Para a história do pensamento marxista em Portugal (*)

  

 

Armando Castro

Armando Castro

 

 

1. Introdução - perspectiva e limites da análise

 

Não é tarefa fácil tentar resumir as linhas mestras do nascimento, desenvolvimento e lutas do pensamento marxista, com suas contradições e dificuldades, ao longo do longo período que vem desde cerca de 1847-1848 em diante.

 

Propomo-nos como limite desta análise a Revolução democrática de 25 de Abril de 1974, visto a época posterior ter trazido modificações quantitativas e qualitativas que, só por si, exigiriam um tratamento próprio; mas é claro, por outro lado, que abordar toda a história do pensamento marxista em Portugal coloca aquém da fundação do Partido Comunista Português, em 6 de Março de 1921, problemas específicos pois entendemos pertencer ao próprio Partido elaborar a sua história, trazendo contribuição importantíssima em múltiplos domínios, sem excluir o que respeita ao fornecimento de elementos históricos gerais acerca da sociedade portuguesa ao longo dos últimos sessenta e dois anos.

 

Acresce que compreender todo este processo histórico, até às vésperas do derrubamento da velha ditadura fascista, não pode dispensar a presença das estruturas sociais portuguesas e suas transformações desde meados do século passado.

 

Não é possível, todavia, neste rápido sobrevoo tê-lo em conta. Vamos apenas pressupor os seus aspectos fundamentais que, aliás, se podem colher em diversos estudos disponíveis, quer se trate do lento processo de industrialização oitocentista, com uma classe operária incipiente, quer do atraso global da maturação das relações capitalistas, em relação aos países mais fortemente industrializados das mesmas épocas, quer ainda da expressão social e ideológica destes fenómenos: entre estes avultam, como é sabido, as influências do anarquismo, do fenómeno do anarco-sindicalismo, a acção da ideologia burguesa dominante, incluindo das camadas média e pequena que, até ao salazarismo (e mesmo depois até certo ponto), se manifestava no doutrinarismo e na prática do Partido Republicano Português.

 

Num caldo de cultura assim tão denso, o movimento operário conhecia poderosas forças que se opunham à radicação do marxismo, indo desde o reformismo de influência burguesa até ao anarco-sindicalismo.

 

E se nada disto pode ser aqui tratado directamente, o mesmo sucede com outros aspectos indispensáveis à captação da história do pensamento marxista em Portugal que vai apenas ser invocado nas suas expressões directas mais significativas. É o que sucede, por exemplo, com a própria evolução da interpretação marxista, ao sabor de influências múltiplas, indo desde as leituras superficiais e idealistas até às mais variadas formas de «revisionismo», termo que designa os ataques dirigidos desde o seu interior, quer dizer, embora vindicando-se da filosofia e da teoria de Marx, de Engels e (desde a viragem para o nosso século) também de Lénine.

 

Paralelamente, desde 1921 a acção revolucionária em Portugal é solidária da acção do Partido Comunista Português, com as suas crises e condicionalismos vários - questões essenciais que nem sequer se invocarão aqui, quando o seu significado, seja a respeito do pensamento marxista seja da sua concretização prática, é verdadeiramente crucial porque, como sugestivamente escreveu G. Lukács, o Partido funciona «como princípio de mediação entre o homem e a história»...

 

A observação não terá também em conta a influência do pensamento marxista sobre a actividade estética portuguesa, cuja importância, como se sabe, surge no segundo quartel do nosso século ligada em especial à corrente que ficou designada por «neo-realismo». Trata-se de um fenómeno específico que mereceria também um tratamento autónomo.

 

E se omitiremos as referências aos mais diversos revisionismos, não podemos olvidar que se trata de um fenómeno inevitável como expressão da luta de classes em cada época histórica e que, de resto, já Marx defrontava na sua juventude como sucedeu com os chamados «Livres» na Gazeta Renana, em fins de Novembro de 1842, mas que em Portugal só assume peso social e político particularmente agudo aquém dos anos 1960 (1).

 

Estas limitaeões são acrescidas das que resultam de se não poder ultrapassar a apresentação de um conjunto de indicações tipológicas; assim se explica que tenhamos intitulado esta análise Para a História do Pensamento Marxista em Portugal, quer dizer, não se pretende mais do que uma contribuição à elaboração de uma observação e explicação sistemáticas.

 

Por fim, sob este aspecto, sendo certo que até uma data bem próxima de nós a auscultação do impacte da filosofia e da teoria marxistas só podem observar-se quase exclusivamente através da difusão dos estudos e das obras dos fundadores do socialismo científico, visto que os trabalhos de portugueses por elas orientados eram praticamente inexistentes, procurar-se-á auscultar o fenómeno através das publicações marxistas em Portugal. No entanto, dado o carácter genérico da abordagem, só se considerarão as obras de Marx, Engels e Lénine; esta restrição é imposta pelas limitações de tempo e de espaço; por isso nem sequer se assinalarão textos de outros autores, inclusive da primeira fase de Plekhánov e de K. Kautsky, nem mais tarde de Lukács e de Gramsci, bem como de quaisquer outros.

 

Para encerrar estes esclarecimentos preliminares, apenas mais meia dúzia de palavras acerca da perspectiva adoptada para a exposição que se vai seguir.

 

Aquilo que essencialmente importa registar é a circunstância de este trabalho estar voltado tão-somente para as expressões filosófico-teóricas do marxismo, quando Marx foi acima de tudo um revolucionário; quando o marxismo constitui um guia da transformação revolucionária do mundo. Quando, conforme Marx proclamou na célebre Tese XI sobre Feuerbach, os filósofos tém até agora somente interpretado o mundo, quando aquilo que se trata é de o transformar.

 

No entanto, considerar a leitura marxista da realidade não é um exercício gratuito, pois a teoria é uma arma imprescindível à intervenção revolucionária de que Karl Marx fez a razão de ser da sua vida e da sua luta.

 

Por isso é perfeitamente pertinente considerar este aspecto, desde que se não perca de vista que se encontra soldado de forma inteiriça à acção prática; isto permite, por seu turno, fugir aos perigos do mero academismo no estudo do legado de Marx, de Engels e, nas condições desde fins do século passado, de Lénine.

 

Deste modo, o exame da história do pensamento marxista no nosso país reveste-se, evidentemente, de um interesse múltiplo além do que resulta da apreensão do processo de aprofundamento e alargamento da consciência teórica dos trabalhadores e das suas organizações políticas e sindicais. É que, por outro lado, ao reflectir (ainda que mediatizadamente) a própria evolução histórica da sociedade portuguesa, contribui para melhor se conhecer essa evolução; além disso, não é dispicienda a ajuda que proporcionará acerca das complexas condições de desenvolvimento das lutas de classes desde meados do século XIX, sobretudo no campo dos choques ideológicos, políticos e sindicais.

 

Observemos pois alguns dos traços mais significativos da penetração do pensamento marxista em Portugal até ao 25 de Abril de 1974.

 

Para tanto dividiremos a análise em quatro períodos, o que embora contenha inevitavelmente certa dose de arbítrio, no entanto facilita a exposição e a sua apreensão.

 

O primeiro período vai de 1844-1845 até 1871-1872. Estes marcos cronológicos explicam-se pelo facto de os anos iniciais terem sido aqueles em que surgem as primeiras obras significativas da «juventude do marxismo», como sejam os Manuscritos Económico-Filosóficos (Manuscritos de 1844), embora muito mais tarde publicados, a colaboração na Gazeta Renana e nos Anais Franco-Alemães ou o Esboço para Uma Crítica da Economia Nacional, da autoria de Friedrich Engels.

 

Mas a este período pertencem obras tão significativas como a Miséria da Filosofia (1847), o Manifesto do Partido Comunista (1848), Trabalho Assalariado e Capital (1850), As Lutas de Classes em França (na Nova Gazeta Renana. Revista Político-Económica, de 1850); é a colaboração de Marx e Engels no New York Daily Tribune, onde publicam mais de 500 artigos de 1852 a 1861. A Contribuição para a Crítica da Economia Politica aparece em 1859 e o primeiro volume de O Capital em 1867. É ainda desta época O 18 Brumário de Louis Bonaparte, sendo também elaborado o trabalho de 1865 para a reunião da Associação Internacional dos Trabalhadores Salário, Preço e Lucro, ainda que só muito posteriormente publicado. A actividade revolucionária de Marx liga-se neste período a acontecimentos tão relevantes como a fundação e apoio à Associação Internacional dos Trabalhadores, cuja organização propusera em 28 de Setembro de 1864; Marx inclusive assistia às terças-feiras às sessões da sua assembleia geral e esteve pessoalmente presente num dos seus nove congressos realizados durante a sua vida, entre 1866 e 1877 - o Congresso da Haia de 1872. Ao fim deste período pertence ainda A Guerra Civil em França, de 1871, dedicado à Comuna de Paris que, proclamada no dia 18-3-1871, veria cair as últimas barricadas sob o ataque da reacção em 28 de Maio do mesmo ano.

 

É ainda nos começos deste período que Marx e Engels se encontram pela primeira vez (no ano de 1844) e publicariam em conjunto, quatro anos mais tarde, o Manifesto do Partido Comunista, bem como outras obras fundamentais como A Ideologia Alemã, Revolução e Contra-Revolução na Alemanha (1852), ou A Sagrada Família (datando aliás de 1844).

 

Tendo em conta um relativo surto da influência do marxismo em Portugal, após a Comuna de Paris, consideramos um segundo período com início por volta de 1871-1872 e que naturalmente se estende até ao golpe militar fascista de 28 de Maio de 1926, com o brutal clima de repressão instalada em particular a partir de 1933. No entanto, mesmo nas condições do fascismo vai-se assistir a um esforço penoso, encoberto mas nem por isso menos real, no sentido da difusão das concepções marxistas. Por isso o terceiro subperíodo foi fixado entre 1926 e 1938-1939. O quarto e último irá desde esta data até ao 25 de Abril, muito embora talvez pudéssemos subdividi-lo tendo em conta um certo surto de publicações marxistas mesmo antes da revolução democrática libertadora «dos cravos»; efectivamente, entre 1971 e Abril de 1974 é visível o enfraquecimento da repressão no que respeita à publicação de obras dos fundadores do marxismo-leninismo.

 

Porém, esclarecemos que, no que respeita fundamentalrnente ao século XIX, se dispõe já hoje de um conjunto importante de estudos, por via de regra ligados à história do movimento operário e sindical. Sendo muito mais escassos os trabalhos guiados pela preocupação central de observar a influência do marxismo, a verdade é que a própria análise geral desse movimento exige naturalmente o seu exame, tanto mais que um dos traços mais salientes da actividade sindical gira em torno da luta entre as influências anarco-sindicalistas e marxistas (2).

 

Além disso, um exame mesmo descuidado revela que sobretudo o período posterior a 1926-1933 se encontra muito mal estudado. Mais ainda, para a época posterior a 1937-1938, a história do pensamento marxista em Portugal não é senão um enorme «buraco» que não mereceu ainda qualquer tentativa de abordagem sistemática.

 

Esta circunstância, adicionada ao facto de podermos em certa medida trazer um depoimento pessoal (e importaria certamente multiplicar esses testemunhos para que uma situação tão significativa não perdesse na poeira dos tempos numerosas indicações de interesse), levou-nos a concentrar o principal esforço no exame da difusão do marxismo entre 1937-1938 e o 25 de Abril de 1974.

 

 

2. O período 1844-1845 a 1871-1872

 

Em condições históricas caracterizadas pelo facto de em Portugal o capitalismo, como modo de produção dominante, se esboçar ainda, pois por meados do século sucedia até que a indústria maquinofactureira dava apenas os primeiros passos (por volta de 1852 não chegaria a dispor de 16.000 trabalhadores e só aproveitava da energia de uns 983 cavalos-vapor ao serviço da sua actividade), é evidente que a interpretação marxista não podia penetrar na classe operária. Acresce, aliás, que se estava ainda na fase inicial de elaboração da filosofia e da teoria de Marx e de Engels.

 

Mesmo avançando até ao termo deste período, dificilmente poderíamos detectar algurn autor que entendesse e aceitasse a nova concepção do mundo. Escavando nos recessos de textos escritos, é possivel sem dúvida assinalar uma ou outra referência aos fundadores do socialismo científico, impregnada de uma atitude pelo menos de não rejeição liminar. No entanto, mesmo os autores nesta situação nem por isso se poderão considerar «marxistas».

 

É o caso de José Júlio d’Oliveira Pinto Moreira, num conjunto de textos escritos para a revista conimbricense O Instituto, no ano de 1853, em que aborda «Proudhon e a economia política»; num dado passo, introduz uma referência crítica abonando-se com Marx (a quem chama «Karl Marr», bem podendo ser, aliás, um erro tipográfico), a propósito da divisão do trabalho, do qual cita da Misère de la Philosophie, p. 4, a célebre resposta crítica de Marx a Proudhon que havia sido publicada uns seis anos antes em Paris, no ano de 1847 (**).

 

Será somente aquém de 1871-1872 que poderemos colher algumas indicações mais numerosas, e sobretudo mais significativas, sob o impacte conjugado da Comuna de Paris, proclamada a 18 de Março de 1871 e jugulada a 28 de Maio seguinte, e da acção política e sindical revolucionária de Marx. Este último aspecto é importante porque, sem diminuir evidentemente o significado histórico desses acontecimentos, a generalidade das referências a Marx e Engels ligam-se à organização dos trabalhadores e seus princípios e não propriamente ao sistema filosófico e teórico em que a intervenção política e sindical dos dois grandes obreiros do socialismo científico se fundava.

 

 

3. O período 1871-1872 a 1926

 

Certamente que não cabe aqui invocar sequer qualquer reacção à Comuna de Paris e à feroz repressão que se lhe seguiu, como as atitudes de um Antero de Quental, as reacções políticas (como sucedeu com a fundação do Partido Socialista em 1875) e tantos outros sucessos.

 

Só importa reter os aspectos mais significativos que possam de algum modo reflectir a influência das concepções marxistas, seja no meio operário seja entre um ou outro intelectual.

 

Ora, a época de cerca de cinquenta e cinco anos que se inicia por 1871-1872 é extraordinariamente rica no plano mundial.

 

Não só Marx prossegue o seu esforço gigantesco, a que só a morte em 14 de Março de 1883 poria termo, como Engels primeiro em colaboração com o seu «companheiro de armas», depois sozinho, elabora novas obras essenciais do marxismo, como também Lénine, até ao seu óbito em 1923, vai levar a cabo a construção da teoria marxista da época do imperialismo e construir a teoria política da revolução e da construção do socialismo; até que em 7 de Novembro de 1917 triunfa a primeira revolução socialista no mundo. Surgem estudos tão importantes após 1871-1872 como a Crítica do Programa de Gotha, de K. Marx, a continuação da publicação dos restantes volumes de O Capital, graças ao esforço de Engels (livros II e III); datam ainda desta época obras fundamentais de F. Engels como, além da Crítica do Programa de Erfurt, o Anti-Dühring, Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Alemã Clássica, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, Para a Questão da Habitação.

 

E é dentro destes escassos seis decénios que é elaborada toda a obra de V. I. Lénine (cujo primeiro escrito foi publicado no ano de1893) e entre a qual se acham obras como O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia (1897-1898), Que Fazer? (1902), Materialismo e Empiriocriticismo (1909), O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo (1916), O Estado e a Revolução (1917-1918), além de outros.

 

Por seu turno, surgem partidos operários revolucionários em diversos países europeus: Áustria (1874), Dinamarca (1876), Bélgica (1879), Espanha (1880), França, Hungria e Inglaterra (1881), Polónia e Hungria (1882)...

 

Friedrich Engels faleceu a 5 de Agosto de 1895, quer dizer, dois anos depois da publicação do primeiro texto de Lénine.

 

No nosso país, é em Setembro de 1919 que surge a Confederaeão Geral do Trabalho (CGT) e após a Grande Revolução Socialista de Outubro na Rússia, objecto de um ataque maciço na imprensa burguesa, funda-se também em 1919 o Conselho de Propaganda Social e a seguir a Federação Maximalista, com o seu órgão A Bandeira Vermelha proclamando como seus objectivos o sindicalismo-comunista (sic): as concepeões marxistas eram ainda extremamente nebulosas...

 

Por fim, é a 6 de Março de 1921 que emerge o Partido Comunista Português que viria a ser lançado na clandestinidade, cinco anos mais tarde, com o golpe militar-fascista de 28 de Maio de 1926, que organizaria as suas bases jurídico-políticas em 1933 (Constituição, Estatuto do Trabalho Nacional, etc.).

 

Invocado ultra-sumariamente este quadro geral, em que medida as concepções marxistas penetraram em Portugal?

 

Registemos antes de mais nada que muitas vezes a divulgação de um texto de Marx, Engels e Lénine se deveu a indivíduos que não tinham uma formação marxista, ao mesmo tempo que, com frequência, as traduções são de rná ou até de péssima qualidade.

 

Além disso, há que distinguir a influência organizacional sob a classe trabalhadora de uma acção política e sindical guiada pela filosofia e pela teoria materialistas dialécticas. E se o primeiro destes dois aspectos é tão importante como o segundo, por razões ligadas ao âmbito da análise que aqui se conduz só é possível destacar a incidência das concepções marxistas.

 

Pertence sem dúvida ao primeiro destes tipos a publicação do apelo de Karl Marx na sessão inaugural da Associaeão Internacional dos Trabalhadores no jornal O Protesto, n.° 92, de Maio de 1877; como se vê somente merecendo atenção treze anos mais tarde.

 

São também importantes, no que respeita à assimilação da orientação marxista na organização autónoma da classe trabalhadora alguns textos do jornal O Pensamento Social entre Fevereiro de 1872 e Abril de 1873 (51 números), de Lisboa, para o qual Antero de Quental projectara o seu artigo «O que é a Internacional». Como observa Victor de Sá, a orientação marxista do jornal surge com mais clareza após os primeiros números, explicando inclusive a teoria da luta de classes; publicou os Estatutos Gerais da AIT, o Manifesto Inaugural da AIT, bem como o Manifesto do Partido Comunista nos últimos seis números (3).

 

Devemos sublinhar que Engels elogiou alguns dos artigos de O Pensamento Social, para o qual, aliás, enviou dois textos (de origem dinamarquesa) que os publicou (4).

 

Nobre França, que pertenceu à direcção deste jornal, bem como José Fontana e Azedo Gneco, pelo menos, é também sabido que se corresponderam com Marx e Engels, tendo sido nos últimos anos publicada mais do que uma vez parte dessa correspondência, nomeadamente a que teve lugar entre 24 de junho de 1872 e 21 de Janeiro de 1877 (5).

 

Por esta época encontramos um ou outro intelectual e um ou outro quadro do movimento sindical e político operário que utilizam conceitos marxistas.

 

É assim que o professor da Faculdade de Direito de Coimbra J. Frederico Laranjo proferiu uma conferência no Instituto de Coimbra em 7 de Novembro de 1874 sobre «As Máquinas», em que se revela conhecedor de O Capital (e não apenas de qualquer resumo) bem como da Misère de la Philosophie. Todavia, embora Laranjo concorde com as passagens que cita do autor de O Capital, mesmo quando adere à tese de que os operários têm de fazer greves como arma de sua defesa, não é de qualquer forma um marxista. Basta dizer que nesse texto entende que existiriam duas escolas económicas, a inglesa e a francesa, ignorando a fractura fundamental precisamente entre as teorias económicas, académica e marxista (6).

 

E embora não tivéssemos conduzido uma pesquisa sistemática quanto à presença de ideias marxistas entre membros do movimento operário (tanto sindical como político), além dos exemplos já referidos, fornecidos pelo órgão socialista O Pensamento Social, não seria dificil certamente adicionar-lhes muitos outros, como o do artigo em que Azedo Gneco polemiza com Felizardo Lima, contrapondo o sistema socialista ao regime político republicano; aí, no jornal O Protesto Operário, de 4 de Fevereiro de 1883, abona-se com a descrição da evolução histórica da humanidade dada por Engels no Anti-Dühring, citando ainda Marx no Manifesto Inaugural da Internacional de 1864. Todavia, é evidente que daqui não se pode saltar para a conclusão de que Azedo Gneco tenha sido marxista, pois a aceitação pontual de uma dada realidade imediata, por relevante que seja, não se identifica com uma interpretação filosófica nem com uma teorização científica, seja da actividade económica, da história, da vida social no seu conjunto ou seja de qualquer outra.

 

É também representativo das incidências do marxismo em Portugal o número limitado de referências à morte de Marx, ocorrida a 14 de Março de 1883, como sobretudo a natureza dessas referências entre a imprensa operária (visto que os jornais e revistas burgueses por mais «progressistas» que fossem adoptavam uma posição extremamente hostil ao seu grande inimigo de classe). Sabe-se até que a própria ideologia republicana aparece em muitos autores não só como profundamente reaccionária (caso de Bazílio Teles ou de J. Rodrigues de Freitas) como ainda particularmente hostil ao marxismo dentro deste meio século que termina em 1926 (7).

 

À morte do autor de O Capital se referiram pelo menos A Voz do Operário no n.° 180, de 25 de Março de 1883 (p. 3), e O Protesto Operário, órgão do Partido Operário Socialista, nos números de 18 (figura 1) e de 25 de Março de 1883. No primeiro destes põe-se em dúvida a veracidade da notícia proveniente de Paris e no número do dia 25 insere-se na primeira página com destaque «A toda a família de Marx e aos socialistas do mundo inteiro, envia sentidos pêsames a Redacção» e uma notícia biobibliográfica de uma maneira geral correcta (vejam-se as reproduções facsimiladas destes textos). De notar que no comentário do número precedente se transcreve o elogio de um «jornal burguês», que termina da forma mais antimarxista, ao dizer-se que «o papel de Karl Marx foi importantíssimo como homem de acção e como instigador secreto do movimento socialista» (sic)...

 

A fraquíssima incidência do pensamento marxista neste período pode antever-se do facto de as obras de Marx e de Engels, bem como de Lénine, desde começos do nosso século terem tido uma difusão limitadíssima.

 

Embora se saiba que, logo após 1872, quando O Capital foi vertido para francês, tenham sido colocados no nosso país pelo menos uns 150 exemplares, por outro lado as primeiras edições em português incidiram apenas sobre resumos, nomeadamente o de Gabriel Déville publicado em 1912 em duas edições; uma delas é tradução de Albano Morais com uma introdução aos leitores de Agostinho Fortes, onde se tem o cuidado de afirmar que «a escola marxista não é positivamente uma escola original», terminando por se reconhecer que foi Marx quem deu às doutrinas económicas «feição essencialmente científica» [...] «embora hoje o marxismo falhe em muitos pontos»... (8)

 

Mas a verdade é que até 1926 (ainda que seja natural escaparem-nos algumas publicações) só conhecemos terem sido editados em português o Apelo Inaugural na AIT, de Marx o Manifesto do Partido Comunista, em 1873, com nova edição em 1893 (ver ilustração adiante, edição da Bibliotheca Revolucionaria Socialista, Porto), bem como duas edições do resumo de O Capital, além de algumas obras de Lénine.

 

Este indicador aponta realmente para uma indigência evidente... ainda que incluíssemos O Direito à Preguiça de Paul Lafargue editado em 1893...

 

 

4. O período 1926 a 1937-1938

 

Dentro da perspectiva aqui seguida, pouco haverá a salientar ao longo deste período de cerca de doze anos em que se verifica, por um lado, o avanço do fascismo na Europa - manutenção do regime de Mussolini, subida dos nazis ao Poder na Alemanha, cumplicidade das chamadas democracias ocidentais, esmagamento da República Espanhola e, por outro lado, a consolidação do regime fascista-salazarista em Portugal.

 

Por isso, assinalar os aspectos fundamentais da resistência, confundir-se-ia quase totalmente com a acção do Partido Comunista.

 

O Partido Socialista afundara-se. Começando por cair no compromisso de classes e desligando-se do marxismo, viria a decidir autodissolver-se no Congresso de Coimbra de 1933.

 

Por seu turno, o Partido Comunista, mantendo-se na luta, conheceu uma primeira fase de fraca capacidade de preparação teórica, ao mesmo tempo que tinha de lutar contra as influências anarquistas e pequeno-burguesas na CGT. Escreveu Bento Gonçalves « [...] desde que Rates abandonou o Partido até Março de 1927, a actividade comunista não era notada porque, na realidade, não existia», acrescentando a seguir que «em Março de 1927, porém, José de Sousa, Silvino Ferreira (arsenalista) e outros militantes comunistas tomam conta da direcção do Partido no propósito louvável de, pelo menos, o arrancarem da apatia em que estava. Esta reacção, cujo intuito revolucionário era evidente, não tinha, infelizmente, um justo alicerce doutrinário e teórico» (***) (9).

 

Só há que registar as dificuldades na formação de uma verdadeira concepção marxista no primeiro quartel do nosso século; o fenómeno era aliás evidente nos escritos doutrinários como, por exemplo, nos de Emílio Costa (como Karl Marx, de 1930), de Carlos Rates e de outros, mesmo antes de abandonarem suas posições políticas.

 

Porém, novas condições iam amadurecendo na clandestinidade, como sucedeu na reorganização de 1929 em que Bento Gonçalves foi eleito secretário-geral do Partido Comunista Português, cuja formação teórica e política se revelou sólida e que viria a falecer no campo de concentração do Tarrafal em 11 de Setembro de 1942, após seis anos de prisão.

 

Importa registar este avanço da maturação teórica sensivelmente aquém de finais dos anos 20 para salientar, de seguida, alguns possíveis indícios do grau de aprofundamento do pensamento marxista, tanto mais que em 1940-1941 se verifica nova reorganização que vai acelerar essa maturação.

 

Mas até 1937-1938, ao nível da expressão do pensamento, para além da feroz repressão salazarista é dificil assinalar manifestações legais sequer aproximadas do fenómeno. Se um estudioso académico como Bento Carqueja, professor na cidade do Porto e fundador do diário O Comércio do Porto, revelava que conhecia diversos textos dos fundadorcs do socialismo científico, sobretudo aquém dos começos da década de 30, envereda por uma posição frontal de ataque, âmbito que está fora do exame que aqui se tem em consideracão (10).

 

Todavia, a despeito da feroz repressão que incidia, inclusive, sobre a venda e edição das obras de Marx, Engels, Lénine, ou de qualquer texto de divulgação, há indícios de que, com base no avanço das bases teóricas e político-organizativas do PCP se forjavam estudiosos do marxismo-leninismo (11). Lá aparece também um ou outro livro, como O Ideal Socialista de Paul Lafargue (edicão da República Social, Porto, 1931), e mesmo O Estado e a Revolução de Lénine (12).

 

Uma investigação sistemática, tanto neste âmbito como em textos perdidos pelas mais diversas publicações, permitirá com toda a probabilidade encontrar informações deste género. Retemos um exemplo por parecer algo sugestivo: em 1 de Setembro de 1929 começou a publicar-se na cidade do Porto o quinzenário Humanidade dirigido por Carlos Cal Brandão; tratava-se de um jornal de orientação republicana-liberal e antifascista, em que a ideologia do republicanismo era a linha dirigente fundamental, bem expressa por exemplo no seu anticlericalismo. Terminaria em 15 de Abril de 1931 depois de publicados catorze números. Ora, o que é curioso é que um dos números - e apenas nesse - (o n.° 6, de 20 de Novembro de 1929) insere textos de cariz marxista-leninista, a começar na primeira página, onde cita Marx («A Religião é o ópio dos povos»), o que poderia constituir um aproveitamento da afirmação na linha anticlerical que o jornal seguia. No entanto, inclui ainda uma gravura de Lénine e sobretudo um artigo de elogio à grande Revolucão Socialista de Outubro da autoria de «E. Enderiz», provavelmente um pseudónimo, com o titulo «A grande revolução - a revolução francesa salvou ideologicamente a França e a Europa; A revolução russa, maior que a revolução francesa, salvará o mundo».

 

Por fim, não se pode passar em claro que foi exactamente dentro desta época que surgiram duas revistas de alto significado tanto na história da resistência cultural ao fascismo como mais tarde no ârnbito da difusão do marxismo-leninismo.

 

O Diabo teve o seu primeiro número em 30 de Junho de 1934. O Sol Nascente, editado no Porto por iniciativa de um grupo de estudantes, começou a publicar-se em 30 de Janeiro de 1937.

 

É claro que nas condições sociais, políticas, culturais e ideológicas da época nenhuma destas revistas se chegou a assumir como de orientação marxista. Tratou-se antes de amplas tribunas de presença cultural, o que nas condições dominantes era sinónirno de firme posição antifascista, antiobscurantista.

 

No entanto, vindo a perdurar até ao fim do ano de 1940, quando cairam com todas as demais revistas culturais sob o golpe da repressão fascista, cresceu o lugar e o nível da aproximacão materialista dialéctica da sua colaboração no conjunto dos intelectuais que deram o seu difícil e generoso esforço numa luta hoje ignorada e que importa desenterrar das sombras do esquecimento.

 

Inclusive o que foi essa luta, o seu alcance, o peso das forças retrógradas que se Ihe opunham, fornecem uma lição que, a despeito de nos encontrarmos em condições bem diferentes, é ainda importantíssima.

 

Os seis anos e meio de existência perseguida de O Diabo (bem como das poucas publicações que se lhe puderam juntar mais tarde, e que aqui interessa destacar na sua função dupla de elementos essenciais de defesa e produção cultural, bem como na parte final de suas vidas de veículos de difusão das concepções marxistas) constituem um dado central para se compreenderem numerosos aspectos da vida social, política, ideológica e cultural portuguesa.

 

Se olharmos para o período que vai de 30 de junho de 1934 até ao fim do ano de 1938 não podemos ainda detectar uma afirmacão significativa da leitura materialista dialéctica do mundo. Mas como cadinho cultural, como frente única dos intelectuais que, em condições tão difíceis de ascenso do fascismo na Europa e de consolidação do fascismo interno nas vésperas do início da Segunda Guerra Mundial se batiam pela cultura (o que era o mesmo que afirmar-se antifascista), representou um elemento favorável à afirmação da orientação marxista ao lado das demais dentro de um pluralismo ideológico cujo denominador comum mais geral residia na defesa da cultura. Nos primeiros quatro anos e meio da sua existência, esta revista registou a presença dos mais representativos trabalhadores intelectuais portugueses da época na arte, no ensaísmo e na visão filosófica. Um pouco a esmo bastaria recordar alguns deles: Manuel de Campos Lima, Ferreira de Castro, Fidelino de Figueiredo, Cristiano Lima, Diogo de Macedo, Vitorino Nemésio, Julião Quintinha, Eduardo Scarlatti, José Rodrigues Miguéis, Rodrigues Lapa, Bento de Jesus Caraça, Abel Salazar, Sílvio Lima, António Sérgio, Tomaz da Fonseca, Avelino Cunhal, Faure da Rosa, Castelo Branco Chaves, João de Deus Ramos, Ramada Curto, Aquilino Ribeiro, Afonso Ribeiro, Alves Redol, Macedo Mendes, Mário Dionísio, Manuel Filipe, Duarte de Macedo, Assis Esperança, João Pedro de Andrade, Jaime Brasil, Álvaro Marinha de Campos, António Ramos de Almeida, André Valmar (pseudónimo de José António de Castro), Roberto Nobre, José de Freitas, José Augusto França, João de Barros, Ruy Luís Gomes, Castro Soromenho, Joaquim Namorado, Henrique de Barros, António de Sousa...

 

É evidente a heterogeneidade ideológica destes e de outros trabalhadores da cultura que estiveram presentes em O Diabo neste período. Isto reflecte-se até certo ponto na sucessão dos seus directores (Artur Inês até Agosto de 1935, Ferreira de Castro durante escassos dois meses, Rodrigues Lapa a partir de meados de Novembro de 1935, Joaquim Madureira a seguir, sendo substituído por Adolfo Bravo em Outubro de 1937, etc.)

 

Essa heterogeneidade manifesta-se inclusive em algumas polémicas surgidas neste lapso de tempo, em especial entre António Sérgio e Santana Dionísio (Setembro a Novembro de 1936) e entre Abel Salazar e António Sérgio (Junho-Julho de 1937). Mas é sobretudo de notar que vão surgindo pontualmente intervenções que exprimem uma formação dialéctica ou pelo menos uma certa influência sobre diversos intelectuais, em particular no domínio da arte, quer na prática da sua construção quer da sua interpretação, ligando-se àquilo que nesta época começa já a ser designado pelo termo «neo-realismo» em grande medida sob influência da literatura e das artes plásticas brasileiras.

 

É o caso de Bento de Jesus Caraça, no domínio da interpretação geral de grandes problemas de leitura do mundo. Também há dois artigos de crítica à filosofia de A. Sérgio da autoria de Mário Ramos, nosso velho companheiro de Coimbra onde, nos finais dos anos 30, era estudante da Faculdade de Ciências na Secção de Matemática e que recordo saudosamente nesse esforço conjunto de aprendizagem teórica e política e que foram publicados em 14 de Novembro e 12 de Dezembro de 1937 (13). A primeira colaboração de Joaquim Namorado por seu turno surge em fins de 1938.

 

Mas expressando a tendência estética realista podíamos recordar a presença de autores pelo menos por ela influenciados: é o caso de Afonso Ribeiro, outro companheiro pessoal desses tempos que escreveu diversos romances e contos, António Ramos de Almeida, também nosso companheiro e tão prematuramente desaparecido, além de Alves Redol que, infelizmente, também não está já entre nós. Grande parte deste tipo de colaboração estava virada para a literatura realista brasileira que então surgia (Amando Fontes, Jorge Amado, Graciliano Ramos, entre outros); dedicaram-lhe muitas linhas Mário Dionísio e Afonso de Castro Senda - que felizmente continuam a jornada da vida.

 

Como se vê, até ao final de 1938, a presença da concepção marxista, quer directamente quer através mesmo de uma certa influência em colaboração diversa, era ainda muito ligeira.

 

Mas não se podem ao mesmo tempo olvidar as enormes dificuldades de uma afirmação autónoma do pensamento marxista. Elas resultavam quer da auto-aprendizagem difícil e cheia de bloqueios quer da repressão censória e material directa (O Diabo, por exemplo, foi mesmo suspenso pelas autoridades durante dois meses deixando de se publicar entre meados de Julho e meados de Outubro de 1937).

 

Outro periódico que importa destacar é o Sol Nascente, publicado no Porto a partir de 30 de Janeiro de 1937 e que seria como os demais proibido pelo fascismo no fim do ano de 1940. Promoveram a sua fundação estudantes da «invicta cidade», nomeadamente Carlos Barroso (14).

 

As condições do seu aparecimento e o facto de «ter sido um sol que nasceu» dois anos e meio depois de O Diabo explicam em parte a circunstância de, desde os primeiros números, ser talvez a comparticipação de textos de orientação marxista mais marcada do que no semanário lisboeta. É assim que, ao lado de contos de Afonso Ribeiro, um dos primeiros escritores portugueses guiados por uma nova estética realista, ainda que pelo menos inicialmente, talvez com certos traços populistas (logo no primeiro número e em mais catorze até fins de 1938), Sol Nascente reflecte essa posição em textos de J. Soares Lopes e sobretudo na intervenção crítica à filosofia de António Sérgio da autoria de Jofre Amaral Nogueira (em números de Novembro e Dezembro de 1937), na tradução de um trabalho do autor francês que, juntamente com N. Guterman e Georges Friedman, mais influenciava então esse pequeno punhado de intelectuais de tendência marxista, constituído na sua esmagadora maioria por estudantes. Trata-se de Henri Lefebvre com o estudo O Que é a Dialéctica, cuja publicação se iniciou em 15-5-1938 e prosseguiria em tradução de Jofre A. Nogueira ainda em 1939, chama-se a atenção para o livro de Marcel Prenant sobre Darwin; insere artigos de Lobão Vital («O Magister dixit»...), de Jofre Amaral Nogueira acerca da nova geração e de Maria Áurea Leitão. No aspecto literário colaboraram também António Ramos de Almeida, sobretudo a propósito da literatura realista brasileira, e Mário Sacramento, com um conto, esse camarada e companheiro de jornada que nos deixou antes do 25 de Abril consumido nas chamas do seu enorme e brutal esforço, poemas de Seabra Diniz, Mário Dionísio, Vinha dos Santos (que faleceria afogado no Rio Minho em Junho de 1940 e que também usou o pseudónimo Sérgio de Morais). No sentido de uma nova estética realista iam também as criticas de cinema de Manuel Azevedo.

 

Mas Sol Nascente, como é compreensível e teria de suceder sobretudo devido à repressão cultural do fascismo, revelava-se também um órgão de amplo pluralismo ideológico e doutrinal. Nele colaborou largamente Abel Salazar, expondo desde as suas concepções neopositivistas às suas maneiras de ver acerca da arte e incluindo a polémica com António Sérgio a propósito da qual em 1-8-1937 a revista transcreveu a carta de Sérgio publicada no n.° 519 da Seara Nova (de 24-7-1932); registaria ainda em Janeiro de 1938 duas cartas de A. Salazar bem como uma nota da redacção. Além de Abel Salazar, colaboraram até finais de 1938 Alves Costa (crítica de cinema), Nuno Simões, Adolfo Casais Monteiro, Castelo Branco Chaves, Vasco da Gama Fernandes, Jaime Brasil, João Falco, Álvaro Salema, Severo Portela, J. Pedro de Andrade, Ruy Luis Gomes sobre a Teoria da Relatividade Restrita, etc..

 

Esta referência não exaustiva, a que importaria pelo menos acrescentar o alcance da secção criada a partir de Janeiro de 1939, «Na linha quebrada da nossa época», ou um ou outro texto como o que foi dedicado no n.° 27 ao Materialismo, revela bem a orientação cultural da revista que, aliás, logo no primeiro número, incluía uma saudação a O Diabo.

 

No entanto, mesmo que só consideremos o aspecto restrito da formação marxista, debaixo desta expressão que vinha à superfície, como num icebergue, escondia-se a massa propulsora fundamental do seu desenvolvimento ligado à acção política e sindical e à organização do partido segundo a linha apontada por Marx, Engels e Lénine.

 

Na conferência de Abril de 1929, Bento Gonçalves é designado secretário-geral do Partido Comunista e verifica-se uma reorganização, adaptando-se às condições da clandestinidade que se iria manter, em condições particularmente profundas, até à revolução democrática de 25 de Abril de 1974 (15).

 

Não pertence a esta rápida análise invocar o processo político e sindical com as lutas conduzidas entre 1929 e 1937-1938. Bastará recordar que o primeiro número do Avante! é publicado em 1931, que em 1935 Bento Gonçalves e outros dirigentes são presos e enviados para o campo de concentração do Tarrafal, ano em que o órgão central do PCP passa a publicar-se mensalmente, e militam nas suas fileiras 400 combatentes. Entre 1936 e 1938 redobram-se os esforços para ampliar a organização do Partido sob os duros golpes da repressão fascista.

 

Ao mesmo tempo prosseguem as lutas operárias e, em geral, as lutas de massas, como sucedeu em Fevereiro de 1931, Fevereiro de 1932, com diversas greves, e no 1.° de Maio de 1931, sobretudo no Porto onde se desencadeia um movimento popular contra a ditadura de que ainda nos recordamos, tanto mais que nele se empenhou nosso pai, antifascista tenaz a cuja memória espero seja desculpado que preste aqui homenagem: os acontecimentos do 1.° de Maio de 31 coincidem com a revolta antifascista na ilha da Madeira. Nesta invocação não podia faltar o movimento grevista de 18-1-1934 contra a fascização dos sindicatos e a heróica luta dos operários da Marinha Grande. E em Setembro de 1936, nas condições da Guerra Civil de Espanha em que Salazar apoia os fascistas espanhóis na medida do possível, revoltam-se os marinheiros de três navios de guerra surtos no Tejo.

 

É pois neste quadro de feroz repressão que se encerra o período que delimitamos em fins de 1938, altura em que também estudantes democratas e antifascistas travam lutas contra a proibição das associações académicas com direcções livremente eleitas, conforme sucedeu em meados dos anos 30, em que participamos pessoalmente, aqui no Porto, frequentando então o Liceu Rodrigues de Freitas e continuaríamos a acompanhar activamente no primeiro ano universitário de Coimbra em 1936-1937. Nas difíceis condições da época em que surgiam esforços no sentido de expressão legal do pensamento marxista, os comunistas intervinham (juntamente com combatentes isolados com ou sem posições marxistas) sob a orientacão do PCP, a que precisamente aderíamos por volta de 1937 pela mão do indefectível combatente que foi José Augusto da Silva Martins, que viria a colaborar largamente pouco depois em O Diabo, Sol Nascente e Pensamento. Aliás, ligados já vários anos antes ao Partido encontravam-se em Lisboa intelectuais como Bento de Jesus Caraça, ou José Rodrigues Miguéis, que viria a emigrar para os Estados Unidos da América.

 

 

5. O período 1937-1938 a 1974

 

No plano da luta política destaca-se sem dúvida a reorganização do PCP entre 1940 e1941, que levou ao firme crescimento da sua influência ao longo dos 34 anos que culminam no 25 de Abril; verificam-se nesse período lutas por vezes extremamente amplas contra a ditadura fascista.

 

Recordou Álvaro Cunhal:

 

«Grandes greves como as de 1942/1943-1943/1944 cujo papel foi essencial para o desenvolvimento e a tomada definitiva pela classe operária da vanguarda efectiva do movimento antifascista. As de 1958 após a burla eleitoral desse ano. As de 1961-1962 que culminaram na conquista das 8 horas de trabalho pelos trabalhadores agrícolas alentejanos.

«Manifestações de rua, designadamente as da Vitória em 1945, as realizadas nas campanhas eleitorais, e as do 1.° de Maio que chegaram a atingir a participação de dezenas de milhares e até mais de 100.000 pessoas.

«Grandes campanhas políticas no terreno das mascaradas eleitorais para a Presidência (Norton de Matos, Ruy Luis Gomes, Arlindo Vicente, Humberto Delgado) e para a Assembleia Nacional fascista. Conquista de poderosas posições nos sindicatos e nas empresas. Criação de grandes movimentos antifascistas unitários de carácter legal ou semilegal como o MUNAF, o MUD, o MUD-Juvenil, o MND, a FPLN, as CDE, o Movimento da Paz, os Movimentos das Mulheres.

«Grandes lutas estudantis. Luta heróica dos jovens comunistas. Resistência à guerra colonial.» (****)

 

Voltando-se para a orientação ideológica, mais adiante afirmava Álvaro Cunhal nesse balanço dos sessenta anos de vida do PCP:

 

«Desde a sua fundação, ao longo dos 60 anos de actividade, o nosso Partido sempre afirmou ter como ideologia o marxismo-leninismo.

«Dizem alguns críticos e detractores do nosso Partido que esta natureza ideológica significa imobilismo, dogmatismo, afastamento das realidades.

«A verdade é que o marxismo-leninismo é precisamente o inverso do dogmatismo e do imobilismo.»

 

E pouco adiante exemplificava a sua aplicação criadora como teoria viva:

 

«Foi na base do marxismo-leninismo que o nosso Partido fez uma análise científica da situação portuguesa, do desenvolvimento do capitalismo, das características específicas das estruturas económicas e das estruturas das classes da sociedade.

«Foi o nosso Partido e nenhum outro que caracterizou, como resultado da acção coerciva do Estado fascista no processo de centralização e acumulação, os traços específicos da formação do capitalismo monopolista de Estado em Portugal, identificando de tal forma governo e Estado fascista e grupos monopolistas que o derrubamento e a liquidação definitiva do fascismo tornavam indispensável a liquidação do poder dos monopólios.

«Foi o nosso Partido que apontou a contradição entre o atraso do desenvolvimento das forças produtivas e o rápido desenvolvimento das relações de produção capitalista.

«Foi o nosso Partido que apontou como característica da questão da independência nacional a contradição que existia entre Portugal país colonizador em África e país colonizado na Europa.

«Foi o nosso Partido que caracterizou a etapa actual da Revolução como uma revolução democrática e nacional e definiu os seus objectivos.» (*****)

 

Paralelamente, nas dificílimas condições de uma feroz ilegalidade, o PCP editava além da sua imprensa, Avante!, Militante e órgãos diversos sectoriais (O Camponês, O Corticeiro, A Terra, etc.), publicações diversas de aplicação do marxismo-leninismo (por exemplo, Álvaro Cunhal, O Radicalismo Pequeno-Burguês de Fachada Socialista), obras dos clássicos do marxismo-leninismo, como em 1960 A Doença Infantil do «Esquerdismo» no Comunismo, de V. I. Lénine, bem como textos do fundador do Estado soviético sobre Portugal em 1970, além de outros.

 

Porém, paralelamente (e sem podermos evidentemente separar um aspecto do outro consoante se frisou já), como é que no plano legal se desenvolveu a difusão e uma possível actividade criadora do pensamento marxista entre 1939 e 1974?

 

Sendo certo que aqui o núcleo principal tinha de partir de intelectuais, tanto voltados para o ensaísmo e para a análise filosófica como para a criação artística e a crítica estética, pode dizer-se que grosso modo acompanha o processo político-organizativo.

 

Importa porém evitar cair na suposição de que tenha havido qualquer tentativa de dogmatização da cultura, da sua expropriação por parte tanto do PCP como de intelectuais militando nas suas fileiras ou, de uma maneira geral, apartidários mas influenciados pela leitura materialista dialéctica do munclo.

 

Em condições de uma repressão sangrenta, em que o lançamento de escassos milhares ou mesmo centenas de exemplares de folhas em «papel cebola» constituía a materialização de um heroísmo difícil de exagerar, encontramos referências e mesmo artigos principais no Avante! sobre Camões, Gil Vicente, Sá de Miranda e outros valores do património cultural português ou da cultura universal, como E. Zola, ressaltando-se o labor de artistas ou pensadores da própria época, ao mesmo tempo que se apoiavam iniciativas culturais como a Biblioteca Cosmos da iniciativa de Bento de Jesus Caraça, a actividade de artistas plásticos, a criação musical (recorda-se, por exemplo, o álbum editado pela Seara Nova em 1946 das Marchas, Danças e Canções de Fernando Lopes-Graça), estimulava-se a actividade de revistas e periódicos progressistas os mais variados.

 

Podemos assim dizer que, seguindo uma orientação de defesa da liberdade intelectual e estética de criação e de reflexão que vem até hoje, a orientação do PCP nesses anos reflecte as condições da unidade antifascista que no plano cultural brotava, aliás espontaneamente, da feroz repressão do fascismo que tinha na cultura um dos seus inimigos confessos, como não podia deixar de ser.

 

Teríamos de estender esta análise ao cinema, ao teatro, a todas as manifestações da expressão dos mais fundos anseios emocionais, afectivos e cognitivos do homem se fosse esse o sentido desta breve rememoração. Comunistas e intelectuais da mais variada formação ideológica, cultural e política travaram assim uma luta comum. Mas isso não quer dizer que a visão marxista do mundo não tivesse a sua autonomia e que, por isso mesmo, não tivesse de entrar em luta ideológica – porque aí não pode haver concessões, pois significaria entregar posições da trincheira que representa uma razão radical de ser e de estar no mundo.

 

Podemos reconhecer facilmente que desde cerca de 1939-1940 se verifica no plano da actividade cultural legal ou semi-legal, uma transformação quantitativa que evoluiria também no sentido de um salto qualitativo no que respeita à presença do pensamento marxista em Portugal. Salto quantitativo que se vai exprimir no aparecimento e crescimento (embora muitíssimo limitado, por condições diversas, de que sobressai naturalmente a repressão fascista) quer de textos dos fundadores do marxismo-leninismo quer de outros, como ainda das primeiras manifestações de criação estética a que não é alheia a visão marxista do mundo como também, embora mais tarde e em muito menor quantidade, obras de interpretação original (fossem quais fossem as suas limitações) dos mais diversos planos da multímoda e riquíssima existência humana: estética, filosófica, social, histórica, económica, etc..

 

Com as implacáveis limitações da estreiteza de tempo e de espaço disponíveis para uma análise tão vasta, em que cada ponto demandaria certamente que se lhe dedicasse maior esforço quantitativo do que se investiu em toda esta excursão histórico-interpretativa do pensamento marxista em Portugal, prestemos portanto atenção a um certo número dos seus aspectos mais representativos.

 

Em primeiro lugar, recordar-se-á o que foi desde cerca de 1939 a lenta, difícil e quase se diria heróica luta pela afirmação da leitura materialista dialéctica do mundo num trabalho de difusão através de jornais e revistas.

 

Num segundo vector observar-se-á em que medida conseguiram editar-se e circular obras dos fundadores do marxismo-leninismo, enquanto num terceiro e último se concentrará a atenção na sua expressão decisiva ligada à medida em que teria surgido uma produção intelectual original guiada pelo pensamento marxista.

 

Mas importa recordar que este processo se desenvolveu, durante todo este longo período de mais de trinta e cinco anos, no contexto da sua comparticipação na frente comum da grande batalha cultural que foi um dos eixos da luta antifascista, da «luta contra o obscurantismo fascista de intensa e diversificada repressão cultural» (16).

 

Frise-se ainda de novo que das referências que se vão seguir foram excluídas mais uma vez as influências do marxismo nas obras de criação estética, da literatura à música, das artes plásticas ao cinema e ao teatro porque, como se disse já, a sua inclusão exigiria um trabalho que lhes fosse dedicado e que encontrou a sua expressão mais acabada na tendência que talvez com pouca propriedade veio a ser designada pela expressão neo-realismo a qual, conforme assinalava Mário Dionísio em depoimento prestado após o 25 de Abril, constituiu um fenómeno que «foi aparecendo nos fins da década de 30» (17).

 

Até cerca de meados dos anos 40, estamos numa época em que grande parte dos intelectuais que se reclamavam da interpretação marxista intervém sob uma violenta repressão recorrendo, por isso, quer pela defesa pessoal, quer com o fito de facilitar que os seus textos passassem na censura, quer ainda por outros motivos, ao uso de pseudónimos; às vezes um só autor recorre a diversos nomes literários como biornbo defensivo; e outras, numa certa transição ligada à natureza dos escritos, usa-se o nome verdadeiro nuns textos, pseudónimo noutros.

 

Não se encontra infelizmente efectuada a história desta luta ideológica e cultural acerba. Importa por isso recorrer a recordações pessoais em que não é possível deixar de confessar surgirem lacunas, além de que não foi então o autor destas linhas um dos mais activos lutadores nesta frente de luta, que de resto conheceu períodos de acção mais intensa do que outros; simultaneamente, estávamos pessoalmente mais próximos dos centros de resistência cultural no Porto e em Coimbra do que em Lisboa. Com estas restrições, que limitam o significado da amostra tirada de uma invocação pessoal, será todavia útil mencionar o facto de entre 1940 e 1945 termos utilizado sobretudo pseudónimos e… pelo menos uns cinco! (18)

 

E não se podem esquecer as condições em que esse restrito grupo de intelectuais desenvolvia a sua actividade. Se por um lado ela resultava de um autodidatismo precário em condições de semiclandestinidade, por outro batia-se com as diversas formas de repressão das quais a directamente mais activa provinha evidentemente da censura prévia à imprensa. Este facto, além de criar uma autocensura prévia e por vezes uma tendência para o hermetismo, levava para que uma revista ou uma página literária pudessem sair, a que fosse preciso redigir dois ou três números visto que só o segundo ou terceiro conseguia passar o implacável lápis azul dos censores, tanto mais que nem sequer usavam critérios homogéneos...

 

Daí resultava também que conceitos fundamentais do marxismo tivessem de ser referidos com circunlóquios ou forjando «neologismos» susceptíveis de escapar aos cortes censórios. Por exemplo, capitalismo sabia-se ser palavra que a censura não admitia - porém permitia «lucrativismo»; materialismo dialéctico designava-se por «diamat» e assim sucessivamente. Encontramos assinalados alguns dos principais modos históricos de produção pelos termos «comunitarismo, esclavagismo, feudalismo, lucrativismo e regime do plano» (este último como é óbvio para designar o socialismo). Naturalmente que as autoridades também fugiam dos nomes de Marx, Engels e Lénine «como o diabo da cruz»; e então escrevia-se Maxengels e Uliánov... quando se não forjava um pseudónimo bem português, como sucedeu com a síntese da teoria económica de Marx publicada pelo Pensamento em 1940, na qual o nome do autor de O Capital aparece metamorfoseado em Eugénio Bastos Freire...

 

lsto chegou a tal ponto que recordo a conversa com um companheiro desses tempos ominosos em que ele gracejava dizendo ser necessário editar um vocabulário que permitisse aos leitores interpretar os textos impressos...

 

Quando se entra em 1939 está-se no ano em que eclodiria a Segunda Guerra Mundial depois das sucessivas concessões ao nazismo com a esperança de que as potências ditas ocidentais escapariam aproveitando-se da destruição da URSS e do enfraquecimento da Alemanha hitleriana; 1939 é ainda o ano em que através da vergonhosa política «de não intervenção» as «democracias ocidentais» entregavam a república espanhola ao fascismo franquista poderosamente apoiado por Hitler e Mussolini após três anos de heróica resistência do povo espanhol. Naturalmente que o regime salazarista viu a sua posição política reforçada, tanto mais que se apoiava no fascismo europeu que parecia caminhar para uma consolidação que Hitler visionava poder traduzir num império por um milénio.

 

Porém, em circunstâncias particularmente tão difíceis, a luta política, como se recordou já, prosseguia. E o punhado de intelectuais animados pelo marxismo continuava e ampliava até a sua intervenção integrando-se numa ampla frente cultural com outros representantes dos valores que o fascismo combatia. Ao mesmo tempo, vai-se afirmando a sua autonomia ideológica, científica e doutrinal dentro dessa frente comum, espontaneamente criada independentemente de manifestações políticas que se revelavam, por exemplo, antes da Guerra na «Frente Popular» e depois nos esforços de criação de uma frente antifascista de que sobressai o MUNAF, ao lado da luta legal do MUD e do MUD-Juvenil.

 

No espaço que pertencia à expressão legal possível dos valores culturais, e dentro deles da leitura marxista, bruxuleava O Diabo, já com vários anos de existência, e que iria findar em Dezembro de 1940 sob a orientação da política repressiva que tinha em António Ferro o representante de Salazar «para a cultura»...

 

Logo em Janeiro de 1939 O Diabo publicava um artigo de Álvaro Cunhal («Um certo tipo cle intelectuais») ao lado de textos que iriam surgindo da autoria de intelectuais marxistas ou em que era inegável a influência da representação materialista dialéctica - Mário Dionísio, Manuel da Fonseca, Joaquim Namorado, Mário Ramos, Alves Redol, Fernando Piteira Santos, José Augusto da Silva Martins (sob o pseudónimo Carlos Serra). Afonso de Castro Senda, Femando Pinto Loureiro (Rodrigo Soares), de «Luís Vieira», Armando Bacelar (Carlos Relvas), Fernando Lopes-Graça, Joaquim Ferrer, Jofre Amaral Nogueira (assinado Albertino Gouveia ou somente A. Gouveia), Manuel Filipe, contos e poemas de autores ligados ao neo-realismo: Soeiro Pereira Gomes, Manuel da Fonseca, Fernando Namora, Alves Redol, Afonso Ribeiro, Avelino Cunhal, etc..

 

Críticas de Manuel de Azevedo, F. Lopes-Graça, Mário Dionísio, Roberto Nobre. Ao mesmo tempo que muitos dos textos representavam uma intervenção empenhada na vida social e política, abrangendo problemas como o do humanismo, das responsabilidades dos intelectuais, sobre a juventude, sobre o panorama intelectual, recordando-se aqui artigos de Álvaro Cunhal como «Um certo tipo de intelectuais» em 7-1-1939, «Mar de Sargaços» em 8-4-1939 (sobre o problema da criança) ou os de 6-1-1940 «Aviso prévio», «Nem Maginot nem Siegfried» em Março e «Ricochete» em 30 do mesmo mês, de análise política, outros tratavam de questões de interpretação doutrinal e ideológica como Rodrigo Soares em «Os escritores são engenheiros de alma» (20-10-1939) e «O subjectivismo de faca nos dentes» de 7-9-1940, atacando o idealismo de José Régio, os textos Fernando Piteira Santos, grande parte dos quais em interpretação histórica, bem como alguns de Jorge de Macedo (Jorge Borges de Macedo nesta fase), etc..

 

Mas estas referências não esgotam a presença da ideologia marxista nos dois últimos anos de O Diabo. Ela encontra-se em secções permanentes como «Coisas de O Diabo», «Correspondência dos leitores», «Cultura científica», «Movimento de ideias», «Livros novos», «Revista das revistas», «Cosmorama». Estão ainda directamente, em particular, naquilo que constitui a única exposição sistemática de aspectos da teoria económica de Marx do n.° 255 de 5 de Agosto de 1939 e 4 de Novembro do mesmo ano; ou então no excerto de William Reich, «Que é a dialéctica» (9-12-1939).

 

Por vezes recomendando-se revistas estrangeiras no género de Pensée, Science & Society, The Modern Quarterly ou livros como os de H. Levy, A Philosophy for a Modern Man e Georges Friedman, La crise du progrés.

 

E além de artigos de Manuel Campos Lima, Álvaro Marinha de Campos, Cristiano Lima, J. Huertas Lobo, Fins do Lago, a revista revelava também o seu carácter plurifacético - pluralista como hoje se diria - nela aparecendo os representantes da cultura com as mais diversas formações ideológicas dentro de uma preocupação cultural comum face ao obscurantismo fascista. Um dos mais assíduos foi sem dúvida Abel Salazar que, ao lado da defesa permanente do neopositivismo, inseriu análises estéticas, sobretudo sobre pintura.

 

A lista é impressionante, abrangendo não só cientistas que abordavam temas especificos da sua formação - Ruy Luis Gomes, Aniceto Monteiro, Mário Silva, Manuel Valadares - como ainda muitos outros de que bastaria recordar, a título de exemplo, António Sérgio, João de Barros, João Gaspar Simões, Francine Benoit, José Bacelar, João Pedro de Andrade, Rodrigues Lapa (aliás director da revista na parte final da sua existência), Agostinho da Silva, Vitorino Magalhães Godinho, Pinto Quartim, Adriano de Gusmão, Ferreira de Castro e Vieira de Almeida (presentes em entrevistas), José Rodrigues Miguéis, Adolfo Casais Monteiro, etc..

 

Outra revista que poderia sobreviver até fim de 1940 foi o Sol Nascente, tendo assim durado quatro anos. No biénio 1939-1940 a revista continuou afirmando o esforço de divulgação e interpretação marxista, muito embora nela estivessem presentes colaboradores com outras formações doutrinais e ideológicas. Além de logo em Janeiro de 1939 ter criado uma secção crítica particularmente significativa («Na linha quebrada da nossa época»), esse esforço está presente através dos textos de Joaquim Namorado, Rodrigo Soares e Eduardo Reis (Fernando Pinto Loureiro), Luís Vieira (pseudónimo que a memória não tem permitido identificar, talvez Fernando Marta), Carlos Relvas (Armando Bacelar), Albertino Gouveia (Jofre Amaral Nogueira), Carlos Serra (José Augusto da Silva Martins) e mais alguns, com destaque para os artigos de Álvaro Cunhal («E serão dois numa só carne») inserto no n.º 39 de 15-10-1939 e de Fernando Piteira Santos acerca de cultura e juventude (n.° 36, de 1-5-1939). Além disso, publicavam-se excertos de autores estrangeiros que os colaboradores traduziam; estão neste caso N. Guterman e H. Lefebvre (cujo livro La conscience mystifiée exercera forte influência sobre estes jovens), Paul Nizan, J. D. Bernal.

 

Questões de política económica internacional, análises à natureza da cultura, defesa de um humanismo empenhado, problemas da mulher, exposições acerca da dialéctica (incluiu-se até uma traducáo de... Sydney Hook), o papel do económico na história, importância social da técnica, análises literárias, crítica de livros, destacando-se autores como Fernando Namora ou Vasco Magalhães Vilhena entre outros; destaque do significado da obra de Romain Rolland e referência a Garcia Lorca, eis outros aspectos que sublinham a índole da revista.

 

Nela intervindo ainda Jorge Victor, António Ramos de Almeida, Huertas Lobo, Afonso Ribeiro, Júlio Filipe, Maunel Campos Lima, Manuel Azevedo, etc., Sol Nascente regista ainda aflorações críticas no sentido de afirmar a autonomia doutrinal e ideológica da sua orientação fundamental, abrindo mesmo aqui ou ali posições de ataque a certas concepções filosóficas e doutrinais que se opunham às materialistas dialécticas. É assim que em 1-6-1939 se transcreve o artigo de Álvaro Cunhal «Numa encruzilhada do homem - a propósito das cartas intemporais de José Régio» com a nota «transcrevemos da Seara Nova n.° 615 o presente artigo do camarada Álvaro Cunhal»... Aliás nesse mesmo número ataca-se o cooperativismo de Sérgio como solução social global. E num dos últimos números Rodrigo Soares critica as concepções filosóficas de Vieira de Almeida, além de surgirern exposições doutrinais genéricas como sucedeu no artigo não assinado «Idealismo e materialismo» de 15-8-1939.

 

Na cidade do Porto publicava-se desde 1 de Abril de 1930 a revista Pensamento. de orientação antifascista mas sem solidez e homogeneidade cultural e ideológica (19).

 

Esta revista vai sofrer uma viragem com a presença sistemática e crescente da concepção materialista dialéctica aquém do n.° 133 de 1-1-1940, através de um artigo de Eduardo Reis (Fernando Pinto Loureiro), «O homem, a técnica e a natureza». E depois, embora partilhando as colunas com colaboradores da anterior orientação, a influência marxista na revista é crescente, em artigos, em secções que vão sendo reforçadas, como «Perspectivas», ou na secção de crítica de livros, na publicação de poemas ou de contos. Esta expressão culmina de resto com a inserção nos seus últimos treze números de uma exposição sistemática da teoria económica de Marx sob o pseudónimo... Eugénio Bastos Freire (sic). Supomos ter sido este o primeiro caso de publicação sistemática da economia marxista numa revista em Portugal: valor, preço, lucro, mais-valia (com a designaçáo «sobrevalor»), jornada de trabalho, capital, tipos de capital (constante e variável, fixo e circulante), taxa média de lucro, lei tendencial da queda da taxa de lucro, são aí objecto de uma exposição resumida.

 

A par de uma ou outra tradução de autores estrangeiros, como I. Sapir, John Lewis, A. Cuvillier, Jean Fréville, Marcel Prenant, durante esse ano de 1940, nos sucessivos números deste quinzenário, colaborou um punhado de jovens animados pela leitura filosófica, estética, ideológica e política marxista. Recor­damos muitos deles indicando os pseudónimos dos que os usaram: Armando Bacelar (Fausto Ribas, Carlos Relvas, Inês Gouveia, ...), António Ramos de Almeida, Armando Castro (Bruno de Morais), Fernando Pinto Loureiro (Eduardo Reis), José Augusto da Silva Martins (Carlos Serra, Olga Moreno, etc.), Jorge Delgado de Oliveira (Fernando Novais), José A. de Castro (André Valmar), Mário Sacramento, João Cupertino de Miranda (João Rubem), Miguel Pereira Forjaz de Lacerda (Miguel Pereira), Raul de Castro (Saul Fernandes) e outros de que, sem esquecer Marx coberto pelo pseudónimo de Eugénio Bastos Freire, nos não é possivel recordar a identidade a quarenta e tal anos de distância, como Hélia de Castro, Augusto Brandão (talvez José A. Martins), Alice Guimarães, Félix Pinto, etc..

 

Além da defesa do materialismo dialéctico e do materialismo histórico, da crítica progressista à quotidianidade, da teoria económica, da defesa de um humanismo socialmente empenhado, da cultura, da literatura e da sua expressão baseada num realismo social (o «neo-realismo»), incluiram-se textos ou estudos sobre Jorge Amado; e anunciando a morte de Garcia Lorca, porque não era possível denunciar o seu assassínio pelos franquistas, salientam-se vultos como Elie Faure; estão presentes poemas de Álvaro Feijó, de Armando Ventura Ferreira, Manuel da Fonseca, Cecília Meireles, a par de outros. Havia ainda uma secção permanente da responsabilidade de esperantistas, que aliás eram reprimidos pelo fascismo, que nessa língua artificial via um perigo de subversão social e política.

 

Mas no fim de 1940 o regime salazarista dá um golpe de morte nos jornais e revistas progressistas, suprimindo-os pura e simplesmente. Desaparecem O Diabo (de Lisboa), Sol Nascente e Pensamento (do Porto), O Trabalho (de Viseu), Raio (da Covilhã), A Justiça Social (da Figueira da Foz), Síntese (de Coimbra)!

 

Dois anos volvidos, um grupo de intelectuais de Coimbra movimenta-se no sentido de conseguir pôr de pé uma nova revista de cultura. Entre 1942 e 1944 a sua luta contra a repressão oficial consegue vencer este poderoso obsulculo e surge a revista Vértice (20), graças à obtenção do título lançado algum tempo antes.

 

É naturalmente impossível efectuar mesmo em síntese um balanço, tanto do significado cultural dos quatro decénios de existencia da Vértice como do seu alcance na luta pela afirmação, propaganda e interpretação materialista dialéctica no seu sentido mais geral.

 

Recordemos apenas que ao fim de mais de dois anos de luta surgiam em Maio de 1942 os primeiros números da revista mas que, reprimida pelas autoridades, foi somente a partir de Fevereiro de 1945 que iniciou a sua publicação regular com o número 4/7. A direcção esteve a cargo de Raul Gomes durante o período aqui considerado (viria a ser dirigida por Joaquim Namorado entre Fevereiro de 1975 e 1980, passando a sua direcção a Ivo Cortesão nos começos de 1981).

 

Sustentaram as suas colunas muitos dos nomes invocados nas publicações que se examinaram já, vindo depois a juntar-se-lhes intelectuais das gerações que se sucederam, subsistindo um ou outro dos colaboradores primitivos, quer devido a resistência biológica quer ideológica e política...

 

Recordaríamos que as suas páginas recolhem acontecimentos de tão profundo significado na história do pensamento marxista em Portugal como a polémica entre António Sérgio e Bento de Jesus Caraça logo no primeiro ano da sua vida e que prosseguiria ao longo de 1946. Na segunda metade dos anos 40 são já poucos os colaboradores da «velha guarda» que ainda assinam os seus textos sob pseudónimo. Nós próprios os abandonamos na aliás descontínua presença desde 1946 em pouco mais de duas dezenas de artigos incluídos no longo período que vai até ao 25 de Abril.

 

Se muito rapidamente olharmos para a estrutura da revista nos anos 50 e 60, verificamos que ao lado do peso importante da dimensão literária, tanto em colaboração directa como em críticas e representações plásticas (colaboração com gravuras de muitos dos mais representativos artistas da época), crítica de cinema e de teatro, Vértice recolhia igualmente estudos e análises de índole filosófica, histórica.

 

Mas a sua orientação não esteve voltada exclusivamente para autores com esta formação ideológica e doutrinal. Com efeito, entre 1945 e 1974 estiveram presentes colaboradores como - mencionando apenas alguns exemplos dada a vastidão do seu leque - Vitorino Nemésio, Manuel Mendes, Manuela Porto, Irene Lisboa, Vergílio Ferreira, Luís de Freitas Branco, Pedro da Silveira, Mário Soares, Luís Neves Real (crítica cinematográfica), Luísa Dacosta, Mário Braga, Aquilino Ribeiro, Fernando Namora, Arlindo Vicente, Julião Quintinha, António Ramos Rosa, António Rebordão Navarro, António Reis, Rui Grácio, Orlando de Carvalho, Manuel Dias da Fonseca, Arsénio Mota, José Carlos de Vasconcelos, Fernando Assis Pacheco, Vasco Granja, Paulo Quintela, João Medina, Eduardo Prado Coelho, Sottomayor Cardia, Alves Costa (crítica cinematográfica), José Régio, J. J. Costa Júnior, Rodrigues Lapa, João Seiça Neves, Joel Serrão, Luís de Albuquerque, Manuel Campos Lima, Joaquim Gomes Canotilho, António M. Hespanha, Luiz Francisco Rebello, J. de Sena, etc..

 

A seu lado surgem os autores que se reclamam do marxismo ou que no campo estético eram por ele influenciados: Eduardo Reis e Rodrigo Soares (F. Pinto Loureiro), Joaquim Namorado, Mario Dionísio, Mário Ramos, Mário Sacramento, António Ramos de Almeida, César Anjo (Filho), Victor de Sá, Jofre Amaral Nogueira, Armando Bacelar (assinando também Carlos Relvas e Fausto Ribas), Raul de Castro, António José Saraiva, Fernando Piteira Santos, Óscar Lopes, Jorge de Macedo, Rui Feijó, Luis de Carvalho e Oliveira, Ilídio Sardoeira, Alberto Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues, Fernando Lopes-Graça, Egídio Namorado, Flausino Torres, José Barbosa, Sérgio Ribeiro, A. J. Avelãs Nunes, Vital Moreira, José Manuel Mendes, Aníbal Almeida, Filipe Arriaga de Castro, Almeida Catorga, Mário Vilaça e Diniz Jacinto (teatro), Gilberto L. Ramos ou Eduardo Guerra.

 

E sem esquecer poetas, prosadores, pintores, músicos e outros artistas como de críticos das mais diversas manifestações estéticas, lá figuram Afonso Duarte, Manuela Porto, Fernando Namora, José Saramago, Antunes da Silva, Manuel Ferreira, Papiniano Carlos, Francisco José Tenreiro, Carlos Walenstein, Alves Redol, João J. Cochofel, José Gomes Ferreira, Carlos de Oliveira, Armindo Rodrigues, Natália Nunes, Sidónio Muralha, Joaquim Namorado, Eugénio de Andrade (logo nos primeiros números), Casimiro de Brito, António Borges Coelho, Pedro Alvim, e tantos outros; pintores e outros artistas plásticos como Júlio Pomar, Lima de Freitas, Manuel Ribeiro de Paiva, prematuramente desaparecido e Dias Coelho, para invocar apenas dois ou três exemplos.

 

Vértice dedicou especial atenção a acontecimentos e a vultos especialmente significativos, tendo inclusive publicado números que lhe foram especialmente dedicados, bastando recordar o n.° 264-266, de 1965, sobre Gil Vicente o(s) número(s) 301-303, de 1968, dedicado a Bento de Jesus Caraça ou o(s) número(s) 322-323, de 1970, dedicado a Alves Redol.

 

Como se verifica, mesmo de um sobrevoo tão a correr como este, ressalta o alcance fundamental da Vértice na história do pensamento marxista em Portugal; e um alcance que, como nos demais casos dentro da especificidade de cada um, traduz um lugar impossível de ignorar em toda a história da cultura em Portugal.

 

Nesta viagem ultra-rápida para percorrer as revistas mais significativas deste período histórico resta falar da Seara Nova porque, embora seja a mais velha entre todas as que foram invocadas até aqui, só assumiu uma expressão em que se torna real a presença do pensamento marxista - aliás crescente até ao seu desaparecimento há pouco mais de cinco anos - a partir de fins de 1957 (21).

 

Ora, se é certo que pelo menos já nos anos 40 na plêiade dos seus colaboradores figuram esporadicamente nomes como os de Carlos Relvas (Armando Bacelar), Mário Dionísio, Fernando Lopes-Graça, Bento de Jesus Caraça, Joaquim Namorado, António José Saraiva, Manuel de Azevedo, Rodrigo Soares (Fernando Pinto Loureiro) e o próprio autor destas linhas, Júlio Pomar, Luís Veiga Leitão, Flausino Torres, Garibaldino de Andrade, Carlos de Oliveira, Óscar Lopes, José Gomes Ferreira e mais algum, o certo é que essa presença é circunstancial tendo mesmo conhecido um recuo entre 1949 e os primeiros anos da década seguinte. O que não quer dizer, obviamente, que se pretenda minimizar o seu alcance cultural, tanto mais que a Seara Nova se batia nesta frente contra o obscurantismo fascista.

 

É porém em 1957 que surgem nas suas colunas contribuições como as de Fernando Piteira Santos, Mário Sacramento, Victor de Sá e a poesia de Papiniano Carlos.

 

Em 1959 a redacção da revista assume explicitamente uma certa viragem na orientação adoptada, falando na «renovação da Seara Nova»; neste ano surgem pelo menos uns três artigos de F. Piteira Santos, vários de Victor de Sá acerca de Amorim Viana e Proudhon, uns dois de Alberto Ferreira e outros tantos de Flausino Torres, além da colaboração de Rogério Fernandes, António José Saraiva analisa Camões e Petrarca, ao passo que Amândio Silva analisa a tapeçaria de Lurçat; F. Veiga de Oliveira pronuncia-se sobre engenhos espaciais, Óscar Lopes sobre a literatura em António Sérgio e Vasco Magalhães-Vilhena considera as concepções filosóficas de António Sérgio; nós próprios escrevíamos acerca da «situação económica portuguesa segundo a OCDE».

 

A estes colaboradores vários outros se iriam juntar nos quinze anos subsequentes como José Tengarrinha, Alexandre Cabral, Armando Bacelar, Manuel Ferreira, Rogério Fernandes, António Ramos de Almeida, Augusto da Costa Dias (que na sua larga actividade literária também usou o pseudónimo João da Ega), Urbano Tavares Rodrigues, J. Seabra Diniz, António Borges Coelho, Eduardo Guerra, Humberto Lopes (sobre questões jurídicas), Sérgio Ribeiro, José Saramago, Alexandre Pinheiro Torres, Jofre Amaral Nogueira, A. Villaverde Cabral, Joaquim Barradas de Carvalho, Alexandre Babo, Araújo Moreira, Helena Neves, Arnaldo Pereira, Correia da Fonseca (crítica da TV), Modesto Navarro, Miguel Urbano Rodrigues, Vital Moreira, Pedro Soares, Albano Lima, Ulpiano Nascimento, Carlos Carvalhas.

 

E estão presentes tambérn colaboradores com concepções variadas como, entre outros, Álvaro Salema, Sottomayor Cardia, Francisco Marcelo Curto, José Medeiros Ferreira, Manuel Sertório, J. Tiago de Oliveira, Manuel Mendes, Miriam Halpern Pereira, Mário Vieira de Carvalho, Joaquim Romero Magalhães, Maria Lúcia Lepecki, Francisco Pereira Moura, Pedro da Silveira, Adelino Gomes, António Reis, J. Cândido de Azeveclo ou Fernando Correia entre outros.

 

Na impossibilidade de acompanhar o conjunto do desenvolvimento do pensamento cultural, filosófico, político e ideológico da Seara Nova ao longo dos anos que vão de 1958 até 1974, salientaríamos pelo menos que é patente o esforço no sentido de uma intervenção política directa, aproveitando em especial os períodos das chamadas «eleições» durante o consulado salazarista-marcelista.

 

Estaríamos no entanto longe de traduzir o real movimento de ideias de carácter marxista se supuséssemos que o campo das suas manifestações, apesar do fascismo, se teria limitado às publicações que se acabaram de invocar. Elas foram por certo as mais representativas. Mas não foram de forma alguma as únicas.

 

Houve em primeiro lugar revistas ou publicações periódicas de curta duração que, mesmo nos limites da sua influência restrita, nem por isso deixaram de constituir uma realidade. Houve em segundo lugar a colaboração num ou noutro jornal dos mais conheciclos e de mais larga difusão, como sucedeu eventualmente nas páginas literárias do Diário de Lisboa, do Comércio do Porto, do Jornal de Noticias e de mais uns tantos.

Em terceiro lugar, não se podem omitir jornais regionais de vários pontos do País de que recordamos, por exemplo, o tri-semanário Gazeta de Coimbra ou então O Comércio da Póvoa do Varzim que chegou a possuir um suplemento juvenil largamente colaborado por Raul de Castro e mais alguns articulistas.

 

Quanto a revistas citaríamos como exemplos a Síntese, cujo primeiro número surgiu em Fevereiro de 1939 e que durou também apenas até Dezembro de 1940.

 

Foi dirigida por um estudante de Medicina, João Ramiro (da Fonseca), o qual, embora se autoproclamasse materialista, estava totalmente afastado do materialismo dialéctico.

 

Mas apesar da orientação doutrinal e ideológica do seu director, nela apareceram ao longo dos seus doze números (a revista conheceu interrupções ao longo dos escassos dois anos de vida) trabalhos de orientação marxista. É curioso que, contando com a presença de Abel Salazar, que defendia as suas concepções neopositivistas, no entanto Jofre Amaral Nogueira, usando neste caso o pseudónimo A. Gouveia (mas que também trouxe textos com outros nomes forjados), desferiu um ataque crítico contra as concepções do círculo de Viena pelo qual se batia este notável artista e professor da Faculdade de Medicina do Porto demitido por António Oliveira Salazar. Tanto Jofre Amaral Nogueira como A. Bacelar aí colaboraram (aquele em parte sob pseudónimos) usando nomes como José Vasco Salinas e Raul Sequeira, ao passo que nós próprios estivemos presentes com um artigo que salientava a importância da prática como critério do conhecimento assinado Vasco Sampaio. Síntese também incluiu críticas literárias nomeadamente aos livros de Alves Redol Gaibéus e Nasci com Passaporte de Turista.

 

Também em 1942 surgiu em Coimbra a efémera revista Nova Luz de que, segundo supomos, foram apenas publicados uns dois números. Da iniciativa de um estudante sem qualquer formação doutrinal e ideológica progressista, da sua redacção faziam parte, todavia, Armando Bacelar, Raul de Castro, Manuel Breda Simões. Registe-se o escândalo que nos círculos femininos da academia (nessa altura quase totalmente concentrados na Faculdade de Letras) causou o artigo «A mulher perante os biólogos», sobretudo pelo facto de ser assinado por «Inês Gouveia» que naturalmente supunham ser pseudónimo de uma rapariga...

 

Estes exemplos tirados das nossas longínquas recordações pessoais terão naturalmente de ser ampliados através de uma pesquisa sistemática, tanto mais que lhes poderíamos adicionar mais alguns - recordamos estes - Informação Literária - Revista Mensal, de Coimbra, que anunciava no número de Outubro de 1946 entre outros terem colaborado Armando Castro, Deniz Jacinto, José Pala e Carrno, Eduardo Reis, Rodrigo Soares e Fernando Pinto Loureiro (estes três últimos constituindo um único autor...), Júlio Pomar, Ilídio Sardoeira, Matilde Rosa Araújo, Rui Feijó, Saul Fernandes (Raul de Castro) e Victor de Sá.

 

Nesse número, além de uma entrevista com Maria Branca Lemos, presidente da delegação no Porto da Associação Feminina Portuguesa para a Paz que o fascismo suprimiria, inseria ainda anúncios de obras, de que vale a pena referir o livro Por Um Novo Humanismo - Ensaios, de Rodrigo Soares (F. Pinto Loureiro) cujo lançamento afirmava estar para breve.

 

Porém, este percurso descritivo não esgota evidentemente o que foi o desenvolvimento do pensamento marxista e a sua influência no nosso país desde 1939 até ao 25 de Abril.

 

Entretanto, não se poderia deixar passar em claro uma revista especializada, na qual dentro de uma heterogeneidade de leitura teórica esteve presente a marxista, embora numa participação quantitativa minoritária, em torno sobretudo dos artigos de Jorge Alarcão e do autor da presente análise. Referimo-nos à Revista de Economia, Lisboa, que iniciou a sua publicação em 1948 estendendo-se com vicissitudes várias até 1964 (22).

 

Outro ponto que pelo menos há que recordar refere-se ao movimento de publicações de obras marxistas em Portugal.

 

Restringindo a observação a Marx, Engels e Lénine, não é difícil concluir que o aparelho repressivo do fascismo funcionou cabalmente sendo somente em 1971 que começaram a surgir edições em língua portuguesa.

 

É certo que se não podem olvidar as edições brasileiras que iam aparecendo com descontinuidade em função das conjunturas políticas, em particular após o fim da Segunda Guerra Mundial. Com efeito, após 1945 surgem edições como o Manifesto do Partido Comunista, O 18 de Brumário de Louis Bonaparte, Salário, Preço e Lucro, Editorial Escriba, Miséria da Filosofia na Flama em 1946, e depois muitas outras editadas pela Calvino do Rio de Janeiro; além de algumas obras de Engels e de Lénine, a primeira edição de O Capital em língua portuguesa (e não apenas um resumo) seria editada no Brasil no ano de 1968 (23).

 

É óbvio no entanto que as publicações brasileiras chegavam aqui em pequenas quantidades, pouca influência por isso exercendo.

 

Todavia, sobretudo após 1971 o círculo de ferro abre buracos por onde penetram em número crescente livros de Marx. Engels e Lénine, muito embora infelizmente muitas vezes com péssimas traduções.

 

Entre 1971 e 1974, num levantamento preliminar, foi possível registar a edição de quinze obras de K. Marx, incluindo a importante edição do volume 1.º de O Capital, organizada por Vital Moreira com a chancela da Editorial Centelha de Coimbra, em 1974 mas antes do 25 de Abril, doze de Marx e Engels, umas seis de Engels e mais umas doze de Lénine (muitas vezes semioculto sob o nome Uliánov); incluíam desde volumes como a Contribuição para a Crítica da Economia Política, de Marx, ou o Anti-Dühring, de Engels, até pequenos cadernos contendo um ou dois textos, alguns dos quais de resto extremamente importantes como, por exemplo, Teses sobre Feuerbach, de Marx ou Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Alemã Clássica, de Engels. Ou então obras de Lénine como Que Fazer?, Para a Caracterização do Romantismo Económico, O Imperialismo Fase Superior do Capitalismo ou Um Passo em Frente, Dois Passos Atrás, etc..

 

Chegamos ao fim desta excursão cobrindo o vasto período que vai desde 1844 até 1974 e considerando em especial a época posterior a 1939 que findou na revolução democrática e libertadora de 1974.

 

O carácter preliminar da abordagem não podia deixar de ressaltar de todo este percurso, assim se justificando a prevenção inicial de que mais não se pretendia do que trazer uma achega para a história do pensamento marxista em Portugal. Trata-se de um trabalho que há que desenvolver, alargar e aprofundar.

 

Todavia, reparamos ter omitido totalmente um aspecto hoje crucial, cem anos depois da morte de Marx, oitenta e oito decorridos sobre o falecimento de Engels e a quase 60 anos do desaparecimento de Lénine.

 

Encontrámo-nos porém em face de um aspecto que exigirá um tratamento específico e autónomo tendo em atenção a necessidade de uma abordagem sistemática e aprofundada.

 

Ao focar essa questão, estamos a assinalar aquilo que nos nossos dias constitui a dimensão vital do marxismo-leninismo e da herança que nos deixaram tanto os seus fundadores como todos aqueles que na acção política, na actividade sindical e na elaboração científica, filosófica e doutrinal nos legaram e que importa desenvolver, actualizar, aprofundar.

 

É que em nenhuma destas dimensões aquilo que muito genericamente designamos por pensamento marxista constitui um corpo rígido, dogmático e fixo.

 

Entendê-lo assim iria contra aquilo que nós próprios, no labor de um longo trabalho de edificação da teoria do conhecimento científico, desmontamos e criticamos directamente.

 

A actividade política, como aliás ressalta daquilo que Álvaro Cunhal frisava no discurso realizado no comício comemorativo do 60.º aniversário do PCP e que se mencionou atrás, exige uma leitura teórica actualizada da realidade social, das suas características, da situação nas confrontações das lutas de classe e em tanto outros aspectos.

 

Quanto àquilo que constitui o objectivo essencial do exame aqui efectuado, é óbvio que a construção científica e a elaboração filosófica nunca se podem dar por terminadas, exigindo antes um esforço constante de elaboração, reelaboração, de crítica interna e de auto-superação permanente.

 

É que, por um lado, a própria realidade encontra-se em movimento e transforma-se surgindo novas contradições que se juntam às preexistentes mas que as concretizam de maneiras que variam. Admitir o contrário seria, além do mais, ter uma concepção profundamente antidialéctica da realidade. Esta exige por isso mesmo uma atitude antidogmática na interpretação e na intervenção no mundo.

 

Mas independentemente deste automovimento do real, que em parte é espontâneo e em parte provocado pela própria intervenção social do homem, o conhecimento, todo o conhecimento, está sempre em construção, sendo especialmente dinâmico o sistema global das ciências.

 

E se nos lembrarmos que, sob esta perspectiva, nos cem anos que nos separam de Marx o conjunto de conhecimentos científicos se desenvolveu espectacularmente, havendo até quem tente quantificar esse desenvolvimento verdadeiramente exponencial, admitindo que tenha aumentado cem vezes ou mais ainda, ao mesmo tempo que se lança o cálculo de que existem hoje tantos trabalhadores científicos como a humanidade teria conhecido até à actual geração, então estas conclusões são evidentes.

 

Importa por isso efectuar um balanço crítico e autocrítico que não nos esclareça somente acerca da medida em que no nosso país a teoria e a prática vêm acompanhando o desenvolvimento explosivo dos conhecimentos científicos e as transformações objectivas da realidade natural e social.

 

Se no aspecto político essa tarefa cabe antes de tudo à organização política respectiva, na dimensão teórica e filosófica todos os que se reclamam da herança de Marx, de Engels e de Lénine transportam uma pesada responsabilidade. Ela não respeita somente à consciencialização quanto à medida em que tal tarefa tenha sido e venha sendo atingida. Exige muito mais. Exige que saibamos aproveitar todas as potencialidades deste momento histórico e dos que lhe sucederem. Julgo pela minha parte não ser outro, quer todo o sentido de um pesado esforço pessoal que vem sendo realizado há dezenas de anos quer do que resulta de hoje já dispormos, no nosso país, de um acervo de trabalhos percorridos por esta exigência crucial do trabalho teórico.

 

Seja nas primeiras tentativas de interpretação da realidade portuguesa, seja em estudos históricos, sociais, políticos, seja em construções científicas e em elaborações filosóficas, indo desde a problemática central da actividade cognitiva em geral até ao processo cognitivo-científico e em mais alguns sectores, o nosso panorama é já animador. Mas não pode contentar-nos.

 

Numa época em que a luta de classes atingiu uma dimensão planetária e em que a confrontação ideológica assume uma agudeza extraordinária, tanto para a práxis global como para agir pessoalmente nessa batalha, não podemos renunciar a intervir poderosamente armados neste prélio por um futuro em que deixará de haver o perigo eminente do aniquilamento atómico da vida sobre a Terra e em que terminará a exploracão do homem pelo homem.

 

Todos nós somos convocados por estas exigências vitais. Saibamos estar à altura das suas imposições.

 

 

 

 

__________

NOTAS:

 

(1) Acerca deste combate ideológico de Marx entre 1842 e 1843 veja-se, por exemplo, Nicolai Lápine, O Jovem Marx, Editorial Caminho, 1983, pp. 90-91.

 

(2) Limitando a ilustração da bibliografia disponível ao aspecto relacionado com o pensamento marxista em Portugal no século XIX e não se pretendendo, além disso, ultrapassar uma amostra indicativa, registamos pelo menos as seguintes obras:

 

I - Bento Gonçalves, Palavras Necessárias, 1.ª edição, s/d; 2.ª edição de Virgínia Moura, Porto, 1973;

 

II - César Oliveira, O Socialismo em Portugal - 1850-1900, Ed. Afrontamento, 1973;

 

III - César Oliveira, O Operariado e a República Democrática, 1910-1914, 1.ª edição, 1972, Afrontamento, Porto; 2.ª edição, Seara Nova, 1974;

 

IV - César Oliveira, O Primeiro Congresso do Partido Comunista Português, Seara Nova, 1975;

 

V - Victor de Sá, «Movimento operário e sindicalismo em Portugal», in Cadernos da Revista Técnica do Trabalho, 1981;

 

VI - César Oliveira, A Revolução Russa na Imprensa Portuguesa da Época, Diabril, Lisboa, 1976;

 

VII - José Pacheco Pereira, «Questões sobre o movimento operário português e a revolução russa de 1917», in Cadernos Convergência, Porto, 1971;

 

VIII - Carlos da Fonseca, Integração e Ruptura Operária – Capitalismo – Associativismo - Socialismo (1836-1875), Ed. Estampa, 1975;

 

IX - Alfredo Margarido, A Introdução do Marxismo em Portugal (1850-1930), Guimarães & C.ª Editores, Lisboa, 1975;

 

X - Fernando Piteira Santos, «Notas sobre a difusão em Portugal de O Capital de Karl Marx», in Revista Economia e Socialismo n.° 35, Fevereiro de 1979, pp. 15-18;

 

XI - Fernando Piteira Santos, «Marx e o movimento operário português (algumas notas)», in Revista Vértice, n.° 453, Março-Abril de 1983, pp. 28-40;

 

XII - Vital Moreira, «O capital em Portugal», in Revista Vértice, n.° 453, Março-Abril de 1983, pp. 41-56;

 

XIII - Armando Castro, O Pensamento Económico no Portugal Moderno (De fins do Século XVIII a começos do Século XX), Biblioteca Breve, n.º 48, Lisboa, 1980, pp. 117-120 («impacte da teoria económica marxista sobre o doutrinarismo português»).

 

XIV - 13 Cartas de Portugal para Engels e Marx, recolha, prefácio e notas de César Oliveira, Iniciativas Editoriais, 1978;

 

XV - Armando Castro, «Os primeiros críticos de Marx em Portugal», in Revista Vértice, n.° 453, Março-Abril de 1983, pp. 16-27.

 

XVI - Álvaro Cunhal, Rumo à Vitória - As Tarefas do Partido na Revolução Democrática e Nacional (relatório de Abril de 1964), Edição A Opinião, Porto, sem data mas publicado legalmente após o 25 de Abril.

 

XVII - Bento Gonçalves, Os Comunistas, Edição A Opinião, Porto, 1976, com uma introdução de Francisco Miguel e um estudo de Pedro Soares sobre Bento Gonçalves;

 

XVIII - Partido Comunista Português, 60 Anos de Luta - 1921-1981, Edições «Avante!», 1982 (resumo da Exposição Comemorativa do 60.° Aniversário da Fundação do PCP);

 

XIX - Partido Comunista Português, As Greves de 8 e 9 de Maio de 1944, colecção Documentos para a História do Partido Comunista Português, Ed. «Avante!», 1977;

 

XX - O Jornal dos Trabalhadores, da Democracia e do Socialismo, Ed. «Avante!», 1977 (álbum);

 

XXI - Suplementos de Março de 1981 de Avante!, n.os 1, 2, 3 e 4 por ocasião do 60.º Aniversário do Partido Comunista Português;

 

XXII - Álvaro Cunhal, intervenção no comício comemorativo do 60.° Aniversário do PCP em Lisboa, 7 de Março de 1981 (in Avante!);

 

XXIII - Victor de Sá, Perspectivas do Século XIX, Lisboa, 1964;

 

XXIV - Fernando Guerreiro, «A história do PCP através de seis congressos», in Seara Nova, n.° 1550, Dezembro de 1974, pp. 17-24;

 

XXV - Álvaro Cunhal, Relatório da Actividade do Comité Central ao VI Congresso do Partido Comunista Português, Ed. «Avante!», Colecção Documentos Políticos para a História do PCP;

 

XXVI - Documentos do Comité Central do PCP - 1965-1974, Ed. «Avante!», Colecção Documentos Políticos para a História do PCP;

 

XXVII - O PCP e a Luta Sindical, Ed. «Avante!», Colecção Documentos Políticos para a História do PCP (Série especial);

 

XXVIII - Programa do PCP (Aprovado no VI Congresso), Ed. «Avantel»;

 

XXIX - Meio Século de Luta do Partido Comunista Português - Breves Apontamentos, S. Publicações (texto mimeografado);

 

XXX - O PCP e a Luta pela Reforma Agrária, Ed. «Avante!», 1975;

 

XXXI - O Militante, órgão mensal do Partido Comunista Português, n.º 100, Setembro de 1983 (comemorativo do seu 50.° aniversário).

 

(**) Página 290 do número referido de O Instituto.

 

(3) Victor de Sá, «Movimento operário e sindicalismo em Portugal», in Cadernos da Revista Tecnica do Traballto, 1981, pp. 63-65. Daqui para diante referiremos as obras registadas na nota (2) apenas pelo número de ordem aí seguido.

 

(4) Confrontar o artigo do Prof. I. A. Cherkóvin, «Engels elogia ‘O Pensamento Social’», in Revista Vida Soviética, n.° 93, Fevereiro de 1983, pp. 45-46.

 

(5) Veja-se na nota (2) o número XIV. A carta de Nobre França para Engels, de 24 de Junho de 1872, foi também publicada noutras obras visto ter o interesse particular de fornecer uma síntese de dados acerca da vida económico-social nessa altura.

 

(6) Esta conferência de J. Frederico Laranjo foi publicada na revista O Instituto, Segunda Série, vol. XX, Novembro a Abril de 1874-1875, N.os 7 a 12. As referências a K. Marx encontram-se nas pp. 59, 60, 68, 69 e 73.

 

(7) A posição antimarxista do republicanismo nem sempre assumiu um carácter primitivo, aliás a partir de um desconhecimento quase total das suas obras fundamentais. Um exemplo representativo, porque jogava no sentido de aproveitá-lo em certo sentido, é o estudo do republicano João de Meneses, A Nova Phase do Socialismo, Lisboa, 1902 (confrontar as referências de Alfredo Margarido na nota (2), n.° IX, pp. 78-80).

 

(8) Sobre a difusão de O Capital entre nós remetemos para os estudos de Fernando Piteira Santos e Vital Moreira; veja-se a nota (2), números X, XI e XII.

A edição do resumo de G. Déville referido no texto é aquela que tem sido assinalada. No entanto, houve outra edição que não conseguimos consultar - K. Marx, O Capital, tradução de Emília de Araújo Ferreira, Colecção Sociológica, IX, Lisboa, 1912, Typographia de Lucas Guimarães & C.ª, 1912, Lisboa, 243 páginas, formato 163 x 93.

 

(***) Ver nota (2), I, p. 199.

 

(9) Pode reconhecer-se que, independentemente da limitada influência ideológica, doutrinal e política do marxismo em finais do seculo XIX, o seu significado e a sua expansão não eram ignorados, mesmo dos círculos burgueses e intelectuais.

É o que revela tanto o facto de a grande imprensa ter desconhecido completamente a morte de Friedrich Engels, em começos de Agosto de 1895, quer a notícia que apesar disso um dos matutinos portuenses dava no seu número de 11 de Agosto de 1895 (8.° ano, n.° 191); não resistimos por isso à tentação de a transcrever na medida em que revela urna informação relativamente correcta da actividacle dos fundadores do marxismo:

«ESTRANGEIRO - Frederico Engels

«Noticiam de Londres a morte de Frederico Engels, o amigo, colaborador e editor de Karl Marx. Engels tinha nascido em 1819 e pertencia a uma família remediada. Entrando cedo na agitação política do seu tempo, foi forçado a procurar em Marx um asilo na França. Colaborou nos Anaes Franco-Alemães, colecção curiosa e raríssima, publicada em Paris, em alemão, durante um ano ou dois, com intervalos muito irregulares e que contém importantes artigos quer de Marx quer de Engels.

«Educado, como Marx, na Escola de Hegel, Engels abandonou-a depressa e os dois amigos despediram-se do seu primeiro mestre numa obra, em comum, a Santa Família (1845). Em 1848 apareceu também, obra dos dois, o Manifesto do Partido Comunista, documento capital para a história do socialismo contemporâneo, traduzido em todas as línguas e universalmente espalhado. Esse manifesto foi o ponto de partida para a criação da Internacional.

«Como Karl Marx, Engels tomou parte no movimento revolucionário quer com a pena quer com a sua acção.

«Muitas das páginas que ele escreveu são tidas com as que dão a ideia mais exacta e sintética da doutrina colectivista ou, para melhor dizer, da filosofia daquela doutrina. Não há na literatura socialista contemporânea nenhum documento que seja mais acessível e mais sugestivo do que O Socialismo Utópico e o Socialismo Científico, obra de Engels, que também publicou A Sociedade, a Família e o Estado. Igualmente dedicou os seus cuidados à publicação de algumas partes de O Capital, que Marx não pôde redigir em sua vida.

«A existência de Engels foi passada à sombra da de Marx, e, depois da morte de Marx, à sombra da sua memória. No entanto, mais feliz do que Marx, viu o nome do seu amigo e a sua comum doutrina fazer, depois do desaparecimento do autor de O Capital, a fortuna que todos sabem.»

 

(10) Como exemplo veja-se Bento Carqueja, Economia Política V - Questões Sociais, Porto, s/d (mas de 1930 ou 1931), em particular pp. 12-13, 38-39 e 42-45.

 

(11) A censura à imprensa e a proibição de livros não caiu apenas sobre os autores marxistas. Pelo contrário, atingiu a cultura no seu sentido mais lato. Como escreve a Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, na introdução de Livros Proibidos no Regime Fascista, edição da Presidência do Conselho de Ministros, Lisboa, 1981, «a repressão abate-se ferocíssima sobre os autores marxistas. Cerca de 60 edições das obras de Karl Marx e Friedrich Engels, mais de 30 de Lénine, 16 de J. Staline, 14 de Mao-Tse-Tung, 18 de León Trotski»; mas a verdade é que «não se eximiu à condenação de publicações que, sem contestação possível, fazem parte do património cultural da humanidade», citando-se entre muitos outros autores Victor Hugo e La Fontaine, Gogol, B. Russell ou Rabelais, etc., num infindável rol a que há que juntar numerosíssimos escritores portugueses, de A. Sérgio a Miguel Torga, de Aquilino Ribeiro a Manuel da Fonseca, de Castro Soromenho a Urbano Tavares Rodrigues, etc.

 

(12) A referência a ter sido editado O Estado e a Revolução de Lenine dentro deste período resulta do recurso à nossa memória visto havermos lido este texto fundamental em edição portuguesa certamente de meados dos anos 30. Ver edições de 1925 e de 1930 (edição Couto Martins e Biblioteca Cosmopolita). Em 1929 foram pelo menos editadas mais quatro obras de Lenine.

 

(13) Ao escreverem-se estas linhas vêm à memória passagens da vida desse pequeno núcleo de estudantes coimbrãos que pessoalmente pudemos testemunhar em grande parte desde Outubro de 1936 até 1942.

Ressaltam os esforços para conseguir um ou outro livro proveniente da França ou da Inglaterra (já mais tarde acrescentar-se-iam edições vindas no termo da Guerra do Brasil e de alguns outros países sul-americanos). O esforço de compreensão do materialismo dialéctico e do materialismo histórico, cheio de ingenuidades, por vezes de incompreensões, mas generoso e entusiasta. Recordo precisamente algumas conversas com jovens como Joaquirn Namorado, Egídio Namorado, Fernando Pinto Loureiro (que adoptava vários pseudónimos nos seus escritos, principalmente o de Rodrigo Soares), José Martins que cairia em condições trágicas na luta clandestina vindo a falecer pouco tempo depois de uma longa prisão e que foi, sem dúvida, o meu primeiro interlocutor ideológico e político, irmão desse firme combatente falecido depois do 25 de Abril que se chamou Júlio Martins, Armando Bacelar (voltado sobretudo para a crítica literária usando pseudónimos como Carlos Relvas e Inês Gouveia). Ao mesmo tempo com Jofre Amaral Nogueira só mais tarde haveríamos de estabelecer uma sólida camaradagem pessoal e intelectual.

Mas nesses anos longínquos da Guerra Civil de Espanha, da violência do fascismo salazarista, entre aquilo que se não perdeu na poeira dos tempos recordo, por exemplo, o conselho que me dava Mário Ramos por volta de 1937-1938: «É preciso ler Hegel»; ou então os esforços para compreender a dialéctica que um desses companheiros caracterizava usando a tríade hegeliana «tese, antítese, sintese», dando como exemplo prático... «homem, mulher, criança».

 

(14) Carlos Barroso, nosso colega de liceu até meados dos anos 30 (filho do nosso saudoso professor de História no mesmo estabelecimento de ensino) dizia-nos um dia na Avenida dos Aliados que tinha decidido criar uma revista. O Sol Nascente apareceria efectivamente algum tempo depois, tendo como director Dilermando Marinho e como comissão directiva Carlos F. Barroso, Lobão Vital, J. Soares Lopes, dos quais dos dois últimos resta a saudade e o exemplo de luta.

 

(15) Enquanto se não dispõe da história do Partido Comunista Português, veja-se a edição 60 Anos de Luta - 1921-1981 referida na nota (2), XVIII, pp. 42 e segs.

Registe-se que a investigação académica universitária vem-se também voltando desde uma perspectiva que em regra não é, naturalmente, a comunista, para a história do Partido. Além dos estudos indicados na nota (2), em IV e IX, recentemente foram publicados três estudos apresentados no colóquio A Formação de Portugal Contemporâneo: 1900-1980, que teve lugar em Lisboa de 2 a 5 de Dezembro de 1981 por iniciativa do Gabinete de Investigações Sociais (GIS) com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian. É que realmente em escala crescente torna-se impossível fazer a história da sociedade portuguesa dos últimos sessenta e cinco anos à margem da história do Partido Comunista Português.

Os estudos atrás referidos foram ulteriormente publicados na revista Análise Social, 1982, 2.°, 3.° e 4.º trimestres, n.os 72-73-74: José Pacheco Pereira, «Contribuição para a história do Partido Comunista Português na I República (1921-1926)», João Arsénio Nunes, «Sobre alguns aspectos da evolução política do Partido Comunista Português após a reorganização de 1929 (1931-1933)» e David L. Raby, «O problema da unidade antifascista: O PCP e a candidatura do general Humberto Delgado, em 1958», respectivamente a páginas 695-713, 715-731 e 869-883.

 

(****) Discurso no Campo Pequeno, Lisboa, em 7 de Março de 1981, no comício comemorativo do 60.º Aniversário do PCP, jornal Avante!, Suplemento.

 

(*****) Discurso no Campo Pequeno, Lisboa, em 7 de Março de 1981...

 

(16) Palavras extraídas do álbum do PCP, pp. 120-121 [assinalado na nota (2), XVIII].

 

(17) Na revista Vértice, n.os 365-366, Junho-Julho de 1974, pp. 544-551.

 

(18) Sendo natural que existam falhas, recordamo-nos de entre 1940 e 1945 utilizarmos pseudónimos assim distribuídos: Bruno de Morais 9 vezes na revista Pensamento (1940), 1 em O Comércio da Póvoa do Varzim (1940); em A Regeneração... 1 (1941); Pedro Araújo num artigo de O Diabo (1940) e outro na Tribuna Literária (1944); Evaristo Nunes em quatro artigos insertos no suplemento Margem (1944); Vasco Sampaio num artigo publicado na revista Síntese (1940) e o pseudónimo Afonso Neves de Jesus em dois textos da revista Via Latina (1945), além possivelmente de outros de que confessamos só recordar o recurso a esta ocultação intelectual num texto acerca das relações entre salários e preços publicado na revista Vértice em Janeiro de 1947 (Álvaro da Costa Júnior). Nas dezenas de textos posteriores abandonávamos o recurso a pseudónimos, isto é, após 1946...

Contudo, se a mais de quatro dezenas de anos de distância a memória nos atraiçoa no que respeita a este fenómeno bem significativo das condições de repressão em que se vivia então, não é difícil invocar uma série de pseudónimos de companheiros desta luta cultural, racionalista, doutrinal e política.

Eis alguns dos mais significativos, sem esquecer que não foram poucos os intervenientes que agiram sob os seus nomes autênticos, como Álvaro Cunhal, Joaquim Namorado (tanto em textos literários como doutrinais), António Ramos de Almeida, Mário Dionísio, Mário Ramos, Manuel da Fonseca, Fernando Piteira Santos, Fernando Lopes-Graça, Bento de Jesus Caraça, Mário Sacramento, Óscar Lopes, etc., sem esquecer o esforço de homens como Manuel Campos Lima, Alves Diniz, Álvaro Marinha de Campos, Manuel Filipe, entre vários outros ao longo deste período que termina nos anos 50 e durante o qual a generalidade de romancistas, poetas, contistas e novelistas não recorria todavia a esta camuflagern defensiva.

A participação de Fernando Pinto Loureiro, desaparecido há pouco mais de um ano, ocultava-se por exemplo sob os pseudónimos Rodrigo Soares e Eduardo Reis, enquanto a intensa colaboração de Jofre Amaral Nogueira, prematuramente desaparecido vai para dez anos, surge sob os nomes Albertino Gouveia, José Vasco Salinas e outros, muito embora mesmo já em 1940 tivesse assinado trabalhos sob o seu nome verdadeiro. Vasta colaboração de José Augusto da Costa Martins surge assinada por Carlos Serra; Armando Bacelar, que deixou também um conjunto de textos muito vasto (e que numa fase ulterior estavam voltados sobretudo para a crítica literária) usou nomes indo de Carlos Relvas, Fausto Ribas ou Raul Sequeira ate ao de Inês Gouveia. Aliás, o fenómeno da utilização masculina de pseudónimos femininos para tratar sobretudo de problemas da mulher (outro pseudónimo destes foi por exemplo o de Hélia de Castro) resultava de se atribuir uma importância a essas questões que não tinha correspondência na presença de mulheres em número suficiente nesta frente de combate... 

Muitos outros exemplos se podiam invocar, como os de Luís Vieira, Fernando Novais (Jorge Delgado de Oliveira), André Valmar (José de S. Castro), Saul Fernandes (Raul de Castro), Miguel Pereira (Miguel Pereira Forjaz de Lacerda), João Rubem (João Cupertino de Miranda), incluindo com colaboração menos sistemática como aconteceu com Lino Carvalho Lima de que recordamos, a par do estudo crítico da política económico-financeira de Salazar elaborado juntamente com o autor destas linhas, aliás não assinado e publicado no número único da Comissão Distrital de Braga dos Serviços da Candidatura de Norton de.Matos à Presidência da República, datado de 8 de Janeiro de 1948, além do artigo que redigiu para o últinto número do Sol Nascente.

Eis um punhado de exemplos que uma pesquisa sistemática permitiria alargar e diversificar.

 

(19) Pensamento editava ainda um almanaque. No número referente a 1940 (aliás o derradeiro da existência da revista) inseria uma breve história da publicação com uma relação dos seus colaboraclores até 1939 (pp. 88-93). Na sua heterogeneidade pode antever-se a natureza da revista, onde, no entanto, aparecem esporadicamente Abel Salazar e António Lobão Vital, Câmara Reys e César Anjo (Filho), Tomás da Fonseca e Roberto Nobre, Castelo Branco Chaves ou César Nogueira, Fernando Mota, Hernâni Cidade, Emílio Costa, Adelaide Cadete, etc.

 

(20) Para uma pequena história da Vértice podem por exemplo consultar o diário de 25 de Fevereiro e o Jornal de Notícias de 8 de Março, ambos do corrente ano de 1983. Com efeito, a propósito de terem decorrido 40 anos de existência da revista - um fenómeno excepcional sem dúvida no nosso país -, o diário publicou um artigo em que se faz uma resumida história da sua existência, ao passo que o Jornal de Notícias inseria uma entrevista com Ivo Cortesão, seu actual director.

 

(21) Na verdade, se estivéssemos aqui a fazer um relato histórico global acerca da cultura portuguesa, teríamos de remontar a 1919 a propósito da Seara Nova, pois foi então que se constituiu o núcleo de intelectuais de tendência liberal-democrata conhecido por Grupo Seara Nova, tendo o primeiro número da revista (que durante anos foi semanal, passando depois a quinzenário e por fim a mensário) aparecido em 15 de Outubro de 1921 e estando nos primeiros anos ligada à Universidade Livre e à Universidade Popular Portuguesa. A própria revista, no número relativo a Setembro-Outubro de 1961 (já portanto quando se afirmava a nova orientação doutrinal), fazia um curto balanço dos quarenta anos decorridos.

 

(22) Sobre a Revista de Economia e seu significado no pensamento económico em Portugal, confrontar os dois estudos de Carlos Manuel Bastien Raposo, «A Revista de Economia e a introdução do keynesianismo em Portugal» e «Breve nota acerca de uma presença da economia marxista em Portugal». Sobre este último aspecto, ousaríamos salientar os artigos que em 1948 aí inserimos de crítica à teoria marginalista do valor de troca e à pretendida «lei dos rendimentos decrescentes», além de outros.

 

(23) Entre outras edições brasileiras deste período (1945-1946) temos noticia, por exemplo, das seguintes publicadas pela Calvino no Rio de Janeiro:

Trechos Escolhidos de Marx sobre Economia Política, 1945; Marx, Engels, Lenine, Marx-Engels e Marxismo, dois volumes, 1945; Trechos Escolhidos de Marx sobre Filosofia, 1945;

Trechos Escolhidos de Marx, Engels, Lénine e Stáline sobre Literautra e Arte, 1945;

Estudos do Marxismo (Textos de Engels, Harai, L. Segal, A. Talheimer), 1945;

F.Engels, A Dialéctica da Natureza, 1945;

F. Engels, Anti-Dühring, 1945;

V. I. Lenine, A Questão Agrária, Calvino, 1945;

V. I. Lenine, Que Fazer?, 1946;

V. I. Lenine, Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo, Ed. Escriba, 1960.

Porém, de harmonia com aquilo que se frisou no texto, ao longo do consulado fascista, a principal expressão da difusão do pensamento marxista, mesmo no aspecto estrito das obras dos seus grandes representantes, pertenceu sem dúvida ao Partido Comunista Português.

Por meio das publicações clandestinas em «papel-bíblia» e sua difusão através do aparelho do Partido, em particular aquém dos anos 50, apareceram, graças a um enorme esforço, quer textos completos quer antológicos de Marx, Engels, Lenine, bem como de outros antores como de J. Stáline e Clara Zetkin, por exemplo, em regra com a chancela Editorial «Avante!».

Recordamos aqui algumas dessas publicações impressas, difundidas clandestinamente:

J. Stáline, Os Problemas Económicos do Socialismo na URSS, 1953;

J. Stáline, O Carácter Internacional da Revolução de Outubro (No Décimo Aniversário de Outubro), 1955;

J. Stáline, «O Partido»—capítulo VII de Sobre os Fundamentos do Leninismo, 1957;

V. I. Lenine, A Doença Infantil do «Esquerdismo» no Comunistno. 1960;

Marx e Engels, Manifesto do Partido Comunista, 1967;

V. I. Lénine, Textos sobre Portugal, 1970;

V. I. Lénine, A Campanha Eleitoral e o Programa Eleitoral, 1972 (edição da DORN).

E muitos outros, incluindo edições não datadas, como, por exemplo, tanto da Editorial «Avante!» como do Comité Central do Partido Comunista Português ou de algumas das suas organizacões:

- V. I. Lénine, Tarefas da Juventude Comunista, 1971;

- Karl Marx, A Teoria e a Prática da Luta do Proletariado;

- Clara Zetkin, Lénine e as Massas (edição do Comité Central);

- V. I. Lénine, A Luta de Classes no Campo, Cadernos de Divulgação Marxista-Leninista, n.° 1.

 

 

 

 

 

 

(*) Este texto refere-se a uma conferência dada pelo autor na Universidade Popular do Porto, enquadrada num ciclo comemorativo do centenário da morte de Karl Marx, realizado naquela cidade entre março e dezembro de 1983. Uma parte das intervenções foi reunida no volume ‘O marxismo no limiar do ano 2000’, Caminho, Lisboa, 1985. Eliminaram-se as gravuras, adaptaram-se as notas e suprimiram-se no texto algumas repetições, certamente involuntárias. É um artigo significativo sobretudo como raro testemunho pessoal – para além das recriações ficcionadas como Sinais de Fogo de Jorge de Sena ou Fogo na Noite Escura de Fernando Namora - de um tempo em que o marxismo abriu caminho em Portugal entre a juventude estudantil, no ambiente de radicalização propiciado pela guerra civil de Espanha, enquanto as tenazes do fascismo se apertavam sobre o país e as sombras da guerra desciam sobre a Europa.