|
Relatório ao VII Congresso da Internacional Comunista (1935) (*)
Bento Gonçalves
A característica essencial da situação em Portugal consiste no facto de que a depressão num género especial não melhorou, senão muito pouco, a crise económica em relação ao nível mais baixo alcançado em meados de 1933. Os anos de crise caracterizam-se pelo desenvolvimento dos monopólios e duma exploração ilimitada dos trabalhadores. Os salários foram consideravelmente reduzidos. Em alguns casos, esta redução chegou a 40 % e 50 %. Ao mesmo tempo, o custo de vida aumentou 20 % nos três últimos anos. Além disso, foi introduzido numa grande proporção o trabalho forçado, sobretudo nos trabalhos públicos e nas indústrias que trabalham para a preparação da guerra. O desemprego total e parcial aumentou consideravelmente. Não é exagerado calcular em 100 000 o número de desempregados.
A crise agrária agravou-se consideravelmente nestes últimos anos, alcançando toda a agricultura. Já no final de 1934, as reservas de trigo tinham aumentado de tal modo, segundo as estatísticas oficiais, que o país dispunha de uma reserva de trigo para 10 meses, sem contar com a última colheita.
No sector vinícola - que constitui um ramo fundamental da agricultura portuguesa - a situação chegou a ser catastrófica. O vinho de 1933 teve que ser retido cerca de 1 ano em casa dos produtores, antes de poder ser lançado no mercado. Os preços do vinho desceram em 60%. A crise da agricultura portuguesa não melhorou depois. Por causa da crise crónica, o governo decretou a destruição das vinhas que tinham sido plantadas desde 1931. Jamais se vira em Portugal uma situação tão miserável entre os camponeses.
Esta situação conduziu, como era inevitável, a um novo crescimento da luta de classes e ao desenvolvimento do movimento antifascista. Todo o ano de 1932 foi marcado por uma série de importantes movimentos proletários e camponeses. A Jornada Internacional contra o desemprego (29 de Fevereiro) foi marcada por greves importantes em Lisboa e greves gerais no Sul do País, assim como nas regiões da grande propriedade agrária produtora de trigo. Entre os trabalhadores de vidro temos uma série de greves, através das quais os operários arrancam a jornada de 8 horas e aumento de salário de 20 %. Em Setúbal e Lisboa tiveram lugar greves gerais dos operários do porto. No Algarve, região piscatória e onde existem fábricas de conservas de peixe, tiveram lugar variadíssimas greves e marchas de fome, cujo resultado foi o de conseguir vitórias parciais (subsídios de desemprego, etc.). Em quase todo o País se desenvolveram lutas políticas - como a luta contra o nacional-sindicalismo, que se revestiu da forma de um movimento de massas antifascista. Em 18 de Janeiro de 1934, estalou um movimento contra a destruição dos últimos vestígios das liberdades democráticas e a dissolução dos sindicatos independentes. Este movimento foi acompanhado de greves gerais e de movimentos de massas; na Marinha Grande a greve geral foi acompanhada de uma tentativa de insurreição. Mais de 60 000 trabalhadores tomaram parte nestes movimentos. Devemos também mencionar a campanha organizada pelo Partido durante o último inverno, que mobilizou grandes camadas em várias regiões do País, sobre a base das reivindicações imediatas e de protestos contra a opressão da ditadura e a ofensiva do capital. Pouco depois desta campanha, 3 000 trabalhadores manifestaram-se no Barreiro pela libertação dos presos políticos. A característica especial desta manifestação consiste em que foi organizada pelas mulheres trabalhadoras.
Durante o processo dos revolucionários asturianos condenados à morte, formou-se em Portugal um comité de intelectuais que conseguiram colher milhares de assinaturas protestando contra a pena de morte. Uns 300 jornalistas reclamaram ainda há pouco a supressão da censura à imprensa. Em resposta ao decreto de depuração do funcionalismo civil e militar, decreto recentemente publicado pela ditadura, os estudantes das escolas superiores organizaram o movimento de protesto em que conseguiram agrupar quase 90% dos estudantes das universidades.
Formou-se um comité de luta para apresentar a participação dos estudantes católicos. É necessário sublinhar que a maioria destes movimentos e manifestações teve lugar sob a direcção do nosso Partido e que a Comissão Inter-Sindical se constituiu sobre a base da nossa influência.
Na altura do VI Congresso da Internacional Comunista, o Partido Comunista Português era um grupo sectário, completamente isolado das massas.
Desde a reorganização do nosso Partido, em 1929, obtivemos progressos consideráveis. Apesar da resistência feroz e das deportações para a África, apesar dos assassinatos de vários dos nossos melhores camaradas e das torturas a que estão expostos os operários revolucionários, os efectivos do Partido são agora em número mais elevado do que na época da antiga direcção.
A influência do Partido Comunista entre a classe operária, entre os camponeses e a pequena burguesia das cidades aumenta sem cessar. Isto é em primeiro lugar o resultado do trabalho do Partido Comunista, a única organização que, na ilegalidade, conduziu a luta pela defesa dos interesses das massas trabalhadoras e contra a ditadura fascista.
Durante muitos anos, os anarquistas dominaram, quase exclusivamente, o movimento operário. Houve um tempo em que a C. G. T. contava com cerca de 100 000 aderentes. Naquela época não existia o movimento sindical vermelho. Em vésperas da fascização dos sindicatos, em Dezembro de 1933, a C.G.T. anarquista não contava já mais de 15 000 aderentes, enquanto que em volta do centro dirigente dos sindicatos vermelhos - a Comissão Inter-Sindical - se agrupavam 25 000 operários nos principais sindicatos do país (6 000 ferroviários, 5 000 operários do vidro, 2 000 operários do Arsenal da Marinha de Guerra, etc.).
Os socialistas, que há muito já tinham perdido toda a influência séria entre as massas operárias, não eram seguidos nessa época senão por 4 000 operários agrupados nos sindicatos.
A própria ditadura viu-se obrigada a reconhecer o desenvolvimento da influência que goza entre as massas o Partido Comunista, e tratou de aproveitar-se da nossa influência para desarmar os operários durante algumas acções concretas; por exemplo, este ano os fascistas publicaram um destes manifestos em que, sob uma falsa linguagem comunista, convidavam os operários a aderir aos sindicatos fascistas.
Sob o ponto de vista de agitação, o Partido deu também importantes passos em frente. Actualmente, o órgão oficial do Partido publica-se com regularidade mensalmente. A maior parte das células de fábrica em Lisboa publicam periódicos, manifestos e pasquins copiografados. Os sindicatos vermelhos dirigidos pelos comunistas fazem aparecer em Lisboa 8 órgãos ilegais. Em 1934, a tiragem dos nossos periódicos e manifestos foi de 170 000 exemplares; por outro lado, a nossa imprensa é difundida em quase todo o país.
O trabalho no exército é um dos lados positivos da actividade do Partido.
Mas, paralelamente a este trabalho, o nosso Partido tem ainda grandes debilidades.
O nosso Partido não soube conduzir uma luta ideológica firme, capaz de convencer as massas e, em primeiro lugar, a todos os seus membros, de que a luta de massas da classe operária e especialmente as batalhas económicas, a luta dos desempregados, etc., são base mais sólida para a luta vitoriosa contra o fascismo. A nossa débil capacidade para ligar intimamente o Partido às massas, para poder organizar as lutas parciais pelas reivindicações económicas de massas, reflecte-se sobretudo no conteúdo da nossa imprensa que, em geral, faz agitação em torno das palavras de ordem fundamentais, sem ligação estreita com os objectivos concretos imediatos.
Numerosos camaradas adoptam uma atitude sectária no decurso do seu trabalho nos sindicatos fascistas e nas organizações de massas fascistas e não fascistas.
É sobretudo entre os militantes dos sindicatos vermelhos ilegais onde este desvio mais se manifesta. Porém o Partido tão pouco soube ainda fazer um trabalho de explicações para convencer os camaradas da necessidade de utilizar as possibilidades legais de trabalho que os fascistas se vêem obrigados a conservar nas suas organizações.
No terreno do trabalho sindical temos também grandes debilidades. É certo que organizamos sindicatos ilegais em alguns dos principais ramos da indústria e que alguns destes sindicatos têm mais aderentes que os sindicatos fascistas do mesmo ramo. Porém, do ponto de vista prático, vemos que os sindicatos ilegais não fazem nenhum trabalho sério de massas. A actividade de alguns sindicatos ilegais limita-se à publicação do seu órgão.
Um dos elementos de consolidação da ditadura fascista foi a ideologia propagada pelos chefes republicanos e por alguns chefes anarquistas e anarco-sindicalistas que preconizam a passividade, esperando a «revolução» que deve cair do céu.
Sem dúvida a crise e a miséria das massas proletárias e camponesas constituem um factor do crescimento da indignação contra o fascismo, empurrando as massas a pôr de lado as promessas republicanas e a empreender o caminho da resistência directa à ofensiva do capital e do fascismo.
A distribuição das forças em Portugal distingue-se pelas três características especiais seguintes: ao mesmo tempo que assistimos ao crescimento da desconfiança das grandes massas com respeito à ditadura, estas dão conta de que o nosso Partido representa a única força organizada que luta à frente das massas, contra a espoliação capitalista e o fascismo.
Por conseguinte, as tarefas apresentam-se agora perante o nosso Partido:
1 - O desenvolvimento duma actividade intensa sobre a frente da organização para vencer o atraso do Partido no domínio da consolilidação orgânica da sua influência entre as massas. É-nos necessário liquidar as atitudes sectárias nas nossas fileiras e despender uma larga actividade no seio das organizações de massas dos trabalhadores: sindicatos, cooperativas, associações e grupos desportivos, socorros mútuos, etc., e até naquelas que estão colocadas sob o controlo directo dos fascistas. Devemos também estabelecer um estreito contacto com as grandes massas e estimular as lutas destas últimas pelas suas reivindicações concretas imediatas.
2 - Outra das nossas tarefas fundamentais é o trabalho entre os camponeses. Devemos estimular e dirigir a luta destas massas contra os impostos, contra os monopólios na agricultura, pelo mercado livre e contra os vestígios do feudalismo, pela elevação do nível de vida dos trabalhadores agrícolas, pela terra.
3 - É-nos necessário também consagrar uma atenção especial ao trabalho anti-irnperialista e ao mesmo tempo vencer as debilidades e as faltas da nossa actividade na organização da luta pela defesa dos interesses dos povos coloniais oprimidos pelo imperialismo português, ajudá-los a conduzir a luta até à sua libertação completa.
A apIicação da táctica da frente única deve ser, no momento presente, a base de toda a actividade do nosso Partido. É somente sobre a base da luta pelas reivindicações imediatas da classe operária e de todas as massas trabalhadoras, da resistência à ofensiva do capital, da luta pelos direitos e liberdades democráticas, que devemos, na nossa actividade, realizar a táctica da frente única. Esta táctica é a única justa contra a ofensiva da exploração capitalista e para a ofensiva das massas contra o fascismo e para o derrubamento do sistema capitalista.
(*) Em 1935 Bento Gonçalves participou em Moscovo no VII Congresso da Internacional Comunista, tendo aí ombreado com os grandes dirigentes comunistas da época como Maurice Thorez, Palmiro Togliatti, Dmitri Manuilsky ou Wilhelm Pieck. Já antes deste congresso, que aprovaria o famoso relatório de Dimitrov, Bento era adepto da linha da frente comum antifascista, que o partido levava à prática participando na Liga contra a Guerra e contra o Fascismo (LCGCF), fazendo aí aprovar o seu próprio programa de “democracia popular”. Em Moscovo Bento apresentou este relatório sobre a situação portuguesa e as atividades do P.C.P., que é notável, entre outros pontos, pela declaração de apoio à libertação completa dos povos coloniais. |
||||
|
|||||