A revolução industrial em Portugal no século XIX

 

 

Armando Castro

Armando Castro (*)

 

 

Capítulo I

O progresso técnico da indústria

 

 

1. - Perspectiva histórica da técnica industrial; as duas revoluções industriais e a sua projecção no nosso país.

 

1. Interessa-nos aqui estudar o desenvolvimento da economia industrial do nosso país, no sentido amplo de economia não agrícola, bem como as leis gerais do seu desenvolvimento. Por isso, vamos procurar examinar de perto o desenvolvimento económico da indústria portuguesa na época moderna, de há cem anos para cá, especialmente, a fim de, com esses dados, melhor enquadrarmos as tendências profundas e o ritmo de desenvolvimento da economia nacional, para melhor se compreenderem os problemas e dificuldades presentes, bem como as possibilidades futuras.

 

Sabe-se que já antes dá Revolução Liberal se tomaram medidas destinadas a proteger a nossa cambaleante indústria.

 

Entre as medidas oficiais tomadas conta-se, por exemplo, a disposição constante do alvará de 1802 que mandou recomeçar o trabalho nas «ferrarias» (1) de Tomar, abandonadas desde 1761, estabelecendo-se uma nova fábrica na foz do Alge, tendo também sido restabelecidas as «ferrarias» de Figueiró dos Vinhos. Foi autorizada a constituição da Companhia de Navegação do rio Douro e de Mineração de Moncorvo (alvará de 1806), sendo-lhe concedidos diversos privilégios. Já em 1802 havia sido autorizada a produção de papel na fábrica de Alenquer e haviam sido dados privilégios à fábrica de Sá, junto do rio Vizela; também um alvará de 27 de Fevereiro do mesmo ano isentara de sisa os lanifícios manufacturados no país e destinados a consumo interno. A partir deste ano de 1802 tomaram-se várias medidas com o objectivo de proteger a decadente indústria serícola.

 

Mas as condições técnico-económicas dessas actividades ainda revestiam uma índole pré-maquinofactureira. Precisamente em 1802, as ferrarias da foz do Alge empregavam um pessoal numeroso mas disperso, trabalhando com utensílios simples, não conhecendo evidentemente a aplicação da energia do vapor. É assim que, por exemplo, na semana compreendida entre 27 de Setembro e 4 de Outubro desse ano de 1802, trabalhando bem mais duma centena de pessoas, predominava o trabalho diferenciado aplicado a técnicas rudimentares da metalurgia do ferro.

 

É o que se pode em parte antever do seguinte resumo:

 

Pessoal (tipos)

Número

Salário diário (em réis)

Número de dias de trabalho na semana

Mestres

2

280

12

Oficiais

25

240

111

Ferreiros e serralheiros

7

200 a 280

35

Mestre pedreiro

1

450

6

Pedreiros

27

240 a 280

94

Telheiros

6

180 a 240

34

Trabalhadores

66

180

240

Rapazes

13

120

45

Carreiros

20

480

-

Trabalhadores e ajudantes destes

5

180

47

Diversos nos fornos da telha, incluindo 2 rapazes, 24 carreiros e 18 trabalhadores nas lenhas

 

 

59

 

 

-

 

 

-

 

É claro que deste número total, dumas 255 pessoas, uma parte substancial aplicava-se na construção de instalações, como edifícios, nesta fase de renovação da actividade das ferrarias. Mas pela própria natureza dos registos de despesas em meios de produção (aparecem limas, ilhargas de vaca para foles, bigornas e «utensílios miúdos»), bem como da utilização de lenhas (existia mesmo um Livro dos Bosques, em que se registavam os gastos em madeiras e carvão, nomeadamente em pinheiros adquiridos para o aquecimento), concluímos o carácter ainda tecnicamente rudimentar da metalurgia do ferro neste importante centro. (Confrontar Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas - Reais Ferrarias da Foz do Alge, em especial livro 1 - 1.)

 

A indústria de tecelagem foi também defendida pelo decreto de 26 de Agosto de 1807, que determinou deverem os fios constituindo matéria-prima desta indústria pagar apenas 10% dos direitos de importação.

 

Após as invasões francesas, os principais esforços dirigiram-se a restaurar a agricultura; a economia portuguesa foi profundamente abalada pelas devastações e pela paralisação parcial da actividade produtora, causadas pelos invasores (2).

 

Depois da Revolução do Liberalismo, os vários Ministérios tomaram medidas de fomento industrial. Assim, Manuel da Silva Passos (Passos Manuel) ordenou, por exemplo, em 1836, que nas repartições do seu Ministério se utilizassem de preferência artigos nacionais (acto que certamente contou mais pelas intenções do que pela sua real eficácia), criou conservatórias de artes e ofícios em Lisboa e Porto (Decretos de 18-11-1836 e de 5-1-1837), lançando as bases para o ensino profissional, e promulgou a pauta alfandegária de 10-1-1837 (que fora precedida da reforma pautal de Mousinho da Silveira, de 20-4-1832), com a qual procurou proteger a nossa indústria da concorrência estrangeira; no próprio relatório que a precede afirma-se estar a indústria portuguesa agonizante e necessitada de protecção.

 

A produção industrial vai-se desenvolvendo neste período, embora muito lentamente.

 

Na Covilhã, por exemplo, a indústria dos tecidos, em 1758, produzia 1938 peças, em 1778, 8460 e nos fins do século lançava já no mercado mais de 12 000 peças; a população desta localidade, então vila, era de 3965 fogos em 1761 e de 4768 em 1791 (3).

 

Segundo o Mapa Geral Estatístico, a seguir às invasões francesas existiriam 509 fábricas, mas a verdade é que a grande maioria dos estabelecimentos anotados como tais não merece essa designação.

 

É preciso não esquecer que, do ponto de vista científico, não se pode considerar fábrica qualquer estabelecimento industrial, empregando um número maior ou menor de operários. Nem sequer nos podemos socorrer dum critério assente no número de operários utilizados para conhecer a importância económica dum estabelecimento industrial e a sua categoria.

 

Para a economia política, o critério tem de ser diferente do habitualmente usado em estatística, o qual em regra assenta no número de operários. A fim de se estar em face duma indústria fabril em larga escala é necessário que exista um certo número de caracteres, o mais destacado dos quais é, sem dúvida, a utilização, no processo produtivo, dum sistema de máquinas. Isto é que caracteriza ter-se ultrapassado a fase da manufactura, o que implica uma transformação radical na estruturação das classes sociais, transformação baseada nessa revolução técnica; implica a definição clara dos grupos sociais que tomam parte na produção, quer directamente quer devido ao contrôle dos meios de produção (4).

 

Indubitavelmente que esta extremação da estrutura social, a par dos demais aspectos inerentes a tal processo, é o mais significativo do ponto de vista económico, e não o simples número de instalações industriais e a quantidade média de operários por fábrica, muito embora as modificações quantitativas e qualitativas das forças produtivas constituam o grande propulsor histórico das transformações das relações socioeconómicas; estes últimos índices tão-somente ajudam a compreender o problema central da própria evolução da economia capitalista, dado que o desenvolvimento em importância absoluta e relativa dos meios de produção acelera, em proporções até aí nem suspeitadas, a criação de riqueza num lado e de miséria no pólo oposto. Estes são, portanto, os aspectos fundamentais. É necessário não tomar a nuvem por Juno.

 

As indicações sobre «fábricas» fornecidas por inquéritos, estatísticas e estudos coevos têm de ser coadas pelos critérios acabados de mencionar rapidamente, visto que, conforme aliás já vincámos noutro ponto (5), o conceito de «fábrica» é eminentemente histórico, quer dizer, com mais precisão, não podia existir antes do aparecimento da indústria moderna trazida com a enorme transformação imposta pela Revolução Industrial. Antes desta profunda modificação histórica é evidente que se não podia conceber o sistema fabril moderno do ponto de vista tecnológico; ao mesmo tempo, se historicamente está também indissoluvelmente associado ao sistema capitalista, cujas relações de produção se caracterizam pelo facto de a actividade produtiva ser realizada por assalariados que vendem a sua força de trabalho aos proprietários dos meios de produção, fabricando-se para o mercado, já o não está logicamente: com efeito, o sistema tecnológico fabril surgiu com o capitalismo, mas não é um elemento específico deste modo de produção, podendo ser a base doutros modos de produção mais evoluídos (mas não de modos de produção menos evoluídos), como o sistema de economia planificada, o sistema socialista.

 

É efectivamente com a Revolução Industrial que surgem grandes instalações constituindo unidades orgânicas de produção empregando máquinas e recorrendo a tipos de energia motriz muito mais potentes, duma mobilidade, «divisibilidade» e controlo muito superiores a tudo quanto era imaginável com as antiquíssimas fontes energéticas utilizadas pelo homem: as energias eólica, hidráulica, animal, além da fornecida por ele próprio como força motriz no processo laboral.

 

Para vincar a natureza histórica do conceito de «fábrica» basta trazer aqui à colação o significado que, mesmo em épocas relativamente recentes, já quando o impacto da Revolução Industrial se fazia sentir pela Europa fora, alguns autores portugueses lhe atribuíam.

 

Nos primórdios do século XIX, autores como Silva Lisboa e Acúrsio das Neves tinham de «fábrica» uma ideia que a não distinguia da unidade manufactureira onde se produzia «em grande» pela reunião de muitas pessoas aproveitando da simples divisão técnica do trabalho manual entre si, independentemente de se empregarem maquinismos e, está claro, fosse qual fosse a forma de energia motriz empregada, que não é, de facto, o elemento essencial para distinguir a manufactura da fábrica; no mesmo sentido impreciso se refere Morais e Silva no seu Dicionário a fábrica e a manufactura (exemplos apontados por Vitorino Magalhães Godinho, Prix et Monnaies au Portugal, 1955, ed. A. Colin, pp. 245-246 e nota). Aliás, conforme já referimos como exemplo sugestivo da lenta elaboração do conceito social de fábrica (fenómeno necessariamente ligado ao processo histórico do desenvolvimento económico-industrial português) ainda numa data tão avançada como o ano de 1883, uma publicação portuguesa, a revista Occidente, ilustrava um artigo sobre a indústria portuguesa com... a gravura duma estufa para plantas em Oliveira do Douro, perto de Vila Nova de Gaia.

 

O esclarecimento que se acaba de fazer é indispensável para se compreender a finalidade e o sentido com que se citam aqui as estatísticas fabris.

 

Ora, segundo o Mapa Geral Estatístico atrás citado, existiriam no ano de 1814, em Portugal, os seguintes estabelecimentos industridis: curtumes, 244; chapéus, 35; lanifícios, 31; tecidos de seda, 33; louça, 28; tecidos de algodão, 20; tinturarias, 7; vidros, 4; tramóias, 1; tirador de fio, 1; telha e tijolo, 4; tecidos de seda e algodão, 2; sapatos, 1; sabão, 2; papel, 11; papel pintado, 1; oleados, 7; obras de cobre, 1; móveis, 1; meias de algodão, 1; lonas, 1; grude, 1; gesso, 1; fiação de seda, 1; fiação de algodão, 3; ferrarias, 24; estamparia, 18; cola, 4; chocolate, 5; arames, 2; aguardentes e licores, 14. Mas este inquérito não se preocupou com a classificação dos estabelecimentos, nem com a distinção entre fábricas e oficinas, dando como existentes 509 estabelecimentos fabris quando a verdade é que os invasores haviam destruído a maioria, apresentando, de resto, muitas outras causas de inexactidão.

 

Em 30 de Dezembro de 1820, de acordo com um relatório governamental, existiriam 1031 fábricas com 14 934 operários, sendo que cada uma destas «fábricas» teria em média 14 a 15 trabalhadores (6).

 

Em 1852, segundo o Inquérito Industrial dessa data (7), em 31 de Dezembro existiriam 70 máquinas a vapor nos distritos mencionados no quadro n° 1 com a força de 983 cavalos-vapor. Entre 1835 (31-12) e 1852 (31-12) teriam sido assentes no continente e ilhas 70 máquinas a vapor, com a força de 983 cavalos-vapor; conjugado o quadro n.° 1 com o quadro n.° 2, concluir-se-ia, o que parece pouco provável, que a primeira máquina a vapor teria sido assente em 1835. Mas, de qualquer forma, a verdade é que tudo isto é índice dum fraquíssimo desenvolvimento industrial.

 

Máquinas assentes no continente

 

QUADRO N.° 1 (8)

 

Distritos

Número

Força (C. V.)

Aveiro

1

12

Leiria

1

6

Lisboa

53

776

Portalegre

3

56

Porto

8

91

Santarém

2

20

Funchal

1

4

Ponta Delgada

1

18

TOTAL

70

983

 

 

QUADRO N.° 2 (8)

 

Anos

Número

Força (C. V.)

1835

1

16

1838

1

3

1840

2

60

1841

2

50

1842

6

56

1843

1

12

1844

5

42

1845

7

134

1846

4

80

1847

4

57

1848

5

40

1849

5

153

1850

2

20

1852

11

140

1853

14

120

TOTAL

70

983

 

Em 1881, os dados muito incompletos fornecidos pelo Inquérito Industrial indicam que o valor da produção industrial atingiu 27 328 476$269 réis (mas do total dos estabelecimentos só 713 manifestaram a produção, faltando os dados de 637), totalizando o número de operários nas indústrias inquiridas 84 324.

 

Anos

Número de instalações

Pessoal

Máquinas operatórias

Motores a vapor:

número

 

Motores a vapor:

força

Motores eléctricos:

número

Motores eléctricos: força

Indústrias

1881

44

2 045

2 048

11

87,2

-

-

Cerâmica

1943

37

9 670

1 563

203

5 041,4

561

5 614

Cerâmica

1881

22

1 612

13

-

-

-

-

Cortiça

1943

825

18 704

?

-

-

-

-

Cortiça

1881

93

823

-

-

-

-

-

Curtumes

1943

328

-

-

-

-

-

-

Curtumes

1881

61

3 182

-

-

-

-

-

Moagem

1943

419

-

-

-

-

-

-

Moagem

1881

22

4 021

450

30

422

-

-

Tabacos

1943

11

3 098

298

-

696

319

1 125

Tabacos

1881

98

1 583

31

2

12,1

-

-

Vidros

1943

25

7 209

576

33

702

199

1 119

Vidros

 

FONTE: «Inquérito Industrial de 1881», Anuário Estatístico, 1943.

 

O quadro n° 3, decalcado sobre elementos fornecidos por aquele Inquérito Industrial e pelo Anuário Estatístico referente ao ano de 1943, apesar das suas deficiências, indica o tipo de progresso da nossa técnica industrial nesses 62 anos, através dos dados daquela escassa meia dúzia de indústrias. A indústria cerâmica, por exemplo, empregava em 1881 onze máquinas a vapor com uma força total de 87 cavalos-vapor, ou seja cerca de 8 cavalos por máquina.

 

Em 1943 utilizava 103 máquinas a vapor, com a força total de 5041 cavalos-vapor, isto é, uma força média de cerca de 49 cavalos-vapor, havendo que acrescentar, modernamente, a energia fornecida pela electricidade; por isso, verifica-se que nesta indústria a energia utilizada passou de 87 C. V. para 10 655, distribuídos por 664 motores (a vapor e eléctricos). Daqui tiram-se os dados da energia média fornecida por cada motor, elementos que merecem mais crédito do que os números totais, porque, enquanto estes são com toda a certeza muito incompletos, a média refere-se aos estabelecimentos que indicaram o número e a força dos motores, e embora não abranjam tais números a totalidade das máquinas geradoras de força motriz existentes naquele ano de 1881, dão-nos, mesmo assim, uma ideia aproximada quanto à sua potência média, naquela data; a energia média fornecida por máquina era em 1881, como se viu, de 8 cavalos-vapor, e em 1943 era de 165, isto é, na base 100, em 1881, o número representativo da potência unitária era, em 1943, de 2 062,5 !

 

Na indústria do vidro, a média, que seria pouco mais ou menos de 6 cavalos-vapor por máquina em 1881, era em 1943, quanto às máquinas a vapor, de 21,3, e, em conjunto (abrangendo também os motores eléctricos), o aumento unitário é mínimo - perto de 2 cavalos-vapor (embora a força total nas duas datas seja, respectivamente, de 12 000 e de 1 821 C. V.).

 

Estes números só se podem tomar, é certo, como um índice muito grosseiro, mas, a despeito disso, são bastante significativos quanto ao nosso desenvolvimento industrial.

 

Este progresso que se realizou no nosso país enquadra-se no imenso desenvolvimento económico do capitalismo no século XIX, graças às duas revoluções industriais - a da máquina a vapor e a da electricidade - que conduziram à passagem da manufactura para a grande indústria fabril, a maquinofactura.

 

O maquinismo surge, na Inglaterra, na indústria da seda, mas só se generaliza quando atinge a indústria algodoeira, desenvolvendo-se alternadamente as duas grandes operações que a integram - a fiação, e a tecelagem; passou depois à metalurgia, graças à descoberta de Abraham Derby, em 1735, que tornou possível a aplicação do coque na transformação dos minérios de ferro; até então usavam-se carvões de madeira em virtude de os outros desprenderem compostos de enxofre que tornavam o metal impróprio para uso. Só depois surge a máquina a vapor, que veio libertar as indústrias da força até então usada, a da água, permitindo-lhes o afastamento dos cursos fluviais.

 

Na Alemanha, por exemplo, apenas entre 1800 e 1860, a produção global aumentou cinco vezes e meia (9), não cessando depois o progresso de se acentuar; na Inglaterra, em 1850, unicamente na indústria têxtil, registavam-se oitocentas invenções.

 

Da manufactura, baseada no trabalho manual e na mera divisão técnica do trabalho no interior do estabelecimento, passa-se à fábrica, que dispõe de poderosos meios técnico-mecânicos.

 

Sabe-se que foi a máquina-ferramenta que no século XVIII iniciou a Revolução Industrial; consiste num mecanismo ao qual foi imprimido movimento próprio e que executa com instrumentos seus as operações que anteriormente executava o trabalhador com os utensílios ao seu dispor. Inicialmente, o motor desta máquina-ferramenta foi o homem, mas, mesmo assim, o seu aparecimento implica uma revolução na técnica e na economia. É que o trabalho do homem acha-se limitado pelos seus órgãos, ao passo que a máquina, dentro de certos limites, pode empregar as ferramentas que se queira. Por outro lado, a máquina a vapor durante o período da manufactura (desde a sua invenção, nos fins do século XVI, até ao começo de 1780) não provocou qualquer revolução na indústria. Ela surge com a criação da máquina-ferramenta, que impôs a máquina a vapor de tipo revolucionário.

 

Isto compreende-se porque se o homem passa a agir apenas como motor de uma máquina-ferramenta, em lugar de actuar directamente com a ferramenta sobre o objecto de trabalho, dá-se uma profunda alteração nas condições de trabalho, sendo a sua substituição, como motor, pela água, vento ou vapor uma circunstância acidental, a qual, embora de significado económico, tem muito menos importância do que a primeira alteração nas condições da produção (10).

 

Essa primeira alteração impôs mesmo a substituição do homem, como motor, pelo vapor, o que veio permitir a criação da grande indústria mecânica. Ora, a transformação num ramo da produção industrial acarreta consigo alterações nos outros, o que é sobretudo evidente nos ramos que estão ligados entre si por um processo de conjunto (por exemplo, a fiação mecânica acarretou a tecelagem mecânica e esta a revolução na mecânica e na química do branqueamento, da estamparia e da tinturaria). A revolução na indústria estendeu-se também, dentro de limites mais modestos, à agricultura; e estas alterações conduziram a uma transformação radical nos meios de transporte, devido às novas condições criadas: progresso da divisão social do trabalho, concentração fabril, desenvolvimento dos mercados coloniais (de matérias-primas e de produtos acabados).

 

O grande número de invenções e os progressos técnicos nos séculos XVIII e XIX não são, de facto, puramente acidentais; foram, pelo contrário, impostos pelo próprio desenvolvimento anterior das formas materiais de produção.

 

Assim surge a grande indústria e se cria um novo tipo de relações sociais, assente nesta radical transformação dos meios materiais da produção.

 

A revolução da electricidade só se iniciou, verdadeiramente, depois de 1870, ano em que aparece o dínamo reversível de Gramm (o dínamo eléctrico), que cria a electrotécnica; contudo, a electricidade não se impôs rápida e totalmente, subsistindo ainda a força motriz originada pelo vapor. Nos Estados Unidos, por exemplo, trinta e cinco anos depois do invento de Gramm, em 1905, 73 por cento da força motriz era ainda fornecida pela máquina a vapor (11). Mas, de facto, a revolução da electricidade, que muitos autores designam por segunda revolução industrial, começou com a descoberta de Gramm, que consistiu no alternador (permitindo o transporte da energia eléctrica) e no transformador (possibilitando passar das altas tensões exigidas pelo transporte da energia às baixas tensões utilizadas na distribuição e uso da energia eléctrica). O primeiro transformador prático apareceu em 1884 numa exposição realizada na Itália, na cidade de Turim.

 

A indicação de algumas cifras referentes à produção industrial e ao desenvolvimento económico nas principais potências capitalistas, fornece uma ideia relativamente precisa do imenso salto para diante dado pelo homem neste período da sua grande luta para o domínio das forças naturais.

 

Assim, entre 1870 e 1880, já depois de iniciado o essor económico, a força ao dispor da indústria mundial cresce cerca de 1000 cavalos-vapor por dia. Nos Estados Unidos, entre 1890 e 1905, a população passa de 50 para 85 milhões do habitantes, e o valor dos produtos manufacturados passa do 5 369 para 16 866 milhões de dólares; a produção de carvão, que era (em milhares de toneladas) de 103 000 em 1886, era, em 1911, de 450 000; a de aço salta de 1 milhão de toneladas, em 1880, para 20 milhões, em 1905. O valor global dos produtos da indústria têxtil (algodão, lã e sedas) que era, em milhões de dólares, de 532 no ano de 1880, atingia 1 215 em 1905.

 

Em França, segundo cálculos aproximados, o rendimento nacional aumentou cerca de 11 biliões de francos entre 1903 e 1911 (de 27,8 para 39 biliões). Por outro lado, as exportações, que no ano de 1900 totalizavam 4 108 milhões de francos, ascendiam a 6 880 milhões no último ano anterior à primeira grande guerra.

 

Vejamos agora o que se passava na Alemanha. Dentre todos os países da Europa foi ela que, entre os fins do século XIX e os princípios do século XX, atravessou uma etapa de maior desenvolvimento económico. Em 1895, o número de operários andava à roda de 20 milhões, mas em 1907 atingia já 26 milhões, o que indica um grande progresso na industrialização. A produção de carvão passa de 73,7 milhões de toneladas, em 1886, para 234,5, em 1911.

 

QUADRO N.° 4

Países

 

Anos

 

Força dos motores primários (milhares de H. P.)

Força total dos motores eléctricos (milhares de H. P.)

 

Alemanha:

Indústrias e ofícios...............................{

 

Distribuição de electricidade.................{

 

Estados Unidos:

Manufacturas (12)................................{

 

Centrais eléctricas................................{

 

França:

 

Indústrias de transformação.................{

 

Distribuição de electricidade.................{

 

Inglaterra:

 

Indústrias transformadoras....................{

 

Distribuição de electricidade..................{

 

Itália:

 

Indústrias transformadoras....................{

 

Japão:

 

Fábricas e oficinas.................................{

 

 

 

1907

1925

1902

1925

 

1904

1927

 

1907

1927

 

 

1906

1926

 

1906

1926

 

 

1907

1924

 

1907

1924

 

 

1911

1927

 

 

 

1906

1926

 

 

 

5 718

11 403

935

6 100

 

12 855

19 693

 

4 908

35 710

 

 

2 511

5 172

 

349

4 508

 

 

6 734

7 863

 

1 560

5 610

 

 

829

1 885

 

 

 

275

2 878

 

 

 

 

1 416

11 795

97

205

 

1 592

30 52

 

-

-

 

 

-

3 308

 

-

122

 

 

-

6 173

 

-

-

 

 

512

2 878

 

 

 

-

-

 

Fonte: George Friedman - La Crise du Progrès, p. 256

 

Na Inglaterra, neste mesmo período, a produção de carvão cresceu também de 160 para 276,2 milhões de toneladas; este desenvolvimento não é, contudo, tão acentuado como o da Alemanha: enquanto nesta cresceu, entre 1886 e 1911, cerca de 218% (só ultrapassado pelo dos Estados Unidos, 387 %), na Inglaterra aumentou 72,6 %. O significado deste desenvolvimento mais se acentua se nos recordarmos de que na Inglaterra (berço da primeira revolução industrial) a produção do ferro foi de 17 350 toneladas em 1740, quarenta e oito anos depois já era de 68 000, em 1806 era de 260 000 e de 700 000 no ano de 1830; subia a 2 milhões e 600 mil toneladas em 1853, excedia 6 milhões em 1870 e era de 10 milhões em 1909 (neste ano os Estados Unidos produziram 26 100 000 toneladas de ferro e a Alemanha 12 600 000). Na Prússia, entre 1875 e 1912, a força total das máquinas a vapor passava de 600 000 cavalos-vapor para 6 182 116 (13).

 

Finalmente, uma análise dos quadros n.° 4 e 5 revela o enorme progresso das forças produtivas materiais desde os meados do século passado até ao fim do primeiro quartel do século actual, em alguns dos grandes países industriais.

 

Este é o panorama, dado a traços muito rápidos, da imensa expansão das forças produtivas do capitalismo desde meados do século XVIII.

 

QUADRO N.° 5

Força motriz (milhões de H.P.)

Anos

Inglaterra

França

Alemanha

1840

0,62

0,09

0,04

1850

1,29

0,37

0,26

1860

2,45

1,12

0,85

1870

4,04

1,85

2,48

Fonte: Jürgen Kuczynski – A Short history, cit., p. 69

 

Em Portugal, não obstante as medidas de fomento do conde da Ericeira e, depois, do marquês de Pombal (14), que se inspirava nos princípios mercantilistas, a actividade industrial atingiu um elevado grau de decadência, especialmente depois das invasões francesas. O nosso desenvolvimento industrial não foi nesta fase (do último quartel do século XVII até fins do século XIX), comparável ao dos grandes países capitalistas da época, sobretudo a França e a Inglaterra (nos Estados Unidos e na Alemanha, o progresso só se acentua depois da revolução industrial inglesa se encontrar em franco andamento).

 

O Decreto de 7 de Maio de 1834, que consagrou a liberdade da indústria, facilitou a libertação das forças produtivas do nascente capitalismo industrial no nosso país.

 

Segundo o conselheiro J. de Oliveira Simões (15), os progressos industriais do exterior mal chegavam ao nosso país; quando muito, ampliavam-se antigas oficinas e aproveitavam-se quedas de água para obter força motriz. E, de facto, a fazer fé pelos números do quadro n.° 2, a nossa situação era de absoluto atraso. Enquanto na Bélgica, em 1830, o total da força motriz em cavalos-vapor na produção industrial atingia 13 000, em Portugal a força ao dispor da indústria era com certeza limitadíssima antes de 1835 (não possuímos dados sobre o seu montante aquém deste ano, embora pareça que em 1820 ainda se não empregavam máquinas a vapor nos nossos estabelecimentos fabris). Entre 1835 e 1852 cresceu mais de 57,8 cavalos-vapor por ano.

 

Até perto de 1875, o desenvolvimento económico foi muito lento: as forças produtivas eram escassas, faltavam capitais, dominava a concorrência da indústria estrangeira (os têxteis ingleses supriam as necessidades nacionais, só se produzindo, em geral, produtos de primeira necessidade). Depois, o progresso industrial acentua-se: aparecem máquinas a vapor, começam a surgir fábricas afastadas dos cursos de água, nascem novas indústrias.

 

Em 1881, segundo os dados do Inquérito Industrial, o total da força ao dispor na indústria em cavalos-vapor era do 6 972 (inquérito indirecto) (16). Embora estes números não sejam significativos, são-no já os constantes do inquérito directo, resultantes das visitas às fábricas; aparecem aí estabelecimentos utilizando uma força de 200, 300 e mais cavalos-vapor, força essa fornecida por três, quatro ou seis máquinas a vapor (no distrito de Lisboa). Estes elementos revelam que so realizara um certo progresso (17).

 

Assim, a Companhia de Lanifícios de Arrentela utilizava uma força motriz que excedia 216 cavalos-vapor; a fábrica de lanifícios de José Diogo da Silva, em Oeiras, 260; J. Daupias & C.ª, 300; a Companhia de Moagem de Santa Iria, S.A.R.L., 214; a Companhia de Papel de Alenquer, S.A.R.L., 130; e a Companhia Nacional dos Tabacos, S.A.R.L., 180 cavalos-vapor.

 

No ano de 1875 havia no país, na indústria algodoeira, 50 000 fusos e 400 teares mecânicos; cinco anos depois, 108 000 fusos e 1000 teares mecânicos, e, em 1899, 230 000 fusos. Apesar de tão assinalável progresso, importavam-se ainda, em 1880, 165 toneladas de algodão torcido, 41 de algodão em fio, 144 de tecidos crus, 1662 de tecidos branqueados e 130 de tecidos tintos ou estampados.

 

Nos fins do século XIX e princípios do actual, segundo os cálculos de Oliveira Simões, a energia total, cavalos-vapor, no nosso país seria de cerca de 111 000 e gerada por 1476 máquinas (desta energia, 5700 cavalos-vapor eram fornecidos pelas indústrias eléctricas). Se quisermos ter uma visão do nível de desenvolvimento de Portugal nesta época, basta lembrar que, na mesma data, a indústria belga servia-se duma força de 720 000 cavalos-vapor (e os transportes, de 800 000).

 

Calculou-se o número de operários no início do último quartel do século passado em 180 000, um quinto dos quais menores.

 

Esta cifra não distingue, contudo, os assalariados ao domicílio dos assalariados fabris, e só o número destes permite ter uma ideia do desenvolvimento da indústria capitalista.

 

O desenvolvimento da produção pode também avaliar-se pelos seguintes números: em 1907, a indústria portuguesa importou o triplo das matérias-primas que importava em 1880 (neste ano, o seu valor total foi de 10 000 contos). Em 1896 consumiu 614 688 toneladas de carvão comum; em 1903 consumiu já 917 768 e no ano de 1905 o gasto total ascendia a 914 323 toneladas, além de 43 123 de coque e aglomerados, havendo que juntar a este montante o carvão extraído do Cabo Mondego e das antracites do Porto.

 

Os quadros n.º 6, 7 e 8 são também um auxiliar importante para a compreensão do desenvolvimento das forças produtivas na indústria portuguesa desde os meados do século XIX. Verifica-se através deles que, entre 1853 e 1875, foram registadas 368 patentes de invenção, de 1876 a 1884, 501, e de 1887 a 1892, 657 (18). O próprio regime legal em relação à concessão de patentes, bem como a exclusivos de exploração de novas indústrias, é sugestivo sobre o progresso da economia capitalista entre nós e da libertação das forças produtivas. O Alvará de 28 de Abril de 1808 constituiu um passo importante, transformando num direito o que até aí era uma graça especial do soberano, frequente sobretudo no reinado de D. José, e elevou o prazo do exclusivo (até então era regra, no máximo, de dez anos, embora, às vezes, se prorrogasse até catorze anos). Isto indica o progresso da nossa economia industrial, que exigia já uma regulamentação menos apertada no começo do século (19).

 

QUADRO N.° 6

Privilégios de invenção concedidos

Anos

Número

1853

11

1854

13

1855

4

1856

10

1857

7

1858

6

1859

15

1860

22

1861

7

1862

12

1863

15

1864

16

1865

18

1866

8

1867

15

1868

11

1869

32

1870

23

1871

17

1872

23

1873

26

1874

21

1875

36

TOTAL

368

Fonte: Anuário Estatístico, 1875, p. 290.

 

QUADRO N.° 7

Patentes de invenção concedidas

Anos

Número

1876

26

1877

28

1878

34

1879

39

1880

61

1881

79

1882

87

1883

78

1884

69

TOTAL

501

Fonte: Anuário Estatístico, 1884, p. 418.

 

 

QUADRO N.° 8

Patentes de invenção

Anos

Concedidas

Caducadas

1887

110

76

1888

102

71

1889

116

46

1890

109

54

1891

107

64

1892

113

42

Fonte: Anuário Estatístico, 1892, p. 337.

 

É possível datar com certa aproximação as etapas básicas do processo geral da industrialização portuguesa no século passado. Uma primeira fase está ligada à aplicação (embora mais ou menos incipiente) das grandes conquistas iniciais da Revolução Industrial; a segunda fase caracteriza-se por uma certa intensificação do nível tecnológico da indústria no que se refere aos ramos existentes e pela criação de algumas indústrias novas, com alterações na importância económica duns sectores industriais relativamente a outros. No entanto, esta periodização tem de considerar sempre as condições históricas específicas do país em confronto com as condições que eram dadas pelos países europeus mais evoluídos e pelos Estados Unidos da América.

 

Estas épocas, separadas pelos dois marcos principais acima referidos, poderão naturalmente subdividir-se em períodos menores; contudo, estes revestem um aspecto secundário e de muito menor projecção comparada.

 

O primeiro destes grandes marcos situa-se sensivelmente entre 1840 e 1850; é caracterizado pela circunstância de se ter verificado então o primeiro verdadeiro arranque no caminho da aplicação de conquistas da Revolução Industrial - uma pequena fracção da indústria transformadora vai aplicando maquinismos instalados em unidades montadas organicamente, socorrendo-se cada vez mais da força motriz do vapor e diminuindo tanto o uso da energia hidráulica como da força motriz do homem.

 

Se é possível assinalar, mesmo antes dessa altura, períodos e desenvolvimento, como sucede com um rudimentar entre 1813-1814 (20), não se trata de incidências da nova tecnologia industrial; trata-se, quando muito, do avanço duma indústria ainda artesanal e manufactureira. A aplicação de maquinismos e o uso da força motriz do vapor só se inicia verdadeiramente depois de 1835. Por isso, à volta de 1845 é provável que o sector industrial já empregasse uns 400 cavalos-vapor de força motriz (as estatísticas conhecidas, por certo com algumas omissões, apontam 373) e em 1852 perto de 1000 (983 cavalos-vapor, de harmonia com os mesmos dados).

 

Mas além disso houve sem dúvida progressos técnicos pelo emprego de máquinas, pela divisão técnica do trabalho nestas novas condições e pela organização do labor dentro dessas unidades, dentro das fábricas. A prova deste surto inicial reside no facto de observadores da época assinalarem uma melhoria nítida entre 1840 e 1850 na qualidade de diversos produtos fabricados no país, tanto produtos de consumo como mesmo alguns meios de produção, embora mais ou menos rudimentares; não menos reveladora é a circunstância de os preços de bens de largo consumo haverem baixado de maneira sensível devido ao progresso tecnológico, que acarretou a queda do custo de produção, e não devido a flutuações conjunturais desses preços. É assim que as máquinas metálicas de destilação e hidráulicas entre 1843 e 1848 teriam o seu preço reduzido numa percentagem da ordem 15% a 18%.

 

O preço do arrátel de ferro, que era de 200 réis, estava três anos mais tarde em 130 e, por 1848-1849, não custava mais de 50. Também nesta mesma década, compreendida entre 1840 e 1850, os tecidos de algodão fabricados em Portugal baixaram substancialmente, como sucedeu com os tecidos estampados, cujo embaratecimento excedeu 20 %, e com os panos grosseiros azuis e pretos, os zuartes, cujos preços puderam contrair-se mais de 40 %! E a concluir, os autores do estudo de 1850, de que retirámos estes exemplos, calculavam que nos últimos dezasseis anos, desde 1834, os principais produtos nacionais teriam baixado uns 25 % (21).

 

Este primeiro surto da industrialização verificou-se sobretudo na região de Lisboa, que então já ultrapassara a do Porto, ligada nos anos anteriores a um avanço industrial de carácter ainda artesanal, oficinal e manufactureiro. Aliás, diversas indicações, incluindo aquelas que nos transmitem os testemunhos dos autores deste estudo, revelam que se montavam na capital e nas suas redondezas unidades fabris que empregavam maquinismos e motores movidos a vapor, principalmente na fiação, tecelagem e estampagem de algodão, mas também em alguns outros ramos, incluindo a metalurgia: em 1843 foi posta a funcionar uma unidade de serralharia e fundição empregando um motor de 6 cavalos-vapor e, em 1844 outra com um motor de 8 cavalos.

 

Na têxtil, é claro, utilizavam-se motores de potência muito superior - a Fábrica de Estamparia de Alcântara, que entrou em funcionamento no mês de Junho de 1848, dispunha dum motor com a potência de 26 cavalos, e a Lisbonense, criada em 1846, empregava um motor de 28 cavalos-vapor. A têxtil de lanifícios da zona da Covilhã progredia igualmente, substituindo a velha energia através das rodas hidráulicas pela energia do vapor; em 1849 existiam sete unidades fabris recentes (aliás, volvidos cerca de vinte anos, aparecem meios energéticos muito mais poderosos, como, por exemplo, na Fábrica de Santo Amaro, Lisboa, com três motores dispondo duma potência de 160 cavalos-vapor).

 

O segundo surto da Revolução Industrial temos de o situar após 1880, já bem próximo do fim do século e na passagem para o século XX. Se para o compreendermos em profundidade seria necessário traçar também a linha de transformação técnico-agrária, visto os dois sectores interligarem-se em muitos aspectos, como essa investigação não cabe aqui, basta chamar a atenção para uma série de sintomas e de indicações reveladores do avanço da industrialização por esta altura.

 

A realidade deste salto surge sabendo-se, por exemplo, que, consoante voltaremos a frisar noutro capítulo, entre 1892 e 1898 se importaram 9000 contos de maquinismo e de só em dez meses deste último ano o mercado interno haver consumido mais 8625 contos de produtos manufacturados. Foi também nesta altura que surgiu verdadeiramente o mercado africano para os tecidos de algodão: em 1891 não importava mais de 100 contos, mas em 1899 as suas compras de têxteis metropolitanos subiam já a 2337 contos, um aumento superior a vinte e três vezes!

 

Este surto revela-se em muitos outros aspectos - é assim que a indústria artesanal e domiciliária do linho para os fins do século passado se encontrava praticamente aniquilada devido à concorrência das têxteis fabris, tanto do algodão como da lã e mesmo do linho, devido à Fábrica de Fiação e Tecelagem de Linho de Torres Vedras, que, se bem que em 1860 ainda utilizasse um motor hidráulico, foi-se porém desenvolvendo e já nessa data dispunha de onze bancadas de 70 fusos. Foi igualmente neste período que surgiram novas indústrias: a do cimento, com a Fábrica Tejo, de Alhandra, em 1894, produzindo 20 toneladas diárias, seguida em 1906 doutra, em Outão, Setúbal; a primeira fábrica de tintas e vernizes surgiu em 1888 e a segunda em 1895; a indústria de extracção de óleos industriais instalou-se nos fins do século passado; a de superfosfatos e a metalúrgica pesada, esta embora com dificuldades, são uma realidade na viragem desse século para o actual. Outro elemento diz respeito à variação das posições relativas de sectores fundamentais, crescendo a daqueles que são mais representativos do processo de industrialização e diminuindo a importância de ramos tradicionais. Embora nesta fase tais mutações só pudessem incidir sobre trocas de lugares (pelo que respeita aos valores criados, pessoal empregado, capitais mobilizados) entre ramos da indústria ligeira, mesmo assim o fenómeno é perceptível. Basta observar o papel crescente da indústria têxtil algodoeira à custa da indústria dos tabacos. No entanto em 1881 esta, pelo que respeita ao valor da produção bruta, ainda ocupava o primeiro lugar (produzia 5621,5 contos de artigos, ao passo que a têxtil algodoeira ainda vinha atrás com 5187 contos, seguindo-se a têxtil dos lanifícios com 3890 e as indústrias alimentares com 2328 contos).

 

Por outro lado, a força motriz à disposição da indústria portuguesa multiplicou-se mais de doze vezes nos 36 anos posteriores a 1881 - teria passado de 6972, nesse ano, para 83 000 cavalos-vapor em 1917 (22). Isto, contudo, não quer dizer que antes desta altura não se verificassem alguns avanços, incluindo a criação de novos ramos industriais. Em meados do século surgiram as indústrias dos fósforos, com 7 instalações em 1852 (com 68 operários), 2 de cortiça (com 37 trabalhadores) e 4 da química (com 136 operários); a indústria das conservas de peixe, por seu turno, instalou-se em 1880.

 

 

Capitulo II

Leis gerais de desenvolvimento económico neste período histórico

 

 

2. - Progresso das forças produtivas. 3. - Desigual desenvolvimento dos vários ramos económicos. 4. - Colectivização do trabalho. 5. - Formação de zonas industriais e demográficas compactas. 6. - Desaparecimento da produção industrial fragmentada. 7. - Supressão das formas pessoais de dependência. 8 - Mobilidade da população. 9 - Incremento do associativismo.

 

2. No capítulo anterior viu-se como as forças produtivas de carácter industrial progrediam desde meados do século passado até aos primeiros anos do século XX. Verificou-se igualmente como o desenvolvimeno da nossa economia não acompanhou o ritmo de progresso dos grandes países produtores do mundo. Mas nem por isso se deixam de notar em Portugal os grandes traços técnico-económicos característicos do capitalismo.

 

Não se pode negar o grande papel da economia capitalista na libertação e desenvolvimento das forças produtivas materiais. Não se pode, evidentemente, negar o aperfeiçoamento da técnica produtiva, a divisão técnica do trabalho, o aumento da produção industrial, a concomitante transformação dos transportes, o próprio progresso da agricultura, numa palavra, o enorme aumento da força produtiva do trabalho social verificado sob este regime, quer na indústria quer na agricultura, embora aqui o desenvolvimento fosse mais lento.

 

3. Por outro lado, o desenvolvimento das forças produtivas e a consequente expansão económica não se fazem num ritmo uniforme nos diversos ramos da actividade económica (comércio, indústria, agricultura) e efectuam-se também de forma desigual e desproporcional entre as empresas dos diversos ramos industriais.

 

Enquanto a indústria da seda continua a decair neste período de progresso da economia capitalista em Portugal, um dos ramos que mais se desenvolve é, sem dúvida, o da indústria têxtil (em 1911, segundo os dados de que temos conhecimento, esta indústria abrangia 420 estabelecimentos fabris, ocupando 37 669 operários, isto é, cerca de um terço do total!) (23).

 

Enquanto algumas indústrias com uma certa tradição histórica decaíram e quase desapareceram, e algumas, como a siderurgia, de importância económica basilar (24), outras desenvolveram-se num ritmo fora do vulgar, para além da média do nosso progresso económico geral. É o caso da produção de superfosfatos que, nos primórdios do presente século, sofreu um grande impulso; enquanto em 1907 se produziam 8 mil toneladas e se importavam 123 mil, em 1911 a produção subia já a 12 mil e as importações a 143 mil toneladas. Em 1916, a produção da indústria nacional (graças à fábrica do Barreiro, que começou a laborar em 1913) subiu a 121 mil toneladas de superfosfatos, baixando a importação para 65 mil toneladas. Posteriormente, o desenvolvimento desta indústria progrediu ainda (em 1939 produziram-se 245 mil toneladas de superfosfatos).

 

Outra indústria que conheceu um grande progresso nos últimos trinta e cinco anos foi a do cimento: em 1907 importavam-se 20 000 toneladas e produziam-se 5800; em 1923, 34 100 toneladas e 26 500, respectivamente (no ano de 1939 a produção ascendia já a 297 mil toneladas e a importação era mínima: 1170 toneladas).

 

Outro exemplo sugestivo do desigual desenvolvimento económico é fornecido pela produção do enxofre; a produção deste artigo progrediu para além da média geral de desenvolvimento da nossa indústria, aquém de 1933 (nesse ano ainda se não produzia em Portugal); em 1939 produziram-se 11 401 toneladas, quando a importação em 1930 subiu a 6677 e em 1933 a 15 280 toneladas (25).

 

O que se verifica relativamente a estes ramos industriais é um índice da estrutura dinâmica da economia capitalista - desigual e desproporcional desenvolvimento da indústria. Para melhor se apreciar este aspecto basilar do desenvolvimento económico, basta atentarmos nos dados do capítulo seguinte, relativo à formação da grande indústria no nosso país. Aí se verificará que a formação da grande indústria é um facto no que respeita a alguns ramos da produção, os quais consequentemente excedem o progresso médio geral da indústria, ultrapassam o desenvolvimento da agricultura, e que, dentro de cada ramo industrial, há empresas que progressivamente se avantajam a outras, tanto no que respeita ao volume da produção, capitais fixos e operários utilizados, como, portanto, no que respeita à importância na actividade económico-social da nação.

 

Tal fenómeno implica uma modificação constante das forças económicas com o predomínio dum ou doutro grupo de indústria, agravando a luta económica e tornando-a mais dispendiosa. O desigual desenvolvimento económico conduz, por isso, a uma alteração constante das forças predominantes. Isto, contudo, só se torna nítido quando o progresso económico atinge um grau relativamente elevado e um grupo de indústrias, ou até uma só (como foi o caso da indústria pesada alemã na primeira metade do nosso século, que logrou o domínio económico da Alemanha e o reforçou através do seu controlo político graças ao nazismo) (26), assegura um predomínio substancial na economia do país, através de monopólios industriais e ligações financeiras. Mas uma rede poderosa de monopólios tem de se basear numa reprodução capitalista alargada, quer dizer, tem de assentar, fundamentalmente, numa percentagem de lucros de importância primária relativamente a todo o rendimento nacional, e no consequente alargamento dos investimentos produtivos.

 

Contudo, o papel preponderante duma indústria não pode ser posição que se conquiste definitivamente. Crescem necessariamente outras actividades, impulsionadas pelo desenvolvimento geral, pelas invenções técnicas, pela abertura de novos mercados e até devido a uma expansão à força; daí que a luta seja altamente destruidora, independentemente da concorrência económica no sentido comum (luta entre produtores da mesma mercadoria ou de mercadorias sucedâneas), mas de luta pelo domínio da economia nacional e, numa fase última, de domínio da economia mundial - e é o imperialismo (27).

 

Outro aspecto do desenvolvimento económico geral é a desproporção entre o progresso das indústrias laborando com vista à obtenção de meios de produção (consumo produtivo) e das indústrias produtoras de bens de consumo individual. Este aspecto da dinâmica económica é tão importante que alguns economistas contemporâneos fazem dele a base da explicação das crises, nele assentando a construção da teoria dos ciclos económicos.

 

Todavia, quem examinar o desenvolvimento da nossa economia no período a que nos estamos reportando, não notará certamente uma desproporção acentuada no crescimento destes dois ramos industriais. Por um lado, essa disparidade só começa a notar-se quando o progresso económico atinge um grau superior de maturidade, por assim dizer; e, na verdade, o certo é que, nesta fase da vida económica portuguesa, a economia capitalista apenas assenta as suas bases, só começando a progredir francamente nos começos do século XX. Só então a maquinofactura começa a alastrar e a predominar; só então no mapa económico do nosso país se começam a desenhar as grandes manchas das zonas industrializadas e a dissolverem-se as formas pré-capitalistas, o trabalho no domicílio e a pequena produção em geral (28).

 

Por outro lado, o próprio carácter da nossa economia e o da posição de Portugal no mundo, que, por mais que nos pese (e deve pesar), é um país com um importante atraso no desenvolvimento económico-social, peso morto herdado da nossa história (pelo carácter de aventura e pilhagem coloniais numa primeira fase, não se desenvolvendo por isso as potencialidades do trabalho nacional, e de exploração na fase seguinte, exercida agora pelo estrangeiro sobre nós, através de laços económicos difíceis de apreender à primeira vista), foram factores que contribuíram para a nossa estagnação e atraso relativamente ao progresso e nível económico dos principais países europeus, facto que é, sem dúvida, um mal histórico (29). E se quisermos conhecer as causas da decadência do nosso país depois da época brilhante das descobertas, quando Lisboa era o interposto comercial do mundo de então, temos de lançar mão das leis que regem a economia capitalista que surgia nessa data.

 

O nosso país prosperou no século de quinhentos devido à sua excepcional posição no comércio mundial. Mas quanto mais se desenvolve a economia capitalista mais se restringe a função autónoma do capital comercial. A história de Portugal, depois do século XVI, reflecte a actuação desta lei, tanto na sua posição económica interna como internacional. De facto, a nossa grandeza assentou na actividade comercial; contudo, não tendo Portugal uma base industrial de relevo e implicando o progresso do capitalismo o desenvolvimento da indústria em proporções enormes, reduziu-se o papel do capital comercial, que se tornou um instrumento dominado pelo capital industrial. Tal processo regista-se em virtude de a circulação de mercadorias ser um «acidente» na produção capitaIista e em virtude ainda de a taxa de lucro comercial estar subordinada à taxa média de lucro industrial.

 

O comércio absorve apenas uma parcela da mais-valia; ora, não existindo uma base industrial sólida, o capital comercial, não se apropriando da indústria, tinha necessariamente de definhar, dando lugar às potências com uma indústria desenvolvida (é o caso da Inglaterra). A análise da posição de Portugal para cá do século XVI explica-se à luz da história geral do capitalismo e das suas leis económicas.

 

4. Outro aspecto evidente do desenvolvimento económico com progresso da indústria, e que apesar da sua evidência não é vão sublinhar, consiste na concentração do trabalho, na sua socialização dentro dum sistema de iniciativa produtiva individual. O alargamento das forças produtoras, a formação das grandes empresas e a transformação dos processos de trabalho pela utilização de máquinas cada vez mais potentes acarretam a formação de grandes núcleos populacionais, o desenvolvimento das cidades, a reunião dos operários em redor dos estabelecimentos fabris, criando, com um numeroso proletariado, as chamadas «cidades tentaculares». É claro que, dentro de certos limites, se não pode negar a verificação deste facto em Portugal.

 

5. Ora, a população industrial forma-se a expensas da agrícola, através da emigração do campo para os centros urbanos e industriais; este processo demográfico, que é universal na economia pós-feudal, começou a intensificar-se em Portugal logo nos fins do século XVIII; autores como José Acúrsio das Neves e mais tarde Gerardo Perry reconheceram-no expressamente, embora sem compreensão do seu significado económico profundo (30).

 

O que se disse não significa que mesmo antes desta época se não desenvolvesse a corrente urbanista, mas quer dizer que só a partir do século XIX o seu ritmo se acelera em grande medida.

 

Do primeiro quartel do século de quinhentos até meados do terceiro quartel do século passado, a população das principais cidades da época (Lisboa, Porto e Évora) aumentou à volta de 300 por cento. Lisboa tinha 13 010 fogos em 1527 e 42 180 em 1864; o Porto passou de 3006 para 20 029 fogos e Évora de 2813 para 3195 (31). Todavia, calculando-se que a população de Portugal quadruplicou nestes três séculos, só o desenvolvimento da cidade do Porto excedeu a média de progresso demográfico do país (32), o que significa não existir movimento de concentração populacional sequer comparável ao verificado sob as condições económicas do capitalismo. De facto, aquém de meados do século XIX, o desenvolvimento demográfico das principais cidades excede o índice de progresso da população total do país (quadro n.° 9).

 

QUADRO N.° 9

Números-índices do desenvolvimento da população

Anos

População total

Lisboa

Porto

Braga

Setúbal

Covilhã

1864

100

100

100

100

100

-

1878

108,1

121

122

104,7

116

100

1890

120,1

151

160,1

121,5

137,8

162,5

 

A melhor prova da industrialização é revelada pelo facto de, em 1864, 72 % da população se dedicar às lides agrícolas; em 1890, 61,1 %, e 18,4% à actividade industrial; em 1900, a percentagem da população agrícola continua de 61,1% mas a percentagem da industrial subiu para 19,4 % e, segundo o censo de 1911, a percentagem da população agrícola na população total tinha já baixado para 57,1 % e a industrial subira para 21,1 %.

 

6. E esta centralização do trabalho manifesta-se por diversas formas.

 

Em primeiro lugar, é o próprio crescimento da produção do artigos para a venda, de artigos para o mercado, acompanhado da correspondente expansão dos transportes (o que, como é sabido, foi um facto em Portugal a partir dos meados do século XIX), que destrói as pequenas unidades económicas dispersas, características da economia auto-abastecedora do artesão e do agricultor, ou então a economia de fabrico para o âmbito restrito da sua região e para satisfação directa das necessidades da população; agora não é assim, produz-se para o mercado, para realizar dinheiro, e o mercado já não tem por limites a população local com as suas rotineiras necessidades; o mercado torna-se nacional (e depois mundial). Deixa de ser o lugar, a vila ou a aldeia e passa a ser todo o país - tanto se vende a quem passa à porta como a quem vive a trezentos ou a três mil quilómetros de distância, e isto normalmente. O objectivo da produção é o lucro (33).

 

Desaparece, dada esta nova base da produção, assente numa transformação progressiva e radical da técnica produtiva, o pequeno produtor autónomo, ou, pelo menos, o seu papel na conjuntura económica do país torna-se mínimo: passa a trabalhar-se para toda a comunidade, quer na indústria quer na agricultura, embora nesta última a evolução seja muito mais lenta (ainda hoje subsistem relações económicas de tipo feudal na vida rural, e de muito maior importância do que as reminiscências pré-capitalistas na indústria).

 

Por outro lado, esta evolução conduziu, como se acabou de ver quando nos referimos ao urbanismo, à concentração geográfica da produção, numa medida que anteriormente nem sequer era possível suspeitar.

 

7. O desenvolvimento da economia capitalista em Portugal, como regra geral, conduziu à progressiva destruição das formas pessoais de dependência do trabalhador e a uma crescente mobilidade da posse e propriedade fundiárias. Isto representou um passo em frente, um progresso sensível na sua condição económico-social.

 

Efectivamente sem a dissolução das relações sociais assentes na subordinação pessoal mais ou menos directa do produtor relativamente aos membros da classe privilegiada (que se exercia graças ao controlo efectivo por esta dos principais meios de produção) não seria possível o surto das relações capitalistas; estas exigem trocas aparentemente livres num mercado que se universaliza; e exigem, ainda, que a transferência da terra e dos elementos imobiliários que lhe andam associados se efectue segundo as leis do mercado capitalista (pelo menos até certo ponto), quer dizer, que sejam demolidos os nódulos da sua petrificação próprios do regime senhorial, ou seja, do modo de produção feudal.

 

É claro que estes princípios gerais extraídos do conhecimento das diversas sociedades europeias não podem aplicar-se «a papel químico» a todos os casos. Assumem de facto variadíssimas formas de concretização histórica em cada uma delas. Além disso não se verificam sincronicamente nos diversos sistemas económico-sociais do continente europeu.

 

No que diz respeito a Portugal, poderá muito sucintamente recordar-se que o processo de transformação das relações de produção acima referidas se operou de harmonia com linhas de força específicas, em «tempos» de realização que também foram próprios, encontrando igualmente limites com peculiaridades ligadas à natureza histórica da sociedade portuguesa. Independentemente do facto óbvio de existir uma carga histórica nacional com que o nascente capitalismo se defrontou aqui, sucede ainda que ele se expandiu dentro dum condicionalismo que lhe foi próprio e que só por si exigiria um volume para se registar, pois a sociedade portuguesa funcionou nos primeiros decénios do século XIX dentro dum circunstancialismo muito particular, grande parte do qual nem sequer invocaremos aqui (como sucede com o problema colonial e em particular com as implicações da independência do Brasil).

 

Deste modo, como as formas de dependência pessoal no género das que se materializavam nas corveias, isto é, em dias de trabalho gratuito dados ao senhor [as geiras, segundo a designação que se lhes dava desde a época medieval (34)] não tinham então grande projecção global, particularmente nas tarefas produtivas directas, por isso mesmo não se notou uma acção da burguesia tão forte e directa no sentido de as suprimir, como sucedeu com outras manifestações de dependência. Daí precisamente que, sobretudo no Norte onde eram mais frequentes, sobrevivessem certas destas formas paleo-servis e outras, das quais, de resto, a própria nova burguesia se aproveitava, num «compromisso histórico» evidente que constitui uma das raízes do atraso do país nesta nova época. Acresce que as geiras se praticavam sobretudo nas terras dos organismos religiosos, pelo que a apreensão dos seus bens dominais, entregues à burguesia como fracção fundamental dos chamados Bens Nacionais em 1834, criasse as condições objectivas - porém somente potenciais - para a sua supressão. É que sobreviveram longamente resquícios desta manifestação mais imediata e brutal dos laços servis. E para se fazer uma ideia do peso das corveias bastará sublinhar que no período final do «antigo regime», entre a segunda metade do século XVIII e os três primeiros decénios do século seguinte, eram frequentes nos «emprazamentos» relativos a terras de mosteiros e doutros organismos religiosos (cabidos, sés episcopais, colegiadas, etc.) as exigências de algumas geiras sob a forma de trabalho gratuito dos caseiros nas terras que essas entidades exploravam directamente; estatuía-se, por exemplo, que o camponês daria anualmente de duas ou três até um máximo duma dúzia ou dúzia e meia de geiras à granja; ou que deveriam dar tantas geiras de bois, trabalhando com o seu gado. No entanto, mesmo antes desta altura, já era vulgar aparecerem convertidas numa renda em dinheiro ou então em alternativa («tantas geiras ou tantos réis por elas»).

 

No entanto, outras formas de dependência resistiram muito mais fortemente, nem sendo sequer diminuídas de maneira significativa depois da Revolução de 1820.

 

Não é necessário efectuar uma vasta excursão pelo panorama das relações sociais de produção agrárias posteriores aos meados do século XIX para o compreender claramente. Demonstraram-no, por exemplo, as largas práticas de encargos foreiros e de laudémios (embora com uma diferença fundamental relativamente à sua índole sob o modo de produção feudal, pois sob o novo capitalismo era possível economicamente remir esses encargos libertando o titular directo da exploração da terra do seu pagamento).

 

Sobre a circulação mercantil impendiam também numerosos e pesados encargos que asfixiavam a expansão do mercado capitalista; revelam-se quer sob a forma de limitações ao trânsito geográfico das mercadorias quer sob a forma de entraves às transacções. Alguns golpes desferidos nesta situação dataram já do século XVIII, como sucedeu com o Alvará de 21 de Fevereiro de 1795, que suprimiu as taxas que oneravam a venda de víveres em Lisboa e seu termo (excepo as cobradas sobre os vinhos do Alto Douro), um primeiro ataque às almotaçarias regulamentando o preço, lugar e tempo das vendas de mercadorias. O Decreto de 23 de Março de 1823 estendeu essa disposição a todo o país. Um Decreto de 20 de Abril de 1832, de Mousinho da Silveira, suprimiu quase totalmente o imposto pesadíssimo que incidia sobre as exportações de mercadorias e que se revelava tão absurdamente oposto aos interesses da expansão económica que excedia largamente os próprios direitos de importação, sendo fixado somente em 1 % (antes chegava a atingir um total de 33%!).

 

Em regra foi necessário um longo processo para além da Revolução Liberal e das medidas cristalizadas na legislação de 1820, de 1832 e de 1846 para que isso se verificasse. Tal sucedeu com os Direitos Banais, as prerrogativas de que beneficiavam as entidades senhoriais e de acordo com as quais aos produtores directos era vedado construir certos instrumentos fixos de produção, como moinhos, fornos, prensas e lagares, sendo compelidos a servir-se dos que pertenciam aos senhores (os engenhos banais ou banários) em regime de aluguer; como em regra o aluguer era calculado em função do tempo de duração da utilização, os utentes eram levados a acelerar as operações de aproveitamento a fim de pagarem o menos possível, com o resultado evidente de que com frequência as uvas eram mal espremidas, os grãos de cereal deficientemente moídos e o pão ou o barro mal cozidos...

 

No plano jurídico-legal foi somente o Decreto de 20 de Março de 1821 que suprimiu muitos destes encargos, ou melhor, que os reduziu, se quisermos ser mais correctos numa perspectiva global; não obstante outras medidas posteriores, particularmente as que Mousinho da Silveira elaborou em 1832, ainda a Lei de 22 de Fevereiro de 1846 admitia a sua existência ao proclamar a sua abolição; e isto, por seu turno, obriga-nos a aceitar a subsistência de facto de formais de dependência servil mais ou menos atenuadas para além de meados do século passado (aliás, algumas vieram até aos tempos modernos).

 

Encargos como as odiosas aposentadorias passivas impostas pelos privilegiados, sobretudo aos camponeses, as «dádivas impostas», o relego (privilégio segundo o qual o produtor directo não podia vender o seu vinho durante certo período de tempo para facilitar ao senhorio o escoamento do seu), os monopólios senhoriais de pesca e de caça, as coutadas senhoriais, as lutuosas (encargos a pagar pelo colono quando falecesse algum dos cônjuges que cultivavam as terras do prazo), muitos deles expressos nos direitos que os forais previam, tudo isso só aos poucos foi diminuindo ou desaparecendo, quando desapareceu de todo... (35). Se diversas disposições legais foram dando sucessivos golpes nestes e noutros privilégios senhoriais traduzindo a condição de tipo servil da população dependente, como já algumas tímidas medidas no século XVIII, as quais constaram da legislação «vintista», como o Decreto de 21 de Março de 1821, a legislação do liberalismo, em particular os Decretos de 1832 redigidos por Mousinho da Silveira, a Lei de 22 de Junho de 1846 e outras posteriores, o certo é que não só foram medidas limitadas como ainda é perfeitamente crível que a situação de facto deveria situar-se aquém daquilo que as normas jurídicas exprimiam (36).

 

O imposto sobre as transacções, as sisas (que datavam como imposto geral de fins do século XIV), foram suprimidas em 19 de Abril de 1832, excepto nas transacções de imóveis. Por outro lado, numerosos encargos de portagens foram declarados abolidos pelo Decreto de 26 de Março de 1823 (37).

 

Outro aspecto em que o surto do novo sistema capitalista exigia a supressão de barreiras que vinham do antigo modo de produção feudal, residiu tanto na extinção de actividades privilegiadas sob a protecção do Estado como no que respeita à demolição dos travões que se opunham à mobilidade da terra. No primeiro plano, aliás mais fácil de atingir, aquilo que caracterizou o novo condicionalismo foi antes de mais nada o desaparecimento de monopólios senhoriais sobre rendas pagas de certas actividades produtivas e mercantis como os sabões, as cortiças e os tabacos; e foi, em segundo lugar, a supressão de actividades industriais sob a forma de exclusivo concedido pelo Estado a determinado indivíduo ou entidade. A fim de se compreender o alcance económico deste fenómeno bastará notar que o edifício erguido pela política industrial do marquês de Pombal, levado a cabo ainda sobre estas bases não capitalistas, veio a ruir posteriormente. É certo que algumas unidades de tipo industrial dessa época conseguiram sobreviver; é certo, ainda, que tiveram a vantagem de originar uma experiência artesanal e de tipo fabril; trouxeram, além disso, para um pequeníssimo escol individual, a vantagem de mostrar praticamente o interesse dessas «artes artificiais» e, por último, aspecto de importância nada despicienda, fomentaram a criação de novos hábitos de consumo, contribuindo para o aparecimento de novas necessidades ou tornando-as mais exigentes: uma série de instalações da época pombalina trouxe consigo artigos de consumo em maior número ou mais perfeitos (entre outros produtos, tecidos de lã e de seda, fitas, chapéus, quinquilharia diversa).

 

Todavia, duma maneira geral, o sistema industrial que veio a surgir em Portugal após 1840 - e mesmo antes desta data - nada ou pouco tinha a ver com o parque manufactureiro posto de pé graças à política do marquês de Pombal (38).

 

A libertação dos entraves feudais sobre a terra foi igualmente uma realidade, a despeito das limitações que encontrou. Uma realidade que sem dúvida alguma seria impossível considerar em termos absolutos e simplistas: duma parte, processou-se com grande lentidão, mesmo após a revolução política do liberalismo em 1834. A supressão das coutadas abertas data de 1822; mas a propriedade vinculada, imobilizada numa família ou numa instituição em gerações ou épocas sucessivas, ainda perdurou parcial e atenuadamente mesmo depois do desaparecimento dos bens «de mão morta» da Igreja e de algumas grandes casas senhoriais (como a Sereníssima Casa do Infantado ou a Casa das Senhoras Rainhas). Foi o que sucedeu especialmente com os morgados, esta forma característica de vinculação da terra na mesma família, transmitindo-se a um único descendente, para evitar a sua fragmentação, e proibindo-se a sua alienação ou oneração.

 

Acresce ser certo que a venda dos bens nacionais à burguesia (uma transferência a baixo preço a escassas centenas de famílias de origem mercantil, financeira ou de nobilitação recente incrustadas nas novas relações deste género) criou as condições para a entrada da terra e doutros bens imobiliários ligados à actividade agrária nos circuitos de comercialização capitalista; porém, isso efectuou-se com limitações históricas muito significativas - além dos beneficiários terem sido menos de 700 grandes famílias burguesas, que os obtiveram a baixo preço, subsistiram resquícios de certa monta da dependência pessoal, particularmente no Norte, como sucedeu com algumas corveias (fazer recados para o senhorio, cultivar pequenas parcelas das terras arrendadas como hortas e vinhas sem participar no produto obtido e sem este labor lhe ser pago), a permanência de foros e de laudémios em grande quantidade que o produtor directo não tinha possibilidades económicas de resgatar, eis algumas das expressões mais correntes dessas manifestações transformadas da dependência pessoal que vinham da Idade Média (39).

 

Este carácter híbrido quanto ao processo de supressão das marcas servis, simultaneamente conservador e historicamente revolucionário, bem como no que respeita à libertação da propriedade da terra dos liames que a mantinham firmemente nas mãos da classe privilegiada sem possibilidade de entrar na actividade mercantil, e no que respeita à supressão de diversos entraves à circulação das mercadorias, é evidente. Reside, não só na circunstância de se processar lentamente e a reboque da instalação da maquinofactura, só começando a desenhar-se para os fins do século de setecentos, como no facto de não ter sido radical, permitindo assim que surgisse uma «burguesia aristocratizante» que tomou o lugar dos senhores do ancien régime. O processo histórico português de desvinculação da riqueza fundiária recordado algumas páginas atrás exemplifica com clareza esta trágica particularidade da sociedade nacional; tão trágica que constituiu uma das forças e um dos principais pólos dos interesses servidos pelo poder político das dezenas de anos que vêm desde 1930 até à actualidade, somente começando a ser postos em cheque a partir de 1950 e isso devido às novas forças capitalistas autogeradas pelo sistema interno e pelas suas relações com o capitalismo internacional dos dias que estamos a viver no momento em que estas palavras são escritas!

 

Uma das ilustrações mais significativas a respeito daquilo que acabamos de salientar é fornecida pela lenta eliminação dos vínculos, cujas formas principais foram as capelas e os morgados. Aquelas eram constituídas pelos bens doados ou transmitidos em herança para que, com os seus rendimentos, se sustentassem perpetuamente os templos ou altares em que se prestavam serviços religiosos a favor do instituidor ou de quem ele indicasse; os morgados (que historicamente não tinham de ser vínculos exclusivamente a favor dum nobre, mas que na prática se tornaram uma instituição por excelência da fidalguia) desenvolveram-se progressivamente desde épocas recuadas (pelo menos desde o século XI) e haviam atingido uma vasta amplitude no século XVIII.

 

Consoante assinalámos noutros trabalhos, a instituição dos morgados sofreu os primeiros golpes com as leis de 1769 e de 1770, que porém só suprimiram precisamente os de menor dimensão - aqueles cujos rendimentos no Alentejo e Algarve não excedessem 200 000 réis e 100 000 nas restantes províncias, ao mesmo tempo que a criação de novas instituições vinculares deste género só seriam permitidas para além de certas dimensões; pouco depois, a Lei de 3 de Agosto de 1771 e o Alvará de 23 de Maio de 1775 aboliram mais alguns, no mesmo sentido agindo o «vintismo» com algumas providências. O Decreto de Mousinho da Silveira de 4 de Abril de 1835 deu mais alguns passos, sem também lograr acabar com os morgados - somente seriam proibidos aqueles que proporcionassem rendimentos anuais líquidos, livres de encargos e contribuições directas, até ao montante de 200$000, aplicando-se disposição semelhante às capelas. Outro passo - que demandou no entanto mais vinte e seis anos - foi o Decreto de 30 de Julho de 1860, acabando com todos aqueles que não dessem mais de 400$000 de rendimento por ano. Cerca de três anos mais tarde, o Decreto de 19 de Maio de 1863 declarou-os extintos, excepto quanto à Casa de Bragança (40).

 

8. Paralelamente, surge uma maior mobilidade da população, mobilidade que anteriormente era impossível e, sobretudo, não era necessária.

 

Agora, o desenvolvimento de novos centros de produção e o definhamento de outros originam uma corrente migratória que flui constantemente do campo para a cidade, do país para o estrangeiro e, de forma irregular, de centros fabris para centros fabris (embora, por via de regra, este movimento seja menos acentuado do que o do campo para os centros industriais), e até dum país para outro (emigração e imigração). O desenvolvimento técnico dos meios de comunicação e transporte facilita assim a formação e oferta de mão-de-obra nos espaços económico-geográficos que dela carecem, pela proletarização do camponês e do pequeno produtor industrial.

 

Parece não ser indispensável cansar o leitor documentando estatisticamente este fluxo das populações, pois é uma realidade evidente, tanto de ontem como dos nossos dias (41).

 

A diminuição da população rural, a que já nos referimos, é um dos traços característicos da evolução económica contemporânea: na indústria predominam, sem dúvida, tipos mais desenvolvidos de relações económicas do que na agricultura, ainda presa a formas feudais, como, por exemplo, o controlo privilegiado da terra, contrário à dialéctica da produção capitalista, limitando o seu progresso, a reprodução de capitais na sua forma alargada e a comercialização da terra.

 

Uma análise, mesmo sumária, da nossa história económica, para cá dos fins do século XVIII, confirma-o facilmente (42).

 

9. Simultaneamente, às associações de carácter económico e profissional anteriores, medievais, de carácter restrito, quer no espaço quer na sua força económica, sucedem-se associações de novo tipo.

 

O incremento do associativismo resultou da acção do capitalismo - a associação profissional era limitada à defesa da qualidade dos produtos, dos preços, à estabilização geral do volume da produção, à defesa dos interesses de todos os produtores, mestres e companheiros, dado que entre eles não havia oposição de classe (o companheiro viria a ser mestre desde que satisfizesse no respectivo exame, e o mestre tinha começado por ser aprendiz e fora depois companheiro). Por outro lado, as corporações medievais de «artes e ofícios» que, como é sabido, existiram em Portugal, tinham um âmbito geográfico restrito: limitavam-se à vila ou cidade onde viviam os seus membros e cujo mercado eles abasteciam: ora, esse mercado era estável, rotineiro e consequentemente também a produção era estável, rotineira.

 

Não se deve, contudo, deixar de recordar que em muitos países da Europa, numa época tão remota como o século XIV, se começa a notar a dissolução da economia corporativa; surge uma desigualdade que se acentua entre os mestres, alguns dos quais começam a tomar maior importância na produção e a monopolizá-la; simultaneamente, vai-se cavando um abismo entre a posição dos mestres e a dos companheiros. A experiência destes últimos começa a revelar-lhes que a categoria de mestres é cada vez mais difícil de alcançar.

 

Com a economia capitalista, o quadro já se apresenta de forma muito diversa do vigente sob o feudalismo, sobretudo na sua forma do apogeu. Com o capitalismo, o desenvolvimento da produção, a acumulação de capitais que o novo sistema implica, impõem com lógica férrea a defesa pelo associativismo; a necessidade conduz à formação de associações de classe, destinadas à protecção mútua dos associados e à defesa dos seus interesses de classe. A eficácia deste movimento será tanto maior quanto mais vastas as associações, sendo o seu reforço originado pela própria evolução do sistema económico, que tem no seu seio uma concorrência que se torna cada vez mais aguda e um esforço constante de aprofundamento e alargamento das formas de exploração.

 

Se, por exemplo, examinarmos os jornais portugueses de tipo profissional do último século, verificar-se-á como, sobretudo a partir de 1850, especialmente aquém de 1869 (quando a indústria se começa a firmar no nosso país), se vão amiudando os apelos de membros da classe operária para a formação de associações profissionais suas, para defesa dos respectivos interesses, e como esses agrupamentos, muitas vezes do tipo mutualista, vão nascendo (43).

 

O caminho foi aberto com a criação da Associação dos Operários, em 1850, e com o Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes Laboriosas, criado em 1852 (44).

 

Não devemos terminar este capítulo sem chamar a atenção para o necessário reflexo que transformações tão profundas acarretam no próprio espírito das populações. O poder e a atracção dos grandes centros industriais e urbanos, a mobilidade da população, o desaparecimento da dependência pessoal e das relações feudais e patriarcais, a concentração da produção e os progressos técnicos, todos estes factores vão necessariamente afectando a maneira de encarar a vida e os problemas por parte das grandes camadas populacionais. Em geral, está-se habituado a raciocinar sobre o meio que nos cerca, e muitas vezes não se pensa na enorme transformação que uma profunda alteração económico-social acarreta à mentalidade dos povos, à sua filosofia e modo de ser. Mas quem se dispuser a viajar no passado, fazendo marcha atrás no tempo, facilmente o verificará.

 

E pode-se, de certo modo, realizar viagem tão estranha. Basta compulsar os jornais de há cinquenta ou cem anos atrás para nos certificarmos de como, nos sectores mais díspares e mesmo menos sensíveis ao progresso, nos encontramos em face duma maneira de encarar a vida que actualmente espantaria muita gente; é suficiente ler algumas notícias de então para se ficar esclarecido - muitas delas fazem hoje sorrir, desde anúncios das velocíssimas carreiras de mala-posta até a problemas e opiniões relativos à arte e à ciência.

 

 

 

 

 

 

(*) Armando Castro (1918-1999) nasceu no Porto, onde frequentou o Liceu Rodrigues de Freitas, tendo-se licenciado Ciências Jurídicas (1941) e em Ciências Político-Económicas (1942) pela Universidade de Coimbra. Enquanto estudante coimbrão pertenceu ao núcleo central dos jovens inteletuais marxistas aí formado, no ambiente radicalizado pela Guerra Civil de Espanha. Data desses anos a sua adesão ao Partido Comunista Português, que manteve até ao fim da vida, embora nunca tenha estado em posição de influenciar a sua definição estratégica ou as suas propostas políticas. Como bolseiro frequentou o Centro de Investigação Económica dirigido por Teixeira Ribeiro, mas o fascismo vedou-lhe qualquer hipótese de carreira académica. Regressado ao Porto, exerceu a advocacia, que detestava, procurando reservar o máximo de tempo livre para, entregue a si próprio, contra entraves vários (foi-lhe barrado o acesso às bibliotecas universitárias), construir uma obra copiosa que se espraia pela economia política, teórica e aplicada, pela história económica e social, pela teoria do feudalismo, pela história do pensamento económico, pela epistemologia. Em 1965 a Sociedade Portuguesa de Escritores atribuiu à sua obra o seu Grande Prémio Nacional de Ensaio. Sobre o desenvolvimento e as caraterísticas essenciais da sua obra, influências mais marcantes, limitações e impasses, leia-se, de Carlos Bastien, A obra económica de Armando Castro. Participou nos diversos congressos da Oposição Democrática, tendo sido candidato a deputado por ela. Só após a revolução de 25 de abril de 1974 ingressaria como professor catedrático na Faculdade de Economia do Porto, onde foi aliás presidente do conselho diretivo até a sua jubilação em 1988. A sua bibliografia é demasiado extensa para ser aqui citada, mas podemos dela destacar: ‘Alguns aspectos da agricultura nacional’ (Coimbra Editora, 1945), ‘Introdução ao estudo da economia portuguesa (fins do século XVIII e princípios do século XIX)’ (Biblioteca Cosmos, 1947), o monumental ‘A evolução económica de Portugal nos século XII a XV’ (onze volumes, Portugália, 1964-70, reeditado depois pela Caminho), ‘Estudos de economia teórica e aplicada’ (Seara Nova, 1968), ‘Portugal na Europa do seu tempo’ (Seara Nova, 1970), ‘O que é a inflação’ (Ed. 70, 1970), ‘A economia portuguesa do século XX 1900-1925’ (Ed. 70, 1973), ‘Camões e a sociedade do seu tempo’ (Caminho, 1980), ‘Lições de Economia’, I e II (Caminho 1983-86), ‘Teoria do sistema feudal e transição para o capitalismo em Portugal’ (Caminho, 1987), ‘Conhecer o conhecimento’ (Caminho, 1989). As páginas que aqui publicamos têm a sua origem em ‘Introdução ao estudo da economia portuguesa’ (Biblioteca Cosmos, 1947), mas seriam revistas e republicadas alguns anos depois em ‘A revolução industrial em Portugal no século XIX’ (Dom Quixote, 1971), sendo de uma edição posterior deste mesmo excelente livro que aqui reproduzimos os dois primeiros capítulos.

 

Armando Castro - Introdução

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NOTAS:

 

(1) A existência de ferrarias, onde se fundia o ferro e se forjavam diversos artigos deste metal, é evidentemente assinalável desde épocas muito remotas, anteriores à formação da nação e do estado português. Os esforços para repor em funcionamento as velhas ferrarias da foz do Alge foram no entanto interrompidas por causa das invasões francesas. Veja-se a nossa noticia no artigo «Ferrarias», no Dicionário de História de Portugal, vol. II, pp. 215-217.

 

(2) Vide Francisco António Correia - História Económica de Portugal, vol. II, 1929, p. 173 e segs.

Deve contudo notar-se que nem só as invasões francesas prejudicaram a nossa economia. Para o estado de ruína desta época também contribuiu o tratado de comércio celebrado com a Inglaterra em 1810.

 

(3) No relatório apresentado em 1767 ao conde de Oeiras por Duarte Lemos de Almeida, salientando-se o progresso verificado nos últimos nove anos na actividade industrial, aponta o seu autor o que se teria passado na Covilhã; afirma que a Real Fábrica, em 1758, só dispunha de 10 teares (e alguns deles estavam parados), mas que nessa altura, em 1767, encontrar-se-iam em actividade 39 teares, instalados dentro e fora da fábrica, produzindo-se uma variedade muito maior de tecidos e de melhor qualidade (confrontar o documento do British Museum, Department Manuscrits, Colecção «Egerton», 529, fols. 10 v. a 11).

 

(4) Na manufactura (que predominou aproximadamente de 1550 a 1770), cada processo técnico parcial devia adaptar-se ao operário; na grande indústria fabril, na maquinofactura, já não é assim; «o processo de trabalho pode desmembrar-se objectivamente nas suas partes constituintes, desenvolvido depois segundo a ciência (e a experiência assente nela), para serem realizadas pelas máquinas - as relações quantitativas entre grupos de operários reproduzem-se aqui como relações entre os vários grupos de máquinas. A base da manufactura, que era a divisão profissional do trabalho, torna-se na maquinofactura de carácter mecânico, automática; a cooperação, a combinação das tarefas dos trabalhadores, que antes era em larga medida pessoal, subjectiva, dependendo do próprio operário, torna-se, agora, imperiosa e inelutável, devido à estrutura técnica da fábrica».

A maquinografia encadeia o trabalhador (independentemente da organização científica moderna do trabalho, por qualquer dos sistemas conhecidos - Taylor, Bedaux ou qualquer outro -, que constituem, no fundo, um ajuste e aproveitamento das possibilidades técnicas e económicas à sua disposição) num processo de que ele é fundamentalmente parte passiva.

Contudo, as consequências económicas gerais criadas pelo maquinismo são, seguramente, muito mais importantes do que estes aspectos técnicos.

 

(5) Confrontar o artigo «Fábricas» no Dicionário de História de Portugal e no volume Estudos de História Sócio-Económica de Portugal.

 

(6) Referido por Vitorino Magalhães Godinho - Prix et Monnaies au Portugal, 1955, ed. Armand Colin, p. 246.

 

(7) É natural que estes números pequem por defeito, pois apesar do pequeno desenvolvimento da economia industrial portuguesa é muito pouco provável que só existissem 70 máquinas a vapor. Isto não admira, pois o carácter altamente incompleto dos inquéritos industriais tentados no nosso pais é sobejamente conhecido. Vejam-se, por exemplo, as consideraões do Eng.º J. N. Ferreira Dias Júnior, in Linha de Rumo - Notas de Economia Portuguesa, vol. I, 1946, p. 265 e segs.

 

(8) In «Inquérito Industrial de 1881», cit., Resumo, p. XXII.

 

(9) Jürgen Kuczynski – A Short History of Labour Conditions under Industrial Capitalism: Germany, 1800 to the Present Day, ed. Frederick Müller, Ltd., Londres, 1945, p. 15.

 

(10) Paul Mantoux, na sua obra já clássica sobre a Revolução Industrial (utilizamos uma edição relativamente recente, visto ser de 1964, em versão inglesa, The Industrial Revolution in the Eighteenth Century, Methuen & Co. Ltd., Londres, procura definir as características do sistema fabril e das máquinas em que ele assenta examinando os estudos de diversos autores a esse respeito (pp. 29 a 40 da referida edição). No entanto não traz elementos novos à inultrapassada análise que Marx efectua ao sistema fabril e às máquinas no livro I de O Capital, nomeadamente no capitulo XV.

 

(11) Os dados apresentados no texto foram fornecidos por George Friedman - La Crise du Progrès, ed. Gallimard, Paris. Para uma noticia mais pormenorizada do desenvolvimento técnico-económico trazido pelas duas revoluções industriais vale a pena consultar esta obra.

Acerca da Revolução Industrial nos séculos XVIII e XIX, o estudioso interessado poderá consultar, além do capitulo fundamental que Karl Marx lhe dedica no livro I de O Capital (o capítulo XV), o livro clássico de Paul Mantoux (utilizamos a tradução inglesa de edição relativamente recente, The Industrial Revolution in the Eighteenth Century, Methuen, University Paperbooks), o estudo sobre a história das técnicas de Sam Lilley - Men, Machines and History, 1965, ed. Lawrence and Wishart, Londres (sobretudo o capítulo 60), e Tom Kemp - Industrialization in Nineteenth Century Europe, 1969, Londres, ed. Longmans.

É claro que a bibliografia é vastíssima, como se compreende consultando a que se indica nestas duas últimas obras.

 

(12) As cifras referentes às manufacturas não são comparáveis, pois o recenseamento de 1904 incidiu sobre as empresas de produção superior a 500 dólares e as de 1917 sobre as de produção superior a 5 000 dólares. O crescimento das forças produtivas nos Estados Unidos, que aparece neste quadro como já muito considerável, é, assim, inferior à realidade, tendo em conta as pequenas empresas. Para um rápido panorama do desenvolvimento económico global do capitalismo até aos primeiros decénios do século actual, leia-se, por exemplo, o trabalho que incluímos no livro Ensaios sobre Cultura e História, 1969, «Desenvolvimento Económico-Social na Época Contemporânea (desde meados do século XIX). Breve cotejo com o caso português».

 

(13) Heinrich Sieving - Historia de Ia Economia, II, p. 221 (edição Labor, 1942).

 

(14) Acerca do desenvolvimento da indústria na época do marquês de Pombal vejam-se as Memórias de Jácome Ratton, que constituiu um exemplo vivo de capitalista comercial em transição para a vida industrial.

 

(15) «A Evolução da Indústria Portuguesa», In Notas sobre Portugal, vol. I, 1908, p. 359 e segs..

 

(16) Estes números não valem como índice do desenvolvimento geral da economia industrial, pois muitas fábricas não foram inquiridas e outras não responderam aos questionários ou deram respostas incompletas.

 

(17) O conselheiro Oliveira Simões (na obra referida), citando o facto de alguns industriais inquiridos em 1881 terem defendido a regulamentação dos mesteres, sugerindo que se ressuscitasse a Casa dos Vinte e Quatro, conclui daí ser ainda fraco o desenvolvimento industrial. Parece que isto é, em parte, erróneo. Sem dúvida que o nosso desenvolvimento industrial era muito fraco nesta data, mas a dissolução das formas feudais já se realizara; o capitalismo iniciava a sua marcha no nosso pais, à parte a natural sobrevivência de certas relações económicas feudais que, como se sabe, persistem mesmo em formas bem desenvolvidas da economia capitalista, especialmente na agricultura, circunstância que não invalida a afirmação atrás feita, pois um sistema social não desaparece subitamente de forma total; subsistem durante um período mais ou menos longo alguns dos seus traços e relações económico-sociais.

É claro que essa afirmação de alguns dos industriais inquiridos não pode ter grande significado, porque não exprimia, evidentemente, qualquer tendência profunda. Independentemente da maior ou menor consciência com que tais opiniões foram expostas, elas objectivamente não podiam exprimir o retorno às relações económicas feudais que, no fundo, seriam contrárias aos próprios interesses dos industriais; a regulamentação corporativa feudal assentava numa divisão rudimentar do trabalho, num mercado de âmbito restrito, numa técnica produtiva que desconhecia ainda a maquinofactura e a que correspondia o trabalho em comum de mestres e companheiros. Mesmo nesta fase, semelhante regulamentação só poderia significar o contrôle dos salários e da oferta de trabalho, através do domínio do associativismo operário.

 

(18) Entre 1837 e 1852 (Lei de 31-12) foram concedidas 83 patentes.

 

(19) Até ao ano de 1868, 22 de Março, regulou a introdução de patentes e privilégios a Lei de 31 de Dezembro de 1852. Depois daquela data regulou-a o artigo 613 do Código Civil, que garantiu ao inventor o uso exclusivo do seu invento por um período de quinze anos.

 

(20) Assinalado por Joel Serrão - Temas Otocentistas, I, ed. Ática, Lisboa, 1959, pp. 134-186.

 

(21) Sociedade Promotora da Indústria Nacional - Exposição Industrial de 1848 - Relatório Geral do Jurado, elaborado por 17 personalidades, entre as quais Andrade Corvo, Marino M. Franzini, A. de Oliveira Marreca, Almeida Garrett, etc..

 

(22) Sobre estes pontos podem ainda ler-se os nossos artigos Capitalismo na Época Contemporânea», «Fábricas», «Exposiçóes Agrícolas e Industriais», «Indústria na Época Contemporânea», no Dicionário de História de Portugal e no livro Estudos de História Sócio-Económica de Portugal.

 

(23) É claro que estes números não se podem considerar elucidativos do peso especifico desta indústria no conjunto da actividade industrial portuguesa; mais do que o número de instalações, interessa a sua importância, segundo o critério que se indicou atrás. Os dados do texto referem-se a instalações com mais de dez operários, circunstância que oferece uma importância superior à dos números totais. Deve notar-se que a importância destacada da indústria têxtil, que se pode observar logo no período inicial de existência da indústria capitalista, não é fenómeno exclusivo do nosso país. Verificou-se duma forma geral, e não é difícil explicar a sua razão de ser.

A indústria têxtil é uma indústria produtora de bens de consumo imediato, e esta circunstância explica que se tenha desenvolvido muito mais do que outras que não produzem artigos prontos para consumo ou que não são de consumo tão amplo como os têxteis. A formação e desenvolvimento do mercado interno, que permitiu a expansão económico-industrial do capitalismo, realizou-se através dum enorme aumento do consumo e da procura, efectuado em virtude da proletarização camponesa e dos pequenos artífices autónomos. Esta massa de consumidores, a grande maioria dos compradores, adquire apenas artigos de primeira necessidade; ora, entre os principais produtos industriais que satisfazem necessidades primárias estão os artigos de vestuário. Daí o grande desenvolvimento da indústria têxtil.

 

(24) «Visitei há pouco a foz do Alge -escreve o Eng.º J. N. Ferreira Dias Júnior - num vale profundo e quase inacessível, e percorri com melancolia as ruínas do que foi, há mais de um século, a última siderurgia portuguesa; nos dois pequenos altos-fornos que a hera e o arvorodo já abraçam com troncos e raízes vi ainda, no revestimento quase intacto, o vidrado da última escória; e no silêncio daqueles restos abandonados senti a amargura de estar pisando o campo de uma batalha perdida. Mas o fracasso do século XIX não me tirou a esperança do século XX; uma luz bem viva diz-me que a técnica de hoje é mais elástica e mais segura do que a técnica incipiente de 800 e que a batalha do ferro pode recomeçar com mais largas possibilidades de êxito». (Linha de Rumo-Notas da Economia Portuguesa, vol. I, 1946, p. 313.)

 

(25) Dados extraídos do livro citado do Prof. Ferreira Dias Júnior, pp. 210, 212 e 213.

 

(26) A indústria pesada alemã partilhou aproximadamente até 1923 com os Junkers (grandes proprietários rurais) e com as indústrias transportadoras (navegação e automóveis) o domínio económico, e só depois começa a tornar-se mais importante. Vide Jürgen Kuczynski - A Short History of Labour Conditions under Industrial Capitalism, vol. 3, parte II. Germany under Fascism, 1933 to the Present Day, edição F. Müller, Ltd., 1944, pp. 35-41.

A evolução mais recente do nosso próprio pais confirma o díspar desenvolvimento dos diversos sectores da actividade sócio-económica; com efeito, a especificidade e o atraso relativo da economia portuguesa nem por isso impedem que no último quarto de século, entre 1946 e 1971, seja assinalável um claro desenvolvimento, desigual, com nítidas implicações políticas. Na verdade, a posição de predomínio económico-político dos interesses do capital financeiro-bancário, dos grandes proprietários agrários, dum escassíssimo número de grandes empresas de tipo industrial e de algumas actividades ligadas à economia africana, é hoje claramente disputado por um poderoso conjunto de actividades industriais constituídas até por organizações que em grande parte assentam em ramos muito diferentes das antigas indústrias ligeiras, como as têxteis e as dos tabacos.

 

(27) Dispensamo-nos de ulteriores considerações sobre o imperialismo económico em virtude de, mais adiante, tratarmos das leis deste estádio do sistema económico.

 

(28) Uma das regiões que atravessou uma evolução mais típica neste aspecto foi o distrito do Porto - antes de 1880, talvez mais de 90% da produção se realizaria ainda segundo formas artesanais, pré-capitalistas, de tipo parafeudal e pequeno-burguês, modificando-se depois este panorama rápida e radicalmente.

 

(29) O estádio contemporâneo da economia mundial tem dentro de si «a consequência contrária» - a industrialização e progresso da economia portuguesa (o que de resto, tão-somente desloca o tipo das nossas dificuldades); a importação de capitais estrangeiros sob a forma de financiamentos à indústria nacional e a criação de novas indústrias são a prova disso, e prova que se multiplica quotidianamente...

 

(30) Ainda hoje há autores que não compreendem ser o abandono do campo pela cidade indício de industrialização, a lei natural de evolução da economia capitalista, devido ao atraso da agricultura relativamente à indústria. Recentemente, o professor Aristides de Amorim Girão escreveu que e «...Este desenvolvimento urbano pode constituir um sintoma de prosperidade e de progresso; mas assinala, na maior parte dos casos, o desequilíbrio demográfico, pela acumulação excessiva da população em reduzido espaço citadino e a sua rarefacção nos campos, e ainda o desvio das formas de actividade do seu ramo normal (abandono da profissão agrícola) que demanda cuidadoso estudo e até mesmo adequada intervenção.» («Origens e Evolução do Urbanismo em Portugal», in Revista do Centro de Estudos Demográficos, 1945, pp. 41-42.) Ora, na realidade, não se pode dizer, numa perspectiva dinâmica e histórica, que a agricultura é a forma de actividade económica normal; é, pelo contrário, o desenvolvimento da economia industrial a expensas da agrícola que é normal em economia capitalista.

 

(31) Deve sublinhar-se que no aumento populacional destas cidades deve caber bom quinhão ao período que vai dos começos do século XIX, sobretudo após 1830, até 1864.

 

(32) Dados segundo o Prof. A. de Amorim Girão - Ob cit., p. 50.

 

(33) José Acúrsio das Neves, cujas atitudes e ideias económicas exprimem com nitidez o panorama do nascente capitalismo no nosso pais a despeito da sua posição político-ideológica absolutista, compreendia bem este aspecto da economia do seu tempo ao escrever que «A Europa, tornada manufactureira e comerciante, de tal forma se tem deixado possuir do amor das riquezas, sem as quais se não podem pagar os prazeres nem sustentar o luxo dos nossos tempos, que o lucro ou a esperança de o obter, é o estímulo predominante, que sobressai a todos os outros.» In Variedades..., vol. I, p, 19.

 

(34) Acerca das geiras (corveias) na sociedade portuguesa, vejam-se os nossos estudos A Evolução Económica de Portugal dos Séculos XII a XV, Portugália Editora, Lisboa, vol. II, pp. 198, 211, 225 a 228, 311 nota, 316 a 325, 421 a 428, e o vol. X, no cap. XLII; Portugal na Europa do Seu Tempo (História Sócio-Económica Medieval Comparada), Lisboa, ed. Seara Nova, para um exame do caso português no contexto europeu, bem como a sucinta notícia sobre a entrada Geira por Doma no Dicionário de História de Portugal.

 

(35) Acerca dos Direitos Banais, confrontar A Evolução Económica de Portugal dos Séculos XII a XV, cit., vol. II, pp. 317, 326 a 330, 429 a 430, e o nosso artigo sobre esse título no Dicionário de História de Portugal e nos Estudos de História Sócio-Económica de Portugal. Para outros encargos de origem medieval veja-se aquela mesma obra, no vol. II atrás referido, e no vol. X, cap. XLII.

 

(36) A este respeito veja-se, por exemplo, Victor de Sá - A crise do Liberalismo e as Primeiras Manifestações das Ideias Socialistas em Portugal, cit., pp. 107, 287-288, etc..

 

(37) Como seria deslocado alongarmo-nos aqui no estudo das peias do «antigo regime» á comercialização, recordamos unicamente que, segundo o autor do estudo publicado em 1820, Vozes dos Leaes Portugueses... com a franca exposição das suas queixas às Cortes..., o peixe de Sesimbra pagava em Lisboa encargos que subiam a 54 % (vol. I, p. 256) e que um navio português de 600 toneladas nos despachos para o Brasil, África e Ásia tinha de solver 222$145 (Idem, vol. II, pp. 108-109),

 

(38) Relativamente à própria indústria do Porto antes de 1840, até então talvez a mais importante de Portugal, já Joel Serrão notou que em 1830 a maior parte das suas unidades tinha sido criada dentro do século XIX (Temas Oitocentistas, I, cit., pp. 142-143). No mesmo sentido veja-se ainda o nosso artigo «Capitalismo na Época Contemporânea», Dicionário de História de Portugal e Estudos de História Sócio-Económica de Portugal.

Mas por volta de 1840 a região de Lisboa já estava sensivelmente mais industrializada do que a do Porto; um autor anónimo escrevendo em 1844 calculava do seguinte modo o quantitativo semanal dos salários pagos aos operários: cidade de Lisboa, 40 000$000; cidade do Porto, 16 000$000; outras regiões (Braga, Guimarães, Maia, Penafiel, Minho, etc.), 8 000$000 (in Análise do Trabalho de Comércio e Navegação de 3-7-1842 entre Portugal e a Grã-Bretanha, Lisboa, 1844, Tip. de José Baptista Morando).

 

(39) A própria mobilização burguesa da propriedade fundiária criou novos tipos de encargos aos produtores directos, entre os quais, conforme diversas indicações históricas dão a entender, os resultantes da supressão dos aproveitamentos comunitários de longa tradição que os povos de muitas regiões faziam tanto de baldios periodicamente divididos como de outras terras, quer de pasto quer de cultivo. O estudo das consequências económico-sociais da venda dos Bens Nacionais a partir de 1834 afastar-nos-ia do centro do nosso inquérito, que é a Revolução Industrial. No entanto, apontamos ao leitor que possa estar interessado no seu estudo (o qual, aliás, não é anódino para captar a complexa dinâmica no sentido do estabelecimento da sociedade portuguesa contemporânea, sem excluir o surto da revolução industrial no nosso pais) os seguintes elementos bibliográficos: Simão J. da Luz Soriano - Utopias Desmascaradas do Sistema Liberal em Portugal, 1858; Oliveira Martins, na História de Portugal, vol. 2.º; V. Magalhães Godinho - Prix et Monnaies au Portugal, cit., p. 298; Victor de Sá - A Crise do Liberalismo.., cit., pp. 116-118; bem como a nossa noticia, «Bens Nacionais», no Dicionário de História de Portugal e nos Estudos de História Sócio-Económica de Portugal. A estas indicações (que naturalmente são apenas exemplificativas), o estudioso poderá acrescentar a pesquisa no Diário do Governo desde 1835, com as listas respectivas e a documentação no Arquivo Histórico do Ministério das Finanças.

 

(40) Para as instituições vinculares no período medieval veja-se o nosso livro A Evolução Económica de Portugal dos séculos XII a XV, vol. 9.º, pp. 350 a 361; quanto a uma recensão geral, «Morgado», no Dicionáro de História de Portugal, com a bibliografia indicada nestes tabalhos, ou «Estudos de História Sócio-Económca de Portugal».

 

(41) Vejam-se os números que citámos na p. 64. Sobre este aspecto fundamental da economia capitalista, que merecia um desenvolvimento largo, e não uma simples referência, mas que seria deslocado neste trabalho, confronte-se, em relação ao estrangeiro, por exemplo, Ann Rochester - Why Farmers are Poor, International Publishers, Nova Iorque, no qual a autora analisa a economia norte-americana.

 

(42) Vide, por exemplo, os dados apontados in O Enquadranento Geo-Económico da População Portuguesa, do professor E. de Campos, p. 121 e segs., e sobretudo o quadro geral que traçámos atrás no n.° 7 deste mesmo capitulo.

 

(43) Em 1848, a despeito dos «compromissos marítimos do Algarve», o associativismo na classe operária ainda mal existe, escreveu o conselheiro J. de Oliveira Simões (Ob. cit.).

 

(44) Num capítulo ulterior, acerca da demografia histórica e dos problemas das populações industriais, teremos ocasião de analisar esta questão com o cuidado que merece. Aqui fica apenas esta Indicação.