é do que uma deturpação pacifista do leninismo que conduz ao abandono da linha revolucionária do leninismo.
Lenine sobre a violência e o terror - É impossível discutir a posição dos dirigentes do Partido em relação ao emprego da violência sem começar por rever brevemente o essencial da posição leninista sobre o terror e a violência.
Nos fins do século passado, Lénine dirigiu, à frente do partido social-democrata russo, um combate sistemático à teoria e à prática terrorista então desenvolvida pelo partido populista, partido da pequena-burguesia radical.
Os populistas, não compreendendo o mecanismo da luta de classes e do movimento revolucionário das massas oprimidas, a quem desprezavam como ignorantes e embrutecidas, pretendiam estabelecer uma nova ordem social na Rússia pela acção isoladas de «heróis», cuja missão consistia em liquidar os tiranos, vingar os oprimidos e galvanizar o povo pelo exemplo. Numa época em que os operários e camponeses russos, mergulhados num atraso tremendo, não compreendiam a origem dos seus sofrimentos e da sua miséria, não compreendiam que era preciso derrubar o czarismo, numa época em que o movimento revolucionário russo estava ainda na infância, os terroristas mantinham-se afastados das massas e organizavam ataques individuais, que não resolviam a situação, porque a um carrasco abatido sucedia um outro pior ainda e as massas, em vez de serem galvanizadas como eles supunham, se conservavam na expectativa.
Lénine demonstrou como esta corrente terrorista pequeno-burguesa não podia conduzir o movimento revolucionário das massas porque não compreendia as tarefas essenciais da revolução. Sob a direcção de Lénine, os comunistas russos dedicaram-se a um profundo trabalho de agitação, de esclarecimento e de organização entre as massas proletárias, e, através da condução da luta económica e política, do aproveitamento minucioso de todos os meios legais de organização, conduziram em poucos anos o movimento de massas a um nível superior.
Quando em 1905 se desencadeou a crise revolucionária na Rússia, quando as massas passaram às grandes manifestações políticas e, defrontadas pela sangrenta repressão czarista, começaram a compreender que era preciso revoltar-se, empunhar as armas - Lénine e os comunistas russos não só não as alertaram contra o terrorismo e a violência, como pelo contrário, compreendendo as tarefas novas do movimento revolucionário ao atingir uma etapa superior, organizaram por todos os meios as acções violentas e prepararam a luta armada.
O Partido bolchevique dedicou-se então seriamente à tarefa de fazer entrar armas na Rússia. «Podemos e devemos aproveitar os progressos da técnica», escrevia Lénine em 1905, “ensinar nos destacamentos operários a fahricação em grande escala de bombas, ajúdá-los assim como aos nossos destacamentos de combate, a obter explosivos, pistolas e espingardas automáticas”. Lenine criticava duramente os mencheviques que, assustados pela marcha tumulosa dos acontecimentos, se agarravam às velhas tarefas do movimento sem querer reconhecer que essas tarefas tinham passado para segundo plano, e alertava os bolcheviques contra “o atraso incrível a respeito das tarefas do vanguarda e efectifivamente revolucionárias”, a respeito da, preparação da insurreição. Como se sabe, os bolcheviques estiveram por toda. a parte à frente das acções armadas, bateram-se nas barricadas durante a insurreição, deram a vida pela revolução.
Em 1906 quando, o movimento revolucionário já refluía sob os golpes do czarismo, Lénine fustigava ainda impiedosamente aqueles sociais-democratas que condenavam as acções dos grupos armados (execução de carrascos czaristas, assaltos para obtenção de fundos, etc.) como terrorismo e banditismo; Lenine escarnecia do «pedantismo» destes social-democratas que, em vez de se porem à cabeça dos grupos armados e de os orientarem devidamente, se afastavam com sobranceria da violência, ignorando a onda revolucionária que varria a Rússia, e dizia que eles nada tinham de revolucionários, apesar de se cobrirem em citações de Marx sobre o terrorismo e o blanquismo.
Esta rápida referência a um período da história do bolchevismo pode ajudar-nos a estbelecer o essencial do leninismo sobre a violância e o terror. O leninismo não condena a violência armada, mas, pelo contrário, reconhece-a como recurso decisivo das massas oprimidas para triunfarem do poder opressor. O leninismo não traça uma linha divisória rígida entre a acção pacífica e a acção violenta, mas defende a utilização de uma ou outra força, segundo a marcha da revolução. O leninismo não estabelece quaisquer condições sobre a violência exercida por grandes massas ou pequenos grupos, por guerrilhas, etc.. O leninismo repudia como inútil, ineficaz, toda e qualquer forma de violência exercida em substituição do movimento de massas, pretendendo fazer saltar artificialmente etapas ao movimento ainda atrasado.
Em todas as obras de Lenine e em toda a literatura marxista encontramos indicações claras e precisas sobre a necessidade do emprego da violência. O marxismo-leninismo rejeita com desprezo prédicas pacifistas que não deixam de se multiplicar de cada vez que o movimento de massas se aproxima da revolução, ele mostra que a missão objectiva dos que procuram evitar o “derramamento de sangue” e a “aventura” é diminuir a amplitude de insurrreição popular, evitar as grandes transformações revolucionárias.
O Partido perante a violência: primeira etapa - Vejamos agora se é possível tirar algumas conclusões da posição teórica e prática da direcção do nosso Partido acerca do emprego da violência no decurso do processo revolucionário.
Logo após a sua reorganização, iniciada em 1929 sob a direcção de Bento Gonçalves, o nosso Partido encontrou-se confrontado com a questão do emprego da violência. Tratava-se de saber se o Partido devia seguir a linha dos que pretendiam deter o avanço do regime fascista pelo desencadeamento de acções de tipo superior com emprego da violência (greve revolucionária, atentados, colaboração com golpes militares da burguesia), ou daqueles que consideravam indispensável fazer um profundo trabalho de esclarecimento, mobilização e organização das massas pela condução das lutas inferiores, pela utilização dos meios legais, por mais restritos que fossem. Tratava-se afinal de determinar em que etapa se encontrava o movimento revolucionário e, de acordo com essa análise, escolher as formas de luta adequadas.
A experiência mostrou que Bento e os outros camaradas da direcção do Partido tinham razão em lutar, através das maiores dificuldades, contra o espírito anarco-sindicalista que dominava o nosso proletariado, contra os atentados bombistas e os apelos gratuitos à greve insurreccional (Bento Gonçalves criticou duramente os esforços de muitos comunistas para transformar a greve de 18 de Janeiro numa insurreição), contra a participação dos operários nos putschs da burguesia radical, contra o “revolucionarismo” de atitude dos que recusavam trabalhar nos sindicatos fascistas e outras organizações legais de massas.
Atravessando duras provas e dificuldades, o Partido conseguiu, graças a esta linha correcta, enraizar-se nas massas proletárias, sendo reconhecido como o seu dirigente, temperar-se como partido revolucionário. A justa posição tomada nesta etapa quanto à questão da violência assentava no reconhecimento de que as grandes massas proletárias, o campesinato, o povo, estava ainda iludido sobre a natureza do poder fascista, não podia de forma nenhuma ser mobilizado para acções de tipo superior, tinha de fazer uma grande escola de lutas parciais para se elevar à consciência das contradições de classe existentes e da necessidade de recorrer à violência. Conduzir o Partido e uma pequena vanguarda proletária (mesmo essa dominada pela ideologia anarquista) a accões violentas seria facilitar à ditadura a tarefa de isolar a vanguarda das massas e batê-la facilmente. Por isso a posição correcta tomada pela direcção do Partido nesta época acerca da violência, contribuiu para fazer avançar o movimento revolucionário e para fortalecer o Partido.
O Partido perante a violência: segunda etapa - em 1944-45, sob a direcção do nosso Partido, o movimento de massas encaminhava-se rapidamente para formas superiores; as grandes greves, manifestações e marchas da fome davam lugar a choques com as forças repressivas e atraíam uma parte apreciável do proletariado a procurar formas violentas de luta; algumas surgiram espontâneamente. Debruçando-se sobre esta situação nova, a direcção do Partido não só estimulava entre a classe operária a ideia de que ia ser necessário recorrer à violência, passar à insurreição, como tomou mesmo medidas orgânicas nesse sentido, criando os GACs; grupos anti-fascistas de combate, com a missão de garantir a auto-defesa das massas e preparar as acções armadas cuja proximidade se entrevia. O Partido encarava assim as formas violentas como o complemento natural e necessário das formas pacíficas, ao ser atingida uma etapa superior do movimento.
Contudo, passado pouco tempo, a direcção do Partido altera radicalmente esta orientação e começa a seguir uma nova linha em relação à violência (linha que está expressa nos materiais do 2.° Congresso Ilegal, 1946, e da reunião do C. C. de Junho de 1947). Por um lado, a direcção do Partido mostrava a importância decisiva de se saberem aproveitar audaciosamente as novas condições criadas pelo movimento de massas (criação de movimentos legais da oposição, concorrência às “eleições”, etc.), salientava que havia condições para fazer um profundo trabalho entre as massas, e a experiência mostrou que esta apreciação era correcta e que ela permitiu levar mais longe o movimento, de massas. Mas, ao mesmo tempo, a direcção do Partido condenava o «espírito demasiado de classe» com que fora conduzida a acção nos anos anteriores, encarava as formas violentas de luta não já como complementares das formas pacíficas (na etapa superior que então se atravessava); mas como opostas e prejudiciais às formas pacíficas, dissolvia os GACs, como tendentes a afastar os comunistas do trabalho de massas. Um sintoma alarmante da nova posição pode encontrar-se no relatório «Unidade, garantia de vitória», apresentado à reunião do C.C. de Junho de 1947, em que a grande greve do proletariado de Lisboa, desencadeada dois meses atrás, é citada de forma apagada e em que surge a preocupação de justificar os prejuízos provocados pela greve ao processo produtivo, mostrando que a responsabilidade disso cabe ao governo, em vez de se valorizar perante a classe operária o grande êxito que constituíra precisamente a sua força para paralisar o processo produtivo, para lançar «a desordem na producão nas ruas». Esta posição perante a greve, bem diferente da posição tomada no informe ao 1º Congresso Ilegal sobre as greves de Julho Agosto de 1943, é um índice da forma nova como é considerada a questão da violência: a necessidade de não fazer recuar os «sectores menos radicalizados da população» (a burguesia anti-fascista e os sectores por ela influenciados), a necessidade de não deixar isolar a vanguarda, a necessidade de manter todo o movimento unido em posições comuns.
Só no segundo artigo desta série, dedicado à crítica da política de alianças do Partido nos últimos 20 anos, poderemos ver melhor as concepções que originaram este recuo perante a violência; mas, para já, podemos assinalar que, guiar-se por raciocínios semelhantes ao de Bento Gonçalves a 15 anos de distância, e quando o processo revolucionário, atravessara já várias etapas e se encontrava numa fase ascendente, só podia conduzir, como conduziu, a uma posicão errada perante o problema da violência.
Esta segunda etapa da revolução da direccão do Partido, em relação ao emprego da violência, termina assim com a oposição a todas as tendências entre o proletariado para desencadear acções violentas, cristaliza na admissão teórica do emprego futuro da violência organizada no levantamento nacional e na rejeição efectiva de todas as formas de violência organizadas, condenadas sob a designação simplista de «terrorismo»: Antes de vermos o desenvolvimento desastroso deste processo, vamos procurar ver, se teria havido condições para outra actuação em 1942-49.
Lições da violência fascista - A posição do Partido em relação ao emprego da violência é uma questão de primeira importância no nosso caso nacional, quando o movimento revolucionário se desenvolve sob a opressão de uma ditadura fascista. Pretender conduzir a luta anti-fascista à vitória sem definir perante o Partido, a classe operária e as massas posições de princípio e posições práticas bem nítidas sobre o emprego da violência, é uma utopia, é um engano; esse erro torna-se ainda mais grave, quando estamos perante uma ditadura com as características específicas do salazarismo.
Na realidade, a repressão salazarista sobre as massas populares é um exemplo notável de sabedoria política na condução da luta de classe. A ditadura teve sempre o cuidado de treinar o seu aparelho policial para procurar as formas de repressão mais adequadas a cada passo, para fazer recuar com extrema maleabilidade o nível de violência sobre as massas, não hesitando em ir até às formas mais cruéis, mas medindo sempre cuidadosamente a força da revolta popular em cada momento e tendo o cuidado de não ultrapassar o nível estritamente necessário para desarticular a accão concreta em curso, para localizar e destruir os grupos de vanguarda. A acção da PIDE é a expressão mais completa desta linha repressiva. E nas manifestações dos últimos anos vimos como a polícia não desnorteava perante a disposição das massas, media em cada local e em cada momento a combatividade e a organização das massas e agia de acordo com a situação, o que explica o número limitado de mortos e feridos.
É claro que, ao longo de 37 anos de ditadura, se podem apresentar muitos actos de violência gratuita mas isso não desmente a linha constante seguida pelo aparelho repressivo salazarista. Se passarmos os olhos pela história das lutas sociais no tempo da República, vemos como os democratas burgueses no poder cometeram erros muito mais grosseiros na repressão sobre as massas, fazendo espingardear manifestações pacificas para se lançarem depois em concessões, tomados pelo pânico.
O salazarismo representa efectivamente um nível superior na táctica repressiva sobre as massas. Exercendo uma opressão sistemática, minuciosa sobre o povo, numa escala nunca antes conhecida em Portugal, criando um aparelho repressivo gigantesco, a ditadura esforçou-se por não precipitar de modo nenhum a passagem às formas extremas de luta, por manter a luta de classes em limites controláveis; ela tornou-se assim mestra na arte das falsas concessões, na capacidade de manobra, no avanço e recuo conforme as circunstâncias.
Esta característica da ditadura, cinicamente elogiada por Salazar como o fruto da «doçura dos nossos costumes», é um dos melhores índices da estreita base social do fascismo, da consciência que a oligarquia tem na instabilidade do seu poder. Os fascistas sabem que, nas condições sociais do nosso país, o desencadeamento aberto da violência, da luta armada entre as forcas populares e o aparelho repressivo, pode desequilibrar rapidamente a balança de forças para o lado da revolução. Conservar durante o maior período possível a sua capacidade de manobra, a sua face de poder opressor mas «temperado», e sobretudo pacífico - foi sempre uma questão vital para o salazarismo. Ele fez tudo por evitar que a luta subisse às formas violentas.
Qual é, nestas condições concretas, o dever do Partido revolucionário do proletariado?
Ele tem o dever de, apoiando-se nesta elevação de consciência popular do movimento para formas superiores, para formas extra-legais, conduzir as massas, pelo aproveitamentos de todas as formas parciais e possibilidades legais, por mais pequenas que sejam (sindicatos, «eleições», comissões, abaixo-assinados), a forçar a ditadura a desmascarar-se completamente perante as massas como um poder arbitrário, forçá-lo a revelar totalmente a falsidade das vias legais que finge abrir. Ele tem ainda o dever de, apoiando-se nesta elevação da consciência popular, conduzir o movimento para formas superiores, para formas extra-legais (greves, manifestações), forçando a ditadura a desmascarar-se não só como um poder arbitrário, mas como um poder odioso e sanguinário, ferozmente inimigo do povo. Uma vez isto feito, o Partido do proletariado deve sem falta conduzir a acção revolucionária ao seu desenvolvimento natural, à acção armada, cuja função será revelar às massas na prática o único caminho eficaz que se lhes abre, treiná-las no combate, pôr à prova a solidez interna do aparelho repressivo fascista, preparar as condições para a insurreição futura.
Se o não fizer, se paralisar o desenvolvimento do movimento revolucionário ascendente quando este esgota as formas pacificas, a pretexto de que ainda não há condições insurreicionais, se procurar consolar as massas valorizando exageradamente os êxitos e conquistas parciais conseguidos na luta pacifica, alimentando-lhes a esperança em futuras oportunidades de luta pacífica que voltarão a surgir, o Partido estará objectivamente fechando às massas o caminho da insurreição, e permitirá à ditadura aquilo que ela mais deseja: reconstituir a sua capacidade de manobra, abalada pelo movimento de massas, preparar tranquilamente novas «oportunidades legais», manter o movimento revolucionário de massas no nível de «oposição» eleitoral e pacífica, iniciar um novo círculo de luta (a propósito: o facto de os dirigentes do Partido insistirem em designar o movimento revolucionário e democrático como a «oposição», quando ele saiu há muito desses estreitos limites, não é um sintoma da influência que sobre eles exerce o. reformismo?).
Isto quer dizer que a marcha ascendente do movimento democrático nacional no período de 1942-49 só teria sido firmemente impulsionado pelo Partido se este não tivesse receado completar as acções pacíficas com acções violentas, onde e quando as massas revoltadas pela repressão fascista se mostrassem desejosas de o fazer.
Argumentar com a falta de condições para o desencadeamento da insurreição neste período revela uma concepção limitada sobre o emprego da violência no decurso do processo revolucionário; só se o Partido não tivesse caído numa separação rígida entre a luta pacífica e a luta violenta, só se não tivesse receado introduzir as formas violentas que a vanguarda procurava, só neste caso a direcção do Partido poderia ter avaliado correctamente as possibilidades do movimento vir a desembocar na insurreição e o caminho futuro a seguir.
Partir da ideia de que o levantamento nacional deve estar ao alcance da mão para só então admitir que a luta tome formas violentas, é um erro em qualquer caso, mas um erro grave quando se luta contra uma ditadura fascista; se o Partido proibe à vanguarda revolucionária o emprego da violência e da luta armada e mantém como uma reserva suprema para o «dia do levantamento», o Partido estará originando que a perspectiva do levantamento se afaste sem cessar à frente do movimento.
As formas violentas e a luta armada deviam ter sido conduzidas como expressão superior do movimento de 1942-49, porque eram o desenvolvimento necessário do nível que atingira a luta, constituiam a única perspectiva que não puxava as massas para trás, a única que correspondia aos desejos da vanguarda, às conclusões que as massas tinham tirado no decurso da acção pacífica. O Partido devia ter auscultado a disposição das massas e devia ter organizado (talvez já em 1943-44), acções violentas lá onde o nível de luta o exigia. Mesmo que, nesta época, as acções violentas não se viessem a estender, mesmo que o movimento não conseguisse desembocar na insurreição, mesmo que ele viesse a ser dominado temporariamente pela ditadura e que fosse necessário recurar de novo para formas pacíficas, esta experiência seria sempre positiva porque deixaria indicado no concreto o caminho da insurreição, radicalizaria as grandes massas ainda hesitantes e descrentes na sua força, centuplicaria o ódio ao inimigo, extremaria os campos, em vez de deixar o movimento extinguir-se pacificamente como rio que se some no areal, lançando a confusão e o desalento na vanguarda e nas massas.
O partido perante a violência: terceira etapa - Não fazendo uma profunda e corajosa crítica de princípios à sua actividade de 1942-49, às experiências e ensinamentos que continha quanto ao emprego da violência (porque uma tal crítica obrigaria a passar da questão da violência para a questão mais vasta da hegemonia do proletariado e da política de alianças, viria forçosamente pôr em causa a linha da «unidade» adoptada no 2.° Congressos Ilegal), o Partido veio a ser arrastado para uma situação desastrosa poucos anos depois.
Quando, a partir de 1954, o movimento democrático nacional entra em nova fase ascendente, quando se começa a desenhar uma crise muito mais poderosa que a anterior, quando o Partido é outra vez confrontado com a questão da violência, as sementes oportunistas da rejeição da violência (animadas por um clima internacional favorável ao revisionismo), desabrocharam em flores e frutos: foi o período, da «solução pacífica».
Durante quatro anos, enquanto o movimento operário e democrático português atravessa um período de grandes acções populares e caminha rapidamente para formas não-pacíficas, a direcção do Partido multiplica os apelos e tomadas de posição quanto à possibilidade de um «afastamento pacífico de Salazar», prega a «reconciliação dos portugueses», assegura que “os comunistas não desejam a violência nem o derramamento de sangue”, “não querem reavivar os ódios” apela para que “se poupem mais sacrifícios ao nosso povo”, etc., etc.. Quando as massas de milhões de trabalhadores se erguiam, animados de ódio profundo aos seus opressores, ansiosos por se vingar de 30 anos de humilhações e sofrimentos, desejosos de desencadear a violência contra a ditadura - a direcção do Partido desacreditou-se e desprestigiou o nome do Partido entre as massas oprimidas, desempenhado o papel de freio do movimento revolucionário, por muito positivas que tenham sido as contribuições que apesar de tudo deu à luta.
A crítica ao desvio oportunista de 1956-59 está feita, pode dizer-se. Mas essa crítica não foi capaz de pôr inteiramente a nú as raízes de classe deste vergonhoso pacifismo, contentou-se em condenar as manifestações específicas do oportunismo e não se esforçou por averiguar sistematicamente, impecavelmente, as suas origens, as suas raízes, a sua maturação lenta e subtil no interior da direcção do Partido.
Porque pregava a direcção do Partido a «saída pacífica» e admitia ao mesmo tempo que teria de haver choques violentos? Porque defendia ela o «afastamento pacífico de Salazar» e favorecia, ao mesmo tempo, o golpe militar? Porque não tinha ela mais para oferecer aos operários do que «uma jornada nacional pacifica pela demissão de Salazar» e incitava ao mesmo tempo os oficiais a desencadear o golpe? Como pôde ela convencer-se que o forte aparelho militar-policial fascista se iria desagregar? Porque considerou ela pacíficas as revoluções do Iraque e da Venezuela, o 5 de Outubro? Porque transformou ela a «passagem pacífica ao socialismo», do 20.° Congresso do PCUS, no «afastamento pacífico do fascismo»?
Passar levemente por cima das origens destas posições, como se fez no relatório sobre o desvio de direita, em 1961, admitir que tudo isto, ou quase tudo, resulta de transplantações mecânicas, de substimação da situação concreta, de desorientação, confusão etc., é na realidade, deixar ficar intactas as raízes do oportunismo, em vez de as arrancar.
É que em todas estas posições do período de 56-59 não há qualquer contradição, é que elas são perfeitamente coerentes, desde que queiramos compreender o sentido profundo da expressão «pacífico», sentido que, de resto, foi explicado pelos dirigentes do Partido em diversas oportunidades nesta altura. Fazer o «afastamento pacífico de Salazar», era derrubar Salazar sem recurso à revolução, à insurreição popular; o golpe militar podia ser incluído na «saída pacífica» precisamente porque excluía e evitava a insurreição; a desagregação do aparelho fascista era uma perspectiva lógica, porque se encarava uma recomposição do Estado burguês e não uma revolução; o 5 de Outubro foi «pacífico» porque aí as massas populares actuaram sob a direcção de revolucionários burgueses e, em vez de «desencadear os ódios», entregaram-lhes docilmente o poder; as revoluções do Iraque e da Venezuela foram «pacíficas» porque foram dirigidas pela burguesia que utilizou as massas populares como forças auxiliares; a «passagem pacífica ao socialismo» pôde ser transformada em «passagem pacífica à democracia», porque se o PCUS modificava a tese leninista sobre a revolução socialista, o PCP também se podia permitir o direito de renunciar à tese leninista sobre a revolução democrática. O essencial, a linha interna comum de todas estas posições, era o abandono aberto da revolução; nisso a direcção do Partido foi perfeitamente coerente no decurso desses 4 anos; ela lutava por uma «solução pacífica», na medida em que lutava por uma solução não revolucionária.
A tendência para descrer na capacidade revolucionária do nosso proletariado e das massas populares, a tendência para procurar a direcção burguesa da luta antifascista, que, ainda tímida e hesitante, em 1946 já levava a ver inconvenientes e a fazer reservas ao desencandeamento da violência das massas, floresceu como corrente e acabou por triunfar como linha oficial do Partido em 1956. A partir de 1956, a direcção do Partido, descrente na capacidade revolucionária do proletariado e das massas, temerosa da «catástrofe» que poderia acarretar uma explosão insurreccional dos operários, ansiosa por estimular os grupos da burguesia descontentes com a ditadura, quaisquer que eles fossem, a pôr-se à cabeça do movimento anti-salazarista, tomou, com a tese da «solução pacífica», o compromisso tácito de suster o desencadeamento da violência revolucionária das massas, de não orientar as massas para a revolução, de se esforçar «lealmente» para as utilizar como forças auxiliares da burguesia no derrubamento da camarilha e na recomposição do Estado burguês. Esta linha está confessada explicitamente em diversos materiais deste período, entre eles o artigo do «Militante» 97 e o manifesto de Julho de 1959, em que no meio de frases «revolucionárias», se podem ler os convites à burguesia para não temer os comunistas, para não duvidar da sua boa fé e disposição de respeitar os compromissos, em que inclusivamente se procura empurrar a burguesia para a cabeça da luta, assustando-a com o espectro da revolução futura. Foi esta linha que ditou a disposição de levar os operários a colaborar como forças auxiliares no golpe de Março de 1959; foi ela que levou a oposição obstinada ao desencadeamento da greve política de Junho de 1958; foi ela que empurrou a direcção do Partido, num período de agitação revolucionária, para o combate sistemático ao “aventureirismo” e ao “terrorismo”, para argumentos pacifistas e moderadores junto dos operários, para a tentativa de desacreditar perante as massas a gloriosa luta armada dos revolucionários cubanos, mesmo depois dela ter levado ao triunfo (artigo do «Militante» 101).
O florescimento sem peias nem vergonhas do oportunismo no período de 1956-59 trouxe lições preciosas ao partido para corrigir muitos aspectos da sua linha e entre eles o da questão da violência, ele mostrou com uma clareza meridiana, a ligação íntima, estreita que existe entre a renúncia à violência e a renúncia à hegemonia do proletariado e ao desencadeamento da insurreição; ele mostrou como, deixando entrar o Partido pouco a pouco, desde 1946, no caminho de pôr reservas às formas violentas de luta, de se não atrever a proclamar a violência com o seu objectivo superior, de abandonar a crítica sistemática de classe ao pacifismo burguês, se acaba no pântano do abandono da revolução e do seguidismo perante a burguesia.
Mas para tirar essas lições era preciso levar a crítica ao oportunismo até às últimas consequências, não ter medo de revolver toda a linha anterior do Partido para encontrar as origens, queimar a ferida com um ferro em brasa, ajudar os dirigentes envolvidos em tais erros a compreender inteiramente a degradação do oportunismo e exigir-lhe depois a autocrítica aberta, completa, que desse garantias ao partido, não hesitar em afastar da direcção os que se mostrassem incapazes de o fazer, era isto que se impunha desde que se tivesse a consciência do abismo para que o Partido ia sendo lançado, desde que se pensasse nas provas futuras que o Partido iria enfrentar e na necessidade de sair delas com honra, de não voltar a cair em posições tão vergonhosas.
Não foi isto o que se fez em 1960-61, apesar de haver elementos suficientes para isso. Prefereiu-se encerrar a crítica e o debate com uma correcção, sem dúvida positiva, mas limitada dos erros cometidos; a experiência veio mostrar mais uma vez como o receio à autocrítica ia deixar o Partido desarmado perante o novo avanço do movimento revolucionário e ia lançar a direcção do Partido, a três anos de distância, outra vez na oposição à marcha da revolução, precisamente por não saber adoptar uma posição revolucionária na questão da violência.
O Partido perante a violência: quarta etapa – quem não compreenda em toda a sua amplitude a situação nova criada em Portugal a partir de 1961, não pode efectivamente compreender o papel que a violência é chamado a desempenhar durante a crise geral da ditadura; se este era um problema importante para o nosso Partido, agora tornou-se um problema decisivo sem o qual não se pode tomar uma atitude revolucionária. A partir de 1961, o começo da guerra veio agudizar a luta de classes em Portugal a um nível que deixa a perder de vista o dos períodos anteriores. A insurreição dos povos das colónias obrigou a ditadura de Salazar a transpor a última etapa do seu longo processo de opressão de classe, a passar às formas extremas da luta armada. Os combates que se travam há três anos fora do território do país não deixam de repercutir, cada vez mais fortemente na luta de classes e preparam o desencadeamento da violência entre nós.
Desde há três anos consecutivos, dezenas de milhares de operários, de camponeses são lançados de arma na mão contra os povos africanos revoltados; os fascistas ensinam milhares de trabalhadores a manejar as armas, a matar e a morrer, desencadeiam por toda a parte o ódio. Os crimes, a selvajaria, fazem correr rios de sangue numa escala nunca conhecida na nossa história. Qual pode ser o resultado disto?
Em 1916, Lénine assinalava a onda do terror e ódio que varria a Rússia por efeito da guerra e previa que a vaga de violência desencadeada pelo governo reaccionário ao lançar-se avidamente na guerra imperialista, acabaria por se voltar contra os seus promotores; o sofrimento e o horror acumulados nas massas arrastadas durante anos à sangueira da guerra, converter-se-ia num ódio destruidor aos seus opressores, quando compreendessem a origem da guerra. É a um fenómeno semelhante que estamos assistindo em Portugal nos últimos três anos. A ditadura arrancou de vez a sua máscara de poder pacífico, provoca o horror e a aversão do povo, está desencadeando uma vaga de violência que já não poderá controlar, é ela própria que aquece ao rubro o ódio acumulado surdamente em 37 anos no povo e que prepara o ajuste de contas.
A guerra apressou a maturação da crise revolucionária que se vinha desenhando em Portugal. Nós temos vindo a assistir desde há três anos à radicalização revolucionária do proletariado e das massas, exasperadas pela miséria e pelos sofrimentos da guerra, que vieram coroar mais 30 anos de opressão, de fome, de violências e de humilhações. A combatividade das acções que se deram a partir de Novembro de 1961 indicaram a todos que vivemos numa fase de preparação da insurreição; a ditadura também o compreendeu e por isso avançou mais um pouco no caminho da repressão sangrenta (um índice elucidativo está na regularidade com que nos últimos dois anos a polícia atira a matar sobre cidadãos pacíficos, ao menor pretexto, “para dar exemplo”). Mas a ditadura, consciente de que corre agora na beira do abismo, não desperdiça à toa, faz ainda um supremo esforço para conter a acção popular no nível pacífico, para atrasar o mais possível o desenvolvimento da acção armada no interior do país.
É evidente que a formação desta crise revolucionária em Portugal colocou perante o Partido com uma força até então ignorada a questão do emprego da violência, exige com uma pressão maior, cada dia que passa, que o Partido cumpra os seus deveres de vanguarda revolucionária nas novas condições históricas em que as formas violentas de luta não se colocam já como complementares das pacificas, mas estão no próprio centro de gravidade político do movimento.
Eles insistem e repetem que são pelo desencadeamento da violência das massas quando chegar o levantamento nacional, supondo que uma declaração de intenções revolucionárias basta para os fazer aceitar como revolucionários, esquecendo que a História não se satisfaz com as suas intenções futuras e quer saber das suas intenções actuais.
Eles afirmam obstinadamente que «ainda não está provado que exista o desejo de passar a formas violentas», apesar de terem há dois anos a voz do Partido e dos operários mais avançados a pedir-lhes orientação para accões violentas, apesar de terem a prova da elevação da combatividade popular após a accão de Beja e outras accões violentas, apesar de terem reconhecido, depois de 1º do Maio de 1962, que «o espírito de combate e de sacrifício se amplia a milhares de portugueses», apesar de terem provas materiais, indiscutíveis, de accões violentas e de sabotagem realizadas espontaneamente em diversas ocasiões.
Eles admitem com esforço as acções de «tipo novo» (o pudor impede-os de dizer «acções violentas»), mas rejeitam na prática toda a forma organizada de violência sob a acusação de «terrorismo» (o que é deturpar Lénine); eles julgam encontrar uma posição de compromisso com esta fórmula, como se fosse possível orientar o movimento para formas violentas sem começar por ter a coragem de justificar politicamente a violência, de apelar abertamente para a violência, como se fosse possível pôr os comunistas a dirigir acções violentas quando se lhes incute diariamente a ideia de que a organização e a técnica da luta armada são impróprias de comunistas (!).
Finalmente, ao insistirem, ainda e sempre no perigo do «recuo dos sectores menos radicalizados», ao mostrarem temer que «se atenuem os dissídios no campo salazarista», ao alertar contra os prejuízos que viriam das «acções descontroladas» das massas, ao proclamarem com exaltação que «os comunistas não são adeptos da violência» e «só apoiam a violência das massas para se defenderem da repressão» - eles confirmam indirectamente mas com a maior clareza que aquilo que está em discussão hoje no nosso Partido não é a questão da oportunidade do emprego da violência agora ou mais tarde, mas é, sim, tal como em 1946-49, tal como em 1958, a própria posição do Partido perante a violência das massas e perante a insurreição; é uma discussão que não pode ser adiada por mais tempo. A ferida que em 1946 começou a corroer o corpo do Partido, que em 1958 se revelou como uma chaga temerosa, que então não houve a coragem para curar, está agora reaberta e ameaça gangrenar o Partido se não for definitivamente queimada. É preciso ter a coragem de o fazer.
5. DUAS VIAS
Os dirigentes do Partido condenam a tendência para os «grupos de acção directa» como oposta ao marxismo-leninismo e obstruindo a via do levantamento nacional, o qual segundo eles, só será atingido através da «unidade, mobilização e organização» que darão lugar a grandes lutas de massas e ao apoio e neutralização de importantes sectores das forças armadas. Nós defendemos a criação imediata de destacamentos de combate como a aplicação do marxismo-leninismo às condições nacionais e a condição decisiva para se encaminharem as massas para a insurreição; nós dizemos que a via defendida pelos dirigentes do Partido só pode facilitar o triunfo dum golpe militar e o escamoteamento da revolução pela burguesia. Como é possível chegar a duas posições tão irreconciliáveis?
A marcha do movimento proletário e democrático nacional na sua última etapa tem vindo a tornar claro para todos (ou quase todos...) que, nas condições nacionais, o triunfo da insurreição popular só poderá ser atingido como conclusão dum processo mais ou menos longo de criação, desenvolvimento, consolidação e generalização da luta armada.
Porque é precisamente a luta armada um traço específico, obrigatório, da nossa revolução na etapa actual? Isto resulta da extrema agudização atingida pela luta de classes em Portugal, da radicalização revolucionária do proletariado, e das grandes massas oprimidas, que defrontam um aparelho repressivo gigantesco, exercendo uma pressão esmagadora sobre o povo e transformando sistematicamente as lutas económicas em lutas políticas, as lutas legais em lutas ilegais, as lutas pacíficas em lutas violentas. Chegamos a um ponto em que os governantes sabem que se cederem a qualquer reivindicação popular importante, isso será o sinal para o assalto, para o desencadeamento da torrente popular que os submergia; eles não têm por isso outro recurso senão fechar todas as saídas e empurrar inevitavelmente o movimento para a forma superior, para a luta armada. Foi isso que aconteceu nas colónias e é isso que se prepara em Portugal.
Os operários e o povo não têm já nenhumas dúvidas sobre o carácter da ditadura como um poder feroz e sanguinário que só pode ser derrubado pela força das armas; as manifestações confirmaram aos olhos das massas esta unanimidade. É evidente que ao chegar a este ponto a questão decisiva que se coloca ao movimento é a de saber onde encontrar a força militar capaz de derrotar a força da ditadura? Como forjar essa força? Como unir a vontade de luta de milhares de operários, camponeses, soldados e estudantes?
Escrever que o povo precisa de ser «mais esclarecido» sobre a ditadura é pretender ganhar tempo e não responder à questão que se põe. O proletariado e o povo (pelo menos as grandes camadas politicamente activas, que são as que importam) já não precisam que lhes ensinem onde está o inimigo: tiveram 40 anos de lutas para o compreender; eles só precisam agora que lhes ensinem a combatê-lo e a derrotá-lo. Sem dúvida que há ainda muito atraso, muitas ideias confusas, muita desorganização, mas isso não nos deve fechar os olhos para a situação objectivamente e subjectivamente revolucionária. Lénine escrevia em 1905: «É verdade que a nossa influência, a dos social-democratas, sobre as massas do proletariado, é ainda insuficiente em alto grau; o influxo revolucionário sobre as massas camponesas é muito insignificante; a dispersão, o pouco desenvolvimento, a ignorância do proletariado e sobretudo dos camponeses são ainda terrivelmente grandes. Mas a revolução coesiona com rapidez e instrui com rapidez» («Duas Tácticas…») . Começar a conduzir a luta armada, eis o supremo factor de esclarecimento das massas na época actual.
Se o Partido se preocupa efectivamente com o desencadeamento da insurreição e não pretende apenas fazer frases sobre a insurreição, então temos que trabalhar perseverantemente, sem um desfalecimento, pelo desencadeamento desta grande onda de violência que se vem acumulando há 40 anos. «Na história, escreveu Lénine, a força destruidora da revolução depende também, e não pouco, da força e da duração do período de esmagamento das aspirações de liberdade, da profundeza que alcancem as contradições entre a super-estrutura ante-diluviana e as forças vivas da época actual» («Duas Tácticas…»). O desencadeamento pleno, total, sem reservas da energia revolucionária acumulada nas massas é a condição para o triunfo da grande revolução democrática, é a única força à altura de levar a cabo as tarefas essenciais da revolução.
Pode alguém supôr seriamente que isto venha a ser atingido de um dia para o outro, à voz de um comando supremo? Pode alguém defender que é apenas pela «insistência paciente e incansável» nas acções pacíficas que se criará uma situação propícia ao pleno desencadeamento da violência revolucionária das massas oprimidas? A acção armada tem a sua estratégia e as suas regras tácticas (de que nada sabemos ainda, ao fim de 37 anos de ditadura!), exige a sua organização própria. Dominar a técnica da luta militar começando pelas pequenas acções, forjar os quadros, a disciplina, a aptidão para o combate, aprender a bater-se - eis as tarefas prementes com que devemos preocupar-nos, se queremos efectivamente começar a fazer da insurreição popular mais alguma coisa do que um sonho sebastianista.
Discutir, como se tem feito de há um tempo para cá, se as acções violentas são admissíveis independentemente de manifestações ou outras acções de massas, é absurdo e ocioso, é ainda forma de ganhar tempo para não enfrentar a questão: correspondem ou não as acções violentas à actual etapa do nosso movimento? Favorecem ou dificultam o seu avanço para a insurreição? O leninismo não estabelece se as acções violentas devem ser admitidas apenas «no decurso do desenvolvimento do movimento popular (greves, manifestações, etc.)», como exigem os dirigentes do Partido. As acções violentas devem ser desenvolvidas se o nível do movimento de massas o exige, esta é a única condição que o leninismo nos impõe; tudo o mais é «corrigir» Lenine. Chegámos às subtilezas escolásticas de saber se é admissível liquidar um carrasco da PIDE na véspera duma manifestação, durante a manifestação, ou no dia seguinte à manifestação!
Pretender que a intensificação das greves, comícios e manifestações é a condição para a criação dum clima propício à luta armada, e que as acções armadas, neste momento, paralisariam a disposição de luta das massas, é pôr de pernas para o ar a situação nacional actual, e a experiência aí está para o desmonstrar.
Os golpes impiedosos do aparelho repressivo exigem cada vez mais uma extraordinária tensão de esforços, combatividade e espírito de sacrifício das massas proletárias; elas lançam-se audaciosamente à luta sempre que vêm possibilidades de poder pela sua acção precipitar a queda dos opressores, mas recusam a luta em que não acreditam. Quando o proletariado e as massas avançadas das outras classes da população chegaram à conclusão unânime de que a luta armada contra o inimigo, a preparação da insurreição, é a forma de luta superior da época que vivemos em Portugal, é a que verdadeiramente pode decidir da marcha dos acontecimentos e quando o Partido se opõe com todas as suas forças à organização, ao lançamento de acções armadas - como esperar que o movimento de massas, assim privado por nós do seu espírito ofensivo, da direcção audaciosa da sua vanguarda, se desentranhe em greves, comícios e manifestações?
Alegar que o peso do aparelho repressivo não impediu no passado as massas de se lançarem em greves e manifestações, mesmo sem haver acções armadas, é querer ignorar que, no passado, mesmo os massas mais avançadas não viam ainda outra forma de luta superior às greves e manifestações, não pensavam na luta violenta e armada como uma possibilidade prática. Quando os operários de vanguarda de Lisboa, do Porto, de Almada, nos dizem hoje: «Ir à manifestação de mãos a abanar, para quê?» eles, expressam essa consciência superior surgida nos últimos anos, de que o aparelho repressivo deve ser enfrentado com uma acção militar eficiente. Deveríamos alegrar-nos com isso, em vez de o lamentar.
Até ao derrubamento da ditadura, assistiremos ainda, sem dúvida, a grandes acções de massas, a greves, manifestações, comícios e choques de massas com o aparelho repressivo fascista; mas estas acções de massas só podem ter lugar se a vanguarda souber impulsioná-las, apoiá-las, guiá-las pelo exemplo superior, pela acção armada. O Partido deverá saber combinar as acções violentas com as acções pacíficas, as acções superiores com as acções inferiores, fazê-las completar-se e defender-se mutuamente, flagelar dum lado e do outro o aparelho estatal fascista - mas isso só é possível na condição de se admitir o papel novo representado pela acção violenta, pela acção ofensiva contra o inimigo. É neste sentido que nós podemos dizer que, se temos efectivamente perante nós acções das mais diversas, económicas, políticas, culturais, etc., como os dirigentes do Partido não se cansam de repetir - não obstante, todo o progresso dessas acções depende actualmente da capacidade do Partido para assumir uma posição correcta, teórica e prática, quanto à questão da violência no período actual. E é isso que permite compreender que todas as discussões políticas dos últimos anos venham girar em torno desse problema, por mais que se pretenda afastá-lo.
Continuemos a examinar as críticas à acção violenta. Pretende-se que formar destacamentos de combate é «virar as costas às massas»; isto é não querer reconhecer as exigências tácticas da acção violenta, é ainda, no fundo, pretender obstar ao desencadeamento de acções violentas com argumentos pretensamente leninistas. Há 30 anos, quando os comunistas defendiam a necessidade de formar uma organização clandestina, montar uma imprensa clandestina, formar revolucionários profissionais clandestinos, eles sofriam os ataques indignados de operários e elementos progressistas que viam nisso um abandono das massas, não compreendendo que a criação dum estreito e fechado aparelho clandestino, capaz de resistir à polícia, decidiria então de tudo, era a condição para virem a travar-se amplas lutas de massas contra a ditadura, era a única esperança no triunfo da revolução. Agora que iniciamos a etapa da luta armada, surgem também os que não querem compreender que os «pequenos grupos» e as «acções isoladas das massas» são condição para a luta armada poder vir a generalizar-se e a triunfar amanhã, decidem de tudo, são a única esperança na vitória da insurreição futura.
Qual é a posição, que serve realmente às massas: ficar «junto delas» consolando-as com piedosos sermões sobre as vantagens da luta pacífica, ou saber «virar-lhes as costas» para conduzir a luta armada, que as levará à violência, à insurreição?
Em toda esta discussão sobre as formas de luta, há um argumento que costuma surgir como definitivo, quando os outros estão esgotados: é o de que não temos qualquer experiência de luta armada (o que é verdade!) que não temos quadros com um mínimo de capacidade (o que é verdade também!) e que a luta armada acarretará tremendos sacrifícios para o Partido, para o proletariado, para o povo (o que é verdade ainda!). Mas o que mostra este argumento «decisivo»? Ele equivale a confessar abertamente que se teme a revolução e os sacrifícios que ela reclama da sua vanguarda. E é impressionante vermos como se criou um ambiente que permite a camaradas responsáveis e dirigentes do Partido, raciocinarem tranquilamente sobre o enfraquecimento que a guerra acarretará à ditadura, sobre o agravamento inevitável das suas dificuldades internas à medida que for passando o tempo, sobre as vantagens de saber aguardar (eles dizem «ir consolidando a organização, a unidade e a mobilização do povo»).
A experiência histórica já mostrou cem vezes que fugir aos sacrifícios que a revolução nos pede hoje é preparar sem falta sacrifícios maiores e mais sangrentos para amanhã, porque esse adiamento só contribuirá para enfraquecer a unidade e a decisão no campo revolucionário, para fortalecer a determinação de resistência no campo inimigo.
A nossa tarefa é estudar cuidadosamente e com discernimento as experiências dos outros povos revolucionários, aprender os ensinamentos de cada acção desencadeada, corrigir os erros, evitar as derrotas na medida do possível; mas não empreender acções violentas sob o pretexto da inexperiência seria o mesmo que não empreender a luta clandestina em 1929 por não existir uma experiência de trabalho clandestino; não empreender uma forma de luta exigida pelo progresso do movimento, a pretexto dos sacrifícios, seria pôr de lado a tradição gloriosa de sacrifício dos comunistas.
Quando na Rússia em 1905 se preparava a insurreição, Lénine escrevia: «As massas devem saber que se lançam numa luta armada, sangrenta, sem quartel. O desprezo pela morte deve difundir-se entre as massas e assegurar a vitória». Para os dirigentes do nosso Partido, a questão coloca-se de forma diferente; quando o movimento tenta romper no caminho da tempestade revolucionária, eles alertam contra os sacrifícios e apontam a necessidade de «evitar a liquidação escusada de valiosos combatentes de vanguarda». Verdadeiramente eles vão longe demais na sua concepção do «leninismo criador»...
Enveredando pelo desencadeamento de acções armadas, o Partido encontrará enormes dificuldades e sacrifícios a vencer. Precisaremos de elaborar uma estratégica e uma tática, criar quadros, obter armas, e tudo isto no decurso da acção. Precisaremos de combater a improvisão aventureira, a crença numa capitulação rápida do inimigo aos primeiros golpes, a crença numa insurreição fácil e espontânea a partir de uma pequena «chispa». Precisaremos de contra- pôr a disciplina combatente mais estrita ao espírito anarquista, ao terrorismo gratuito, às acções não dirigidas contra o inimigo (e os fascistas não deixarão de recorrer a acções terroristas para tentar desorientar as massas e para poderem reprimir mais ferozmente os combatentes). Precisaremos de combater toda a tendência para o abandono das acções pacíficas de massas, que têm um imenso papel a desempenhar na insurreição, toda a tendência para reduzir o Partido a um aparelho militar, quando o aparelho militar deve ser uma parte do Partido, rigorosamente controlada por ele. Precisaremos de vencer estas e outras dificuldades; mas não há outro caminho senão enfrentá-las e vencê-las. A não ser que entreguemos a outros a tarefa de conduzir a luta pelo derrubamento da ditadura. E a isso que conduz a linha do Partido, hoje tal com em 1958.
Quais são os traços fundamentais da concepção do levantamento defendida nos últimos anos pelos dirigentes do nosso Partido?
1°) O proletariado e as massas devem conduzir lutas pacíficas. O levantamento não é a conclusão insurreccional dum processo gradual de alargamento e generalização da luta violenta e armada, não é a revolta do povo em armas, de que falava Lénine; o levantamento eclodirá num momento escolhido pelas forças revolucionárias, o mais provavelmente no decurso de acções pacíficas de massas (greve política, manifestações, etc.). A missão específica do proletariado e das massas é, pois, preparar essas condições específicas à eclosão do levantamento, através da ”intensificação das pequenas e grandes lutas de carácter económico, social e político do nosso povo”, lutas que se devem generalizar; de forma a “interligar as principais empresas, regiões, cidades, vilas e aldeias” (!). («Militante» 123). Eis aí a tarefa sobre a qual o proletariado e as massas oprimidas se devem debruçar nos próximos 20 ou 40 anos! (em 1958, perante a pressão das massas para fazer passar o movimento a formas superiores, o «Militante» fixava como objectivo “Alargar, unificar e coordenar as lutas populares. Unificar por indústria, por região, por classe, etc.”. A semelhança é flagrante).
Quer isto dizer que os dirigentes do Partido excluem inteiramente as acções violentas das massas?
É preciso reconhecer que eles as admitam em certas circunstâncias; eles admitem os actos violentos no decurso das acções de massas (manifestações, etc.). Quer dizer, eles admitem as acções violentas “espontâneas”; os actos de violência dar-se-ão quando forem inevitáveis; o Partido não deve estudá-los, prepará-los, executá-los: isso seria o terrorismo dos «grupos de acção directa»; os actos violentos são com as massas; os deveres do Partido como vanguarda das massas cessam quando o movimento passa da luta pacífica à luta armada; os dirigentes do Partido dizem mesmo: «Pois que surjam os actos violentos e depois veremos o que se deve fazer».
Porquê este culto da esponteneidade no respeitante à violência das massas? A razão é clara. Os dirigentes do Partido sabem que, sob o aparelho militar-policial fascista as acções violentas saídas espontâneamente do povo não podem espontaneamente alargar-se, desenvolver-se, coordenar-se, não podem sair dum nível primitivo. Eles não receiam assim fazer essa «concessão», que lhes permite em troca apoiar, com tremenda bravura, a «defesa e auto-defesa das massas» (devem estar a pensar nas pedras e postes de sinalização, que já no 1º de Maio permitiram tão estrondosamente vitória sobre as forças repressivas).
2.°) A luta armada revestirá a forma de um pronunciamento militar. O proletariado e as massas não devem pensar em “acções isoladas de diversão e sabotagem”; não devem procurar obter armas, não devem atacar o inimigo em acções limitadas por objectivos limitados (que não terminarão no «fracasso» mas em vitórias, se nos decidirmos a dirigi-las), não devem pretender constituir a sua força militar própria com vistas à insurreição. Que se passa então?
«Quando chegar a hora, as armas aparecerão». Quando as condições para uma luta armada estiverem maduras, o povo português (de que fazem parte os militares democratas e patriotas) saberá encontrar as armas de que necessita (“Perspectivas da luta nacional”): “Canhões, metralhadoras, tanques, aviões e espingardas deixarão de voltar-se contra o povo e, ao lado do povo, voltar-se-ão, nesse dia, contra o próprio governo”. “Será então o levantamento nacional”. (entrevista do camarada Cunhal à R. P. L., Maio de 1962). Que tarefas violentas caracterizam o “ataque”, segundo o «Avante» de Setembro de 1963? “As revoltas em quartéis” (uma vez que as acções de «defesa armada das massas» lá citadas não podem ser consideradas ataque.).
É evidente para todos que este «levantamento» se assemelha muito mais a um pronunciamento do que a uma insurreição, inspira-se muito mais no 5 de Outubro, revolução dirigida pela burguesia, que na insurreição cubana, revolução popular. Como podem o proletariado e as massas desempenhar mais do que um papel de auxiliares, se o seu papel é fazer acções pacíficas e esperar que lhe dêm armas? Já houve quem notasse que este «levantamento» é uma insurreição que começa pela vitória; isso compreende-se se tivermos em conta que não é uma verdadeira insurreição que se pensa mais num pronunciamento. Quando no Partido se pede há dois anos para «explicar melhor» o levantamento, deveria compreender-se o sentido crítico desta observação, em vez de responder que “o levantamento não cabe em esquemas”. Não se trata de traçar esquemas, mas de abrir perspectivas à insurreição, que actualmente ninguém vê como virá a ser desencadeada.
3.°) A conquista do exército far-se-á pela criação duma organização secreta. Os dirigentes do Partido dão uma justa importância à conquista do exército para o campo de revolução e citam Lénine, quando escreveu, a propósito de 1905: «O militarismo não pode, em circustância alguma, ser vencido ou destruído, senão pela luta vitoriosa de uma parte do exército contra a outra parte». Daqui partem para a sua concepcão da criação duma vasta organização secreta oposicionista de «militares democratas e patriotas» e apontam-na como uma das principais tarefas do movimento anti-fascista.
Mas nas condições secretas nacionais, quando existe ainda um enorme desfazamento entre a combatividade do proletariado e das massas e a combatividade no seio do exército, esta orientação não pode senão resultar em que as massas esperam que se forme essa organização militar e em que o grupo de oficiais decididos se resolvam a fazer um «levantamento» por fim. Como não ver o perigo que corremos com esta orientação?
Mas existe outra? Sim, existe: É a tarefa que cabe ao Partido e não aos “oposicionistas”, de levar a luta de classes para dentro do exército, de organizar por todos os meios a insubordinação e a revolta dos soldados contra os comandos, uma, dez, cem vezes, como fez o partido bolchevique durante a guerra imperialista; é a tarefa que Lénine indicou ao escrever sobre a mesma experiência de 1905, de levar as massas, os operários e as operárias a lutarem no decurso da acção violenta, para conquistarem o exército (isto é, os soldados) para o lado do povo; é a tarefa indicada por Lénine, ainda a propósito da mesma experiência de 1905: “Não devemos predicar a passividade, nem a simples «espera» do momento em que a tropa «se passe» para o nosso lado, não; devemos com a maior energia proclamar a necessidade da ofensiva intrépida, do ataque à mão armada, a necessidade de exterminar os chefes e de lutar com a maior energia pela conquista do exército vacilante”. Como é possível que se leia Lénine sobre a experiência militar de 1905 e não se encontre inspiração para mais do que a criação duma organização secreta de «militares democratas e patriotas»?
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Quem se apoia afinal na esperança dum golpe militar vitorioso? Aqueles que procuram criar uma força armada ao serviço do proletariado e das massas, conquistar os soldados para o campo da revolução, desintegrar o exército, ou aqueles que esperam pelo dia em que os aviões, tanques e canhões se voltarão contra ogoverno? Não é possível ter dúvidas sobre o carácter do «levantamento» encarado pelos dirigentes do Partido: por muito que o neguem, é uma concepção que deixa nas mãos dos “militares democratas e patriotas” (isto é, dos oficiais), o destino do levantamento anti-fascista. Como podem os dirigentes do Partido garantir com tão magnífica segurança que um golpe militar que venha a ser desencadeado para atalhar a marcha revolucionária dos acontecimentos, «excederá inevitavelmente os objectivos dos seus promotores», se eles não permitem ao proletariado e às massas tomar as únicas disposições que não as deixariam inertes e desarmadas em face dum golpe militar reaccionário?
Saber se se devem organizar acções violentas agora, se se deve ou não permitir e ajudar os operários a organizarem acções armadas, é afinal saber se o Partido, o proletariado e as massas devem ou não pôr-se à cabeça da luta, se devem audaciosamente tomar a iniciativa de preparar a insurreição ou se devem entregar essa tarefa à burguesia e aos oficiais. O interminável debate que se prossegue há três anos nas fileiras do Partido e no campo anti-fascista sobre o «terrorismo» destina-se precisamente a saber se triunfará uma ou outra tendência, a da insurreição ou a do pronunciamento militar, a da hegemonia do proletariado ou a da hegemonia da burguesia, a da revolução democrática ou a da recomposição liberal…
Se nos deixássemos dominar pela tendência de aguardar que a luta armada dê «as suas provas», abandonaríamos o lugar de vanguarda da revolução; os exemplos recentes de Cuba e da Argélia, que já não são desconhecidos de ninguém, representam uma severa advertência para os comunistas portugueses. O facto de a linha do «levantamento» preconizada pelos dirigentes do nosso Partido ter conquistado o apoio de «oposicionistas» que ainda não há muito eram ferozes anti-comunistas e agora elogiam a linha do Partido, aconselham em todos os tons que não se caia em «leviandades», nem em «precipitações», asseguram que «a melancólica verdade é que não se definiu até agora em Portugal uma situação revolucionária», etc., etc. – deve-nos servir também de advertência. Os comunistas precisam de ouvir as massas, ter discernimento revolucionário e ter audácia revolucionária, se quiserem continuar a ser a vanguarda do proletariado e do povo português.
6. O PARTIDO CAMINHA PARA UMA CRISE?
Sim, o nosso Partido caminha para uma grave crise e, na medida em que os seus dirigentes persistirem em seguir uma linha errada, essa crise aprofundar-se-á, porque a marcha do nosso movimento revolucionário irá colocando o Partido cada vez em maiores dificuldades. Actualmente, existem já indicações claras dessa crise que se aproxima e é preciso combater:
- Acentua-se a dispersão ideológica: Quando a marcha do movimento revolucionário coloca sucessivamente perante o Partido problemas novos que exigem análise e uma solução, e os dirigentes não se atrevem a estudar esses problemas e se limitam a repetir experiências do passado elevadas à categoria de dogmas, o Partido vê amortecer-se, a pouco e pouco, a energia revolucionária nas suas fileiras e mergulha na confusão e dispersão ideológica. Este é o maior perigo que pode ameaçar um partido revolucionário.
Quando em 1960-61, a direcção do Partido se lançou corajosamente na crítica ao desvio oportunista em que o Partido mergulhara, todo o Partido mergulhara, todo o Partido recebeu o influxo dessa crítica que, embora incompleta, embora sem ter ido às origens dos erros, foi um ataque ao oportunismo, voltou os comunistas de cara para a realidade, avivou a sua energia revolucionária, coesionou o Partido em torno da sua direcção.
Esquecendo esta experiência tão recente, os dirigentes do Partido esforçam-se hoje por prosseguir a sua marcha, iludindo as contradições que surgem na sua linha, fechando os olhos às experiências e ensinamentos que o movimento revolucionário português e o movimento revolucionário internacional nos proporcionam. O resultado é que a unidade ideológica, a unidade de pensamento nas fileiras do Partido se vai tornando uma farsa, os comunistas actuam sem estarem convictos da justeza da sua linha, a incerteza espalha-se. Deixar que alastre a dispersão ideológica dentro do Partido, numa fase como a actual é um verdadeiro crime contra o Partido.
- O Partido desliga-se da vanguarda proletária. O facto de em 1 de Janeiro de 1962, duas dezenas de operários membros do Partido terem peqado em armas, à margem do Partido e sob direccão de revolucionários burgueses, é um índice extremo dum fenómeno que se processa um pouco por toda a parte, de forma menos evidente mas muito mais vasta - o afastamento gradual da vanguarda proletária, que deixa de ver no Partido o seu destacamento revolucionário organizado. Se persistíssemos em nos mantermos alheios a este fenómeno alarmante, não podemos ter dúvidas de que o Partido caminharia para a degeneração.
O repúdio de todas as acções violentas, a crítica sistemática ao «terrorismo», a apresentação das acções inferiores como acções decisivas, o sentimento que se espalha nas massas de que o Partido não quer pôr-se à cabeça da insurreição - tudo isto conduz, pela lógica inexorável do processo revolucionário, a que a organização do Partido afaste das suas fileiras os operários mais avançados, com mais espirito revolucionário, rejeitados como «aventureiros» e que atraia e promova os operários e elementos menos conscientes, os que temem, por oportunismo, a agudização da luta. Nós assistimos a um fenómeno semelhante em 1958-59, como podemos deixar-nos cair outra vez em tal erro, que desta vez terá consequências muito mais graves? Dizer, como disse recentemente um dirigente do Partido, que «além desses milhares de operários que querem as armas há ainda muitos milhares que não querem», é confirmar explicitamente que a perspectiva actual da direcção do Partido é voltar-se para a rectaguarda do proletariado, abandonar a vanguarda.
- Alastra o burocratismo na organização. Como sempre tem acontecido quando o Partido se desliga do movimento de massas, as tendências burocratas crescem irresistivelmente no seio da organização e tendem a asfixiá-la. A perda da perspectiva vivificante que só a condução da luta revolucionária pode dar, alimenta as tendências para fazer do trabalho de organização um substituto da acção. Se a actividade dos organismos do Partido foi dominada em 1962-63 por planos e balanços de organização, se se caiu no erro de pretender fazer um partido numeroso, se se envolveram energias preciosas em discussões burocráticas de organização e quadros, isso deveu-se à insistência constante dos dirigentes do Partido nos últimos dois anos, fazendo da criação duma grande organização partidária e unitária a condição para o desencadeamento de lutas superiores, como se a experiência não nos tivesse já ensinado mil vezes que, sob a esmagadora repressão fascista, a organização só se cria, só existe, só é viva, no decurso da luta, em função da luta, alimentada pela luta, e que se torna um peso morto, e que se desagrega sob os golpes da repressão sempre que é esvaziada pelo conteúdo político concreto.
Aqueles que perguntam: «Como lançar acções superiores se a organização partidária e unitária está desmantelada aqui e ali, devido à repressão?», esquecem que em centenas de oportunidades o lançamento pelo Partido de palavras de ordem correctas, que correspondiam ao sentimento da classe operária e das massas rasgou o caminho à organização, atraiu imediatamente às nossas fileiras os operários comunistas que estavam dispersos, e fez surgir os comités e comissões unitárias. O Partido aprendeu em 37 anos de impiedosa repressão fascista a adoptar uma grande maleabilidade no trabalho de organização, a combinar a estabilidade do seu aparelho ilegal, reduzido e fortemente defendido com a instabilidade, a flutuação, a agilidade de toda a espécie de orqanismos partidários ou unitários legais ou ilegais. Porque se esquece esta experiência e se exigem «milhares de comités ilegais e milhares de comissões legais»? Porque falta a perspectiva política, que a actual situação exige.
- Aprofunda-se a crise de quadros. Como não há-de o Partido nestas circunstâncias sofrer uma crise de quadros? Como não hão-de muitos militantes sentir a falta da energia inesgotável, da confianca, da abnegação de todo o verdadeiro revolucionário?
A situacão a que se vem assistindo de todo o Partido, praticamente, se preocupar com a série de traições registadas a partir de 1962 e reclamar um esclarecimento, enquanto a direcção do Partido não faz mais do que repetir generalidades ou afastar o problema como inoportuno - é um índice das dificuldades que se atravessam.
Em 1961, com o relatório «ensinamentos duma série de traições», a direcção do Partido deu uma contribuição para se vencerem os factores de desagregação que o desvio oportunista introduzira no Partido, reforçou a confiança e a dedicação revolucionária dos quadros. Como não ver hoje que se trata novamente duma crise política e não de casos individuais? Hoje é já evidente que a origem fundamental da série de traições de 1962-63 está no gradual afastamento do Partido da vanguarda das massas oprimidas à cabeça do movimento revolucionário, é a falta de ligação estreita entre teoria revolucionária e a prática revolucionária. Na época da luta pelo derrubamento da ditadura fascista, da insurreição que levará à vitória a revolução democrática em Portugal, os comunistas precisam mais do que nunca de se entranhar nas massas, de se penetrar no impulso revolucionário que levanta os operários, porque sem isso perderão toda a sua força. Todo aquele que se afasta do movimento das massas, quem se lhe opõe perde a sua força; nem a experiência nem os conhecimentos lhe podem valer, porque toda a sua força vinha da ligação íntima com as massas, alimentava-se na perspectiva da revolução.
Quando os comunistas são levados a opôr-se aos operários revolucionários de vanguarda, aqueles em que palpita o ódio sagrado de classe e o desejo de exterminar o inimigo, acusando-os de «terroristas» e «aventureiros» - como podem os comunistas conservar a sua coragem inquebrantável, o seu desprezo pela morte, o seu heroísmo?
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A crise que ameaça o nosso Partido não é inevitável. Cabe a cada comunista agir intransigentemente em defesa dos princípios.
Dezembro de 1963
(*) Francisco Martins Rodrigues (1927-2008) nasceu em Moura, no Alentejo, filho de um oficial do exército afastado dos quadros por ser opositor do regime salazarista. Mudou-se com a família para Lisboa ainda muito jovem. Aí estuda até ao 6º ano do liceu e começa a trabalhar, como empregado na Livraria Portugal e depois como aprendiz de mecânico na TAP. Envolve-se, desde 1949, em actividades de oposição ao regime fascista, ligando-se ao Movimento de Unidade Democrática (MUD) Juvenil. É preso em 1951, perde o emprego e passa a uma semi-clandestinidade que desembocará, dois anos depois, na sua entrada para o quadro de funcionários clandestinos do P.C.P.. Em 1957, numa altura em que já levantava reservas à política de “coexistência pacífica” adotada pelo XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, é novamente preso e enviado para o forte de Peniche. Aí conheceu e conviveu com vários dirigentes comunistas de topo, como Álvaro Cunhal, Francisco Miguel, Carlos Costa, Pedro Soares e Jaime Serra. Participaria com eles, entre outros, na célebre fuga prisional de 3 de Janeiro de 1960. Colocado inicialmente numa tipografia clandestina do partido, ascende depois a cargos de direção partidária regional na área de Lisboa, a membro do comité central e à sua comissão executiva. Começa a manifestar, no entanto, de forma cada vez mais aberta, divergências com a linha política do partido e a da U.R.S.S., aderindo às teses emergentes da crítica maoísta, ouvidas na Rádio Pequim. É o tempo da cisão sino-soviética. No Verão de 1963 é chamado a Moscovo para discutir com a direcção do partido no exílio essas suas discordâncias. Frente a frente com Álvaro Cunhal, as suas divergências mostram-se irreconciliáveis. De Moscovo segue para Paris, onde se consuma a sua ruptura com o P.C.P.. Escreve ‘Luta armada e luta pacífica no nosso movimento’. Em Paris funda a Frente de Acção Popular (FAP) e o Comité Marxista-Leninista Português (CMLP), com Rui d’Espiney e João Pulido Valente. O órgão de imprensa desta última organização é o ‘Revolução Popular’, de que se publicaram seis números, entre outubro de 1964 e dezembro de 1965. Através de um contato estabelecido com a embaixada chinesa na Suíça, faz uma visita à China Popular, no verão de 1964, passando depois pela Albânia. No Verão de 1965 regressa a Portugal, com os restantes dirigentes do CMLP, com o objetivo de implantar o novo partido na luta clandestina, com uma vertente armada. Mas a luta é desigual, dada a falta de estruturas seguras e a infiltração policial. Novamente preso, é condenado a uma longa pena de prisão, aí incluída pena pela execução de um informador da PIDE. Libertado com a revolução de Abril de 1974, participa na fundação da União Democrática Popular (UDP) e do Partido Comunista Português (Reconstruído). Entra também em ruptura com estas organizações, em 1983, para fundar ‘Política Operária’, uma revista comunista bimestral, que dirigiu até ao final da sua vida. Foi também editor, animando as Edições Dinossauro. Publicou em livro ou brochura, ‘Anti-Dimitrov – meio século de derrotas da revolução’ (1985), ‘A revolução cultural e o fim do maoísmo’ (1988), ‘Abril traído’ (1999), ‘O comunismo que aí vem’ (2004, em galego), ‘Pequena história do PCP e do movimento operário’ (2008, teve uma primeira edição nos anos 1970, ainda clandestina). Já postumamente, surgiram na Dinossauro, ‘Os anos do silêncio’ (2008) e ‘História de uma vida’ (2009).
Durante décadas, Francisco Martins Rodrigues foi a única voz portadora de uma crítica ao PCP feita pela esquerda, de forma sistemática e coerentemente articulada. Se inicialmente prestou tributo a uma certa ortodoxia “m-l”, a sua natural independência e rebeldia inteletual conduziram-no depois a um certo classicismo marxista e, naturalmente, leninista, sempre animados de uma grande radicalidade e intransigência. O presente texto, escrito ainda no seio do PCP, é o primeiro verdadeiramente representativo do seu pensamento.
Notas biográficas um pouco mais circunstanciadas, da autoria de José M. Martins, podem ser lidas no In Memoriam de Francisco Martins Rodrigues do blogue Almanaque Republicano. A história de toda a cisão maoísta do PCP e em particular a do CMLP, está descrita em trabalhos de Helder Manuel Bento Correia: A ruptura política e ideológica no movimento comunista em Portugal (1963-1964) e Comité Marxista–Leninista Português. Breve história de uma organização política (1964-1975). ‘O Comuneiro’ honra-se de ter contado com Francisco Martins Rodrigues entre os seus colaboradores permanentes, tendo publicado dois excelentes artigos seus: Salazar e outras histórias (no nº 3 de setembro de 2006) e O PCP e a questão colonial (no nº 4 de março de 2007).
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