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O materialismo histórico e a reforma religiosa do século XVI
António Faria de Vasconcelos (*)
UMA EXPLICAÇÃO
Este opúsculo constitui um extracto de uma dissertação para a 10.a cadeira da Faculdade de Direito. Fizemos algumas ligeiras modificações no texto orignal da dissertação e acrescentamos-lhe uma rápida introdução. Publicando-o obedecemos a princípios que em si não comportam uma vaidade insensata ou um esforço desmedido de imodéstia. Desejamos, apenas, satisfazer um interesse, muito nosso, de divulgar a teoria do materialismo histórico que corresponde a uma instante necessidade intelectual do nosso tempo, já na sua substancialidade doutrinal, já na sua aplicação positiva e real aos factos sociais. Embora o nosso estudo seja ligeiro a importância e a actualidade duma tal concepção em nada sofre. Assentes estes princípios, terminamos solicitando, da parte de quern nos ler, a relevação das incorrecções e lacunas de que o nosso trabalho enferma.
INTRODUÇÃO GÉNESE, INFLUÊNCIA E FUTURO DO FENÓMENO RELIGIOSO
SUMÁRIO: I. É inadmissível perante as concepções positivas hodiernas a teoria da origem sobrenatural do fenómeno religioso. - A formação natural e causaI dos fenómenos sociais. - A síntese filosófica do monismo. II. Génese do fenómeno religioso: teorias de Spencer, Lippert, Grant Allen, Max Müller, Tylor, Guyau, Zino Zini, Hillwald, Hume e Sebastião Faure. - Teoria do materialismo histórico. III. Desenvolvimento da ideia religiosa. Sua influência sobre a evolução social: teorias de Diderot, Ketteler, Kild, Troilo, Max Nordau, Sergi Schiattarelli, Buckle e do materialismo histórico. IV. O problema do futuro do fenómeno religioso: teorias confessionalistas, teorias de Hartmann, Tarde, Spencer, Renan, Cotter Morison, Max Nordau, De Greef, Guyau e do materialismo histórico. - A irreligião será um facto real no futuro.
I
Durante um longo lapso de tempo predominou a teoria de que os fenómenos religiosos tinham uma origem sobrenatural.
Com a renovação da ciência pela experimentação positiva e real dos factos sociais, com as descobertas incessantes da filologia, mitologia comparada, etnografia e psicologia não foi difícil ao espírito humano emancipar-se desta explicação anacrónica, absurda e apriorística da génese dos fenómenos religiosos.
Com efeito, reconhecido o princípio da formação causal e natural dos fenómenos sociais, a sua concatenação íntima e orgânica, a sua objectividade evolutiva e transformista, esse velho edifício da metafísica religiosa derruiu-se ao mais ténue sopro do pensamento positivo e experimental que encontra a sua grandiosa expressão na síntese filosófica do monismo.
O momento intelectual hodierno que repudiou e afundou todos os sistemas filosóficos que vão desde os teológicos aos metafísicos, do primitivo e grosseiro antropomorfismo até às últimas concepções metafísicas alemãs, do comtismo puro e original ate à sua rápida e eficaz transformação, aceita como única construção filosófica verdadeira o monismo - a filosofia da força e da matéria insaparáveis e indestrutíveis, desenvolvendo-se por um movimento contínuo e revestindo sucessivamente formas relativas ao tempo e ao espaço.
Esta concepção já entrevista pelos filósofos gregos, submergida pelo dualismo espiritualista da Idade Média, impulsionada pelo criticismo de Kant e através a reacção materialista de Feuerbach, Moleschott, Vogt, Buchner, retomou, escreve Ferri, o seu império definitivo na segunda metade do nosso século.
Para ela é una a matéria e a força, eternas e iguais na sua essência, e coisa alguma se subtrai à sua influência, ao império das suas leis; é una, portanto, a base da vida, sendo esta unidade fundamental que liga necessariamente o mundo orgânico ao inorgânico. Assim é que os factos mais complexos e elevados se reduzem aos mais simples e elementares, e toda a série imensa dos fenómenos se apresenta como uma concatenação causal e necessária (Troilo).
Determinismo universal e formação natural da realidade fenoménica, eis dois princípios universalmente aceites pela consciência científica do nosso século, pela mentalidade positiva das gerações hodiernas.
II
Assentes estes princípios ninguém contestará a origem natural do fenómeno religioso.
Os elementos fornecidos pelas ciências de investigação histórica e crítica assim o atestam.
Os factos narrados por Harsthorne, Heuglin, Schweinfurth, Ritto, Gardiner e Baker, assim o demonstram. Divergem, porém, os autores quando tratam de determinar a génese do fenómeno religioso como facto natural.
Spencer, Lippert e Grant Allen sustentam que a religião nasceu do culto dos antepassados e da crença nos espíritos.
Max Müller encontra a sua génese no sentimento inato no espírito humano do infinito, e na necessidade de assinar uma causa primária aos multiplices fenómenos da realidade exterior.
Para Tylor e Guyau é a tendência universal do espírito humano primitivo para transformar as coisas naturais numa pluralidade de seres animados, que gera o sentimento religioso.
Zino Zini entende que a fase inicial de todo o sistema religioso foi um grosseiro panteísmo antropomorfo.
Segundo Hillwald o sentimento religioso deriva da especial tendência para os ideais.
Com Hume e Sebastião Faure sustentam outros que a religião é oriunda da necessidade psíquica, íntima e individual, de explicar o que escapa aos sentidos.
Não nos conformamos, porém, com nenhuma das teorias expostas que, em boa verdade, não passam de ligeiras tentativas sem a menor correspondência com a realidade objectiva das condições determinantes do aparecimento do fenómeno religioso.
Só pela concepção do materialismo histórico é que podemos chegar à determinação positiva e real da génese deste fenómeno.
É hoje um facto incontroverso a evolução natural e sucessiva das Sociedades de um estádio indistinto e confuso para um estádio de relativa diferenciação do ambiente em que vivem.
Ora esta diferenciação nada mais é que a desintegração do substrato económico desse meio das diversas superestruturas sociais.
Então, neste momento surge a religião como a efectivação transcendental dos desejos e necessidades que o novo meio, emergente da diferenciação, cria mas não satisfaz integralmente.
A superestrutura religiosa nasce e completa esse meio por virtude da reacção que sobre ele exerce determinando-lhe, mesmo, em muitos casos o seu modo de ser exterior.
III
Por este processo natural e orgânico e sob o influxo das mesmas causas que determinaram o seu aparecimento, a ideia religiosa foi-se desenvolvendo até chegar a uma concretização objectiva nos grandes sistemas religiosos.
Ao lado do seu substancialismo doutrinal rígido e imóvel iam-se elaborando os diversos processos da eflorescência formalista dos ritos e dos cultos.
Nos países iniciais da humanidade e durante uma longa sequência de séculos todas as manifestações da vida social encontravam a sua consagração e protecção na amplitude do organismo religioso.
A sua potencialidade reactiva, a sua influência na evolução humana tem sido, porém, apreciada de modos diversos.
Assim Diderot proclama a religião uma fonte de moralidade e Ketteler julga-a necessária ao bem da humanidade.
Mas na época actual a sua defesa mais completa é feita pelo notável sociólogo Kidd que não duvida dizer que a história humana está quase inteiramente compreendida na história dos sistemas religiosos que ela tem observado.
As crenças religiosas, para ele, são os complementos naturais e inevitáveis da razão humana e representam o princípio da agregação social fornecendo uma sanção necessariamente supra-racional à conduta humana e assegurando, na luta da evolução que a raça realiza, a subordinação contínua dos interesses individuais - princípio de desagregação - aos interesses mais extensos e duradouros do organismo social.
Assim os fenómenos religiosos são os mais característicos, importantes e persistentes da evolucão social.
Não assentimos, por forma alguma, na teoria de Kidd.
Com efeito, além do unilateralismo de que enferma, não está em harmonia nem com a história da evolução geral da humanidade, nem com as suas necessidades e tendências.
A concepção do materialismo histórico, na sua visão integral da história humana, opõe-lhe um desmentido formal.
Não resiste à argumentação pulverizadora de Troilo.
Sendo o sentimento relioso um elemento sempre inconsciente e irredutível aos termos da realidade é impossivel considerá-lo como guia da humanidade que caminha conscientemente para uma meta desejada. Além disto a religião é essencialrnente conservadora e imutável nos seus conceitos. Como harmonizá-la pois com o princípio que informa a evolução social: a dinâmica contínua activa e reactiva dos seus componentes.
É assim que e por tal motivo Max Nordau a refuta como uma enfermidade, Sergi como um fenómeno patológico, Schiattarelli como uma loucura, Buckle a julga indiferente e nós com Marx a reputamos como funesta na sua influência, na medida em que lho permite a sua reacção como superestrutura não só sobre as outras superestruturas, mas também sobre a estrutura económica subjacente da vida social.
IV
Resta agora examinar o problema do futuro do fenómeno religioso.
Dividem-se as opiniões neste assunto. Os escritores confessionalistas entendem que a religião por forma alguma desaparecerá, antes se robustecerá e vivificará com a evolução e progresso social.
Outros, porém, admitem apenas a substituição futura das religiões naturais por novas religiões.
Tais são Hartmann, Tarde e Spencer.
Hartmann refere a possibilidade e a necessidade de uma religião universal futura que represente a síntese da evolução religiosa do Oriente e do Ocidente, da evolução panteísta e da evolução monoteísta.
Tarde diz que, conquanto os dogmas contraditos pela ciência estejam destinados a morrer tarde ou cedo, há dois, no entretanto, que constituem um corpo de doutrina merecendo o nome de religião e que podem alimentar o sentimento religioso - Deus e a vida futura.
Spencer admite a persistência da função religiosa no futuro. A evolução futura das crenças, porém, realizar-se-á no sentido da desantropomorfização do poder sobrenatural único em que se encontram actualmente absorvidos os poderes sobrenaturais menores.
Outros, enfim, proclamam a irreligião do futuro.
Tais são Renan, Cotter Morison, Max Nordau, De Greef e Guyau.
O materialismo histórico perfilha-lhes a opinião.
Renan prediz que as crenças religiosas desaparecerão lentamente minadas pela instrução primária e pelo predomínio da ciência sobre a literatura na educação.
Cotter Morison diz que só uma piedosa esperança e não o raciocínio nos pode fazer acreditar na existência futura das crenças religiosas.
Max Nordau saúda o próximo advento de uma civilização em que os homens não satisfarão transcendentalmente mas sim racionalmente as suas necessidades de recriação, de elevacão moral, de emoções comuns e de solidariedade humana.
De Greef afirma que assim como os povos mais atrasados, tais como os que Livingstone encontrou em grande número, não têm a menor sombra de religião, assim também não a terão os mais adiantados.
Guyau sustenta que a religião desaparecerá em virtude do desenvolvimento da ciência que está produzindo a diminuição progressiva do sentimento religioso, a desagregacão dos dogmas e a decadência do culto, mas entende que a sua eliminação deixará um resíduo que, na ordem dogmática se resolverá em hipóteses metafísicas e na ordem social na ideia da necessidade da associação cada vez mais estreita dos diversos seres.
A concepção do materialismo histórico leva-nos a igual conclusão, consignando que na evolução geral da humanidade se surpreende a tendência positiva e real da dissolução gradual e lenta do espírito religioso, o seu desaparecimento futuro.
Com efeito, a determinação da génese do fenómeno religioso e a análise dos elementos que entram na sua formação natural e orgânica como um produto da objectividade da mesologia indivíduo social conduz-nos a afirmar que este facto tendencioso - a irreligião do futuro - das Sociedades actuais, se há-de realizar e efectuar nas vindouras.
As necessidades e desejos que o meio cria, já hoje, se não satisfazem integralmente pelo transcendentalismo das hipóteses relidosas.
De resto, e para concluir, a irreligiosidade própria dos nossos tempos conforme o assinala Hartmann, é um sintoma incontestável do que deixamos dito.
É uma das formas, até, porque hoje se nos revela a angústia e o desespero da sangrenta e dolorosa tragédia do trabalho.
Bibliografia:
ENRICO FERRI, «La Science et la vie au XIX.e siècle», artigo publicado na revista Le devenir social, n.º 10 de 1897; Idem, Socialismo e Scienza Positiva. TROILO, Il Misticismo moderno. SPENCER, Principes de Sociologie. GRANT ALLEN, The Evolution of the idea of God. TYLOR, Primitive Culture. GUYAU, L'Irreligion de l'Avenir. ZINO ZINI, Proprietà individuale o Proprietà colletiva? SEBASTIÃO FAURE, Os Crimes de Deus. BENJAMIN KILD, L'Evolution Sociale. MAX NORDAU, Le Menzogne convenzionalli della nostra Civiltà. BUCKLE, Histoire de la Civilisation en Angleterre. HARTMANN, La Religion de l'Avenir. COTTER MORISON, The Service of Man. RENAN, Etudes d'Histoire religieuse. DE GREEF, Introduction à la Sociologie. TARDE, L'Opposition Universel - Essai d'une théorie des contraires.
PARTE PRIMEIRA O MATERIALISMO HISTÓRICO EXPOSIÇÃO DOS SEUS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
SUMÁRIO: Superioridade do materialismo histórico sobre as outras concepções da vida e transformações sociais. – É uma tentativa para restabelecer pelo pensamento a génese e a complicação da vida social (Labriola); um instrumento de explicação do completo movimento histórico (Groppali). - A sua desnaturação doutrinal (Rouanet, Benoît Malon, Boilley, Barth, Petrone, Marrucci, Bourguin, Troilo, Garofalo, Merlino, Ferraris, Vanni, Ó Thon, Pierre Boz, Sorel, Loria e Ferri). - Não é uma construção esquemática e apriorística. - Enferma deste defeito só a modalidade doutrinal do materialismo histórico de Loria. Razão de ser da cruzada organizada na Itália contra o materialismo histórico por Ferrari, Ferraris, Tamassia, Polacco, Brugi. - É inadvertida e infundamentada a contestação por Plekanoff, Veryho, Weisengrun e Ferraris da prioridade concepcional de Marx nesta teoria. - Diferença entre o sistema loriano e o marxista. - Caracteres diferenciais do materialismo histórico: realístico; critico, dialéctico ou evolucionista. - Princípio fundamental do materialismo histórico; Engels e Kautsky. - O materialismo histórico é a mais perfeita concepção sociológica moderna; Deville, Ferri, Groppali. - O fenómeno social segundo o materialismo histórico.
De todas as concepcões da vida e transformacões sociais : providencialista, livre arbitrista, dos grandes homens (Carlyle e Emerson), individualista (Bourdeau e Tarde), antropogeográfica (Riter, Ratzel, Mugeolle), climatológica-telúrica (Buckle, Montesquieu, Metschnikoff), etno-antropológica (Le Bon, Gobureau, Pott, Gumplowicz), do determinismo económico (Loria, Enrico Ferri), psicológica (Troilo, Kidd, Bernés, Ziegler, Mamiani, Flora, Trezza), do progresso da cultura (Humboldt, Tylor), das transformações do estado (Lorenz, Schafer), do movimento das ideias (Lazarus, Steinthal), o materialismo histórico é a única que pode dar a razão de ser da evolutibilidade social em todas as suas mais complexas ou elementares modalidades.
O materialismo histórico é, como diz Labriola, uma tentativa para restabelecer pelo pensamento, com método, a génese e a complicação da vida social que se desenvolve através os seculos, ou, como se expressa Groppali, um instrumento de explicação do completo movimento histórico, que se emprega tendo sempre em vista as causas materiais e económicas da organização social.
Não se deve, porém, entender por materialismo histórico aquilo que muitos dos seus comentadores se têm permitido a liberdade de escrever, desnaturando-o e assinando-lhe princípios que ele não sustenta.
A desnaturação doutrinal tem sido grande e operada por Benoît Malon, Rouanet, Boilley, Barth, Bourguin, Petrone, Marrucci, Troilo, Garofalo, Ferraris, Vanni, Merlino, Sorel, Ó Thon, Boz, Loria, Ferri, e tantos outros têm contribuido para empanar a limpidez teórica e prática, o valor concepcional e filosófico desta doutrina positiva da história e da vida.
Critérios científicos viciados têm inquinado, na sua compreensão e aplicação, esta teoria com as mais disparatadas conclusões e deduções, apresentando-a como um invólucro das mais flagrantes contradições e insuflando-lhe um carácter nimiamente simplista, unilateral e dogmático, que ela nem basilar e substancialmente, nem formalmente reveste.
De forma tal que, esta concepção própria do socialismo crítico de Marx tem sido considerada como uma construção científica esquemática e aprioristica.
Ora, não é a modalidade doutrinal do materialismo histórico de Marx e Engels que assume uma feição esquemática e abstracta, mas sim a modalidade doutrinal do materialismo histórico de Loria - duas concepções inteiramente diferentes na sua substancialidade, mas que têm andado integradas, substancial e formalmente, nesta denominação compreensiva - determinismo económico.
Mas esta fórmula sintética, apenas, pode traduzir as teorias de Ferri e de Loria porque a derivação automática e directa das diversas categorias políticas, jurídicas e morais das categorias económicas, é um princípio rigidamente esquemático e unilateral que o materialismo histórico de Marx não revindica (1). E é por isso que a cruzada organizada na Itália por Ferrari, Ferraris, Tamassia, Polacco, Brugi, contra o materialismo histórico encontra a sua razão de ser, conforme refere Groppali, na luta e na reacção intelectual contra o mais rígido intérprete e ardente campeão do determinismo económico, que revestiu duma forma sistemáticamente esquemática a teoria de Marx.
Contrariamente ao sistema loriano, o materialismo histórico de Marx cuja prioridade concepcional tem sido infundada e inadvertidamente contestada por Plekanoff, Ferraris, Veryho, Weisengrun, indaga os modos concretos de formação causal dos fenómenos sociais cujas especificadas condições genéticas é sempre necessário investigar.
Podemos reduzir a três as características diferenciais e distintivas do materialismo histórico: 1.a realistica; 2.a crítica; 3.a dialéctica ou evolucionista.
É realístico porque, atendendo somente à realidade histórica e objectiva e contrariamente à tão bem pulverizada por Labriola teoria dos factores históricos, simplismo inerente a todas as teorias sociológicas, sustenta, que as instituições sociais são formações especificadas de especificadas condições históricas, dados correspectivos a determinadas situações sociais, em última análise, a determinadas condições económicas (Groppali).
É crítico porque, examinando todas as diversas modalidades da realidade objectiva e histórica na sua génese e evolução, enquadra o determinismo causal dos fenómenos sociais na subjacente estrutura económica, resolvendo todo o processus social nas suas condições mais elementares até ao ponto de poder seguir os trâmites, segundo os quais um dado facto social passa da sua génese no fundo da infraestrutura económica à sua revelação como motivo na consciência humana (Labriola).
É dialéctico ou evolucionista porquanto, como diz Gropalli, depois de ter tomado como objecto de estudo os elementos componentes de uma Sociedade e de ter determinado as suas relações recíprocas, as influências activas e passivas e as leis do movimento, os funde dialecticamente numa concepção viva e orgânica da história, em que está reflectida a totalidade e a unidade da vida social com o seu ritmo efectivo.
Posto isto resta determinar e precisar o princípio fundamental da concepção materialista de Marx.
O modo de produção e reprodução da vida é o único momento determinante, ou é só a base de todas as outras relacões que operam realmente?
Responde-nos Engels:
Segundo a concepção materialista da história, a produção e a reprodução da vida material são, em últirna instância, o momento determinante na história. Desde que se converta esta proposição nesta outra: o momento económico é o único determinante, teremos uma proposição vazia de sentido, abstracta e absurda. A situação económica é a base, mas os diferentes momentos da superestrutura - formas políticas da luta das classes e os seus resultados - constituições impostas pela classe vitoriosa - formas jurídicas e todos os reflexos destas lutas reais no cérebro daqueles que nelas tomam parte, teorias políticas, jurídicas, filosóficas, concepções religiosas e o seu desenvolvimento ulterior em sistemas de dogmas, exercem a sua influência na sequência das lutas históricas, cuja forma sobretudo determinam em muitos casos. Todos estes momentos se influenciam reciprocamente, e finalmente o momento económico acaba por prevalecer através a multidão indefinida de casos, isto é, de coisas e de acontecimentos, cuja concatenação íntima está tão distanciada ou tão indemonstrável que podemos considerá-la como inexistente ou esquecê-la.
Substancialmente idêntica é a resposta de Kautsky: as relações económicas não são os únicos propulsores da totalidade da vida humana, mas, entre os elementos desta, são os mais importantes porque são os únicos factores variáveis. Os outros são constantes, não variam ou se o fazem é, pelo menos, sob o influxo da mutação daqueles.
Assentes estes princípios não será de boa lógica concluir pelo carácter unilateral e dogmático do materialismo histórico, mas sim reconhecer com Ferri, Deville e Groppali que ele é a mais perfeita concepção sociológica moderna que, fundindo os diversos factores e relações sociais, os faz derivar organicamente em última instância (Engels) da subjacente estrutura económica (Marx), por via de uma análise e de uma redução que, no dizer de Groppali, esclarecem as suas verdadeiras causas efectivas, e por meio de um delicado processo de mediação e de composição, o qual indica, com o subsídio da psicologia social, por que recôndito trâmite um determinado facto social chega a assumir aquela forma em que se revela na consciência humana como motivo (Labriola).
Assim, para concluir, para o materialismo histórico todo o fenómeno social, em geral, é uma especificada formação de especificadas condições históricas que, basilarmente e em última instância, derivam do desenvolvimento das forças produtivas e do processus dialéctico «para quem o segredo da dinâmica social está na antítese que de tempos a tempos se verifica entre o desenvolvimento e o progresso dos modos de produção e a inércia das relações juridicas da produção.
Bibliografia:
TARDE, Les Lois de l'Imitation; La Logique Sociale; L'Opposition universelle. BUCKLE, Histoire de la Civilisation en Angleterre. MONTESQUIEU, L'Esprit des lois. METSCHNIKOFF, Les grands fleuves de l'Histoire Humaine. LE BON, L'Homme et les Sociétés; Les lois psychologiques de l'Evolution sociale. GUMPLOWICZ, «Sociologie et Politique; Un Programme de Sociologie», nos Annales de l'Institut International de Sociologie, t. I. LORIA, Les Bases Economiques de la Constitution Sociale. FERRI, Socialismo e Scienza positiva; «Sociologie et Socialisme», nos Annales de l'Institut International de Sociologie, t. I. TROILO, Il Misticismo moderno. KILD, L'Evolution Sociale. BERNÉS, «Programme d'un Cours de Sociologie générale», na Revue International de Sociologie. MAMIANI, Delle Questioni sociali dei proletare e del capital. FLORA, La Finanza e la Questione sociale. LABRIOLA, Essais sur la Conception Matérialiste de l'Histoire; Socialisme et Philosophie. GROPPALI, Saggi di Sociologie; La Genese sociale del Fenomeno Scientifico; La Science Comme Phénomène Sociale. BENOÎT MALON, Le Socialisme Intégral. ROUANET, «Le Matérialisme économique de Marx et le Socialisme français», na La Revue Socialiste, 1887. BOILLEY, Les trois Socialismes. BARTH, Die Philosophie der Geschichte als Sociologie. BOURGUIN, Des Rapports entre Proudhon et Marx. PETIONE, «Saggio sulla concezione materialistica della storia», na Rivista Internazionale de scienze sociali e discipline ausiliare, de 1896. MARRUCCI, «La concezione Materialistica della storia e la idea del Diritto», na supracitada Rivista. FERRARIS, Il materialismo storico e lo stato. VANNI, Prime Lince di um Programma critico di Sociologie. MERLINO, Formes et essence du Socialisme. LOREL, «La Crise du Socialisme», na Revue Politique et Parlamentaire, n.º 54 de 1898. Ó THON, Etat présent de la Sociologie en Allemagne. PIERRE BOZ, «Le Matérialisme historique d'après Marx et ses disciples », na La Revue Socialiste, n.º 149, t. 25.º. VERYHO, Marx als Philosoph. WEISENGRIM, Die Entiwvicklungs gesetze der Mensched. Verschiedene geschichte Auffassungen. KAUSTSKY, «Die Materialistiche Gesichts auffassung und der psychologische Antrieb», na Neue Zeit, n.º 47, 1895-1896. DEVILLE, Principes Socialistes. ENGELS, «Sur la Conception matérialiste de l'histoire», em Le Devenir social, n.º 3, 1897. STAMMLER, Wirtschaft und Recht nach der materialistichen Geschichtsauffassung. MEHRING, Sur le Matérialisme Historique. CROCE, Per la interpretazione e la critica de alcuni concetti del Marscisme. SOMBART, Socialismo e movimento sociale.
PARTE SEGUNDA DETERMINAÇÃO DA GÉNESE E DA ESSÊNCIA DA REFORMA RELIGIOSA DO SÉCULO XVI
SUMÁRIO: As causas da Reforma: Cantu, Ferraris, Bruck, Janssen, Guizot, Doutor Marnoco e Sousa. - RefutaÇão destas teorias. - Determinação da génese da Reforma pelo materialismo histórico. - O Cristianismo não é uma criação mas sim uma transformação (Quaglino, Labriola). O Cristianismo, nos seus inícios, é um movimento essencialmente popular (Zino Zini). - O Cristianismo era a negação completa da Sociedade romana. - O Cristianismo foi, antes de tudo, uma imensa revolução económica (Renan). - As duas fases do Cristianismo: uma democrática, igualitária, outra autoritária e tirânica. - Sua adaptação às condições sociais do império romano. Sua adaptação subsequente ao regime feudal. - A igreja grande centro internacional do sistema feudal. - Modelou a sua hierarquia e organização por este estádio social. - A propriedade eclesiástica. - O protesto das várias seitas contra esta nova organização. - Razão de ser da luta entre a catolicidade hierárquica e as seitas igualitárias. - O determinismo condicional das grandes revoluções medievais. - O nascimento e desenvolvimento da burguesia: absorção da indústria corporativa pela indústria capitalista. - Desenvolvimento paralelo da ciência. - Luta da burguesia e da ciência contra a Igreja. - Antes de atacar o feudalismo em cada país, separadamente, era necessário intentar primeiro a luta contra a Igreja. - Na Idade Média toda a luta contra o feudalismo revestia uma forma religiosa. - As duas batalhas decisivas da burguesia contra o feudalismo: a Reforma e a Revolução Francesa. - As causas da Reforma na Alemanha (Labriola). - Sua difusão pelos outros países europeus. - O que é a Reforma, tanto substancial, como formalmente. - A lei da regressão aparente e a Reforma.
Há grande flutuação de opiniões quanto às causas determinativas do movimento religioso do seculo XVI que dá pelo nome de Reforma Protestante.
Assim segundo Cantu e Ferraris foi o abuso das indulgências e a rivalidade das ordens religiosas que se encontraram em campo: os Dominicanos a quem o Papa confiou a venda das indulgências e os Agostinhos a quem os Papas anteriores costumavam confiar essa venda e que se feriram nas suas susceptibilidades.
Segundo Bruck foi o sistema teológico de Lutero o verdadeiro motivo da Reforma.
Para Janssen a responsabilidade da Reforma pesa única e exclusivamente sobre a raça latina.
A Reforma provém de uma forma pagã de pensar e de julgar originada pelo direito romano e pelos antigos clássicos latinos e gregos.
Guizot diz que a Reforma foi uma grande tentativa de emancipação do pensamento. O Sr. Doutor Marnoco e Sousa pensa, porém, que a Reforma é a solução que o génio germânico, incarnado em Lutero, deu à crise de consciência do século XVI determinada pela relaxação da disciplina, pela tibieza da fé, pelo desprestígio da autoridade religiosa e pelo estado de inércia em que tinha caído a Igreja e que a tornaram impotente para satisfazer ás exigencias do espírito desenvolvido com o trabalho acumulado do século XI ao seculo XVI.
Nenhuma destas opiniões satisfaz e compreende em toda a sua integralidade a génese positiva da Reforma.
A opinião de Cantu e Ferraris é inadmissível. Não foi o abuso das indulgências - facto este que sempre se verificou no domínio da história da Igreja desde que elas foram instituídas e foi determinada a sua venda - nem tão pouco uma rivalidade de ordens religiosas que originou um tão notável movimento revolucionário, cuja preparação e explosão residem basilarmente no processus histórico da evolução social cujo desenvolvimento se opera sobre a infraestrutura económica.
Não é tão pouco no sistema teológico de Lutero, como quer Bruck, que encontramos as causas da Reforma, porque uma tal opinião levar-nos-ia a admitir a teoria dos grandes homens tão bem pulverizada por Spencer.
Perante a teoria de Jassen fica por explicar este facto: qual a razão porque a Reforma sendo obra das raças latinas não logrou entre estas a força de expansão que adquiriu na germânica, nem a mais natural adaptação duradoura. A resolução deste ponto seria, até, a resolução da questão em geral.
Além disso e portanto é contraditória com os elementos que integra e com a realidade objectiva dos factos.
Não basta dizer com Guizot que a Reforma foi uma grande tentativa de emancipação do pensamento, porque, assim caímos numa frizante indeterminação da génese deste acontecimento, quando é precisamente esta que nós procuramos explicar e precisar. Não resolve portanto o problema.
Não nos satisfaz, também, o modo de ver do Sr. Doutor Marnoco e Sousa: Com efeito, não é suficiente nem lógico dizer que a Reforma procedeu da realização da disciplina, da tibieza da fé, do desprestígio da autoridade religiosa, do estado de inércia em que tinha caído a Igreja, para ficar resolvido integral e perfeitamente o problema do determinismo genético daquela revolução.
Ocorre, naturalmente, a pergunta: qual a causa geradora dos factos donde, segundo o Sr. Doutor Marnoco e Sousa, promana a Reforma? Não o diz este notável professor, quando é precisamente neste facto que está a solucão do problema, visto eles serem o produto natural das condições em que a Igreja vivia e se tinha colocado.
Assentes estes princípios, entendemos que só a doutrina do materialisrno histórico pode determinar precisa e exactamente a génese da reforma religiosa do século XVI.
O Cristianismo não é uma criação, mas sim uma transformação dos grandes sistemas religiosos que o precederam, não nos oferecendo por isso, pontos de vista originais e novos quer sob o lado ético ou religioso, quer sob o lado ritual ou formal (Quaglino e Labriola).
Com efeito, a sua filiação genésica nas religiões que o antecederam é um facto incontroverso, como a manifestação típica da continuidade orgânica e desenvolvimento relativo da ideia religiosa.
O cristianismo é nos seus inícios um movimento essencialmente popular do Oriente, como diz Zino Zini, contra a tirania do Ocidente que Roma representava.
Era uma revolta das camadas populares, em que se tinha difundido, estruturalmente económica mas revestindo uma feição religiosa.
Com efeito, era sob esta bandeira que se alistavam todos os oprimidos; era no seu seio que desaguava a torrente anónima dos desgraçados.
O Cristianismo vinha apoiar as reivindicações dos que sofriam, da plebe e dos desesperados das grandes cidades.
Roma, que estendia o seu regime de ferro sobre a maior parte do mundo civilizado de então ia medir a força dum inimigo implacável, o Cristianismo - que na sua essência e substancialidade era a negação completa de toda a Sociedade romana.
À tirania político-administrativa das oligarquias e aristocracias romanas, opunha o Cristianismo o princípio da igualdade social.
Com a exigência fundamental e característica da organização económica do império - a propriedade privada exclusiva - contrastava o princípio do comunismo cristão.
Assim tem razão Renan, quando diz que o Cristianismo foi antes de tudo, uma imensa revolução económica.
Não deve admirar, portanto, a sua rápida expansão, quando as circunstâncias eram de tal ordem que pelo seu próprio desenvolvimento a impunham.
De forma que o Cristianismo era uma grande organizacão democrática em que todos eram iguais.
Era o Cristianismo evangélico, nada autoritário, sofrendo a perseguição e pregando a fraternidade efectiva e colectivista (Grasserie).
A partir, porém, do século III, o Cristianismo perdeu este carácter. Duma comunidade de indivíduos absolutamente iguais, nasceu uma associação com uma diferenciação hierárquica completada pelo dogma; a Igreja perseguida torna-se perseguidora, as prescrições e as cerimónias minuciosas; o autoritarismo sucede à liberdade (Grasserie).
É que o Cristianismo elevado a instituição oficial, a religião do estado romano tinha de se adaptar à mesologia condicional do seu desenvolvimento.
De uma colectividade livre de iguais converteu-se numa organização hierarquizada de desiguais, de uma república federativa transformou-se numa monarquia absoluta.
O grandioso sistema da economia romana e a sua vida política e administrativa - eis os modelos da estrutura íntima desta fase da associação religiosa cristã.
O Cristianismo adaptou-se às condições sociais do império, sendo a chave suprema da compreensão positiva e real da Sociedade de então.
Com a queda do Império Romano constituiu-se o novo estádio social da organização feudal nascido por um processo crítico do regime económico da escravidão, que pelas novas condições do trabalho e da indústria se tinha tornado impotente para a satisfação das exigências da exploração económica.
A Igreja adaptou-se a esta nova situação social constituindo, dentro de pouco tempo, o grande centro internacional do sistema feudal.
Estabeleceu a hierarquia pelos moldes da organização feudal e daí a um ligeiro lapso de tempo era o maior de todos os senhores feudais, porque, pelo menos, um terço de toda a propriedade lhe pertencia (Engels).
A Igreja era uma verdadeira potência económica cuja propriedade enorme e vastíssima representa, como diz Labriola, toda uma série de variações desde o óbulo do semi-comunismo até à corporação legal e desde esta até à colecção de legados, à constituição do complexo territorial do latifúndio e desde o feudo com os seus corolários a décima e a finança das almas até às tentativas mais modernas da indústria colonial (os jesuítas).
Esta organização especial, que assumiu a Igreja cristã falseando os princípios que a iniciaram e introduziram nas Sociedades de então, não passou sem protesto por parte de muitos dos seus membros que, constituindo-se em seitas, reivindicam a continuação e a prática do colectivismo originário, e da simplicidade doutrinal dos seus primeiros tempos que os dogmas, rígidas construções metafísicas que sufocavam a liberdade de crença, tinham suprimido.
A guerra contra a propriedade privada, que a catolicidade organizada hierárquicamente consagrava e defendia, encontra a sua razão de ser na estrutura íntima do passado incompatível com o novo carácter do Cristianismo.
Não havia relações de simbiose entre a forma primitiva e a teocrática e a aristocrática. Daqui a luta entre o organismo central, que sintetizava as condições vitais do momento histórico, e as diversas seitas dos Eutichianos, Pelagianos, Nestorianos, Patarins, Albigenses, Valdenses, etc., que sintetizavam o passado - o comunismo evangelico.
A estrutura económica subjacente da civilização de então era, em última análise, a base de todo aquele grande movimento revolucionário.
Em verdade, diz Engels, que todos os movimentos das multidões na Idade Média, afivelavam uma máscara religiosa, apareciam como restaurações do cristianismo primitivo, mas por detrás da exaltação religiosa escondiam-se regularmente os interesses materiais mundanos.
Com efeito, quem conhecer as condições económicas das populações medievais, vergadas ao peso dos impostos, dízimas e de todas as espoliações inerentes ao estádio social da servidão da gleba, não deixará de reconhecer que todas as insurreições tinham o determinismo condicional da sua génese no substracto económico da mesologia social revestindo, porém, uma feição religiosa.
A máscara religiosa encobria os ataques contra um regime económico insuportável e gravoso.
E que outra coisa eram senão o que acabamos de afirmar, as revoltas dos aldeões normandos na França (século X), dos «birkeinbeiher» na Noruega (século XIII), dos «ciompi» em Florença (século XIV), dos aldeões ingleses (século XIV), dos camponeses alemães em 1524?
Os protestos eram formidáveis, a reforma da Sociedade o seu fim; mas este grito de revolta contra os senhores feudais eclesiásticos e seculares, era ao mesmo tempo o grito da burguesia que nascia.
A indústria capitalista absorvendo a organização industrial corporativa, originou a burguesia cujo desenvolvimento determinado pelas descobertas e pelas novas condições económicas do século XV, se tornava inconciliável com o sistema feudal.
Pari passu com o desenvolvimento da burguesia progredia a ciência; a astronomia, a mecânica, a física, a química e a fisiologia, foram de novo cultivadas. A burguesia tinha necessidade para o desenvolvimento da sua produção industrial duma ciência que estudasse as propriedades dos corpos e o modo de acção das forças da natureza. Até então a ciência era uma humilde serva da Igreja, não lhe sendo permitido franquear os limites traçados pela fé. Agora a ciência entrava em luta aberta contra a Igreja e a burguesia tomava parte na luta, chamando a ela o povo que pressuroso lhe ofereceu o melhor dos seus esforços (Engels).
O sistema feudal tremia nos seus fundamentos, mas para lhe pôr termo era necessário intentar a luta contra a Igreja, porque ela era o seu grande centro internacional.
«Antes de atacar o feudalismo em cada país separadamente era necessário destruir esta organização central e sagrada».
Do exposto deriva logicamente a conclusão de que na Idade Média toda a luta contra o feudalismo devia revestir uma forma religiosa.
Assim se compreende que Max Nordau caracterize a Idade Média pela religiosidade, e a época actual pela nevrosidade, pessimismo ou cepticismo.
A grande luta da burguesia europeia contra a feudalidade teve o seu ponto culminante em duas grandes batalhas decisivas: a Reforma e a Revolução Francesa (Engels).
O terreno estava preparado para o aparecimento da Reforma. As inúmeras seitas religiosas pressagiavam a sua explosão. A força crescente da burguesia das cidades contra os senhores feudais, o aumento do domínio territorial dos príncipes à custa do poder interterritorial e superterritorial do Imperador e do Papa, a repressão violenta do movimento dos camponeses e do movimento mais propriamente proletário dos anabaptistas, eis as causas genéticas da Reforma na Alemanha (Labriola), e que, em seguida, se difundiu pelos outros países europeus como a reivindicação burguesa duma nova organização económica contra a exploração do regime feudal.
Portanto, a Reforma é substancialmente um momento da evolução económica do terceiro estado e formalmente, religiosamente é o regresso consciente e propositado ao primitivo Cristianismo em toda a sua pureza e originalidade.
Assim, sob o ponto de vista religioso se verifica a actuação positiva da lei sociológica da regressão aparente (Cognetti di Martus, Dramard, Roberty, Loria, Ferri, Novicow, Gumplowicz, De Greff, Raoul de Grasserie, Zerboglio, Asturaro, Lafargue) ou da retrospecção revolucionária (Casimir de Krauz), que encontra neste movimento um argumento comprovativo da sua estreita e incontestada relação com as transformações várias da realidade fenoménica.
Bibliografia:
CESAR CANTU, La Reforme en Italie. FERRARIS, Il Materialismo storico e lo Stato. BRUCK, Manuel de l'histoire de l'Eglise. GUIZOT, Histoire de la Civilisation en Europe. JANSSEN, A Alemanha e a Reforma. Dr. MARNOCO E SOUSA, Prelecções de Direito .Eclesiástico, 1898-1899. QUAGLINO, Studi e Fenomeni sociali. LABRIOLA, Socialisme et Phylosophie; Essais sur la Conception materialiste de l'Histoire. ZINO ZINI, Proprietà individuale o Proprietà colletiva? RENAN, Marc Aurele. GRASSERIE, De la Forme graphique de l'Evolution social. ENGELS, «Contributions à l'Histoire du Christianisme Primitif », na revista Le Devenir social, Abril de 1895; Sur la Conception materialiste de l'Histoire. MELLUSI, La Funzione Economica nella Vita Politica. BENOÎT MALON, Le Socialisme intégral, t. I. CASARETTO, «Le Revoluzioni Operarie nel secolo XIX», na revista La Reforma Sociale, ano I. Dr. AFONSO COSTA, A Igreja e a Questão social. MAX NORDAU, Le Menzogne Convenzionali della nostra Civiltà. PUVIANI, Del Sistema Economico Borghese in rapporto alla civiltà. SILVA MENDES, Socialismo libertario ou Anarquismo. LAFARGUE, La Propriété. Origine et Evolution. Thèse communiste. - Refutation par YVES GUIOT. COGNETTI DI MARTIIS, Forme primitive nell'Evoluzione economica. DRAMARD, «Transformisme et Socialisme», na revista La Revue Socialiste, ano de 1885. ROBERTY, La Recherche de l'Unité. NOVICOW, Les Luttes entre les Sociétés Humaines et leurs phases sucessives. ASTURARO, «I Ritmi sociali», no Pensiero italiano 1894. ZERBOGLIO, «Le Retour au Passé», na revista Le Devenir social, ano de 1895. DE GREEF, Le Transformisme Social. CASIMIR DE KRAUZ, «La Psychiatrie et la Science des Idées», nos Annales de l'Institut International de Sociologie, t. I.
(*) António Faria de Vasconcelos (1880-1939) nasceu em Castelo Branco, filho e neto de magistrados. Estudou na Faculdade de Direito de Coimbra, onde obtém o grau de bacharel em Leis. A dissertação para a 10º cadeira do curso foi este trabalho que aqui reproduzimos. Em 1902 inscreve-se na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Nova de Bruxelas, aí se doutorando com as mais altas distinções. Manteve-se como professor nesta mesma universidade até à invasão alemã de 1914. Os seus intereses são agora a psicologia e a pedagogia. (Curiosamente, quase trinta anos mais tarde, outro seareiro proto-marxista, José Rodrigues Miguéis, tentará imitar esta passagem por Bruxelas e pelas ciências pedagógicas). Criou a Escola de Bierges-Lez-Wavre dentro do movimento «Escola Nova», a que aderiu com as suas perspetivas próprias. No ano lectivo de 1914-15 passou por Genève, na Suíça, sede do Bureau International des Écoles Nouvelles. Logo de seguida rumou à América Latina, onde espalha as suas ideias pedagógicas inovadoras com grande receptividade, em Cuba, na Bolívia e alhures. Em finais de 1920 está de regresso a Lisboa, sendo um dos principais animadores da Universidade Popular Portuguesa, professor na Escola Normal Superior e um dos fundadores da revista Seara Nova, com Jaime Cortesão, Raul Proença, Aquilino Ribeiro e Raul Brandão, entre outros. Publicou na Seara Nova uma série de artigos com as suas ‘Bases para a solução dos problemas da Educação Nacional’, que viriam a ter expressão nas lei de reorganização do ensino apresentada em 1923 pelo ministro João Camoesas. Em 1922 passa a desempenhar funções docentes na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em Filosofia e Psicologia Geral. Em 1925 deixa o corpo diretivo da Seara Nova, por ter conseguido a criação do Instituto de Orientação Profissional que passará a dirigir até a sua morte prematura nas vésperas da deflagração da II Grande Guerra. Ao longo de toda a sua vida teve uma larga atividade de conferencista, deixando uma extensa bibliografia, apenas parcialmente recolhida nas Obras Completas editadas pela Fundação Calouste Gulbenkian (I Volume, 1986, II Volume, 2000, III Volume 2006, IV Volume, 2009, estando prevista a saída de ainda mais dois volumes). Embora a sua vida profissional e inteletual o transportassem para longe de intervenção política direta, Faria de Vasconcelos nunca renegou a sua adesão juvenil ao materialismo histórico de Marx e Engels, integrando-a nas suas próprias concepções pedagógicas. Leia-se, de Manuel Ferreira Patrício, A Seara Nova no itinerário pedagógico de Faria de Vasconcelos. Também ele poderia talvez ter sido o primeiro marxista português... mas não foi.
___________ NOTA:
(1) Devemos consignar que Ferri longe de integrar na sua concepção sociológica a teoria de Marx integrou antes a do notável economista italiano Loria.
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