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Conceitos fundamentais da matemática (*)
Bento de Jesus Caraça
[…] Parte 1 Capítulo IV Um pouco de história
1. A inteligibilidade do universo
A actividade do homem, quer considerada do ponto de vista individual, quer do ponto de vista social, exige um conhecimento, tão completo quanto possível, do mundo que o rodeia.
Não basta conhecer os fenómenos; importa compreender os fenómenos, determinar as razões da sua produção, descortinar as ligações de uns com outros.
Nisto, na investigação do "como?" do "porqué?" se distingue fundamentalmente a actividade do homem da dos outros animais.
Quanto mais alto for o grau de compreensão dos fenómenos naturais e sociais, tanto melhor o homem se poderá defender dos perigos que o rodeiam, tanto maior será o seu domínio sobre a Natureza e as suas forças hostis, tanto mais facilmente ele poderá realizar aquele conjunto de actos que concorrem para a sua segurança e para o desenvolvimento da sua personalidade, tanto maior será, enfim, a sua liberdade.
A inteligibilidade do universo, considerado o termo universo no seu significado mais geral - mundo cósmico e mundo social - é,por consequência, uma condição necessária da vida humana. Compreende-se portanto que, desde há muitos séculos, tenham sido realizados notáveis esforços no sentido de atingir uma parcela de verdade sobre a realidade.
Onde, como e por quem foi lançada pela primeira vez para o espaço a pergunta - porquê? - impossível de o dizer. O que ja é mais fácil é fixar datas aproximadas ao primeiro conjunto coerente de respostas a essa pergunta, ao primeiro esboço, pode dizer-se, da teoria da ciência; mas, quantos séculos vão de um momento ao outro?
2. Condições sociais
Não é em qualquer local e sob quaisquer condições que pode esperar-se o aparecimento de tais esboços científicos. A sua organização exige uma atitude de cuidada observação da Natureza, e um esforço de reflexão que não são compatíveis com a vida do homem primitivo, para o qual a luta diária pelo sustento e abrigo imediato absorve todo o tempo e atenção.
A ciência só desponta em estado relativamente adiantado da civilização, estado que, como diz S. Taylor, permita "a todos viver e a alguns pensar".
Essas condições parecem ter sido realizadas pela primeira vez, no que diz respeito ao mundo ocidental, nas colónias gregas do litoral da Ásia Menor, no dobrar do seculo VII para o século VI antes de Cristo. O comércio, principalmente de vinho, azeite e têxteis, produzira florescimento económico sensível.
Por outro lado, ligado à civilização comercial, encontra-se um conjunto de condições de vida - facilidade e necessidade de viajar, contacto com povos diferentes, etc. - que a tornam muito mais própria para o desenvolvimento científico do que a civilização agrária, a qual é, de sua natureza, pesada, opressiva, fechada.
3. As preocupações fundamentais
Pensando no Universo e procurando, como acima dissemos, (parág. 1) compreender os fenómenos, descobrir as suas razões e ligações, os primeiros pensadores foram levados a pôr as seguintes questões fundamentais.
1) A natureza apresenta-nos diversidade, pluralidade de aspectos, formas, propriedades, etc.. Existe, no entanto, para além dessa diversidade aparente um princípio único, ao qual tudo se reduza?
2) Qual é a estrutura do Universo? Como foi criado? Como se movem os astros e porquê?
Destas duas questões interessa-nos principalmente aqui, por se ligar mais directamente corn o nosso assunto, a primeira.
4. As respostas jónicas
As primeiras respostas à primeira pergunta foram dadas pelos filósofos das colónias jónicas da Ásia Menor - Mileto, principalmente - e foram afirmativas, diferindo apenas na natureza do princípio ou elemento único ao qual tudo devia reduzir-se.
Para Thales de Mileto (o mais antigo desses filósofos jónicos e que viveu, aproximadamente, de 624 a 548 a.C.) é a água esse elemento único. Tudo é água! afirmação de que hoje sorrimos, mas que, aos olhos de um observador de há 20 séculos, apresentava razões fortes de verdade ao notar, não só quanto a água é indispensável à germinação das plantas e, duma maneira geral, à existência da vida, mas ainda a facilidade de passagem da água pelos três estados físicos habituais - sólido (gelo), líquido e gasoso (vapor de água).
Para Anaximandro de Mileto, contemporâneo de Thales (1), existe também uma substância primordial mas que não é, como a de Thales, conhecida de todos; essa substância é infinita e indeterminada; as coisas materiais formam-se por determinações parciais desse elemento fundamental - o indeterminado.
O indeterminado - em grego apeiros - é, para Anaximandro, "sem morte e sem corrupção", "começo e origem do existente".
Anaxímenes de Mileto, contemporeâneo de Thales e Anaximandro, admite também a existência de uma substância primordial que não é, porém, indeterminada, se bem que infinita: - é o ar. Anaxímenes dizia que "quando o ar se dilata de maneira a ser raro, torna-se fogo, enquanto que, por outro lado, os ventos são ar condensado. As nuvens formam-se do ar amassado, e quando se condensam ainda mais, tornam-se água. A água continuando a condensar-se, torna-se terra; e quando se condensa o mais que pode ser, torna-se pedra".
Assim, por um processo de rarefacção e condensação, era percorrido o ciclo do que os primeiros filósofos chamavam os quatro elementos - terra, água, ar, fogo.
5. A resposta de Heraclito
A cidade de Éfeso era também uma colónia greco-jónica do litoral da Ásia Menor. Lá nasceu, pelo ano 530 a.C., o filósofo Heraclito.
À pergunta que nos está ocupando, deu ele uma resposta profundamente original, muito diferente da dos filósofos que o precederam e o seguiram.
Enquanto, para os filósofos jónicos, a explicação se baseia na existência duma substância primordial, permanente, para Heraclito o aspecto essencial da realidade é a transformação que as coisas estão permanentemente sofrendo pela acção do fogo.
O mundo dos filósofos de Mileto era um mundo de permanência da matéria; o mundo de Heraclito era o mundo dinâmico da transformação incessante, do devir. Vejamos, à luz dos poucos fragmentos que se conhecem da sua obra, quais eram as ideias principais de Heraclito.
6. O devir do mundo
O aspecto fundamental que a realidade nos apresenta e aquele, portanto, ao qual se deve prender a razão ao procurar uma explicação racional do mundo, é o estarem constantemente as coisas transformando-se umas nas outras. Morte e vida unem-se, formando um processo único de evolução - "o fogo vive a morte do ar e o ar vive a morte do fogo; a água vive a morte da terra e a terra vive a morte da água". Assim a morte não significa destruição, ruína, mas fonte de uma nova vida: a todo o momento a morte actua e a vida surge. Daqui resulta que é impossível, num dado instante, atingir a permanência, a estabilidade seja do que for; tudo flui, tudo devém, a todo o momento, uma coisa nova - "tu não podes descer duas vezes ao mesmo rio, porque novas águas correm sobre ti".
Mas, se assim é, as coisas, ao mesmo tempo, são e não são elas próprias, e o mesmo processo de evolução nos atinge a nós - "somos e não somos" - transformamo-nos constantemente.
7. Harmonia dos contrários
Donde resulta o devir? e porque as coisas se transformam constantemente? Porque há um princípio universal de luta, de tensão de contrários, que a todo o momento rompe o equilíbrio para criar um equilíbrio novo - "a luta é o pai de todas as coisas e o rei de todas as coisas; de alguns fez deuses, de alguns, homens; de alguns, escravos; de outros, homens livres". Noutro passo, Heraclito afirma: - "os homens não sabem como o que varia é concorde consigo próprio; há uma harmonia das tensões opostas como a do arco e da lira".
Para Heraclito, portanto, a harmonia não resulta da junção de coisas semelhantes, mas da luta dos contrários: nisto é ele consequente com a sua ideia fundamental do devir - como poderia a união dos semelhantes gerar vida nova? Não é precisamente o contrário que a Natureza nos mostra pela acção conjunta do masculino e do feminino?
Em resumo, mundo da energia, do fogo como princípio actuante - "o fogo, no seu progresso, julgará e condenará todas as coisas" - da luta dos contrários, da fluência, do devir, tal é, nos seus traços fundamentais, o quadro que o filósofo de Éfeso nos oferece da realidade universal.
8. A resposta pitagórica
Pitágoras de Samos (2) é um filósofo que parece ter vivido entre os anos 580 e 504 a.C.. Da sua vida pouco se sabe ao certo, a despeito das toneladas de tinta que, com maior ou menor fantasia, têm corrido acerca da sua vida e da sua acção.
É no entanto seguro que, a partir do século VI a.C., existiu e exerceu larga influência na Grécia uma seita, de objectivos místicos e científicos, denominada escola pitagórica; dela parece ter sido Pitágoras o fundador. Será sempre ao conjunto de ideias que caracterizavam essa seita que nos referiremos quando empregarmos o nome de Pitágoras.
O que distinguia, em relação à questão que estamos estudando, a escola pitagórica? A resposta dada por ela, profundamente original também, distinguia-se de todas as anteriores por esta característica fundarnental: o motivo essencial da explicação racional das coisas, via-o Pitágoras nas diferenças de quantidade e de arranjo de forma; no número e na harmonia.
Um dos mais destacados representantes da escola, Filolao, afirma: "todas as coisas têm um número e nada se pode compreender sem o número".
9. Uma ideia grandiosa
No fundo duma afirmação destas palpita uma das ideias mais grandiosas e mais belas que até hoje têm sido emitidas na história da Ciência - a de que a compreensão do Universo consiste no estabelecimento de relações entre números, isto é, de leis matemáticas; estamos, portanto, em face do aparecimento da ideia luminosa duma ordenação matemática do Cosmos.
Ouçamos o que, dois séculos mais tarde, a este respeito diz AristóteIes (3), na sua Metafísica:
"... aqueles a quem se chama pitagóricos foram os primeiros a consagrar-se às Matemáticas e fizeram-nas progredir. Penetrados desta disciplina, pensaram que os princípios das Matemáticas eram os princípios de todos os seres. Como, desses princípios, os números são, pela sua natureza, os primeiros, e como, nos números, os pitagóricos pensavam aperceber uma multidão de analogias com as coisas que existem e se transformam, mais que no Fogo, na Terra e na Água (tal determinação dos números sendo a justiça, tal outra a alma e a inteligência, tal outra o tempo crítico, e do mesmo modo para cada uma das outras determinações); como eles viam, além disso, que os números exprimiam as propriedades e as proporções musicais; como, enfim, todas as coisas lhes pareciam, na sua inteira natureza, ser formadas à semelhança dos números e que os números pareciam ser as realidades primordiais do Universo, consideraram que os princípios dos números eram os elementos de todos os seres e que o Céu inteiro é harmonia e número" (4).
10. Verificações
Desta ideia grandiosa - que as leis matemáticas traduzem a harmonia universal - os pitagóricos apresentavam uma multidão de justificações. Vamos referir-nos a algumas no campo da Geometria e a uma no da Música.
Na figura 20 esta indicado como, pela adjunção sucessiva de pontos num determinado arranjo geométrico, se vão obtendo triângulos equiláteros a partir uns dos outros; este facto geométrico - geração de triângulos a partir uns dos outros - é regido pela lei matemática simples 1 + 2 = 3, 1 + 2 + 3 = 6, 1 + 2 + 3 + 4 = 10, ..., em geral
(1)
que dá o número total de pontos empregados; por isso, aos números da forma os pitagóricos chamavam números triangulares.
Fig. 20
Na fig. 21 está um esquema análogo para a formação de quadrados a partir uns dos outros.
Aqui a lei matemática é 1 + 3 = 4 = 22, 1 + 3 + 5 = 9 = 32, ..., em geral
(2) 1+3+ 5 + ... + (2n-1) = n2 ,
e daqui vem o nome, ainda hoje usado, de quadrado de um número.
Fig. 21
Mas a verificação mais simples e mais bela, era, sem dúvida, a fornecida pelo célebre teorema que para sempre ficou conhecido com o nome de teorema de Pitágoras: num triângulo rectângulo de hipotenusa a e catetos b e c vale a relação
(3) a2 = b2 + a2
Que lei matemática tão simples a regular a estrutura duma figura geométrica! Por isso, este teorema foi sempre considerado como a mais brilhante aquisição da escola pitagórica.
No domínio da música, Pitágoras, registou triunfos não menos notáveis. Por experiências feitas no monocórdio (5), ele verificou que os comprimentos das cordas que, com igual tensão, dão notas em intervalo de oitava, estão entre si na razão de 2 para 1; em intervalo de quinta, na razão de 3 para 2; em intervalo de quarta, na razão de 4 para 3. Como Pitágoras deve ter vibrado de entusiasmo ao verificar como até as relações de coisa tão subtil e incorpórea como o som - a matéria por excelência, da harmonia - se traduziam em relações numéricas simples! E não é difícil meter numa única relacão matemática estas harmonias musicais.
Sejam a e b dois números quaisquer, e seja m = sua média aritmética; chama-se média harmónica dos mesmos dois números aquele número h que forma com a, m e b uma proporção nas seguintes condições
(4) a : m :: h : b ou seja = .
Daqui tira-se imediatamente (6) h = e, substituindo m pelo seu valor,
(5) h = .
A proporção (4) toma, portanto, o aspecto
(6) a : :: : b.
Pois bem: façamos, por exemplo, a =12 e b= 6; vem m = = 9, h = = 8; a proporção é 12 : 9 :: 8 : 6. Ora estes quatro núneros dão, precisamente, as razões dos comprimentos das cordas do monocórdio que fornecem os intervalos musicais de oitava, quinta e quarta, como resulta do esquema da fig. 22.
Fig. 22
E como isto se dá sempre que seja a = 2 . b, como o leitor facilmente reconhece, na relação numérica (6) está, afinal, condensada a harmonia musical!
Que mais seria preciso para inebriar uma mente ávida de encontrar o porquê da harmonia universal?
11. Grandeza e mesquinhez duma ideia
O próprio brilhantismo dos triunfos parece ter sido prejudicial ao equilíbrio da escola pitagórica como conjunto de doutrina. Da afirmação, bela e fecunda, da existência duma ordenação matemática do Cosmos - todas as coisas têm um número fez-se esta outra afirmação, bem mais grave e difícil de verificar - as coisas são números.
Para a apoiar, houve que, fora da experimentação e da verificação, procurar uma estrutura da matéria idêntica à estrutura numérica. Tal procura parece ter cristalizado na afirmação seguinte: que a matéria era formada por corpúsculos cósmicos, de extensão não nula, embora pequena, os quais, reunidos em certa quantidade e ordem, produziam os corpos; cada um de tais corpúsculos - mónada - era assimilado à unidade numérica e, assim, os corpos se formavam por quantidade e arranjo de mónadas como os números se formam por quantidade e arranjo de unidades (v. figs. 20 e 21).
Uma consequência imediata de tal pensamento era o atribuírem-se virtudes especiais aos números, uma vez que eles eram o princípio de tudo; por isso, na passagem de Aristóteles que transcrevemos se fala em que "tal determinação dos números era a justiça, tal outra a alma e a inteligência, etc.".
Uma vez neste pendor, foi-se até ao ponto de fazer as entorses necessárias à realidade quando ela se não mostrava de acordo com as propriedades místicas dos números; Aristóteles deu um exemplo célebre disso.
Em resumo, podemos dizer que a escola pitagórica nos apresenta um lado positivo e um lado negativo.
Constitui o lado positivo a sua aspiração para a inteligibilidade, emitindo a ideia grandiosa da ordenação matemática do Cosmos e dando uma primeira realização dela por algumas leis matemáticas notáveis.
Forma o seu lado negativo tudo aquilo que aos números se atribui fora da sua propriedade fundamental de traduzir relações de quantidade.
O lado positivo leva às mais luminosas realizações da Ciência e mais duma vez tem orientado o progresso científico; o lado negativo leva ao misticismo confuso que hoje se refugia nas alfurjas onde se deitam cartas e se lêem sinas.
12. Asas quebradas
A escola pitagórica devia receber em breve um desmentido brutal à afirmação que constituía o seu lado positivo e a sua aspiração mais nobre - a ordenação matemática do Cosmos. A natureza das coisas quis que fosse precisamente através da mais bela das suas conquistas - o teorema de Pitágoras - que esse desmentido houvesse de ser pronunciado.
Seja o triângulo rectângulo isósceles BOA (fig. 23) e procuremos medir a hipotenusa tomando como unidade o lado . Resulta do estudo que fizemos no parágrafo 3 do cap. III, que tal medida não existe, isto é, que não existem dois números inteiros m e n que traduzam a razão dos comprirnentos dos dois segmentos e . Mas que é feito, então, da afirmação de que "os princípios dos números são os elementos de todos os seres", que "o Céu inteiro é harmonia e número"? Que valor tem ela, se os núrneros não podem dar conta, sequer, desta coisa simples e elementar que é a razão dos comprimentos de dois segmentos de recta? onde está o alcance universal dessa afirmação? No dia em que foi descoberto o fenómeno da incomensurabilidade de segmentos, a escola pitagórica estava ferida de morte.
Fig. 23
Para ver quanto era fundo o golpe e grave a ameaça de ruína total, basta recordar o que atrás dissemos sobre a teoria das mónadas. A ser ela verdadeira, a recta, como toda a figura geométrica, seria formada de mónadas postas ao lado umas das outras e, então, ao procurar a parte alíquota comum a dois segmentos, ela encontrar-se-ia sempre quanto mais não fosse quando se chegasse, por subdivisões sucessivas, às dimensões da mónada - se um segmento tivesse m, outro n vezes o comprimento da mónada, a razão dos comprimentos seria . A descoberta da incomensurabilidade fazia estalar, como se vê, a teoria das mónadas e a consequente assimilação delas às unidades numéricas, e punha assim, em termos agudos, o problema da inteligibilidade do Universo.
Era tudo, até aos mais íntimos fundamentos da teoria, a ameaçar uma ruína estrondosa! Como sair deste passo difícil? Como conciliar a teoria com o fenómeno da incomensurabilidade, imposto por considerações de compatibilidade lógica?
O leitor, que seguiu a construção feita nos parágrafos 8 a 19 do cap. III, conhece o caminho de saída; mas, que fez o filósofo pitagórico há 25 séculos? Como reagiu ele?
13. Tentativas de fuga
Vários indícios posteriores mostram que a primeira reacção foi a de esconder o caso. Citaremos, como um dos mais precisos desses indícios, a seguinte passagem de Plutarco (7), na vida de Numa Pompilius, XXXV:
“... diz-se que os pitagóricos não queriam pôr as suas obras por escrito, nem as suas invenções, mas imprimiam a ciência na memória daqueles que eles reconheciam dignos disso. E como algumas vezes comunicaram alguns dos seus mais íntimos segredos e das mais escondidas subtilezas da geometria a algum personagem que o não merecia, eles diziam que os deuses por presságios evidentes, ameaçavam vingar este sacrilégio e esta impiedade, com alguma grande e pública calamidade" .
De resto, o carácter de seita da escola pitagórica, em que os aspectos místico e político, este fechado e aristocrático (8), ombreavam com o aspecto científico, prestava-se a essa tentativa de segredo à volta de questão de tal maneira embaraçosa. Onde só havia a ganhar com o debate público e extenso, os pitagóricos instituíram como norma, pelo contrário, o segredo, o silêncio.
Uma outra tentativa de fuga parece ter residido numa vaga esperança de que, considerando como infinito - um infinito grosseiro, mal identificado, que era mais um muito grande, do que o infinito moderno - o número de mónadas que formam um segmento de recta, talvez a dificuldade desaparecesse. Efectivamente, a demonstração mais antiga da incomensurabilidade (aquela que era conhecida nesse tempo e que reproduzimos no parágrafo 3 do cap. III) baseava-se, no fundo, em que o número não pode ter ao mesmo tempo as duas paridades. Mas se esse número fosse infinito, o argumento teria a mesma força? Não estaria aí uma escapatória de recurso?
Isto não é uma simples conjectura; o desenvolvimento posterior do movimento filosófico e a polémica viva que aparece, logo a seguir, sobre o tema do infinito combinado com as afirmações dos pitagóricos, mostram bem claramente o caminho geral que as coisas seguiram.
Essa polémica foi conduzida principalmente por uma nova escola filosófica - a escola de Elea.
14. A crítita eleática
Elea, em latim Velia, era uma cidade da costa ocidental da Itália do Sul que constituíra, pelos meados do século VI a.C., uma das muitas colónias gregas na Itália, colónias essas cujo conjunto era designado por Grande Grécia.
Em Elea nasceu, não se sabe ao certo quando, mas provavelmente entre 530 e 520 a.C., um filósofo - Parménides - que, primeiramente ligado à escola pitagórica, se havia em breve de separar dela, procedendo a um exame crítico de todas as noçães e concepções filosóficas que até aí tinham sido emitidas. Não podemos dar aqui um apanhado sequer, da construção de Parménides de Elea; a sua crítica levantou alguns dos problemas mais importantes de que a história da filosofia e da ciência dá conta, em todos os tempos.
A sua preocupação fundamental era idêntica à dos filósofos que o precederam: - qual é a natureza íntima do existente? Dos pequenos fragmentos que hoje se conhecem da sua obra (o célebre Poema) e das referências posteriores, depreende-se que Parménides distinguia aquilo que era objecto puramente da razão - o que ele chamava a verdade - e o que era dado pela observação, pelos sentidos - o que ele denominava a opinião.
Opondo assim a razão à opinião, Parménides, abriu um debate, duma importância e alcance excepcionais, que até hoje tem trabalhado intimamente todo o movimento científico - as relações entre a razão e a experiência, entre a teoria e a prática, o debate do idealismo e materialismo.
Ao existente ele reconhece, na parte do Poema dedicada à verdade, as características seguintes - unidade, homogeneidade, continuidade, imobilidade, eternidade, relegando para o vulgo da opinião todos aqueles atributos que porventura contrariem estes.
Grande parte desta construção, que tem o seu quê de impressionante e grandioso, é dirigida contra a escola pitagórica; dela trataremos no parágrafo seguinte. Outra parte, não menos importante, é-o contra Heraclito de Efeso.
À concepção de Heraclito, que via na transformação permanente, no devir, a essência das coisas, opõe Parménides o raciocínio seguinte: - "como é possível que aquilo que é possa vir a ser? E como pôde ele vir à existência? Se foi, não é, e também não é se está a ponto de vir a ser no futuro. Assim, o nascimento não existe e não pode também falar-se de destruição". Portanto, nem morte nem nascimento - Heraclito dissera: "o fogo vive a morte do ar e o ar vive a morte do fogo" - imobilidade, identidade a si próprio, na eternidade. Não faltam até, no Poema, traços de superioridade olímpica para com Heraclito e os que o seguem - "multidões sem capacidade de julgamento, aos olhos de quem as coisas são e não são, as mesmas, e não as mesmas, e vão em direcções opostas".
Só o futuro do progresso científico poderia julgar entre duas maneiras de ver tão opostas como estas.
O triunfo veio, vinte séculos mais tarde, totalmente para Heraclito, mas Parménides conserva, pela importância extrema das questões que levantou, pela profunda seriedade com que as tratou, um lugar na primeira linha dos pensadores de todos os tempos.
15. A polémica anti-pitagórica
Na construção de Parménides há, como acima dissemos, muita coisa dirigida contra os pitagóricos. Em primeiro lugar, a homogeneidade e continuidade parmenídeas, as quais se opõem, de todo em todo, à construção pitagórica das mónadas.
A polémica foi violenta; dela restam-nos, conservados por Aristóteles, alguns argumentos de Zenão de Elea, o mais notável discípulo de Parménides.
Diz Zenão: como querem que a recta seja formada por corpúsculos materiais de extensão não nula? Isso vai contra a vossa afirmação fundamental de que todas as coisas têm um número. Com efeito, entre dois corpúsculos (fig. 24), 1 e 2, deve haver um espaço - se estivessem unidos, em que se distinguiam um do outro? - e esse espaço deve ser maior que as dimensões de um corpúsculo, visto que estas são as menores concebíveis; logo, entre os dois posso intercalar um corpúsculo 3, e fico com dois espaços: um entre 1 e 3, e outro entre 3 e 2, nas mesmas condições. Posso repetir o raciocínio indefinidamente e fico, portanto, com a possibilidade de meter entre 1 e 2 quantos corpúsculos quiser. - Qual é então o número que pertence ao segmento que vai de 1 a 2?
Fig. 24
Como se vê, é a própria afirmação fundamental da escola pitagórica que está batida em cheio pela argumentação de Zenão. Mas esta argumentação vai mais longe devastando progressivamente a construção e levantando, de cada vez, novos problemas.
A escola eleática fora duramente atacada por estabelecer a imobilidade como uma das características do existente - há coisa mais real e segura do que o movimento no mundo?
Zenão responde: - não se trata de saber se há ou não há movimento no mundo, mas de saber se ele é compreensível, isto é, compatível com a explicação racional que damos do Universo. Nós, eleatas, não o compreendemos, não conseguimos pô-lo de acordo com o resto da explicação racional, mas vós, pitagóricos, julgais compreender e nadais apenas em contradições. Uma de duas: num segmento de recta ou há um número finito de mónadas ou há uma infinidade. Vejamos o primeiro caso; considerai uma flecha em movimento percorrendo esse segmento de recta; em cada instante, a ponta da flecha ocupa um lugar: a localização duma mónada. - O que se passa entre um lugar e o seguinte? Nada! Porque, não havendo nada entre duas mónadas consecutivas não podeis dizer-me coisa alguma sobre um movimento que se realize onde nada existe; conclusão: - o movimento da flecha é uma sucessão de imobilidades! Percebeis?
Consideremos agora o segundo caso: há uma infinidade de mónadas; então, o movimento é igualmente inconcebível. Suponhamos que dois móveis - A (Aquiles) e T (Tartaruga) - partem ao mesmo tempo, um da posição A1 outro da posição T1 (a Tartaruga tem o avanco ). Por mais pequeno que seja o avanço da Tartaruga e por maior que seja a velocidade de Aquiles, comparada com a da Tartaruga, aquele nunca apanha esta! Suponhamos, para fixar ideias, que a velocidade de Aquiles é dupla da da Tartaruga. Quando A atinge a posição A2 (onde T estava inicialmente), T esta em T2, com o avanço igual a metade de . Quando A alcança T2 (posição A3), T está já em T3 com o avanço . O raciocínio prossegue indefinidamente (porque estamos supondo infinito o número de mónadas) e há sempre um avanço de T sobre A. Como se percebe então que A possa alcancar T?
Fig. 25
Como o leitor vê, a concepção corpuscular da escola pitagórica está batida por todos os lados, sem possibilidade de porta de saída.
Os argumentos de Zenão não fazem mais que tornar palpável a incompatibilidade dessa concepção com a estrutura da recta. Mas essa incompatibilidade fora revelada já, com força indestrutível, pela existência das incomensurabilidades. Desse dia em diante, a escola podia, quando muito, apresentar uma fachada brilhante a encobrir ruínas interiores.
Zenão é o homem que aparece, de picareta na mão, a arrasar a fachada.
16. Balanço
Está o leitor vendo a quantidade e importância das questões, de carácter filosófico e científico, que surgiram à volta da crítica do problema da medida, pelo aparecimento das incomensurabilidades e consequente necessidade de nova ampliação do campo numérico. Ligado com essa necessidade, encontra-se todo o vasto problema da inteligibilidade do Universo.
A maneira pela qual essa ampliação se fez foi vista nos parágrafos 8 a 19 do cap. III. Agora, após esta ligeira excursão histórica, resta-nos ver qual o caminho imediato que as coisas seguiram e, antes de mais, fazer um balanço: das concepções que descrevemos, o que ficou e o que se perdeu?
1) Vimos como surgiu a ideia heracliteana do devir, em que consiste, e como mais tarde apareceu a concepção eleática da imobilidade eterna, em contraposição com ela; neste momento nada podemos dizer, a não ser que elas se encontram frente a frente, disputando primazia para a inteligibilidade do Universo.
2) Vimos como a escola pitagórica emitiu a ideia grandiosa da ordenação matemática do Cosmos e como tal ideia foi arrastada no ruir estrondoso dessa escola.
3) Mas os últimos golpes de picareta, os argumentos de Zenão de Elea, dão, pela sua própria essência, um fio condutor para se encontrar um caminho de saída. Desses argumentos resulta:
a) que as dificuldades levantadas pelo fenómeno da incomensurabilidade só podem ser resolvidas depois de um cuidadoso estudo dos problemas do infinito e do movimento. A estrutura da recta, da qual depende a incomensurabilidade, aparece, nos seus argumentos, ligada a esses dois problemas;
b) que, em qualquer hipótese, a recta não pode ser pensada como uma simples justaposição de pontos, mónadas ou não; há nela qualquer coisa que ultrapassa uma simples colecção de pontos; essa qualquer coisa - a sua continuidade - necessita dum estudo aprofundado, ligado com o aspecto numérico, quantitativo, da medida.
4) Vimos como a concepção eleática levantou um problema teórico, dominando todos estes - o problema do conceito da verdade e meio de a adquirir. Feito o balanço, perguntara o leitor: - que aconteceu a seguir?
17. As novas preocupações e os dois horrores
Todos estes problemas continuaram a ser intensamente debatidos mas, ao lado deles, surgiram outros cujo interesse imediato os ultrapassou, ou deformou o seu caminho de resolução.
Estamos no meado do século V a.C.. A intensa actividade política e militar em que nessa altura a Grécia está mergulhada, traz a cidade de Atenas à primeira plana da vida da península. Ela torna-se (9) a grande metrópole da arte, da filosofia e da ciência gregas, que passam a constituir a côrte brilhante dum personagem oculto e perigoso - o imperialismo ateniense. Os seus desejos de hegemonia sobre toda a península começam a tomar o primeiro plano das preocupações dos homens, e o próprio tipo do filósofo grego - o homem que procurava viver na demanda da virtude cívica e do conhecimento da Natureza - altera-se a pouco e pouco. Surge um conjunto de preocupações, dizendo respeito mais directamente ao homem, o qual tende a tornar-se o centro do mundo; surge, mais tarde, a razão de Estado, que estabelece uma nova hierarquia de valores e exige uma subordinação geral aos interesses do imperialismo de Atenas. A vida borbulhante, talvez um pouco desordenada, das cidades livres dos séculos VII e VI a.C. vira o aparecer das grandes hipóteses, as grandes discussões, as grandes aspirações à inteligibilidade; a vida de Atenas, sem dúvida mais brilhante, mas dominada por um pensamento político de expansão e absorção, vê a decadência lenta desses grandes motivos, dessas grandes concepções. Contra o que é habitualmente afirmado, temos que concluir que o clima de Atenas foi mortal para o desenvolvimento da ciência clássica.
Daqui resulta que nenhum dos problemas postos pela crítica de Zenão foi resolvido na antiguidade.
Concluiu-se pela incapacidade numérica para resolver o problema das incomensurabilidades; portanto, pela degradação do número em relação à Geometria. Consequência: abandonou-se o que a escola pitagórica afirmara de positivo - a crença numa ordenação matemática do Cosmos - e retomou-se, a breve trecho, em termos cada vez menos nobres, o lado negativo das suas concepções.
Concluiu-se pela exclusão do conceito quantitativo de infinito dos raciocínios matemáticos - a matemática grega toma uma feição de cada vez mais finitista: invade-a o horror do infinito.
Concluiu-se pelo abandono das concepções dinâmicas, sempre que tal fosse possível - a matemática grega é invadida pelo horror do movimento.
Estes traços - degradação do número, horror do infinito, horror do movimento - constituem a trincheira cómoda da hibernação, formam o biombo prudente que o filósofo grego coloca entre si e a realidade. Mais tarde, havia de levantar-se um vento portador de forças novas, que, rasgando o biombo em farrapos, colocaria novamente os homens em contacto com a realidade, estuante de vida. Mais tarde... vinte séculos depois, já Renascimento em fora.
O resto da história será contado adiante, a propósito das matérias que serão estudadas nos capítulos seguintes (Partes 2 e 3).
[…] Parte 2 Capítulo IV Excursão histórica e filosófica
1. Retomando o fio...
No cap. IV da Parte 1 fizemos um estudo rápido de alguns problemas que, na Grécia antiga, se levantaram em relação com o conceito de número.
Vimos então como surgiram algumas grandes concepções filosóficas - o devir heracliteano, a ordenação matemática dos pitagóricos, a imobilidade eterna dos eleatas - e como elas se chocaram.
Aludimos ainda, ao de leve, às condições psicológicas e sociais que acompanharam essa evolução. Não vamos agora entrar em largas explanações sobre a mesma questão, mas temos que a retomar. O assunto que ao longo de toda esta Parte nos tem ocupado - o conceito de função - exige-o para inteira clarificação do seu significado na história da civilização ocidental.
2. Problemas
Pelos meados do século V a.C., a Grécia encontrava-se a braços com um conjunto de problemas duma importância enorme. Acabara de sair vitoriosamente da prova de fogo que para ela representara a ameaça de conquista persa e daí resultara esta consequência de grande alcance - as cidades gregas, até aí isoladas, constituindo estados inteiramente autónomos, haviam sido obrigadas, em face dessa ameaça, a aproximarem-se, a concertarem-se numa política de defesa comum. Estava, por este motivo, posto às cidades gregas o seguinte problema político: iria continuar a política de aproximação? iria essa politica levar à constituição de um Estado único, atingindo-se uma unidade que superasse a multidão das autonomias parcelares?
A este problema, que, para cada cidade, era um problema externo, juntava-se o problema interno de cada uma: tinha cada uma das cidades de per si atingido uma situação de estabilidade? ou, pelo menos, tinha em alguma, ou algumas, sido atingido o equilíbrio dos diferentes factores económicos e sociais interiores, equilíbrio esse que permitisse o lançar-se ao empreendimento exterior de impulsionar a unificação?
Tais problemas, cuja importância o seu próprio enunciado revela, eram dominados por este outro: existia na Grécia o elemento necessário de aglutinação das parcelas políticas? existia alguma classe de interesses cosmopolitas que servisse de elemento actuante para a soldagem dessas parcelas e passagem a uma unidade política mais vasta, isolado social superior?
3. Insuficiências
A esta última pergunta a História responde - não; não existia uma tal classe. Houve, é certo, elementos importantes para a sua formação nas cidades em comunicação directa com o mar e que tiraram, portanto, do comércio e artesanato uma das suas fontes de riqueza; mas mesmo nessas cidades - Atenas à frente de todas - se desenvolvia por essa altura uma luta agitada entre a terra e o mar: a terra, o elemento tradicional, fechado, dominado por uma aristocracia limitada nos seus interesses e nos seus horizontes, e o mar, o elemento de comunicação de povos, o elemento cosmopolita e renovador por excelência.
De modo que temos, em linhas gerais, a situação seguinte: na Grécia continental interior, uma aristocracia da terra impondo pela força uma estratificação social rígida mas constantemente ameaçada de se subverter, e consumindo nessa tarefa todas as suas energias; na Grécia marítima, uma aristocracia da terra com esse problema e mais o da luta de todos os dias com a classe comercial e dos artesãos.
Em resumo - ausência de classe social de unificação política, ausência de equílibro interior em qualquer das cidades; insuficiências que condenaram a Grécia ao fraccionamento político, a que só uma força exterior havia de pôr termo: o imperialismo macedónico primeiro, o imperialismo romano mais tarde.
Todo o período que vai do fim da ameaça persa à conquista macedónica - pouco mais dum século - é gasto em lutas das cidades umas com outras. Cada uma das mais importantes - Atenas, Esparta, Tebas - pretende realizar a unificação política em seu benefício; o imperialismo militar aparece a pretender impôr o que uma insuficiência orgânica não permite - o resultado é um afundamento geral.
4. Consequências intelectuais
É neste ambiente, neste contexto, que vai desenrolar-se a evolução da Ciência e da Cultura gregas. Em que termos?
As grandes escolas filosóficas a que nos referimos na Parte 1 nascem, todas, fora do continente grego, nas colónias da Ásia-Menor ou da Itália, colónias de civilização comercial. Pelos meados do século V, Atenas, por virtude do papel que representara na luta contra o invasor, torna-se a metrópole da cultura grega; esta vai lá evolucionar, condicionada pela luta interna e externa a que acabamos de fazer referência, luta dominada pelo antagonismo terra-mar.
A situação apresentava-se em Atenas nitidamente favorável ao mar: a classe dos comerciantes e artesãos adquire peso económico e audácia crescentes e é tomada de uma enorme febre de saber - as concepções das grandes escolas descem ao povo que tende a apropriar-se delas; aparecem e multiplicam-se homens duma feição nova - os sofistas - homens que tomam a profissão de ensinar e democratizar a Cultura.
Mas, a breve trecho se desenha uma reacção contra este estado de coisas, reacção que vai atingir não só o rumo da evolução da Ciência como também a extensão da sua expansão popular.
5. A mudança de navegação
Sócrates (10) e, principalmente, Platão (11), são os filósofos desse rumo novo. Em que consiste ele? Numa aristocratização do saber; no desviar a atenção das coisas externas ao homem para o centrar nas internas, morais e psicológicas; no tema da virtude em plano superior ao do bem-estar terreno; na introdução sistemática dum princípio espiritual na explicação científica, em substituição das tentativas de explicação materialista; em suma, na tendência para o abandono da realidade sensível, da realidade fluente, e para o refúgio no seio do espiritualismo, onde se pode construir, à vontade, uma permanência que abrigue dos vendavais da transformação...
É o próprio Platão que nos dá conta dessa mudança de rumo ao mostrar-nos, no diálogo Fedon, o seu mestre Sócrates discorrendo acerca da desilusão que a leitura de Anaxágoras (12) lhe provocara. Ouçamo-lo (13):
"Eis que um dia ouvi a leitura dum livro que era, dizia-se, de Anaxágoras e onde se falava assim: "é em última análise o Espírito que tudo ordenou, é ele que é a causa de todas as coisas". Uma tal coisa alegrou-me; pareceu-me que havia vantagem em fazer do Espírito uma causa universal; se assim é, pensei eu, esse Espírito ordenador que justamente realiza a ordem universal, deve também dispor cada coisa em particular da melhor maneira possível... Não havia mais que revelar-mo-lo e estava pronto a não desejar outra espécie de causalidade! Com que ardor me agarrei à leitura! Lia-o o mais depressa que podia, afim de me instruir, o mais rapidamente possível, do melhor e do pior. Pois bem! adeus oh! maravilhosa esperança! Quanto mais lia mais me afastava dela. Com efeito, ao avançar na leitura, vejo um homem que não faz nada do Espírito, que Ihe não distribui nenhum papel nas causas particulares da ordem das coisas, que, pelo contrário, alega a esse propósito, acções do ar, do éter, da água e muitas outras explicações desconcertantes (14). Visto que a causa me tinha fugido, visto que não pudera nem descobri-la por mim nem aprendê-la com outro, para me pôr à sua procura tinha que "mudar de navegação".
Ao longo do Fedon e em passagens de outras obras suas, Platão explica o fundarnento e a essência do rumo novo. Trata-se de adquirir a verdade. Como? analisando a realidade exterior sensível, e tirando dela critérios de verdade? Não!
"Receei-me de me tornar completamente cego da alma dirigindo os meus olhos para as coisas e esforçando-me por entrar em contacto com elas por cada um dos meus sentidos. Pareceu-me indispensável refugiar-me do lado das ideias e procurar ver nelas a verdade das coisas" (15).
6. As Formas ou Ideias
Para dar realização a esta atitude mental, Platão construiu um sistema filosófico - a teoria das Formas ou Ideias - de que dá no Fedon os traços fundamentais.
Sócrates expõe e Simmias fornece-lhe as respostas e pausas necessárias (16):
"Quando é que, portanto, retomou Sócrates, a alma atinge a verdade? Não há dúvida que quando ela procura encarar qualquer questão com a ajuda do corpo, ele a engana radicalmente. - Dizes a verdade. - Não é, por consequência, verdade que é no acto de raciocinar que a alma, se alguma vez o consegue, vê manifestar-se plenamente a realidade dum ser? - Sim. - E sem dúvida, ela raciocina nas condições óptimas precisamente quando nenhuma perturbação Ihe advém de lado nenhum, nem do ouvido, nem da vista, nem duma dor, nem dum prazer, mas quando, pelo contrário, ela está o mais possível isolada em si própria, mandando passear o corpo, e quando, quebrando tão radicalmente quanto puder, toda a relação, todo o contacto com ele, ela aspira ao real. - É exactamente assim! - Não é verdade que é nesse estado que a alma do filósofo faz ao máximo abstracção do corpo e Ihe foge, enquanto procura isolar-se em si própria? - Manifestamente! - Mas que dizer disto agora, Simmias? Afirmamos nós a existência de qualquer coisa que seja "justo" em si ou negámo-la? - Afirmámo-la, evidentemente, por Zeus! - E também, não é verdade, de qualquer coisa que seja "belo" e "bom"? - Como não? - Mas, evidentemente, nunca viste com os teus olhos nenhuma coisa desse género? - Claro que não. - Mas então, é porque a aprendeste por qualquer outro sentido diferente daqueles de que o corpo é o instrumento? Ora, aquilo de que falei é para tudo, assim para "grandeza", "saúde", "força" e para o resto também, é, numa palavra e sem excepção, a sua realidade: o que, precisamente, cada uma dessas coisas é. Portanto é por meio do corpo que se observa o que há nelas de mais verdadeiro? Ou, pelo contrário, o que se passa não é, antes, que aquele de entre nós que melhor e mais exactamente se tiver preparado a pensar em si mesma cada uma das coisas que encara e toma como objecto, é esse que deve aproximar-se mais daquilo que é conhecer cada uma delas? - É absolutamente certo. - E, portanto, esse resultado, quem o realizará na sua maior pureza senão aquele que no mais alto grau possível usar, para se aproximar de cada coisa, só do pensamento, sem recorrer, no acto de pensar, nem à vista nem a qualquer outro sentido, sem arrastar consigo nenhum em companhia do raciocínio? Aquele que, por meio do pensamento em si mesmo e por si mesmo, e sem mistura, se atirar à caça das realidades, de cada uma em si mesma também e por si mesma e sem mistura? E isso depois de se ter, o mais possível, desembaraçado dos olhos, dos ouvidos, e, para bem dizer, do corpo inteiro, pois é ele que perturba a alma e a impede de adquirir verdade e pensamento, todas as vezes que ela se põe em relação com ele? Não é verdade, Simmias, que é esse, se alguém o pode fazer no mundo, que atingirá o real? - Impossível, Sócrates, de falar com maior verdade!"
Fizemos esta longa citação para pôr o leitor em contacto com a raiz do pensamento de Platão - a realidade não está nas coisas sensíveis, está nas Ideias ou Formas: bom, belo, justo, grandeza, força, etc.; as coisas sensíveis não são mais que imagens ou cópias das Formas; a verdade não pode, portanto, adquirir-se pelo exame, por meio dos sentidos, do universo exterior sensível, mas apenas pelo pensamento puro, pela actividade da alma isolada do corpo; este não faz mais do que perturbá-la, impedi-la de pensar.
7. A fluência e a permanência
Como está bem de ver-se, um tal sistema deve encontrar, no seu choque com a realidade de todos os dias, dificuldades grandes. O próprio Platão as reconheceu e deixou na sua obra traços dessa preocupação. No Parménides, um diálogo que deve pertencer à maturidade de Platão, ele discute precisamente o problema da existência das Formas separadas, pondo em cena desta vez, o velho filósofo Parménides de Elea, o seu discípulo Zenão, e Sócrates; um Sócrates jovem que apenas ensaia os primeiros passos na Filosofia. Após uma longa discussão à volta das dificuldades citadas, discussão onde, coisa curiosa e instrutiva, elas se não resolvem, Parménides declara (17):
"Imagina, pelo contrário, Sócrates, que se persiste em negar a existência das Formas dos seres, atendendo a todas as dificuldades expostas por nós ou a outras semelhantes, e em recusar que haja, para cada realidade, uma Forma precisa. Não haverá mais para onde dirigir o pensamento, pois que se não quis que a forma específica de cada ser guarde identidade permanente, e isso será aniquilar a própria virtude da dialéctica. Eis aquilo de que tu pareces ter-te apercebido acima de tudo. - Dizes a verdade - teria concordado Sócrates. - Que fazes tu então da filosofia? Para onde te hás-de voltar se não tens resposta para estas questões? - Não tenho nenhuma em vista, que saiba, peIo menos de momento".
Esta passagem tem uma importância enorme porque nos põe em face da grande preocupação de Platão, o objectivo final da sua filosofia - obter qualquer coisa que guarde identidade permanente e à qual o pensamento se possa prender; se a realidade sensível é fluente e, portanto, o contrário do permanentemente idêntico, voltemos-lhe as costas e refugiemo-nos, como acima vimos, (parág. 5) "do lado das Ideias".
Dilema implacável em que Platão se debate! - ou as Ideias, com todas as dificuldades e as consequências que delas resultam (entre as quais esta, necessária: que só se pode bem filosofar, só se atinge plenamente a verdade depois de morto), ou isso, ou o vendaval da fluência, da transformação, com todas as suas consequências, implacáveis também...
De que este era, de facto, o seu grande objectivo, abundam os testemunhos. Vamos dar ao leitor mais dois. O primeiro, ainda do próprio Platão (18):
"Não dizíamos nós ainda isto há pouco? Que a alma por vezes emprega o corpo para o exame de uma ou outra questão, por intermédio da vista, do ouvido ou de outro sentido; porque quando o exame se faz por intermédio dum sentido é o corpo que é um instrumento. Então dizíamos nós, a alma é arrastada pelo corpo na direcção daquilo que jamais guarda a sua identidade; ela própria se perde, se perturba, a cabeça anda-Ihe à roda como se estivesse bêbeda (19): é porque está em contacto com coisas dessa espécie. - Absolutamente! - Quando, pelo contrário ela está em si mesma neste exame, ela voa na direcção do que é puro, que possui sempre a existência, que não morre, que se comporta sempre da mesma maneira; por virtude do seu parentesco com ele (20), é sempre junto dele que ela vem tomar o lugar ao qual Ihe dá direito toda a realização da sua existência em si mesma e por si mesma; deixa de vagabundear e, na vizinhança dos seres descritos, conserva, ela também, sempre a sua identidade e a sua mesma maneira de ser. É porque está em contacto com coisas dessa espécie".
O outro testemunho é de Aristóteles. Ao passar, na Metafísica, em revista, as teorias dos filósofos anteriores, refere-se assim ao seu mestre Platão de cuja doutrina filosófica mais tarde se separou, nalguns pontos importantes (21):
"Desde a sua juventude, Platão, tendo sido amigo de Crátilo e familiar com as opiniões de Heraclito, segundo as quais todas as coisas sensíveis estão num fiuxo perpétuo e não podem ser objecto de conhecimento (22) conservou-se fiel a esta opinião. Por outro lado, Sócrates, cujas lições incidiram exclusivamente sobre as coisas morais e não sobre a Natureza inteira, tinha contudo, neste domínio, procurado o universal e sido o primeiro a fixar o pensamento sobre as definições. Platão seguiu o seu ensino mas foi levado a pensar que esse universal devia existir em realidades duma ordem diferente da dos seres sensíveis; não pode existir, com efeito, julgava ele, uma definição comum dos objectos sensíveis individuais, daqueles pelo menos que estão em perpétua transformação. A tais realidades deu então o nome de Ideias..." (23).
Como se vê, o testemunho do discípulo e contemporâneo concorda com o dos textos citados - a doutrina de Platão sai da de Heraclito por oposição a ela; o seu objectivo essencial é criar uma permanência racional, mansão artificial duma pureza e duma verdade artificiais.
8. Outras características
Não é aqui o lugar, evidentemente, de fazer uma exposição e uma crítica minuciosas do sistema filosófico de Platão. Mas ele importa-nos grandemente pelas suas consequências; vamos, por isso, fixar a nossa atenção sobre duas das suas características, além daquela que acabamos de acentuar.
A primeira é a natureza idealista desse sistema. Recorde o leitor o que dissemos na Parte 1 sobre o debate entre idealismo e materialismo e verá que Platão enfileira ao lado dos idealistas, ao lado do seu mestre espiritual Parménides. Mais, pode afirmar-se que Platão é o pai do idealismo, por ser o construtor do primeiro sistema desta natureza. Parménides não fizera mais que pôr o problema, pelo menos naqueles textos que hoje se conhecem dele.
A segunda é o carácter de elite do sistema de Platão.
A apreensão da verdade, tal como ele a entende, exige um esforço, uma elevação espiritual (em sua opinião) que está fora do alcance do homem vulgar. Isto, que paira como um véu sobre toda a sua criação, é afirmado expressamente numa passagem do Timeo, uma das suas últimas obras e onde, portanto, se pode encontrar o resultado mais elaborado do seu pensamento (24):
"Se a intelecção e a opinião verdadeira são dois géneros distintos (25), esses objectos invisíveis existem em si; são as Ideias que não podemos perceber pelos sentidos, mas somente pelo intelecto. Ora devemos afirmar que a intelecção e a opinião são duas coisas distintas porque têm origens distintas e comportam-se de maneiras diferentes. ... É preciso dizer, ainda, que na opinião todo o homem participa, e que na intelecção, pelo contrário, os deuses têm parte, mas, dos homens, uma pequena categoria somente".
É suficientemente claro, não é verdade?
9. Consequências
Se temos demorado o leitor com todas estas citações é porque o sistema filosófico de Platão tem uma importância enorme na história do pensamento e é preciso, portanto, conhecer ao menos a sua base. Nascido num momento de crise da civilização grega, como mostramos atrás, ele imprimiu à sua superestrutura uma orientação que havia de ter as mais largas repercussões sobre o movimento histórico seguinte. É uma grande vaga nascida dos problemas duma crise social e cujo movimento alteroso se prolonga até nós.
Não é que o sistema filosófico de Platão seja aceite na sua inteireza por todos os filósofos posteriores; muito longe disso. Alguns discutem-no, rejeitam a sua teoria das Ideias; entre estes conta-se logo o seu discípulo mais célebre, Aristóteles, que na Metafísica critica duramente a teoria das Ideias. Mas há no pensamento de Platão qualquer coisa de mais importante, de mais fundo, qualquer coisa de que a teoria das Ideias é um instrumento - a defesa contra a fluência e o carácter aristocrático do sistema - e isso fica.
O pensamento grego dominante aparece invadido pelo horror da transformação, e daí resulta o horror do movimento, do material, do sensível, do manual. O homem de elite rejeita o manual, o mecânico, e exalta o bem e a virtude, de cuja procura faz o fim máximo do homem.
Nisto, que é fundamental, concordam Platão e Aristóteles, noutras coisas tão divididos e opostos...
São de Aristóteles estas afirmações que provam o que acabamos de dizer (26):
"É preciso, portanto, ensinar aos jovens apenas os conhecimentos úteis que Ihes não venham a impor um género de vida sórdido e mecânico. Ora, deve considerar-se como mecânica toda a arte, toda a ciência que torna incapaz dos exercícios e dos actos da virtude os corpos dos homens livres ou a sua alma ou a sua inteligência. Eis porque chamamos mecânicas todas as artes que alteram as disposições naturais do corpo e todos os trabalhos que são mercenários; porque não deixam aos pensamentos nem liberdade nem elevação".
Noutra passagem da mesma obra (27), Aristóteles diz:
"Não é, portanto, bom que o homem de bem, nem o homem de Estado, nem o bom cidadão aprendam estas espécies de trabalhos (os trabalhos das artes mecânicas) que só convêm aos que estão destinados a obedecer; a menos que se sirvam apenas algumas vezes para sua própria utilidade. Doutra maneira, uns deixam de ser senhores e outros perdem a condição de escravos".
Ainda uma outra passagem para vincar bem o que afirmámos (28):
“... visto que estamos examinando qual é a constituição política mais perfeita e que esta constituição é a que contribui melhor para a felicidade da cidade; e, por outro lado, pois que se disse anteriormente que a felicidade não poderia existir sem a virtude, é visível que num Estado perfeitamente governado e composto de cidadãos que são homens justos no sentido absoluto da pa/avra, e não relativamente a um sistema dado, os cidadãos não devem exercer nem as artes mecânicas nem as profissões mercantis; porque este género de vida tem qualquer coisa de vil e é contrário à virtude. Também não devem, para serem verdadeiramente cidadãos, dedicar-se à agricultura, porque têm necessidade de ócios, para fazerem nascer a virtude na alma e para preencherem os deveres civis".
Não é só dos escritos deste ou daquele filósofo que transpira o horror do mecânico e do manual. Esta concepção invadiu de tal maneira a vida grega, que na pena de Plutarco (cuja opinião merece o crédito que lhe conferem, por um lado o seu senso crítico, e, por outro, o recuo de alguns séculos que o deixa julgar sem a paixão do momento e, portanto, separar o essencial do acessório, encontramos a seguinte passagem (entre outras), para nós hoje um pouco surpreendente (29):
“… muitas vezes, ao apreciar uma obra, desprezamos o obreiro, como nas composições de perfumes e nas tinturas de púrpura: porque nos deleitamos com umas e com outras e, contudo, temos os perfumistas e os tintureiros como pessoas vis e mecânicas. Respondeu muito bem Antístenes a um que Ihe dizia que Isménias era um excelente tocador de flauta: "também acho, mas apesar disso, homem que não vale nada, porque, se assim não fosse, não seria um tão excelente tocador de flauta". Vem a propósito dizer que Filipe, rei da Macedónia, disse uma vez a seu filho Alexandre-o-Grande que tinha cantado muito bem num Festim, e como homem que entendia muito de música: "Não tens vergonha de cantar tão bem? Porque basta que um rei empregue por vezes os seus ócios a ouvir cantar os cantadores e já faz muita honra às Musas em querer algumas vezes ouvir os obreiros de tal arte quando eles se despicam a quem cantará melhor". Mas quem exerce de facto alguma arte baixa e vil, produz em testemunho contra si próprio o trabalho que empregou em coisas inúteis, para provar que foi preguiçoso em aprender as honestas e úteis. E não houve jamais jovem de bom coração e gentil natureza que, ao olhar a imagem de Júpiter, que está na cidade de Pisa, desejasse ser Fídias, nem Policleto ao ver a de Juno que está em Argos, nem que desejasse ser Anacreonte, ou Filémon, ou Arquilóquio por ter alguma vez sentido prazer em ler as suas obras..."
Está o leitor vendo? Nem Fídias!
10. Consequências matemáticas
Julgámos indispensável fazer esta exposição, um pouco longa, para que o leitor esteja em condições de bem aprender o porquê de alguns aspectos do pensamento matemático na antiguidade.
A Ciência e Filosofia gregas, lendo pela cartilha de Platão, impuseram-se, a partir do dobrar do século V para o IV a. C., duas limitações: rejeição do devir como base duma explicação racional do mundo; rejeição do manual e do mecânico para fora do domínio da Cultura.
Estas duas limitações vão pesar duramente sobre as possibilidades de construção matemática, obrigando o pensamento helénico a uma queda vertical, numa altura em que pareciam estar criadas as condições para uma ascensão vertiginosa. Elas representam uma autêntica auto-condenação à esterilidade, como vamos ver.
Está o leitor recordado do que dissemos no parágrafo 7 do cap. I sobre a essência do conceito de variável? Da sua natureza contraditória, de síntese do ser e não ser? Como poderia um tal conceito surgir na Grécia pós-socrática, dominada por uma doutrina filosófica que, como mostrámos atrás, rejeitava a contradição, o devir e procurava, em tudo, aquilo que guarda permanentemente a sua identidade? Não! A variável, porque o é, não guarda a sua identidade, ultrapassa o lago tranquilo mas estéril da permanência.
Daqui resulta imediatamente a incapacidade da ciência grega para construir o conceito de função (cap. I, parág. 18) e, por consequência, para abordar o estudo quantitativo dos fenómenos naturais. O mais que poderia fazer era um estudo meramente qualitativo com todos os seus perigos, de certos aspectos da Realidade.
E aqui tem o leitor um exemplo, possivelmente o mais importante de todos, de como a Matemática, do mesmo modo que toda a construção humana, depende do conjunto de condições sociais em que os seus instrumentos têm de actuar. Subordinação que a não humilha, antes a engrandece.
11. O ideal de ordenação matemática
Chegados a esta altura da exposição, perguntar-se-á: Perderam-se então todas as esperanças numa ordenação matemática do Cosmos? Essa maravilhosa aventura, nascida ingenuamente nos primeiros pitagóricos - "todas as coisas têm um número e nada se pode compreender sem o número" - e logo batida duramente pela crítica eleática, pode considerar-se, pelo menos provisoriamente, terminada? Não é assim. A despeito de tudo, das contradições não resolvidas da incomensurabilidade, o ideal da ordenação matemática não desaparece e brilha ainda com força em Platão e depois dele. Simplesmente, essa ordenação matemática tem, necessariamente, que perder a feição quantitativa e refugiar-se nos domínios do qualitativo.
É o que, de facto, acontece. A matemática grega, no seu período áureo, é uma matemática essencialmente qualitativa, em que o número cede o passo à figura, à forma. Como não devia ser assim? Não é a figura, a forma - o triângulo, a circunferência, a elipse — eminentemente apta a guardar sempre a sua identidade?
Nisto - no primado da figura e consequente degradação do número - reside um dos aspectos principais da matemática grega.
É, a este respeito, altamente instrutiva a leitura do Timeo, um dos últimos diálogos de Platão, como atrás dissemos, e no qual ele pretendeu dar um sistema do Mundo. Ora que vemos nós no Timeo? Uma tentativa para explicar os elementos e as suas transformações por meio de figuras geométricas. Platão começa por afirmar que (30) "todos os triângulos tiram o seu princípio de dois tipos de triângulos" rectângulos, um isósceles e outro escaleno.
Destes últimos, procura o mais belo e afirma que é aquele triângulo rectângulo entre cujos catetos b e c existe a relação b2 = 3c2; com dois destes triângulos pode formar-se um triângulo equilátero, como se vê na fig. 45.
Fig. 45
Quanto às razões pelas quais é este triângulo o mais belo, o nosso filósofo limita-se a dizer que seria muito trabalhoso demonstrá-lo… (31), opinião com a qual não vejo inconveniente em concordar.
Em seguida dá-nos a chave de todo o mistério (32):
"Escolhamos portanto dois triângulos com os quais são constituídos os corpos do fogo e de todos os outros elementos: um isósceles, o outro tem sempre o quadrado do seu lado (cateto) maior, triplo do quadrado do mais pequeno. E agora, precisemos o que foi dito acima. Os quatro elementos (terra, água, ar e fogo) tinham-nos parecido nascer sempre reciprocamente uns dos outros, mas era uma falsa aparência. Com efeito, os quatro géneros nascem mas é dos triângulos de que acabamos de falar".
Ora aí está... o nosso filósofo conseguiu o seu objectivo! Escamotear a transformação, o devir (falsa aparência!), pondo, entre nós e ele, a figura geométrica - o ser que guarda a identidade! Está suficientemente claro?
A seguir descreve os poliedros regulares e mostra como eles podem ser gerados a partir de triângulos; depois - cúmulo da fantasia! - atribui a cada elemento um poliedro regular:
"À terra atribuamos a figura cúbica. Porque a terra é a mais difícil de mover das quatro espécies e é de todos os corpos o mais tenaz. E é muito necessário que o que tem tais propriedades tenha recebido, ao nascer, bases mais sólidas..." (33);
à água atribui o icosaedro, ao ar o octaedro e ao fogo o tetraedro.
Feitas estas atribuições, Platão declara (34):
"todas estas figuras convém concebê-las tão pequenas que em cada género nenhuma possa ser vista individualmente. Pelo contrário, quando se agrupam, as massas que formam são visíveis. E, pelo que toca às relações numéricas que dizem respeito ao seu número, aos seus movimentos e outras propriedades, deve considerar-se sempre que o Deus, na medida em que o ser da necessidade se deixava espontaneamente persuadir, as realizou por toda a parte de maneira exacta e assim harmonizou matematicamente os elementos".
Vê-se portanto que o ideal da ordenação maternática não desapareceu, ele continua a palpitar; simplesmente, além do elemento místico que vemos nesta última passagem, a ordenação matemática está subordinada àsrelações de figuras geométricas - a Aritmética cedeu o passo à Geometria, a figura ascendeu ao primeiro plano.
Nos Elementos de Euclides, um dos monumentos matemáticos mais importantes de todos os tempos, há traços pronunciados desta mesma influência.
12. Geometria e Mecânica
Todas estas considerações chamam a nossa atenção para o problema seguinte - que é, para o geómetra antigo, uma curva? É intuitivo o considerar-se uma curva como gerada pelo movimento de um ponto, e já fizemos (parág. 25, cap. I) referência a isso. Mas, para o geómetra grego, seria porventura o processo dinâmico de descrição suficientemente digno para gerar figuras geométricas - aqueles seres que guardam a sua identidade? Tudo quanto dissemos atrás nos leva a suspeitar que assim não deve ser. Movimento e transformação são coisas tão intimamente ligadas, que uma atitude mental que rejeita uma, deve logicamente, banir também a outra.
Se a figura aparece como um biombo que nos defende da fluência (v. o parágrafo anterior) como pode a figura admitir em si, na sua geração, o movimento?
Poderá o leitor julgar que isto é uma simples conjectura, feita hoje, sobre o que pensariam os geómetras gregos formados na escola de Platão, mas abundam as provas de que assim era de facto.
Vamos apresentar duas.
Plutarco, a cujo testemunho temos recorrido mais de uma vez, diz-nos na Vida de Marcelo, XXI:
“... essa arte de inventar e construir instrumentos e máquinas, que se chama a Mecânica, ou Orgânica tão amada e apreciada por toda a espécie de gentes, foi primeiramente posta em relevo por Arquitas e por Eudóxio, em parte para tornar agradável e embelezar um pouco a ciência da Geometria por esta coisa graciosa, e em parte também para alicercar e fortificar, por exemplos de instrumentos materiais e sensíveis, algumas proposições geométricas, de que se não podem achar as demonstrações intelectivas por razões indubitáveis e necessárias, como é a proposição que ensina a achar duas linhas médias proporcionais, a qual não se pode achar por razão demonstrativa e, contudo, é um princípio e fundamento necessário a muitas coisas que dizem respeito à pintura. Um e outro reduziram-na à manufactura de aIguns instrumentos que se chamam mesolábios e mesógrafos que servem para achar estas linhas médias proporcionais, tirando certas linhas curvas e secções secantes e oblíquas. Mas depois, tendo-se Platão encolerizado contra eles, fazendo-lhes ver que eles corrompiam a dignidade do que havia de excelente na Geometria, fazendo-a descer das coisas intelectivas e incorporais às coisas sensíveis e materiais ao fazer-lhe usar de matéria corporal em que é preciso vilmente e baixamente empregar obra da mão; desde esse tempo, digo, a Mecânica, ou arte dos engenheiros, veio a ser separada da Geometria e, sendo longamente tida em desprezo pelos filósofos, tornou-se uma das artes militares".
O segundo testemunho está separado deste por 16 séculos e encontra-se no começo do livro 2.º da Geometria de Descartes(1637):
"Os antigos notaram muito justamente que entre os problemas da Geometria uns são planos, outros sólidos, outros lineares, isto é, que uns podem ser construídos usando apenas rectas e círculos, enquanto outros não o podem ser senão empregando, pelo menos, alguma secção cónica; nem enfim os outros, a não ser que se empregue alguma outra linha mais composta. Mas espanto-me de que eles não tenham distinguido diversos graus entre estas linhas mais compostas e não compreendo a razão pela qual lhes chamaram mecânicas e não geométricas. Porque se se diz que é por causa de ser necessário usar máquinas para as descrever, então dever-se-ia rejeitar pela mesma razão os círculos e as rectas, visto que só se podem traçar no papel com um compasso e uma régua, que se podem também chamar máquinas".
Como o leitor vê, estes dois textos completam-se e confirmam inteiramente o que atrás dissemos sobre a exclusão do movimento dos domínios da Geometria. Mas encontram-se com facilidade outras confirmações; por exemplo, no carácter estático das definições dadas nos Elementos de Euclides. Ele não define recta como o caminho mais curto entre dois pontos, mas sim como a figura que repousa igualmente em relacão aos seus pontos (definição 4). Não define a circunferência como a linha descrita por um ponto que se move num plano conservando-se a uma distância fixa dum ponto desse plano, mas como a figura plana formada por uma só linha tal que todos os segmentos de recta tirados para ela de um ponto situado dentro são iguais entre si (def. 15).
13. Resumo
Podemos concluir, brevemente, as considerações até aqui feitas do modo seguinte.
Vimos como determinada situação e evolução social da Grécia, do século V para cá, impôs, na superestrutura intelectual dessa sociedade, a adopção de uma corrente de ideias da qual resultaram no domínio da Matemática as consequências principais seguintes:
a) incapacidade de conceber o conceito de variável e, portanto, o de função; daí:
b) abandono do estudo quantitativo dos fenómenos naturais e refúgio nas concepções qualitativas; paralelamente:
c) primado da figura sobre o número e consequente degradação deste; logo:
d) separação da Geometria e da Aritmética, o que fará dizer mais tarde a Descartes: "... o escrúpulo que faziam os antigos em usar dos termos da Aritmética na Geometria, que não podia proceder senão de que eles não viam claramente as suas relações, causava muita obscuridade e embaraço na maneira pela qual eles se exprimiam";
e) exclusão, do seio da Geometria, de tudo quanto lembrasse o movimento, o mecânico e o manual; donde:
f) um conceito estreito de curva, limitado à recta, circunferência e cónicas;
g) tendência para fugir de tudo aquilo que viesse ligado as concepções quantitativas e dinâmicas; em particular, do conceito de infinito, não porque se banisse da Filosofia tal conceito mas porque se renunciou a abordar um estudo quantitativo dele e se passou a eliminá-lo sistematicarnente dos raciocínios matemáticos; da Matemática grega veio-nos um método de raciocínio - o método de exaustão - que não tem outro objectivo.
Estas características vão manter-se durante quase duas dezenas de séculos na Europa. O seu reinado só devia terminar quando uma sociedade nova, dominada por uma classe nova, portadora de interesses e problemas novos, impusesse à Filosofia e à Ciência um rumo diferente.
14. As cidades da Europa medieval
A partir do século XI, começam a aparecer na Europa sintomas duma transformação profunda. O facto fundamental que dá origem a essa transformação, e sem o qual nada se pode perceber da história subsequente da Europa, é o aparecimento, fixação e desenvolvimento das primeiras cidades.
Limitadas primeiro àsregiões costeiras, mediterrânicas e bálticas, de onde mais facilmente se podia fazer o comércio com o Oriente, começaram pouco a pouco a espalhar-se pelo Continente, primeiro estabelecendo a ligação das duas regiões citadas, depois alastrando, numa rede de malhas cada vez mais apertadas.
As cidades vieram trazer um elemento novo à economia europeia, até aí confinada nos limites estreitos duma economia agrária de pequenas unidades - os domínios - bastando-se a si próprias. Elas passaram a constituir núcleos de atracção e aglutinação onde as necessidades crescentes do comércio de longo trânsito impuseram a fixação, em escala cada vez maior, de população tirada aos domínios rurais - pequenos comerciantes e pequenos artesãos, necessários para prover o aglomerado urbano de produtos alimentares e manufacturados.
Uma vez posto em marcha este processo de deslocação da sociedade existente, ele não pára mais. A cidade adquire cada vez maior peso como unidade económica e política e seguem-se alguns séculos duma luta crua e heróica em que as cidades afrontam os poderes constituídos - senhores feudais, reis ou imperadores - e procuram a criação duma ordem política que sirva os seus interesses.
Ligado ao aparecimento das cidades está o aparecimento na Europa de um tipo novo de homens, o comerciante, muito diferente do tipo até aí existente - os seus horizontes são mais rasgados, os seus interesses encontram-se espalhados por lugares muito afastados do Continente, as suas condições psicológicas endurecem e ganham em audácia no exercício duma profissão em que os fracos ou os amantes da vida tranquila e sedentária não têm lugar.
O desenvolvimento das cidades leva, portanto, à criação duma classe de indivíduos que, pelas suas condições individuais e sociais, em tudo se opõe àsclasses até então dominantes.
Dá-se, na Europa medieval, um conflito análogo ao que se dera na Grécia antiga - o conflito entre a terra e o mar - e em que uma das partes está representada também pelas cidades comerciais e industriais. Mas a situação é agora muito diferente - essas cidades de tipo comercial e industrial penetram pelo Continente, vão enraizar no próprio seio da sociedade agrária, enquanto na Grécia se haviam limitado às regiões da costa. Como consequência, desenvolve-se e ganha peso crescente na Europa uma classe social - a classe burguesa - que não só há-de conquistar a autonomia das suas cidades, como deve mais tarde, porque os seus interesses cosmopolitas o exigem, promover a fusão delas em unidades políticas mais largas - as novas unidades nacionais.
Existe agora, por consequência, o que faltara à sociedade antiga (parág. 3).
15. Nova mudança de navegação
Todo este complicado processo a que acabamos de fazer alusão e de que referimos apenas o agente fundamental, leva os homens a uma atitude mental nova. As necessidades do Comércio e da Indústria exigem um estudo do mundo exterior tal como ele se nos apresenta, com as suas propriedades e os seus processos de transformação.
Um filósofo que desfruta tranquilamente uma situação privilegiada pode discorrer subtilmente sobre a natureza metafísica dos elementos e procurar explicá-los por poliedros regulares; o artífice que forja as armas com que a sua cidade se há-de defender do poder tirânico do imperador não tem tempo para tal - tem que procurar a melhor têmpera do seu aço e para isso tem que estudar as ligas dos metais, e observar como elas se comportam na sua forja, procurar os materiais com que obtenha nela as temperaturas necessárias.
Os problemas da navegação, por exemplo, levam a uma investigação cada vez mais cuidadosa dos movimentos dos astros e, duma maneira geral, exigem um estudo mais rigoroso do movimento, um estudo quantitativo, que permita medir e prever.
Para cada exigência nova que aparece, é uma insuficiência antiga que se descobre, é uma barreira que tem de se derrubar. E ao filósofo antigo cantonado detrás do desprezo altivo pelo manual e pelo mecânico, responde o cientista novo, construtor dos seus próprios instrumentos de trabalho, instrumentos que, por vezes, na sua humildade aparente - tal a luneta de Galileo - são, na realidade, as alavancas poderosas a cujo impulso derruem duas dezenas de séculos de filosofia estéril.
Não se julgue que esta nova mudança de navegação se realiza com facilidade. Fazendo paralelo à luta entre a cidade e a sociedade agrária, desenvolve-se no domínio intelectual a luta entre o filósofo tradicional, súbdito do reinado espiritual platónico-aristotélico, para quem a verdade está no pensamento e nos seus quadros lógicos, e o filósofo novo para o qual ela há-de ser primeiro descoberta na Natureza, pela observação e experimentação, e depois, mas só depois, elaborada pelo pensamento. Põe-se, portanto, novamente a questão do primado - para onde deve ele ir? Para a Razão ou para a Experiência?
Questão escaldante à qual os filósofos e cientistas da Europa do Renascimento hão-de dar uma resposta que ultrapassa de largo os quadros anteriores do problema.
16. A caminho do conceito de função
Razão e Experiência opõem-se a princípio como dois caminhos contrários para atingir um fim - o conhecimento verdadeiro. O primeiro, tendo a defendê-lo toda a imensa corte da filosofia tradicional platónico-aristotélica que, com cambiantes várias, domina as Escolas de então; o segundo, acompanhando as necessidades económicas dum mundo que lentamente vai ganhando forma. Surge aqui ou além um pensador que a pouco e pouco interpreta essas necessidades e vai firmando o traçado. O mais ilustre de entre estes pioneiros é o monge franciscano Rogério Bacon que, já na segunda metade do séc. XIII, combatia contra a ignorância dos doutores de Paris (35), afirmando que "a Razão não pode distinguir o sofisma da demonstração a menos que seja controlada nas suas conclusões pelas obras rectificadoras da Experiência". Se a Experiência a que Rogério Bacon alude não é a Experiência tal como a entende o cientista moderno, se ele se debate numa multidão de contradições inerentes à época em que vive, não deixa de ter direito, no entanto, a ocupar um lugar na primeira fila daqueles que combateram pelo primado da experimentação.
No dobrar do séc. XV para o XVI, encontrarnos, porém, o problema já formulado em termos que lhe dão uma feição nova.
Foi um homem extraordinário, a quem parece nada ter sido alheio das preocupações dominantes no seu tempo, do domínio da Técnica ao da Ciência, da Filosofia e das Artes - Leonardo da Vinci - quem deu essa formulação precisa. Encontramos nele, em termos vigorosos, a reabilitação dos sentidos, e consequentemente, a condenação da atitude platónica sobre a degradação do corpo em face da aquisição da verdade.
"Dizem ser mecânico aquele conhecimento que sai da Experiência, e científico o que nasce e acaba na Razão, e semi-mecânico o que nasce na Ciência e acaba nas operações manuais. Mas a mim me parece que são vãs e cheias de erro aquelas ciências que não nascem na Experiência, mãe de toda a certeza, ou que não terminam na Experiência, isto é, tais que a sua origem, meio ou fim não passa por nenhum dos cinco sentidos. E se nós duvidamos da certeza de cada coisa que passa pelos sentidos, quão mormente devemos duvidar daquelas coisas que são rebeldes aos sentidos, como a essência de Deus e da alma e semelhantes, acerca das quais sempre se disputa e contende" (36).
Mas Leonardo não se limita a um simples empirismo como método de aquisição da verdade; a simples experimentação não chega:
"Nenhuma investigação merece o nome de Ciência se não passa pela demonstração matemática"; "nenhuma certeza existe onde não se pode aplicar um ramo das ciências matemáticas ou se não pode ligar com essas ciências" (37).
Destas citações e de muitas outras que poderíamos fazer aqui, ressalta nitidamente o pensamento de Leonardo da Vinci - observar, investigar a Natureza, o mundo sensível, e submeter os dados dessas observações aos processos matemáticos.
O método é, como se vê, oposto ao que está implícito na filosofia de Platão; a sua aplicação leva dentro em pouco a esta consequência - o aparecimento da lei quantitativa como entidade fundamental da filosofia da Natureza.
17. Uma ideia grandiosa que renasce
Repare bem o leitor no que este método de aquisição da verdade implica, recorde o que dissemos no capitulo I desta Parte 2 sobre o estudo das leis quantitativas e a necessidade consequente do conceito de função e fica de posse deste facto fundamental - o rumo novo da Ciência, que a nova sociedade determina e vemos formulado nos escritos de da Vinci, é o rumo duma ordenação matemática do Universo. Mais tarde, na pena de Newton, esse ideal de ordenação será formulado em termos lapidares: "... Os modernos, rejeitadas as formas substanciais e as qualidades ocultas, ocupam-se de referir a leis matemáticas os fenómenos naturais" (38).
Veja portanto o leitor como, ao cabo de 20 séculos, renasce das cinzas, onde parecia enterrado para sempre, aquele ideal de ordenação matemática quantitativa que víramos despontar com os pitagóricos. Que caminho andado e que diferença! Quantas ilusões ingénuas desfeitas! E veja também como só uma transformação orgânica total da sociedade veio a exigir a criação do conceito que havia de fazer renascer esse ideal.
Da potência desse conceito como instrumento matemático, vimos alguma coisa nos caps. II e III. Agora vamos terminar com algumas indicações breves sobre o seu significado geral e a sua evolução.
18. De novo a fluência...
A introdução do conceito de função como instrumento necessário para o estudo da nova realidade da Ciência - a noção de lei natural - traz consigo, como não pode deixar de ser, um conjunto de ideias e concepções que Ihe são inerentes.
Recorda-se o leitor do que dissemos, no parágrafo 17 do capítulo I, sobre a natureza do conceito de variável e a sua ligação à filosofia da fluência? É de esperar, portanto, nos construtores novos da Ciência, uma atitude de concordância com essa filosofia. É o que, de facto, se dá: "Olha para a chama e considera a sua beleza. Fecha os olhos e torna a olhar: o que vés não estava lá e o que lá estava já o não encontras" nos diz Leonardo da Vinci (39) numa fórmula elegante que Heraclito poderia subscrever.
Dois séculos mais tarde, Newton põe nitidamente a concepção da fluência:
"Considero aqui as quantidades matemáticas, não formadas pela adjunção de partes mínimas, mas descritas por um movimento contínuo. As linhas descritas, e portanto geradas, não por aposição de partes, mas pelo movimento contínuo de pontos; as superfícies pelo movimento de linhas; os sólidos pelo movimento de superfícies; os ângulos pela rotação de lados; o tempo por um fluxo contínuo, e assim para as outras. Estas gerações têm verdadeiramente lugar na natureza das coisas e revelam-se todos os dias no movimento dos corpos" (40).
Não se pode ser mais nítido, não é verdade? De resto, o próprio nome que Newton dá às funções revela bem a sua atitude mental - chama-lhes fluentes; o uso do nome função só mais tarde se generaliza.
19. Primado do número
A mudança de atitude é, como se vê, total em relação ao problema da fluência. E como este é o problema fundamental, a mola real que vai tocar todas as outras questões, percebe-se sem dificuldade que vamos encontrar, nestes séculos da criação da Europa e da Ciência moderna, a inversão daquelas características que no parágrafo 13 apontamos como resumindo os resultados da evolução antiga. A algumas delas, nomeadamente a) e b), nos referimos já; vamos referir-nos brevemente às c), d) e f).
O número é, em última análise, o que constitui a substância do conceito de variável e, portanto, de função; o papel primacial que esta passa a representar na Ciência traz, como consequência, o número para a primeira plana da explicação científica; daqui resulta o primado do número sobre a figura e, consequentemente, o fim da separação da Aritmética e da Geometria em compartimentos estanques (veja-se a citação de Descartes na alinea d) do parág. 13).
O leitor que esteja recordado do que dissemos nos parágrafos 21 a 28 do cap. I sobre as relações do campo analítico e do campo geométrico, dos conceitos de função e de curva, de lei analítica e de lei geométrica, está de posse dos elementos essenciais que o habilitam a julgar esta questão. Lembremos-lhe apenas que é na obra de Descartes já citada - a Geometria - que se encontra a formulação do método das coordenadas que permite estabelecer essas relações e levar à construção dum dos ramos mais importantes da Matemática - a Geometria Analítica - de que demos a base nos mesmos parágrafos.
Mas há um ponto que queremos esclarecer ainda: falámos em primado do número; portanto, ele deve, não dizemos sobrepor-se àfigura, mas permitir uma explicação daquilo que Ihe é essencial - a sua forma (e não apenas as dimensões). Se tal primado existe, tratar-se-á então de uma explicação quantitativa da forma, precisamente o contrário do que queria o sistema de Platão, como vimos pelas citações do Timeo. Ora é de facto isso o que a Geometria Analítica permite fazer.
Que é a equação duma curva (cap. I, parág. 27)? - uma lei matemática a que satisfazem as coordenadas dos seus pontos. Na equação está tudo, forma e dimensões.
Seja, por exemplo, a circunferência da fig. 46, com centro na origem das coordenadas e seja = r o seu raio e P(x,y) o ponto geral da curva. A que condição analítica satisfaz ele? Por definição de circunferência, deve ser = r qualquer que seja a posição de P(x,y) sobre a curva, logo, devemos ter sempre 2 + 2 = r2; mas = x, = y, coordenadas de P, logo é necessariamente
a equação da circunferência.
Fig. 46
Reciprocamente, se nos derem a equação (1) raciocinamos assim: sei que, para todo o ponto M (xo, yo) do plano, é d = a sua distância à origem (como resulta da aplicação do teorema de Pitágoras ao triángulo OQM da fig. 46); portanto, os pontos P(x,y) que satisfazem à equação (1) são todos os pontos do plano tais que o quadrado da sua distância à origem, x2 + y2, é constante (41) e igual a r2, portanto são todos os pontos cuja distância à origem é constante e igual r. Mas o conjunto desses pontos é a circunferência de centro na origem e raio r, logo é essa a curva que tem (1) como equação.
Por um raciocínio análogo, apenas um pouco mais complicado, conclui-se que a curva correspondente à equação
(2) + = 1 ‘ é a elipse de semi-eixos = a e = b, b < a (fig. 47).
Vê o leitor como o número (que forma a base da equação) permite explicar a figura na sua forma e dimensões?
Mas há mais. Suponhamos que na equação (2) b cresce e se aproxima de a. A cada valor bi de b corresponde uma elipse com os semi-eixos a e bi. Àmedida que bise aproxima de a, a elipse vai sendo cada vez menos diferente duma circunferência de centro O e raio mas é sempre uma elipse. Se, no entanto, b atingir, na sua variação, o valor a, para esse valor ter-se-á + = 1 donde x2 + y2 = a2, isto é, não se tem já uma elipse mas a circunferência, curva essencialmente diferente na sua forma.
Fig. 47
Está o leitor vendo como uma variação de qualidade - a forma duma figura - se explica por uma variação de quantidade? E como este facto entra naquela lei geral de passagem da quantidade à qualidade - a que nos referimos no cap. I?
O primado do número atinge aqui toda a profundidade do seu significado!
20. Que é uma curva?
No parágrafo 25 do cap. I, ao tratarmos da imagem geométrica duma função, encontrámo-nos diante desta questão - que é uma curva?
No presente capítulo tornámos a encontrá-la em duas épocas históricas diferentes e vimos como lhe foram dadas respostas diferentes (parág. 12). De facto, os geómetras gregos, na sua preocupação de excluir da Geometria tudo o que tocasse o mecânico, consideravam como curvas geométricas apenas a circunferência e as cónicas. Contra este ponto de vista insurgiu-se, como vimos, Descartes, que, desse modo, alargou o conceito de curva, admitindo na Geometria, senão todas as curvas descritas mecanicamente, pelo menos algumas delas. Para ele, com efeito,
"a espiral, a quadratriz e outras semelhantes só pertencem verdadeiramente às mecânicas e não são do número das que penso que devem ser recebidas aqui (42), porque as imaginamos descritas por dois movimentos separados e que não têm entre si relação que se possa medir exactamente".
Com a criação da Geometria analítica, a sorte das curvas passou a estar ligada, como é natural, à das funções que servem para as definir analiticamente, de modo que, a breve trecho, foi tomado, como conceito mais geral de curva, a imagem geométrica duma função real de variável real y(x).
A definição de curva, difícil no campo propriamente geométrico, passou assim para o campo analítico, onde parecia mais simples. O conceito de curva alargou-se desse modo extraordinariamente e, em particular, as curvas rejeitadas por Descartes receberam direitos de cidadania na Geometria.
Mas esta nova concepção, à primeira vista satisfatória por dar um conceito geral e simples, revelou-se embaraçosa. Não porque pecasse ainda por estreiteza, como as anteriores, mas, pelo contrário, porque se mostrou larga demais.
Já nos referimos a isso no parágrafo 25 do cap. I, onde apresentámos a imagem duma função y(x) que se afasta muito da noção intuitiva.
Mas o desacordo pode ser mais completo ainda. Consideremos a seguinte função y(x) assim definida (Dirichlet) no intervalo (0,1): para x racional → y = 0, para x irracional → y = 1. E, evidentemente, uma função, no sentido da definição do parág. 18 do cap. I, uma vez que a todo o valor de x corresponde um só valor de y. Procuremos a sua imagem geométrica. Que pode dizer-se a respeito dela?
Se x é racional, por exemplo 1/2, y é zero, portanto o ponto correspondente está sobre o eixo Ox, no segmento ; se x é irracional, por exemplo , y é um, logo o ponto correspondente está sobre o segmento (fig. 48). E como há no intervalo (0,1) (em que a função é definida) uma infinidade de números irracionais e outra de racionais, concluímos que a imagem da nossa função é constituída por uma infinidade de pontos do segmento , mas não todo o segmento , e uma infinidade de pontos do segmento , mas não todo o segmento . Se unirmos dois pontos quaisquer P e Q da imagem, no segmento figura, em qualquer hipótese, uma infinidade de pontos que não pertencem à imagem da função - todos aqueles que tiverem abcissa irracional se P e Q estão sobre (porque a esses correspondem, como a , imagens em BC); todos aqueles que tiverem abcissa racional se P e Q estiverem sobre (porque a esses correspondem, como a 1/2, imagens em ); todos os pontos entre P e Q se um pertence a , e outro a (porque y só toma os valores zero e um e não valores intermediários).
Fig. 48
Em resumo, a imagem da função é constituída por duas infinidades de pontos desligadas uma da outra e sem nenhum segmento - é, portanto, uma imagem não materializável à vista, não visível! Pode uma tal imagem ser considerada como uma curva?
As dificuldades não param aqui. Se alguma coisa está inerente à nossa noção intuitiva de curva geométrica é o facto de ela constituir uma figura com uma só dimensão. Pois bem, pelo princípio deste século, houve quem desse a definição analítica duma curva que passa por todos os pontos dum quadrado - duma curva preenchendo uma área!
Há pouco a imagem não se via, agora vê-se demais!
Todas estas dificuldades mostram, afinal, uma coisa - é que, para o objectivo geométrico da definição de curva, o conceito de função, na sua maior generalidade, é um quadro largo demais. Há que o restringir, que o apertar um pouco, para que as imagens obtidas estejam de acordo com a nossa noção intuitiva.
Não temos, por enquanto, os elementos suficientes para poder dizer em que consiste essa restrição do quadro analítico; só o poderemos fazer na Parte 3.
Mas repare o leitor nisto, que é importante - na necessidade que temos de caminhar, tacteando, entre o que a intuição nos dá a partir da Realidade e o que a razão nos permite com os instrumentos que forja.
21. Função, lei e acaso
Uma faceta importante dessa necessidade é posta em evidência por um aspecto da evolução do conceito de função. Esse conceito não teve sempre a generalidade que Ihe damos hoje. Surgido, lentamente, da necessidade de estudar leis naturais, ele achou-se, a breve trecho, identificado com a relação analítica que define a correspondência das duas variáveis. No princípio do século XVIII, um matemático ilustre, João Bernoulli, definiu função assim: "chama-se aqui função duma grandez,a variável a uma quantidade composta de qualquer maneira dessa grandeza variável e de constantes". Para ele, portanto, a função era a expressão analítica, e esse ponto de vista prevaleceu durante muito tempo e impregna ainda a linguagem de hoje.
Reconheceu-se porém que, devido a circunstâncias que não podemos desenvolver aqui, esse ponto de vista era insuficiente e que havia vantagem em depurar o conceito de função pondo em evidência o que nele havia de essencial - a correspondência das duas variáveis. Chegou-se desse modo, pelo final do século XIX, à definição moderna de Riemann-Dirichlet que demos no parág. 18 do cap. I.
O conceito ganhou assim em generalidade porque se libertou da eventual forma de estabelecer a correspondência das variáveis, mas essa mesma generalidade o obrigou a afastar-se das condições de que nasceu.
Ponhamos a seguinte questão: qual é a função mais geral y(x)? O que equivale a perguntar qual é a correspondência mais geral possível entre duas variáveis? Se escolhemos uma lei determinada para a correspondência, imediatamente a particularizamos, de forma que chegamos à conclusão seguinte - a correspondência x →y mais geral é aquela em que os valores de y, correspondentes aos de x, são quaisquer. Mas, quem diz quaisquer diz: sem lei nenhuma, diz: ao acaso; portanto, a função y(x) mais geral é aquela em que os valores da variável dependente são dados ao acaso.
Estranha conclusão! O conceito de função nasceu do de lei natural; ao procurar depurá-lo, generalizá-lo, encontramo-nos com o acaso, noção precisamente oposta à de lei! Condenação dos nossos instrumentos de trabalho que, assim, flutuam entre duas noções opostas? Não! Reconhecimento desta verdade fundamental, enunciada por Gonseth:
"lei e acaso são noções conjugadas que só adquirem todo o seu sentido quando tomadas uma em relação à outra. Nem uma nem outra têm existência autónoma - a sua contradição mútua faz uma parte do seu sentido" (43).
Verdade que é uma consequência desta outra - todas as coisas devem ser estudadas em relação com o seu contexto. É nesse tribunal que devem ser julgados os resultados que os instrumentos analíticos, na sua forma mais geral, permitem adquirir.
(*) O primeiro volume de Conceitos Fundamentais da Mantemática foi publicado na Biblioteca Cosmos em 1941, sendo o segundo volume aí publicado no ano seguinte. O Volume I corresponde à Parte 1 da obra e o Volume II à Parte 2. Segundo a sistematização do autor à primeira parte correspondem os “(…) conceitos básicos que dizem respeito à noção de quantidade” e as partes seguintes deveriam proceder ao estudo dos conceitos que “(…) têm por tema as noções de lei, de evolução e de classificação.” Em ambas as partes publicadas pela Biblioteca Cosmos existe um capítulo IV que situa historicamente os desenvolvimentos principais ocorridos em matemática. A obra expõe um concepção materialista da ciência, solidamente ancorada na história social, que enfureceu António Sérgio, tendo valido uma rija polémica entre os dois autores em 1946. Lê-se no prefácio do autor à primeira edição (1º volume): “ A Matemática é geralmente considerada como uma ciência à parte, desligada da realidade, vivendo na penumbra do gabinete fechado, onde não entram ruídos do mundo exterior, nem o sol, nem os clamores dos homens. Isto, só em parte é verdadeiro.” Os dois volumes foram sucessivamente reeditados ainda em vida do autor. Já postumamente seria publicada uma terceira parte, na primeira edição do conjunto da obra em um só volume, na Tipografia de Matemática, Lisboa, 1951, de que existe uma reprodução acessível na internet. Com essa configuração teve nove edições pela Livraria Sá da Costa e oito pela Gradiva, mantendo-se uma obra atualíssima e fascinante para sucessivas gerações. As figuras foram desenhadas por Guida Lami e remontam à 1ª edição.
________________ NOTAS:
(1) Anaximandro viveu, aproximadamente, de 611 a 545 a.C..
(2) Samos é o nome de uma ilha do Mar Egeu, junto ao litoral da Ásia Menor; Pitágoras parece ter sido originário dessa ilha.
(3) O ensino na escola pitagórica fazia-se por transmissão oral; daí resulta uma ausência de textos originais sobre que se possa fazer um estudo directo; há que fazer reconstruções pelas referências posteriores.
(4) Metafísica. A. 5.
(5) Instrumento com uma corda só e um cavalete móvel que permite, deslocando-o, dividir a corda em dois segmentos na razão que se quiser.
(6) Numa proporção qualquer, o produto dos meios é igual ao produto dos extremos.
(7) Escritor grego nascido na cidade, hoje desaparecida, de Cheronea, por altura do ano 50 da nossa era. Tornou-se célebre pela sua notável colecção de Vidas dos Homens Ilustres.
(8) O que foi origem de uma revolta popular que estalou em Crotona contra a Escola e originou a sua destruição; nela parece ter perdido a vida o próprio Pitágoras.
(9) Como o leitor deve ter notado, todas as escolas filosóficas a que nos referimos viveram fora da metrópole grega.
(10) Ateniense (470-399 a. c.).
(11) Ateniense (428-347 a. c.); de uma das mais nobres famílias de Atenas. Pelo lado do pai a sua ascendência ia, dizia-se, até ao deus Poseidon.
(12) Natural de Clazomène, no litoral da Ásia-Menor (500-428 a. c.). Exerceu grande influência intelectual em Atenas.
(13) Fedon, 97 b) e seg.
(14) Na filosofia de Anaxágoras, com efeito, a acção do Espírito limita-se ao impulso inicial; no resto procuram-se explicações mecânicas.
(15) Fedon, 99 e.
(16) Fedon, 65 b) e seg.
(17) Parménides, 135 b) e c).
(18) Fedon, 79 c) e d).
(19) O termo figura com toda a sua crueza, no texto: methyousa, de methysko - embebedar-se.
(20) Aquilo que é puro, eterno e idêntico.
(21) Metafísica, A6, 987 b).
(22) Não conheço nenhum fragmento de Heraclito onde essa impossibilidade seja afirmada.
(23) Aristóteles insiste, noutra passagem (Metafísica, M4): "A doutrina das Ideias foi, nos seus fundadores, a consequência dos argumentos de Heraclito sobre a verdade das coisas, ..."
(24) Timeo, 51 d) e seg..
(25) Repare o leitor na semelhança com o pensamento de Parmenides (Parte 1, pág. 73).
(26) Política, V, II, 1.
(27) Política, III, II, 9.
(28) Política, IV, VIII, 2.
(29) Vida de Péricles, I.
(30) Timeo, 53 d.
(31) Timeo, 54 b.
(32) Timeo, 54 b e c.
(33) Timeo, 55 e.
(34) Timeo, 56 c.
(35) Centro de uma das mais antigas universidades europeias. Um dos capítulos mais interessantes da história da civilização ocidental é precisamente a criação e desenvolvimento das Universidades, acompanhando a formação da Europa nova. Essa história não pode ser contada aqui.
(36) Tratado de Pintura.
(37) Tratado de Pintura.
(38) Princípios matemáticos da filosofia natural.
(39) Códice F; citado de Leonardo, Omo senza lettere; por G. Fumagalli.
(40) Isaac Newton, Tratado da Quadratura das curvas, Introdução.
(41) O que se não daria se a equação fosse, por exemplo, x2 + y2 = x3.
(42) La Géométrie, livro 2.º.
(43) Science et loi, pág. 21.
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