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Pela elevação do nível de vida e da cultura das classes laboriosas (*)
Álvaro Cunhal
1. Acumulação de riqueza e acumulação de miséria
A grande burguesia, debatendo-se nas palavras de Marx no «conflito de Fausto entre a paixão da acumulação e o desejo de prazer», ao mesmo tempo que acumula capitais e aumenta os investimentos, vai levando uma vida de regalo, luxo, prazer e ostentação, que insultam a miséria geral. A exibição de riqueza não é porém apenas o fruto do prazer e da vaidade. Ela tem o seu fim prático: é fonte de prestígio económico e de crédito. O luxo, a prodigalidade, até a «beneficência», são no mundo de hoje «despesas de representação do capital». O banqueiro Espírito Santo fazia acompanhar a vertiginosa acumulação de capital do seu grupo com espectaculares dádivas ao Estado e com festas sumptuosas em que gastava milhares de contos. Os Sain da SACOR acharam mais eficiente fundar com 14.000 contos uma colónia de cegos com o seu nome. Os colonialistas manos Vieira de Brito, guerreando pelos negócios que eram do pai, empunharam também a beneficência como arma de prestígio: destina um 10.000 contos a uma fundação com o seu nome para tratamento de paralíticos cerebrais? responde o outro com outra fundação para «protecção dos indígenas»... Ao mesmo tempo é o regabofe. Erguem-se palácios e palacetes para as mulheres e para as amantes, os níveis de conforto o alimentação atingem o escândalo, gastam-se fortunas em inutilidades, há homens que mudam de automóvel como quem muda de camisa e mulheres que têm mais vestidos que de dias tem o ano.
Os fascistas enaltecem o consumo pelas classes ociosas e parasitárias. O falecido Botelho Moniz apregoava que «o luxo constitui imposto que os ricos pagam aos pobres». Um subsecretário do Comércio salientava «os benefícios para o Estado e para a colectividade» das importações de artigos de luxo. A verdade é que a vida de luxo da grande burguesia, pelos gastos improdutivos que representa e pelas importações vultosas de artigos de luxo a que obriga (quase 10% do total das importações), dilapida recursos financeiros, contraria o progresso geral do país e assenta na exploração e na vida de espantosa miséria dos trabalhadores e nas dificuldades das classes médias.
Corno Marx ensinou, a acumulação capitalista dá-se em dois pólos: num pólo a acumulação da riqueza, no outro a acumulação da miséria. É a acumulação da miséria que torna possível a acumulação da riqueza. Cada escudo acumulado nas fortunas dos capitalistas é um escudo tirado ao estômago e ao bem-estar das famílias de trabalhadores.
As estatísticas oficiais acusam a existência, para efeitos de imposto, do quase 5.000 pessoas com rendimento de mais de 200 contos anuais, cerca de 1.000 com mais de 500 contos e mais de 200 com mais de 1.000 contos. Acusam também, para o mesmo efeito, que 96 pessoas recebem rendimentos e ordenados superiores a 500 contos anuais e 20 pessoas mais de 1.000 contos! Naturalmento que estes números, declarados para efeitos de imposto, são muito inferiores aos reais, tanto no que respeita ao número do pessoas como aos rendimentos respectivos. Comparem-se porém com os salários dos operários que as mesmas estatísticas oficiais permitem calcular: salários médios de 5 e 6 contos anuais na maior parte dos ramos industriais. Enquanto uns não sabem que fazer ao dinheiro, outros não sabem que fazer à vida.
Ao contraste entre os dois pólos da acumulação, da riqueza e da miséria, chamou o padre Santos Carreto, deputado fascista na Assembleia Nacional, «uma diversidade maravilhosa» criada por Deus e determinando «a diversidade das situações económicas e sociais». Qual porém o trabalhador português, católico ou não católico, que possa considerar «diversidade maravilhosa» a acumulação capitalista, que permite a escassas dezenas de milhares de ociosos explorarem milhões de portugueses, permite se amontoem num pólo fortunas de milhões de contos como são as de Manuel de Mello, dos Espírito Santo, dos Ferreiras do Ave, se multiplique aí o capital e se alarguem os gastos, e provoca no outro pólo cada vez mais falta de pão, de agasalho, de tecto, de saúde, de instrução, de segurança? Mais respeito pela palavra de Deus em que muitos portugueses acreditam ainda, monsenhor Carreto. Seria vergonha para qualquer Deus criar tão ignominiosa realidade. A verdade é que ela foi criada pelo capitalismo, agravada pelo governo fascista, e desaparecerá no dia em que ponhamos termo a um e a outro. E poremos primeiro a um, depois a outro, podem disso estar certos.
O aumento mais rápido dos lucros que dos salários mostra que a parte do rendimento nacional que cabe aos trabalhadores é cada vez menor. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os salários nominais (segundo os números oficiais) aumentaram cerca do 40%, mas no conjunto de 60 grandes companhias (incluindo as maiores) os lucros aumentaram 80%. Tem sido muito citado e aceite como válido um cálculo segundo o qual, do produto nacional português, 60% seriam para o capital e 40% para o trabalho. Mas calculando nós, na base dos elementos disponíveis, o grau de exploração existente, ou seja a relação entre os salários e a mais-valia, chegamos a um resultado ainda mais grave: em Portugal, do rendimento nacional (ou seja o produto nacional, deduzido o capital constante consumido) cerca de 70% cabe aos capitalistas e apenas 30% aos trabalhadores.
2. O trabalho não pago
Os capitalistas falam nos seus investimentos de capital, no aumento do seu capital, como se o capital lhes nascesse nos bolsos ou fosse produto do seu trabalho, como se fosse «uma contribuição» por eles dada à sociedade. Esse capital o que é? É apenas trabalho não pago ou mais-valia, é apenas o produto das horas de trabalho gratuito que a classe operária é obrigada a dar aos capitalistas.
Se do fim da guerra a 1961 se constituíram em Portugal sociedades novas com um capital de 6 milhões de contos, isso não significa senão que estavam «disponíveis» nas mãos dos capitalistas 6 milhões de contos de trabalho não pago.
Quando, ao lançarem o II Plano de Fomento, os fascistas acusaram a «formação bruta de capital fixo» de 45 milhões de contos no espaço de 5 anos, isso não significa outra coisa senão que, só por essa forma de acumulação do capital (que representa apenas uma parte da acumulação verificada no país), foram em média acumulados cada ano 9 milhões de contos de trabalho não pago.
Quando os capitalistas (nas palavras do actual ministro da Economia) admitiram para os seus planos de acumulação a que chamam de «Fomento», «o acréscimo (até 1970) do volume de capital fixo da ordem dos 240 milhões de contos» (L. M. Teixeira Pinto in Problemas do acréscimo económico português, p. 47) isto significa que, a não haver gigantescas importações de capital estrangeiro, se prepararam para arrancar anualmente, só por essa forma de acumulação, 16 milhões de contos de trabalho não pago, dois terços mais do que nos anos anteriores. Quando os capitalistas inauguram novas fábricas e anunciam que investiram nelas centenas de milhares de contos, isso não significa senão que centenas de milhares de contos de trabalho não pago são por eles utilizados para em novas fábricas comprar ainda mais força de trabalho, obrigar um número maior de operários a trabalhar para eles e a produzir mais mais-valia, sempre mais mais-valia. Vendo uma nova fábrica, os operários podem dizer com inteira razão: «Ali está produto do nosso trabalho, pago com produto do nosso trabalho». Tudo quanto os capitalistas acumulam é produto do trabalho da classe operária, representa fome, miséria, privações, doenças, tragédias, lágrimas de milhões de trabalhadores.
Os marxistas sabem que a jornada de trabalho se divide em duas partes: uma em que o operário produz o valor correspondente ao seu salário (chamado tempo de trabalho necessário), outra em que produz para o capitalista (chamado tempo de trabalho suplementar ou mais-valia). A relação entre a mais-valia e o salário é a chamada «taxa de mais-valia», que traduz o grau de exploração existente.
Qual a situação que a este respeito se oferece em Portugal? Em primeiro lugar deve notar-se que, como é próprio dos países atrasados, a taxa de mais-valia é muito diversa nos vários ramos industriais, oscilando entre 100% e 700%. Isto é: consoante os ramos industriais, por cada hora que o operário trabalha para reproduzir o valor da sua força de trabalho, trabalha gratuitamente de 1 a 7 horas para o capitalista. Na indústria portuguesa, numa jornada de 8 horas, o trabalho necessário (para o operário) vai de uma a quatro horas e o trabalho suplementar (para o patrão) de quatro a sete horas. No conjunto dos 30 principais ramos industriais, a taxa de mais-valia sobe a 240%, o que significa que, em média, numa jornada de 8 horas de trabalho, apenas 2 horas o 21 minutos são de trabalho necessário e 5 horas e 39 minutos são de trabalho suplementar ou gratuito para o capitalista. Em média, ao fim das primeiras 2 horas e 21 minutos de trabalho, o operário português pode dizer: «Produzi já para o meu salário. Desde este momento até o fim do dia, estou a trabalhar de graça para o patrão».
O grande capital não se satisfaz porém com o grau de exploração existente. Ele procura sempre maiores lucros, aumentando cada vez mais, na jornada de trabalho, o «tempo suplementar» e diminuindo «o tempo necessário». Para isso, apoiando-se na força do Estado fascista, diminui os salários reais, aumenta a intensidade e a produtividade do trabalho, prolonga a jornada de trabalho, apura os métodos mais variados para agravar a exploração dos trabalhadores.
3. Congelamento de salários e nível de vida
Ao longo dos anos, o governo fascista, a mando do capital financeiro, tem seguido uma política de «congelamento dos salários». O governo proíbe por vezes os aumentos que alguns patrões se mostram decididos a dar e fabrica, com lacaios que coloca à frente dos Sindicatos Nacionais, contratos colectivos que ajustam apenas oficialmente os salários a um nível há muito atingido de facto. Por vezes, várias empresas industriais do mesmo ramo, seguindo o exemplo de acordos patronais em relação a operários agrícolas deslocados, formam «associações» para «uniformizarem os salários» no nível mais baixo e comprometem-se a não admitir operários despedidos das firmas associadas. Quando os trabalhadores exigem melhores salários, o patronato, o Instituto Nacional do Trabalho, os fascistas dirigentes dos sindicatos e a PIDE, todos em conjunto, com promessas, recusas, ameaças, manobras, perseguições e brutalidades, procuram sufocar a luta e recusar o aumento pedido. Nos campos do Sul, os agrários e as autoridades fascistas procuram, com trabalhadores vindos de regiões politicamente mais atrasadas, fazer frente aos poderosos movimentos reivindicativos por melhores jornas. Para justificar uma tal política, usam todos os argumentos. Dizem que, se os salários sobem, os preços subirão igualmente, se entra num «ciclo infernal» e a inflação será inevitável. Dizem que, para os operários da indústria ou da agricultura poderem receber mais do patronato, têm de produzir mais para este. Dizem, repetindo Salazar, que «os interesses patronais e operários são, no final, coincidentes e não contraditórios» (entrevista ao Figaro, Diário de Notícias, 6-9-1958), querendo com isso significar que, a bem ou a mal, os operários têm de se submeter aos interesses patronais. Esta é a norma fundamental da legislação social fascista.
Para que se pudesse verificar um aumento geral de salários, bastaria que os grandes monopólios e os grandes capitalistas da agricultura reduzissem os seus fabulosos lucros. Mas eles não querem ouvir falar em reduzir os lucros. Eles querem, ao contrário, aumentá-los. E exigem, por isso, que os operários produzam mais e mais, prometendo dar-lhes uma migalha por cada grande bolo que metam na algibeira dos patrões.
Os preços sobem sempre e os salários só sobem quando o proletariado industrial e rural força pela luta o patronato a dar o aumento. Os salários sobem sempre com atraso em relação ao aumento do custo de vida. Se não fosse essa luta constante pelo aumento de salários é difícil imaginar a que extremos de miséria a burguesia haveria já reduzido os trabalhadores. Apesar porém dessa luta e das grandes vitórias por ela alcançadas tanto pelo proletariado industrial, como pelo proletariado rural, a burguesia e o seu governo fascista têm conseguido piorar progressivamente a já difícil situação de quem trabalha. Os salários nominais têm subido, é certo. Aquilo porém que se pode comprar com a féria é cada vez menos.
Impossível é hoje calcular com segurança, na base das estatísticas oficiais, a evolução do nível de vida. Índices de salários e de preços são grosseiramente falsificados. Se, por exemplo, as estatísticas do I.N.E. acusam de um ano para outro aumento dos preços dos produtos alimentares, das matérias-primas, dos combustíveis, dos produtos da indústria química, dos produtos manufacturados, mas, porque desceram uns tantos pontos os preços das bebidas e dos tabacos, concluem pela descida geral dos preços - como se podem tomar tais resultados como base séria para quaisquer conclusões? Os números das estatísticas de Salazar não servem para comer, nem para vestir.
Tirando certos sectores muito restritos da «aristocracia operária», o conjunto da classe operária come hoje pior, veste pior, vive pior sob todos os aspectos, que 20 ou 30 anos atrás. Consome-se mais batata, dizem os fascistas. É verdade. Mas o aumento do consumo de batata, diminuindo o de alimentos mais ricos, é indice de pioria e não de melhoria da situação dos trabalhadores. Come-se mais batata. Mas come-se cada vez menos peixe e menos carne. Em Lisboa, nos primeiros 10 anos de ditadura o consumo médio anual, por habitante, de carne de vaca foi de 11 quilos; em 1955-59 apenas de 7 quilos. No Porto passou respectivamente do 20 para 13 quilos. Considerando o conjunto da carne de vaca, de carneiro, de porco e de cavalo, as capitações de consumo nos mesmos anos, passaram em Lisboa de 20 para 13 quilos e no Porto de 23 para 17 quilos.
Bem pode dizer o fascista Cardeal Cerejeira que «a grande fome do homem actual é uma fome metafísica». Hoje em Portugal há missas a mais e pão a menos. Com uma capitação média de 2.500 calorias, estamos no fundo da escala europeia. Em Portugal passa-se fome e muita fome.
E para viver não basta comer. É necessário ter uma casa onde habitar, roupa para vestir, e satisfazer muitas outras necessidades do ordem material e cultural. Os salários actuais para nada chegam. O ideal do capitalismo é pagar a força de trabalho pelo seu valor, isto é, assegurar aos trabalhadores um nível mínimo de vida que permita conservarem as condições para trabalharem segundo as exigências da economia no estádio actual de desenvolvimento. Mas a verdade é que a força de trabalho está em Portugal a ser paga abaixo do valor. Isto é: os salários actuais não chegam para comer, vestir, calçar, tratar da saúde, ter uma habitação, educar-se ao nível exigido pelo próprio processo da produção.
Constrói-se muito, dizem os fascistas. A verdade é que se constrói pouco e caro. A política de habitação é, como toda a política fascista, dominada pela preocupação de assegurar os mais altos lucros aos capitalistas e os mais altos réditos ao Estado. Atiram-se abaixo prédios de boa construção para vender o terreno a preço superior ao do próprio prédio. O preço dos terrenos impõe prédios de alto rendimento. A política da construção de habitação é a política dos prédios novos e luxuosos para a burguesia, a das rendas caras que assegurem aos capitalistas altos juros dos seus capitais. Os Delfim Ferreira, os Vieira de Brito, os grandes banqueiros e industriais, tornam-se grandes proprietários de prédios urbanos em que investem centenas de milhares de contos. As rendas nas maiores cidades (que nos países socialistas vão de 5% a 10% dos salários) sobem a mais do que o salário mensal de um operário português?! E entretanto, apesar do peso, no conjunto do país, de Lisboa e outras cidades, 70 em cada 100 habitações não têm electricidade e 86 em cada 100 não têm água canalizada. As famílias operárias amontoam-se em quartos e partes de casa, ou refugiam-se em barracas, furnas ou casebres. Os «bairros da lata» e as «ilhas», arrasados nas zonas centrais das cidades para não indisporem a burguesia com o mau aspecto e o mau cheiro, renascem ainda mais miseráveis nas zonas periféricas.
Uma forma de diminuir o salário da classe operária consiste no emprego crescente de mulheres, jovens e crianças. O trabalho feminino sobe já a um quarto de toda a mão-de-obra e os salários da mulher são de 15 a 40% inferiores aos salários dos homens. Os jovens trabalham como homens, ganham consideravelmente menos, são mantidos ilegalmente por tempo indeterminado na categoria de aprendizes, de praticantes, de ajudantes e outras, ou são despedidos quando se torna difícil continuar a explicar a não promoção. O trabalho infantil continua a alargar-se na indústria, dando lugar a inqualificáveis abusos e extorsões.
A diminuição dos salários não é porém a única forma pela qual os capitalistas procuram aumentar os seus lucros.
4. Agravamento da exploração
O aumento da intensidade do trabalho e o prolongamento da jornada de trabalho são das formas preferidas pelos capitalistas para aumentar a exploração e a mais-valia e, portanto, o lucro. Eles obrigam a ritmos mais apressados de trabalho, fixam produção mínima obrigatória muito superior às possibilidades normais, estabelecem sistemas de prémios e de multas, alargam o trabalho à peça e à tarefa, roubam no tempo de trabalho e obrigam os operários a fazer horas extraordinárias que pagam a singelo, ou com descontos, ou não pagam mesmo em muitos casos.
O desrespeito completo pelo horário de trabalho, exigindo-se 9, 10 e 12 horas de trabalho é frequente. O prolongamento da jornada de trabalho através do roubo de alguns minutos ao pegar e ao largar tornou-se um sistema de exploração generalizado. Os patrões, tão rigorosos na cronometragem de cada operação dos operários para forçar o ritmo de trabalho, atrasam e adiantam os relógios para conseguirem prolongar a jornada. Adianta-se o toque ao principiar o trabalho e atrasa-se o toque ao terminar o mesmo. Arranjam-se os mais variados pretextos para reter os operários além da jornada de trabalho. Exige-se que ao segundo toque todos os operários estejam já diante das bancadas. Roubando alguns minutos por dia a cada operário, os patrões conseguem ao fim do mês apurar muitas mais jornadas de trabalho gratuito. Em fábricas onde há numerosos operários, o patronato consegue assim como que ter alguns operários suplementares e invisíveis, trabalhando gratuitamente todo o dia. Muitos outros processos são utilizados para aumentar a jornada de trabalho. Exige-se que «para compensar os feriados» os operários trabalhem, noutros dias, minutos ou horas suplementares gratuitos. Mandam-se para casa os operários quando falta a corrente eléctrica e exige-se que trabalhem depois as horas respectivas; etc. Nas conservas, com a laboração reduzida, os operários, quando o trabalho aparece, chegam a trabalhar 12 horas sem que seja considerada a existência de horas extraordinárias.
O trabalho à tarefa abrange cerca de 6% dos operários industriais. Com a mira de obter maiores salários, os operários intensificam o ritmo de trabalho. Em alguns casos, os patrões pagam o salário diário por um trabalho de empreitada muito superior àquele que os operários podem fazer numa jornada de trabalho, com a «regalia» para os operários de poderem ir-se embora logo que o terminem. Nestes casos, a intensificação extraordinária do trabalho visa encurtar o tempo de permanência na fábrica. A imaginação e a desvergonha do patronato nesta matéria não têm limites. Na firma João Alves de Lisboa, por exemplo, davam trabalho de empreitada a jovens de 13 a 15 anos e, quando estes estavam a acabá-lo, logo preparavam novo trabalho para fazerem a seguir...
Em média, nos ramos industriais sujeitos ao inquérito de 1959, os operários trabalhando à tarefa conseguiram receber anualmente mais 130 escudos, ou seja, mais 1,6 por cento que os operários que não trabalharam à tarefa. Mas embora se não possa calcular em percentagem, a intensificação do trabalho à tarefa fica certamente a um nível muito superior. O trabalhador estafa-se, desgasta as suas energias e consegue em média apenas mais uns cinco tostões por dia, quando o consegue.
Com o sistema dos prémios está-se utilizando um novo abuso. Dão-se prémios àqueles que menos tempo levarem a executar determinadas operações. Na semana seguinte o tempo record passa a ser tempo padrão. E como, na exploração capitalista, as multas andam sempre de mãos dadas com os prémios, estabelecem-se descontos ou multas para aqueles que o não cumprirem, quando não são despedidos pura e simplesmente. Outras vezes prometem-se prémios, induzem-se assim os operários a um maior esforço e depois negam-se os prémios prometidos. Há tempos, na EFACEC do Porto, como pelo sistema de prémios estabelecidos, alguns operários atingissem mais 100% do salário, logo a empresa descobriu que não podia pagar mais do que 33% «fixados» (?) internacionalmente. Nas minas de S. Pedro da Cova, estabeleceram prémios de 18 escudos às secções de operários por cada vagoneta de carvão a mais do que a norma. Como uma secção alcançasse várias vagonetas, logo os patrões mandaram pesar a cinza, afirmaram que esta subia a 47% e informaram os operários de que do prémio seria só pago metade, por haver no carvão mais de 45% de cinza.
Sejam porém pagos os prémios ou roubados, com eles alcança o patronato a intensificação do trabalho.
As multas atingem um grau escandaloso: por pequenos enganos, por pequenas pausas impostas pelo próprio trabalho, sob pretexto de que não dão rendimento, com todos os pretextos, os patrões aplicam elevadas multas, que chegam a atingir dias de salário. Há fábricas em que o operário que vai à retrete mais do que as duas vezes autorizadas chega a pagar de multa mais que o salário do dia. As multas tornam-se para o patrão uma fonte de receita suplementar.
Quanto às horas extraordinárias, que por lei deveriam ser pagas nos dias de semana com mais 50% e aos domingos com mais 100%, os «melhores patrões» pagam-nas em geral pelo preço das outras. Como as horas extraordinárias depois de uma inteira jornada de trabalho exigem um muito maior desgaste de energia, o seu pagamento a singelo representa novo agravamento da situação dos trabalhadores. Há pequenos patrões que têm a habilidade grosseira de pagar a singelo, mas darem uns copos de vinho, chicoteando assim com o álcool as energias dos operários cansados, o que provoca muito maior fadiga e esgotamento.
Coisa semelhante se passa com os turnos. Criam-se turnos nocturnos e não se paga a percentagem legal sobre os salários. Chegam mesmo a criar-se turnos apenas para trabalhar nas horas de descanso do restante pessoal.
Todos os processos de intensificação do trabalho, incluindo aquilo a que os fascistas chamam «os mais modernos métodos psicológicos de incitamento ao trabalho», se têm refinado nos últimos anos, apresentados com um verniz pseudo-cientifico pelos propagandistas fascistas ao serviço dos monopólios. A Emissora Nacional, por exemplo, resolveu em certa altura lançar um programa novo, para uso dos senhores industriais. Chamava-se «Música no Trabalho». E o órgão da União Nacional, o Diário da Manhã, fazia entusiástica propaganda do método. Referia «o salutar efeito que a música exerce sobre os empregados durante as horas de trabalho», afirmava que «a música longe de prejudicar o ritmo e a qualidade do trabalho só os melhora» e apresentava o supremo argumento: o caso de uma fábrica em que, com a introdução da música, «nos turnos de dia a produção aumentou 17% e nos nocturnos 28%» (Diário da Manhã, 16-8-1962). «Toca a pandeireta para fazer dançar o urso» - tal é a revoltante atitude do patronato o dos fascistas. Mas o «urso» dá e dará a resposta adequada a quantos julgam poder domá-lo.
Os ritmos mais apressados de trabalho, não só exigem um desgaste suplementar das energias do operário como estão na origem de numerosos acidentes. Quantos não têm sido vítimas da criminosa exigência de limparem as máquinas em movimento? E quantos, apressados, esgotados, com os reflexos menos prontos, em oficinas ou empresas onde pouco ou nada se faz pela segurança dos que trabalham, não são vítimas de acidentes mortais ou ficam estropiados ou incapacitados para sempre? Os fascistas publicam raras estatísticas de acidentes de trabalho. Mas, num relatório oficial, confessaram terem lugar anualmente 300.000 acidentes, dos quais resultam 3.000 casos de incapacidade permanente (Portaria n.° 17.688, de 11-4-1960). Tem-se calculado o aumento anual dos acidentes de trabalho em mais de 10 % -superior ao aumento da população industrial. O número de acidentes mortais é «secreto», mas só aos tribunais são participados anualmente 500 casos e há especialistas que calculam o seu número anual em mais de 2.000, excluindo os acidentes na agricultura. Que importam aos senhores do capital e aos fascistas a vida, a saúde, a segurança dos operários? A eles interessam apenas os ritmos infernais de trabalho que lhes dêem lucros sempre maiores. Eles, que nenhumas medidas sérias tomam para evitar os acidentes de trabalho, têm ainda o descaro do procurar atribuir a responsabilidade destes aos próprios trabalhadores e torná-los uma fonte de receita para as empresas. Pois não vemos a CUF adoptar como «forma de combate aos acidentes de trabalho» a aplicação de multas aos sinistrados? Quanto às vitimas, os próprios ou as famílias arrastam-se meses pelas companhias de seguros, que pertencem muitas vezes à mesma entidade patronal, e acabam por receber, quando recebem, uns magros e insultuosos tostões.
5. Intensidade e produtividade do trabalho
Com o mesmo objectivo de aumentar a exploração da classe operária, o grande capital tem feito nos últimos anos um esforço para aumentar a produtividade do trabalho. É evidente se, no mesmo tempo de trabalho, o operário produz mais que anterioremente, também em menos tempo produz o valor equivalente ao salário que recebe. Isto é: se aumenta a produtividade do trabalho, diminui o tempo de trabalho necessário e aumenta a parte da jornada em que o operário produz gratuitamente para o patrão, ou seja, o trabalho suplementar. Esse é o objectivo principal do capitalista ao procurar aumentar a produtividade do trabalho através das «campanhas de produtividade» e da «racionalização». Dessa forma consegue também um menor custo de produção e uma posição favorável na concorrência.
No conjunto da indústria transformadora, o produto nacional aumentou, de 1950 para 1958, 50%, a população activa aumentou 11%, a produção por pessoa activa passou de 19 para 25 contos, e a chamada produtividade subiu assim 32%.
O aumento da produtividade distingue-se do aumento da intensidade, mas, de facto, é em geral acompanhado por este. Em muitos casos, os capitalistas, para esconderem a violência dos seus métodos chamam «aumento da produtividade» ao que na realidade é «aumento de intensidade». Se, por exemplo, em Tortosendo, sem qualquer mudança de máquinas ou de técnica, se obrigam os tecelões que trabalhavam com um tear rotativo a trabalhar com dois, isso nada tem que ver com a produtividade, mas apenas com a intensidade do trabalho. Se numa fábrica de artigos eléctricos se obriga a embobinar um motor em 8 horas em vez das 16 horas anteriores, o mesmo se passa.
Facto indiscutível é que a produção média por operário tem aumentado em quase todos os ramos da indústria. De 1949 para 1961, a produção por operário nas conservas de peixe passou de 1,3 para 4,1 toneladas; nos resinosos de 80 para 116 toneladas; nos vidros de 4 para 8 toneladas; nos fósforos de 11 para 22 milhões de hastes; no cimento de 298 para 610 toneladas; nos cabos e condutores eléctricos de 55 para 87 toneladas. Tomando como base a matéria-prima consumida, a média por operário passou nos lanifícios de 270 para 460 quilos de lã; no tabaco de 2 para 4 toneladas; nos lacticínios de 5 para 22 milhões de litros de leite laborado. Calculado por dia de trabalho, o aumento é sensivelmente o mesmo.
Em quase todos os ramos da indústria, se observa um aumento da produção relativamente rápido e um aumento do pessoal operário relativamente lento. Calculados «índices de produtividade» na base dos índices de produção e do emprego, observa-se, de 1949 para 1961, um aumento que vai de 20% a 100% nos resinosos, vidros, cerveja, curtumes, fósforos, lanifícios, algodões, chapelaria, chocolates e cortiças, e de 100% a 200% nas conservas, cimento, açúcar, papel e tabaco. No conjunto destes ramos industriais, a «produtividade», em 1961, apresenta o aumento de 100% em relação a 1949.
Alguns dos aumentos, em ramos onde não se verificaram praticamente progressos técnicos, são devidos apenas a uma maior intensidade do trabalho e por isso só indevidamente se podem chamar de «produtividade». Mas alguns outros, como parece ser o caso das cervejas e dos fósforos, onde aumentou a força motriz e caiu verticalmente o número de operários e de dias de trabalho, são devidos à maior produtividade. Todos eles mostram um considerável agravamento da exploração da classe operária. Os homens dos monopólios arrancam aos trabalhadores cada vez mais horas de trabalho gratuito.
O mesmo procuram fazer as grandes companhias de pesca em relação aos pescadores, que entretanto corajosamente resistem à exploração patronal.
O mesmo procuram fazer os grandes capitalistas da agricultura em relação aos assalariados rurais, cuja situação é tão trágica que um fascista foi forçado a reconhecer na Assembleia Nacional que «o nosso trabalhador rural vive em casas sem as mais rudimentares condições sanitárias, desprovidas de água, de luz, sem qualquer espécie de conforto»; que «a sua alimentação é deficiente»; que «o seu horário de trabalho vai de sol a sol»; que «a providencia e a assistência não existem»; que «o trabalhador rural moureja a vida e na velhice pede esmola» (Diário das Sessões, 10-12-1963). Fazendo frente à luta heróica dos proletários rurais do Sul, os senhores da terra e as autoridades fascistas procuram ainda piorar esta situação.
6. A participação dos operários no capital
Nos últimos anos tem-se feito bastante barulho acerca da participação dos operários no capital e nos lucros das empresas. Não estará aí, como pretendem os fascistas, uma nova «audaciosa experiência social», uma nova prova da «democratização do capital»? Não se tratará, como pretende o Jorge de Mello da CUF, da aplicação da «concepção cristã da empresa»?
A verdade é tratar-se apenas de um grosseiro processo de aumentar a intensidade do trabalho e a exploração dos trabalhadores. O que pode representar, por exemplo, a distribuição de acções do 1.000 escudos aos operários da CUF? Fazendo dos operários «patrões», procura-se vincular os operários aos interesses da empresa, ganhá-los à ideia de que, quanto maiores forem os lucros da empresa, maior será o dividendo por eles recebido, procurar que trabalhem mais e melhor e pagar-lhes menos com o pretexto dos seus interesses e «lucros» como «patrões». No fim de contas, que vem a «ganhar» cada operário? Se a CUF distribuir um dividendo de 10%, cada operário virá a ter um «lucro» de 100 escudos por ano. Quer dizer: negam-se aumentos de salários de 10 escudos por dia exigidos pelos operários em Outubro último, procura-se (conforme diz a CUF), a «estima, compreensão, colaboração activa e leal» dos trabalhadores, e no fim do ano dá-se uma «gratificação» inferior a um aumento de salário de 5 tostões por dia. Eis a aplicação prática da «concepção cristã» dos melros da CUF.
O processo nada tem de novo. De vez em quando, alguns grandes ou pequenos patrões mais «modernos», logo apoiados pela propaganda fascista, fazem girar o disco da «audaciosa experiência social». Quem se não lembra que há tempos o grande Banco de Fomento inscreveu nos Estatutos que 3% dos lucros líquidos, podendo tomar a forma de «títulos de trabalho», serão destinados aos empregados, «atendendo aos bons serviços e méritos»? Quem não sabe que, nas pequenas leitarias e pastelarias, é costume dar aos empregados a fictícia qualidade de «sócios» para os subtrair aos horários de trabalho? E há oito anos, quanto barulho se não fez à volta da Sociedade de Moagem e Panificação do Norte, Lda., que, tendo um capital de 4.200 contos, deu a diversos operários e encarregados quotas no total de 27 contos, procurando pô-los a trabalhar e a fazer trabalhar os outros como forçados, a troco de mísera gratificação totalizando uns 2 contos anuais! E será menos brilhante o exemplo da Empresa de Camionetas Boa Viagem, Lda., que teve o desplante de anunciar que deu aos empregados quotas de 50, 20 e 10 escudos, o que talvez tenha representado, para os operários tornados «sócios», brilhantes lucros anuais de dez tostões por cabeça? Não se pode dizer que a CUF, apesar de ser (como se intitula) «a maior organização industrial da Península» e «a quinta da Europa», vá muito além em generosidade. Que se esfalfem os operários ao serviço da «sua» empresa. Que vão recebendo cada ano uma pequena e cínica esmola. Ao fim de 30 ou 40 anos de serem explorados, se antes não forem despedidos por velhos e incapazes, como sucede a muitos, espera-os nova e grande recompensa, material e moral, com homenagem pública nos jornais! Pois não vimos já a Associação Industrial Portuense «premiar» espalhafatosamente uma operária com 36 anos de «assiduidade ao serviço» com a estimulante quantia de mil escudos, ou seja, o correspondente a 28 escudos por ano de trabalho incansável?
A participação dos operários no capital e nos lucros das empresas é apenas uma forma de obter uma maior intensidade de trabalho e de tentar afastar os trabalhadores do caminho da luta pelos seus interesses.
7. Desemprego e subemprego
A «racionalização», as «campanhas de produtividade», a «reorganização» e concentração industrial trazem consigo o desemprego. Com a industrialização, a «modernização» das indústrias, a concentração, modifica-se a composição orgânica do capital, pesando cada vez mais o capital constante (máquinas, instalações, matérias-primas, etc.) e diminuindo nuns casos relativamente, noutros casos em absoluto, o capital variável (força de trabalho).
A questão não é entretanto tão simples como pode parecer. Como já se mostrou, a composição orgânica do capital é relativamente elevada no nosso país. No conjunto de 28 dos principais ramos industriais, sobe a 6,5, isto é, no valor da mercadoria, a cada 86,6 contos de capital constante correspondem 13,4 contos de capital variável. Como também já se mostrou, esta elevada composição orgânica não é tanto um sintoma do peso crescente dos ramos com técnica moderna e custosa maquinaria, como do peso dos ramos preparadores de matérias-primas. Isto significa que, na medida em que se desenvolvem ramos modernos da indústria e perdem as suas posições os ramos preparadores de matérias-primas, pode descer, no conjunto do país, a composição orgânica do capital. Daqui, assim como da procura de mão-de-obra resultante do desenvolvimento industrial, resultam necessariamente oscilações e irregularidades na evolução do grau da exploração, das taxas de lucro e do desemprego.
Entretanto, dado que os ramos preparadores de matérias-primas perdem dia a dia a sua importância, dados os elevados investimentos que exigem os novos ramos da indústria, dada a tendência para a «modernização», aumenta cada dia mais, em todos os ramos da indústria existente, a composição orgânica do capital e esta aparece desde início mais elevada nos novos ramos.
Marx ensinou que os novos capitais acumulados, com a sua nova composição orgânica, chamam a si um número cada vez menor de operários relativamente à sua grandeza e os antigos capitais repelem um número cada vez maior de operários a que dantes davam trabalho. A «reorganização» e a «modernização» industrial significam o emprego de maquinaria mais moderna e o despedimento de numerosos operários. A automatização da Tabaqueira originou 200 despedimentos. E uma simples britadeira mecânica torna possível a substituição de 100 operários por um só.
O aumento da intensidade do trabalho traz também consigo a dispensa de força de trabalho. Com a mira dos capitalistas pagarem salários cada vez mais baixos, homens são desempregados porque se empregam mulheres e estas são desempregadas porque se empregam crianças.
Em Portugal, em muitos ramos industriais, um número elevado de operários contratados hoje, despedidos amanhã, despedidos num lado, contratados noutro, hoje uns, amanhã outros, são condenados no desemprego. Mesmo entre o chamado «pessoal permanente», só na produção da electricidade são garantidos 300 dias anuais de trabalho. Nos algodões, cimentos, minas, papel, tabaco, são apenas assegurados de 270 a 300 dias. Na cerveja, lanifícios, vidro, cerâmica, fósforos e moagem, são apenas assegurados de 250 a 270 dias. Nas conservas, curtumes e chapéus não chegam a ser assegurados 210 dias de trabalho.
Mas além do «pessoal permanente», existe o chamado «pessoal adventício», ou seja, desempregados com trabalho temporário. O pessoal adventício não chega a ter na generalidade 200 dias de trabalho anuais. Tem apenas de 100 a 150 nas minas, conservas, moagem, lanifícios, cerâmica, curtumes e vidros, e menos de 100 dias no tabaco, lacticínios, cortiça e confeitaria.
Com a «reorganização», a concentração e a «modernização» da indústria e com a crise que atinge alguns ramos industriais, encerram-se cada dia novas fábricas, são despedidos numerosos operários que engrossam as fileiras dos desempregados. Há ramos industriais (cortiças, lanifícios e outros) que vivem longos períodos num regime de 3 a 5 dias de trabalho semanal.
Em média, nos últimos anos, os operários portugueses têm tido anualmente menos de 250 dias de trabalho, o que corresponde a cerca de dois meses de desemprego.
Nos campos, o desemprego toma aspectos cada vez mais graves. Com a mecanização da agricultura, particularmente o uso de tractores, ceifeiras e debulhadoras, com a monda química e outros processos técnicos, centenas de milhares de assalariados rurais são lançados cada ano para o desemprego durante uma boa parte do ano. Em algumas regiões, o período de desemprego estende-se por 6 meses e mais. Muitos dirigem-se para as cidades em busca de trabalho, mas, como o desenvolvimento industrial não absorve a mão-de-obra disponível, aumenta por essa forma também na indústria o número de desempregados.
8. Urge melhorar as condições de vida
Com alimentação a menos e intensidade de trabalho a mais, longas épocas desempregados, vivendo em tugúrios, sem assistência médica nem previdência, os trabalhadores portugueses são reduzidos a uma situação de trágica miséria. Temos uma juventude depauperada e raquitizada e a saúde dos trabalhadores arruína-se pelas duras condições de vida e pela falta de assistência. A tuberculose continua a ser um flagelo nacional. As doenças profissionais atingem vastos sectores operários. Um inquérito oficial revelou haver minas com mais de 30% de operários atingidos pela silicose. O mesmo se passa em fábricas de louça e outras. Quando os operários doentes e cansados pelo trabalho já não dão o rendimento de antes, diminuem-lhes os ordenados ou despedem-nos para sempre com 10, 20 e mais anos de casa, sem pensão, nem reforma. As mulheres não têm qualquer assistência eficaz na gravidez e no parto, embora muitos patrões obriguem as operárias a assinar recibos de subsídios que nunca viram. A mortalidade infantil, com 89 óbitos de crianças de menos de 1 ano por 1.000 nascimentos, é de longe a mais alta da Europa - o duplo, o triplo, o quádruplo dos óbitos verificados nos outros países da Europa Ocidental.
E a miséria é tanta, é tão poderosa a corrupção do dinheiro, é tão profunda a decomposição moral da sociedade, que a criminalidade e a prostituição não param de aumentar. O ritmo do aumento da prostituição é mais que duplo do ritmo do aumento da população. Um ano atrás havia, só em Lisboa, 500 prostíbulos e 5.000 prostitutas matriculadas (mais do dobro do existente em 1926). Depois da espectaculosa, inútil e demagógica proibição da prostituição em Janeiro de 1963, em vez de umas tantas ruas e casas, temos a prostituição «clandestina» espalhada por todo o lado.
Os fundos das Caixas de Previdência, que deviam destinar-se em parte fundamental à assistência na doença, invalidez e velhice, são desviados para auxiliar, não os trabalhadores, mas os capitalistas e o Estado. Hoje, as Caixas de Previdência são dos maiores accionistas e obrigacionistas de muitas grandes companhias e dos maiores subscritores dos empréstimos do Estado. Muitos milhões de contos, que se deveriam destinar a melhorar a situação das classes trabalhadoras, são abusivamente postos ao serviço dos monopolistas e do Estado fascista. Numerosas Caixas de Previdência cobrem ainda a sua existência com o pretexto da «previdência», mas trabalham fundamentalmente como mobilizadoras de recursos dos operários e empregados para os pôr ao serviço do grande capital. No chamado primeiro Plano de Fomento, num financiamento total de 6.786 milhares de contos, as Caixas de Previdência cobriram 1.544 milhares de contos, ou seja, 23% do total. Um quinto do capital dos novos empreendimentos é coberto peIos fundos da Previdência. Hoje, quando os grandes grupos monopolistas pretendem capitais a juro módico ou mesmo sem qualquer juro, dizem ao governo fascista, este diz às direcções fascistas das Caixas de Previdência, e estas dão logo o dinheiro às grandes empresas. A Hidroeléctrica do Douro, por exemplo, quando no início da sua actividade precisou de capitais de empréstimo a baixo juro, conseguiu que o governo determinasse que as Caixas de Previdência subscrevessem 50.000 contos dum empréstimo total de 75.000 contos.
É frequente Caixas de Previdência, mesmo relativamente modestas, figurarem ao lado dos grandes potentados financeiros como grandes prestamistas do Estado. A Caixa Sindical de Previdência do pessoal da indústria cerâmica, por exemplo, tem 100.000 contos emprestados ao Estado, 24.000 contos na CP, 13.000 contos na SACOR, 17.000 contos na HICA, 6.000 contos na HED, etc.. No total, quase 200.000 contos desta Caixa foram postos assim ao serviço do Estado e dos monopólios. O caso repete-se por todas as outras. A rapina descarada da Previdência não tem limites. Os fundos das Caixas chegam a ser utilizados para o reforço do aparelho repressivo. Pois não «pediu» recentemente a Câmara Municipal de Matosinhos à Caixa Sindical dos operários têxteis ajuda para a instalação de um posto da GNR em S. Mamede de Infesta?
Tudo tirar aos trabalhadores, tudo para o serviço do grande capital - tal a política do governo fascista.
Se as condições materiais de vida são o que se acaba de referir, as condições culturais não são melhores. Ninguém esquece as célebres palavras de Salazar, que mostram bem o propósito de monopolizar a cultura para a burguesia reaccionária: «Saber ler, escrever e contar é bastante para a maioria dos portugueses.» Salazar disse «bastante» mas pensa que é «demasiado». Toda a «política do espírito» fascista tem tido em vista vedar às classes trabalhadoras o acesso à instrução e à cultura. Para as despesas militares há 40% e mais das receitas do Estado; para a educação, 10% e menos. O resultado é que mais de 40% dos portugueses continuaram analfabetos - índice que é um vergonhoso escândalo na própria Europa capitalista. Das crianças inscritas nas escolas primárias só um terço consegue terminar a quarta classe. Constroem-se anualmente menos edifícios escolares do que se construíam há meio século. Milhares de escolas primárias não têm professores. Nas escolas médias, onde pelas elevadas propinas e pela dificuldade para as famílias de trabalhadores dispensarem o salário dos jovens, começa a selecção de classe, chegam a ser reprovados cerca de 50% dos estudantes. A Universidade é reservada para os filhos da burguesia, porque, conforme disse com clareza um ministro da Educação salazarista, é necessário «preservar da invasão das massas as Universidades e os estudos pós-graduados».
A perseguição à instrução, à cultura e à arte é lei do regime fascista. Os fascistas têm tanto medo da instrução e da cultura como de balas. Tal como os hitlerianos, também os salazaristas, quando ouvem a palavra cultura levam a mão ao revólver.
O melhoramento urgente das condições de vida das classes trabalhadoras é um dos objectivos fundamentais da revolução democrática. Os fascistas dizem que os salários só podem ser aumentados se aumentar a produtividade do trabalho. Nós afirmamos que num Portugal libertado da ditadura fascista, nacionalizados os sectores da indústria e do comércio hoje em poder dos monopolistas e realizada a Reforma Agrária, é não só possível como indispensável um aumento geral de salários, e esse aumento será mesmo um passo para a subida da produtividade.
O pagamento de igual salário a igual trabalho aos homens, mulheres e jovens; a qualificação profissional e as promoções de jovens trabalhadores; a proibição do trabalho infantil; o respeito pela jornada de 8 horas; o pagamento devido das horas suplementares; a segurança no trabalho; a protecção à mulher na gravidez e no parto e a assistência à infância; o estabelecimento de um sistema eficaz de assistência médica e seguros sociais na doença, desastre, invalidez e desemprego; o estabelecimento de férias anuais pagas; o melhoramento das condições habitacionais pela expropriação das propriedades urbanas dos multimilionários, a baixa das rendas e uma nova política de construção - tais são alguns dos objectivos essenciais da revolução democrática com vista ao rápido melhoramento do nível de vida material das classes trabalhadoras.
Uma revolução cultural terá necessariamente de acompanhar a revolução no terreno económico e social. A extinção do analfabetismo, a reforma geral do ensino com revisão completa de programas e métodos, o acesso às escolas médias e superiores dos filhos dos trabalhadores pela redução do custo de ensino e a instituição de um sistema de bolsas, a difusão geral da cultura, o estímulo à literatura e à arte - inscrevem-se entre os primeiros objectivos de uma revolução democrática, inseparável dos demais objectivos.
No trabalho preparatório da elaboração do novo Programa do Partido têm sido concretizados os objectivos na actual fase da revolução em 7 pontos. Um oitavo deveria ser introduzido: «A democratização da cultura, a revolução cultural».
(*) Este texto constitui o capítulo IV de ‘Rumo à Vitória’, geralmente considerado como a obra teórica cimeira de Álvaro Cunhal. Foi apresentada à reunião do comité central do P.C.P. realizada em abril de 1964 em Kiev, na União Soviética, aí sendo aprovada para constituir a base para a elaboração de um projeto de programa do partido. Editado clandestinamente pelas Edições Avante! em 1964, com o subtítilo “as tarefas do partido na revolução democrática e nacional”, seria reeditada pela mesma editora em maio de 1977, agora com os subtítulos acrescentados pelo autor. Houve ainda uma edição de junho de 1974, a primeira legal, pelas Edições “A Opinião”, do Porto. A nosso ver, desta obra doutrinária, sobreviveram melhor páginas como estas, de clássico recorte marxista e impregnadas pela viva pulsação da luta de classes real e concreta. |
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