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As lutas de 8 e 9 de Maio e a aliança do proletariado e do campesinato
Alfredo Dinis (*)
Reagrupamento de forças. Novas jornadas
Após as grandiosas jornadas de Julho-Agosto de 1943, o Partido lançou-se decididamente no reagrupamento de todas as suas forças com o objectivo imediato de colher no menor espaço de tempo possível os frutos dessas lutas heróicas e de levar os trabalhadores a novas e mais decididas lutas. Vimos, nos Avantes! e Militantes que saíram após os movimentos essa orientação. O Partido explica as novas condições objectivas e subjectivas criadas aos trabalhadores e aos antifascistas. O Partido explica que esses movimentos constituíram uma grande vitória política, em virtude da qual o fascismo e o patronato ficaram atemorizados, e indica que podíamos levá-lo a fazer concessões, se soubéssemos continuar a luta.
No Avante! n° 39, 1ª a quinzena de Setembro, podemos ler «As grandes jornadas de Julho-Agosto aprofundaram as contradições internas do fascismo e criaram a base para uma grave crise política.» No mesmo artigo e mais adiante lê-se: «Desagregação e crise no campo do fascismo: fortalecimento da unidade e do espirito de luta no campo da classe operária e do movimento antifascista.»
O Partido, ao definir a situação criada em Julho-Agosto e ao lançar as novas consignas, não escuta, evidentemente, as vozes daqueles vacilantes ou cobardes, que se assustaram com a prisão ou com o matraquear das metralhadoras, e indica de novo aos trabalhadores o caminho da ofensiva.
Nesse número do Avante!, o Partido lançava a palavra de ordem: «A luta não deve cessar um só momento. Em cada fábrica ou empresa, uma vez retomado o trabalho, devemos continuar imediatamente a luta reivindicativa.»
Continuar a luta como? Declarando novamente a greve? Não, camaradas. O Partido indicava concretamente qual o tipo de luta a seguir. No número seguinte do Avante!, novamente e com maior firmeza se indica esse caminho: «há que lançarmo-nos de novo e rapidamente à ofensiva. No momento presente não se trata de desencadear uma nova grande greve à escala nacional ou regional. Trata-se de empreender muitas pequenas ofensivas, em cada fábrica e oficina, exigindo por intermédio de comissões, reclamações em massa, etc. - a satisfação das reivindicações dos trabalhadores em cada fábrica e oficina».
Que esta orientação foi inteiramente justa não era necessário dizê-lo, bastava indicar as sucessivas vitórias alcançadas, nos meses que se seguiram.
Criam-se dezenas de comissões de unidade. Os trabalhadores seguem o Partido na ofensiva
Não basta naturalmente indicar a orientação justa. Era necessário levá-la à prática. Foi isso que se fez em dezenas de empresas e oficinas. Nós vimos os nossos militantes de muitas fábricas e oficinas organizarem Comissões de Unidade verdadeiramente dignas deste nome, pois preenchiam todas as condições indicadas pelo Partido.
Em primeiro lugar, na sua maioria, elas apareciam nomeadas pelos trabalhadores; em segundo lugar, elas eram constituídas pelos operários mais conscientes e firmes, os mais prestigiados, excluindo geralmente os nossos camaradas mais responsáveis; em terceiro lugar, essas comissões apareciam ante o patronato não a esmolar «um aumentozinho que ajudasse a fazer face à carestia de vida», não a titubiar as suas reivindicações, mas sim com o respectivo caderno de reivindicações - elaborado com a participação da maioria dos trabalhadores, como nós tínhamos indicado; em quarto lugar, elas eram, na maioria, apoiadas por concentrações, massivas de todos os operários da empresa.
Semana após semana, mês após mês, nós vimos milhares de trabalhadores lançarem-se na luta pelo aumento de salário; milhares de trabalhadores seguindo o caminho indicado pelo Partido, cumprindo as suas directrizes. Semana após semana, mês após mês, milhares de trabalhadores foram vendo satisfeitas, parcialmente, as suas reivindicações em consequência dessa luta. Com excepção duma pequeníssima percentagem, nós vimos os operários de todas as fábricas e oficinas de todo o Baixo Ribatejo, desde Sacavém a Alenquer, lançarem-se nessa luta e conseguirem aumentos apreciáveis nos seus salários, além de outras reivindicações.
Devemos salientar, nesta região, os movimentos da Cimento Tejo, em Janeiro, e o dos operários da fábrica de vidro Covina em Fevereiro, pela unidade e firmeza que os caracterizaram e os distinguiram de todos os que houve na região, inclusive nos resultados obtidos. Basta dizer que na Tejo e na Covina foram marcados prazos muito curtos ao patronato para satisfazerem as reivindicações apresentadas.
Na Tejo, na presença duma segunda concentração, após 8 dias da primeira, e da terceira ida da Comissão ao director, esta exigiu a presença de um dos administradores para resolver a situação. Este veio e, como quisesse dar 1$00 de aumento, como das vezes anteriores, foi o próprio director e os restantes engenheiros, incluindo o polícia Sousa Lobo, que se opuseram a isso declarando que não tomavam a responsabilidade. O director e os engenheiros escreveram nesse mesmo dia uma carta ao Conselho de Administração, assinada por todos eles e em primeiro lugar pelo rafeiro Sousa Lobo, explicando o estado de espírito dos trabalhadores e exigindo que fosse resolvida a situação. Nessa semana foram satisfeitas a maior parte das reivindicações apresentadas.
Na fábrica Covina fizeram-se duas concentrações em frente do escritório, enquanto a comissão foi três vezes falar com o gerente. Numa e noutra participaram, além dos operários, 4 encarregados. A segunda manteve-se em frente do escritório a pé firme 2 horas e 30 minutos, afirmando todos em coro, com a comissão, que não sairiam dali enquanto não lhes fosse dada resposta satisfatória. Ela veio: 4$00 por dia mais por cada operário e encarregado indistintamente «por enquanto»... prometiam os directores. Os operários dispersaram então, prometendo voltar breve.
Da Parry & Son também devemos falar, porque foi aqui que os operários conseguiram ver satisfeitas, quase completamente, as reivindicações apresentadas durante as greves de Julho-Agosto. Para isso tiveram que ameaçar que iriam novamente para a greve, se não fossem atendidos.
Certamente nada disto sucedeu por acaso, e se salientamos estes casos é para mais facilmente compreendermos os acontecimentos de 8 e 9 de Maio.
Através destes movimentos, nós vimos a perfeita ligação do Partido com as massas, vimos que não existe aqui trabalho sectário de grupinho, mas sim um amplo trabalho de massas; vimos os nossos quadros dessas empresas serem os fiéis intérpretes da linha do Partido e os seus realizadores; vimos esses quadros orientarem e conduzirem à luta milhares de trabalhadores em nome do Partido e estes a aceitarem essa direcção e a participarem denodadamente nos organismos criados pelo Partido; vimos os trabalhadores, com justa compreensão, defendendo do terror do patronato fascista e da polícia os seus dirigentes, os nossos militantes. Como exemplo, cito o que se passou na Covina. Quando o gerente Cunha disse para os operários concentrados em frente do seu escritório: «Eu sei que isto tudo é feito por 2 ou 3», 350 vozes lhe responderam: «Não são 2 ou 3, somos todos, todos, todos.» O pobre Cunha, que tinha querido assustar alguns amigos mais tímidos, ficou deveras atrapalhado com todo aquele barulho.
Um artigo do Avante!, n.° 51 (1ª quinzena de Abril), de que se publicou uma separata, traz uma lista indicando a maioria das empresas onde se triunfou. Que verificamos ao lê-la? Em primeiro lugar ressalta o facto de só aparecerem nessa lista duas empresas que não pertencem à região de Lisboa. Em segundo lugar - e bastante importante - vê-se que das empresas e oficinas indicadas 11 pertencem ao Ribatejo e 10 ao resto do País. É certo que não estão ali indicadas todas, mas está pelo menos a maioria.
Os camponeses acertam o passo com os operários na ofensiva
Depois de termos assistido a centenas de movimentos de resistência dos camponeses, resistência à requisição dos cereais, recusando entregá-los; resistência à saída deles dos seus concelhos para a Alemanha, assaltando os carros que os levam; resistência ao açambarcamento e à especulação, assaltando os estabelecimentos dos especuladores e distribuindo os géneros pelo povo ao preço da tabela - nós vimos os trabalhadores do campo a acertarem o passo com os trabalhadores das fábricas e oficinas das vilas e cidades. Da resistência à fome e à exploração passam à ofensiva pela conquista de mais pão, mais géneros e maiores salários.
Pela leitura do Avante! a partir do n.° 45 (1ª quinzena de Dezembro), nós vimos que as pequenas lutas camponesas se sucedem sem interrupção. De Norte a Sul, nós vimos os camponeses na ofensiva. Milhares de trabalhadores em centenas de movimentos exigem mais pão e maiores salários. Mas o fascismo não cede à primeira. Ele não desiste de sugar até à última pinga de sangue dos trabalhadores. Por isso vai reduzindo o fornecimento de farinha aos camponeses, por isso, vendo que em algumas regiões os salários estão a subir, ele intenta pôr em vigor, em Fevereiro, a miserável tabela de 14 de Maio de 1941. Mas a sentinela avançada dos trabalhadores estava vigilante. O Partido Comunista estava alerta e bradou: «Trabalhadores do campo, de pé para a luta contra as jornas de fome.» E quando os editais das Comissões Arbitrais - grandes lavradores e autoridades fascistas - de alguns concelhos do Ribatejo foram afixados nas paredes, nenhum resistiu uma hora ou mesmo meia hora à justa cólera dos trabalhadores.
O Partido lança imediatamente um manifesto, indicando aos camponeses (1) o caminho da greve até reduzirem a miserável tabela a pó. Os trabalhadores seguem o seu Partido, e com tanto entusiasmo e firmeza que rapidamente e mais uma vez saíram vencedores. Mais. Os camponeses não se contentaram em ter resistido à aplicação da tabela. As nossas organizações camponesas aproveitaram o entusiasmo para continuar a luta por novos aumentos de salários. E assim nós vimos camponeses que ganhavam 25$00 e 28$00 passaram nessa semana, com a sua luta, a 30$00 e 32$00. Em A-dos-Loucos, Linhó, etc., onde se ganhava 35$00, passaram a ganhar 39$00 e mais.
O desenvolvimento destas lutas no campo, ao mesmo tempo que crescia o movimento do proletariado, criavam as condições necessárias para uma estreita união de luta em comum, do proletariado o do campesinato.
Subestimação do problema do pão e dos géneros
Porque me parece ser um erro que está na origem da falta de previsão das condições objectivas para o movimento de Maio, aponto duas falhas no movimento dos camponeses de Fevereiro. A primeira é o facto de, num momento em que a luta pelos salários e pelos géneros está absolutamente ligada, em que se vêem os camponeses num dia reclamarem mais pão e no dia seguinte exigirem mais salários, não terem sido dadas palavras de ordem concretas para a luta pelos géneros. Creio, camaradas, que isto foi um erro nosso.
Se é verdade que o fundamental naquele momento era a luta contra as jornas de fome, não é menos verdade que a luta pelos géneros era um objectivo da véspera, desse momento e do dia seguinte. Tendo em conta que uma grande parte do trabalhadores, em especial as suas companheiras, estavam de acordo em que com o salário de 26$00 e 30$00 - para não falar nos mais elevados - já escapavam muito bem, desde que houvesse à venda o pão e os géneros de que necessitavam, creio que a orientação do manifesto não era de molde a aproveitar todas as perspectivas de luta. É possível que, se os grandes agrários e as autoridades fascistas tivessem resistido às exigências dos trabalhadores e tivessem empregado a força para obrigarem os camponeses a aceitarem as suas condições, levando assim os camponeses a uma luta mais decidida e a grandes greves, que os camponeses do concelho não abrangidos pelos editais não os acompanhassem na luta. Pelo menos o manifesto que eles leram e que devia orientá-los não lhes dizia nada.
Os trabalhadores do campo, mais do que os da cidade, não acreditam que as coisas não existem por não se terem produzido, porque eles cavaram a terra e fizeram as colheitas e viram os camiões e os comboios partirem com elas. Mais. Eles sabem quem são esses senhores que lhes levaram o produto do seu suor: são agentes alemães, funcionários dos Grémios, ou ainda grandes negociantes que especularam com eles. Por isso os camponeses sentem mais ódio aos Grémios. Por isso nós não devíamos ter esquecido palavras de ordem (que aliás tínhamos dado muitas vezes anteriormente e que voltamos a dar no manifesto de Março) que mobilizavam os trabalhadores contra a falta de géneros, contra a especulação dos Grémios, etc..
A outra falha que queria indicar é a de não se pôr no manifesto duma forma mais concreta a ligação do movimento operário com o movimento camponês. Como está posto no manifesto podemos dizer que está atrasado em relação às condições que então existiam. Certamente não podíamos dizer: «vão para a greve que os operários vão ajudar-vos», mas podíamos dizer que o objectivo a atingir era o mesmo: «melhores salários, mais pão, mais géneros», podíamos dizer que na medida em que fosse simultânea a luta mais facilmente triunfaria, pois o inimigo era o mesmo.
Esta segunda falha vai-se notar duma maneira ainda mais evidente noutros escritos nossos posteriores.
Unificar os movimentos - preparar para a greve
Analisando o desenvolvimento das lutas operárias, podíamos, em Março, chegar à conclusão de que estavam a amadurecer, a passos largos, as condições para um forte movimento grevista. O Avante! n.° 5, desse mês, estuda as condições criadas pela série de movimentos realizados e de vitórias conseguidas depois de Julho-Agosto; a disposição do patronato em relação aos novos aumentos; a disposição do proletariado em ir para a greve pela conquista das reivindicações que não eram satisfeitas pelo processo das comissões, concentrações, etc., etc., e indica as tarefas que há a realizar para se passar adiante.
No manifesto que lançámos em Março a indicar o caminho à classe operária, põe-se concretamente quais são as tarefas de momento: «Criar Comissões de Unidade dentro de todas as fábricas e empresas onde ainda não haja; formar organismos de Unidade dos trabalhadores de várias empresas da mesma localidade, etc.; Comissões de Unidade de delegados operários dessas fábricas e empresas que apresentem em conjunto as reivindicações dos trabalhadores.»
A segunda falha que notei no manifesto aos camponeses (Fevereiro) existe num sentido inverso, neste manifesto de Março, como existe no artigo do Avante! n.° 50.
Objectar-se-á: «mas era um manifesto dirigido à classe operária, indicando-lhe o caminho». Sim, sem dúvida, mas era necessário mostrar à classe operária o estado de espírito dos camponeses, as suas lutas, a importância de sincronização dos movimentos operários e camponeses, a necessidade de fazer coincidir o movimento operário e camponês, tornando-o no mais potente movimento antifascista que jamais se fizera. Este manifesto devia ter sido aos operários e camponeses, e não só aos primeiros.
Devia ter indicado o caminho a todos os trabalhadores e a todos os antifascistas.
O racionamento do pão agudiza a crise
Entramos em Abril. Verificamos que o estado de espírito dos trabalhadores, operários e camponeses da região de Lisboa é favorável a um novo movimento. Se não se vêem todos dispostos a darem a vida pelo derrubamento do fascismo, vêem-se pelo menos todos revoltados e quase todos dispostos a lutar. Fala-se muito em greve, principalmente em alguns sectores. No Ribatejo, por exemplo, há muito tempo que os camaradas perguntam quando é que o Partido lança um novo movimento grevista. Há fábricas neste sector onde os operários estão impacientes, e numa delas certa categoria de operários chama «travão» a um camarada nosso, responsável, que mais do que uma vez teve que impedir que eles fossem para a greve sozinhos.
As condições dos trabalhadores agravaram-se muitíssimo durante os fins de Março e mês de Abril. Alguns géneros, como feijão, grão, batata, etc., que eram a base da sua alimentação desapareceram completamente. Toda a gente protesta, considerando que é impossível continuar a viver assim, quando aparece anunciado o racionamento do pão: 180 ou 295 gramas por dia cada pessoa. Muita gente não acreditava que tal coisa fosse possível e dizia que aquilo não ia avante, que ninguém aceitaria. Outros diziam que no dia que começasse o racionamento estalava uma greve geral. Uma e outra coisa reflectia a indignação e o espírito de revolta do povo. Podemos afirmar que havia esplêndidas condições objectivas para um movimento de protesto contra o racionamento do pão.
Alguns dias depois de ter sido anunciado o racionamento do pão, falo com o camarada Alberto. Exponho a situação. Toda a população está revoltada, ninguém fala noutra coisa. Disse o que pensava ser necessário fazer-se. O Partido tinha que marcar a sua posição. Tinha que sair imediatamente com um manifesto indicando o caminho a seguir. Tinha que se preparar desde já um movimento o mais amplo possível, etc., etc.
«O Secretariado ia estudar a situação e tomar as medidas necessárias.»
No dia 19 de Abril os jornais indicam o dia seguinte, 20, como início do racionamento.
O governo precipitava as coisas. Parecia não querer dar muitos dias para não dar tempo a organizar-se a resistência. De facto a notícia colhe toda a gente de surpresa, inclusive a Direcção do Partido, que nessa altura ainda não tinha tomado nenhuma medida.
Na noite de 19 para 20 encontrei-me com o camarada Santos para o informar do desenvolvimento da situação. Foi informado de acordo com o que eu já disse atrás.
No dia 20 as forças de repressão estavam a postos.
Desde a madrugada que os tanques, autometralhadoras e camionetas da polícia ocupavam o largo do Governo Civil de Lisboa, de Santa Marta e Calvário. Pelo aparato via-se que naquele dia não devia faltar o comer. Se o pão fosse pouco haveria balas com fartura. Ai daquela mulher que se queixasse que o pão era pouco. Uma bala de metralhadora mostrar-lhe-ia que a hora era de sacrifícios para todos.
Medida inútil. Em primeiro lugar, os trabalhadores que viram essas forças não se assustaram e até se sentiram muito mais revoltados por verem com que descaramento o governo mostrava as suas intenções assassinas. Muitos trabalhadores entendiam que se devia ir para a greve nesse mesmo dia. Principalmente os da Sociedade Geral entendiam que era necessário responder imediatamente. Mas, apesar destas disposições, absolutamente sinceras, todos entendiam que era necessário aguardar a voz de comando do Partido Comunista. Creiam camaradas, que não exagero nada, quando digo que todos aguardavam a voz do Partido Comunista.
Em segundo lugar, as medidas tomadas não serviram de nada pelas razões que já apontei: o povo aguardava.
O manifesto de Abril ao povo de Portugal e a sua orientação
No dia 22, salvo erro, o camarada Santos trazia o original dum manifesto para ver se havia algum acontecimento novo que tornasse necessário alterar esse manifesto.
Havia realmente acontecimentos novos, mas eles hão tinham modificado a situação geral relativamente ao estado de espírito dos trabalhadores. Esses acontecimentos eram: paralisação do trabalho no dia 13 ou 14 nos Barreiras do Poço do Bispo pertencentes à fábrica de cerâmica Dias Coelho; intervenção da GNR; patrulhamento de todo o bairro daí em diante. Paralisação do trabalho no dia 20 por parte dos trabalhadores (150) nas obras públicas da Amadora por conta da CMO. Fornecimento imediato pela Câmara a esses trabalhadores do dobro das rações de pão e de géneros. Nada de repressão aqui. Nesse mesmo dia os pescadores, em Cascais, tinham-se recusado a embarcar sem pão. Foram no dia seguinte obrigados a fazê-lo pela força. Ainda no dia 20 uns 150 trabalhadores das estradas da Portela ao aeroporto e a Moscavide, paralisaram também o trabalho. Tudo isto indica que já estávamos nessa altura bastante atrasados no nosso trabalho de agitação com as condições objectivas. Já umas centenas de trabalhadores lutavam e ainda nós não tínhamos feito ouvir a nossa voz, ainda nós não tínhamos orientado os trabalhadores. Isto não estava de acordo com a posição política que tínhamos conquistado.
Apesar de não se ter modificado a situação geral (mas sim agudizado), eu não concordei com o manifesto.
Em primeiro lugar, a sua linha geral, quanto a mim, não foi justa. A nota mais frisante do manifesto é o roubo do pão e dos géneros aos pobres para dar aos ricos (15 vezes se fala em ricos). A linha geral justa seria a indicada no segundo manifesto.
Em segundo lugar, uma palavra de ordem que é dada, parece-me absolutamente errada. Refiro-me à consigna: Assaltai e fazei buscas nas casas dos ricos, etc. Sem dúvida, camaradas, que é verdade que parte do pão que nos é roubado vai para os ricos. Mas, o pão não faltou por isso. O pão faltou porque o governo quinta-colunista de Salazar o mandou para os seus patrões hitlerianos; porque apesar de haver pouco, quer continuar a mandá-lo; porque a política agrícola do governo não é de molde a desenvolver a produção, mas antes a reduzi-Ia cada vez mais, pois ela não se desenvolve com estéreis campanhas demagógicas, mas sim: não perseguindo os pequenos e médios lavradores e antes ajudando-os.
Em terceiro lugar, na altura em que se já estava, devia-se indicar duma forma mais concreta a luta. O manifesto não define a táctica a seguir, e se ele se destinava a levar as massas para a luta, devia fazê-lo.
Escrevi num bilhete, para ser apreciado pelo Secretariado, as medidas que eu considerava indispensáveis tomar, para se aproveitar tudo o que o ambiente podia dar (2).
Concordo, camaradas, houve uma falha grave da minha parte, mas não foi ao analisar as condições objectivas. Foi ao analisar as condições de organização.
Os acontecimentos provaram depois: sobrestimei o valor das nossas organizações de base, confiando demasiadamente no entusiasmo dos nossos camaradas.
A base do meu erro foi o ter-me entusiasmado demasiadamente com a superioridade da nossa organização em Abril em relação a Julho-Agosto. Por outro lado, não conhecendo o estado da organização fora da região de Lisboa, mas sabendo que ela se tinha desenvolvido bastante, confiava em que a luta se poderia alargar a outras regiões, onde as condições de miséria parecia serem maiores.
Acho necessário fazer, realmente, um ligeiro informe sobre o desenvolvimento da organização de Lisboa a partir de Julho-Agosto para que todos os camaradas do CC façam uma ideia da situação. [...] (3)
Como vêem camaradas, a situação da organização de Lisboa, no que respeita à sua direcção não era na realidade muito brilhante, atendendo às enormes necessidades desse momento. Devo acrescentar, no entanto, que havia em Abril boas perspectivas, tanto no que respeita à direcção como aos quadros de Zona. Nessa altura encarava-se o chamamerto de novos camaradas ao Comité Regional com melhores condições do que os que tinham saído; pelo menos não andariam com um pé dentro, outro fora. Com um novo camarada já contávamos nós para os fins de Abril. Em princípios de Maio todas as ligações estavam reatadas e o trabalho de agitação estava a funcionar melhor do que nunca.
Conclusão: o nosso trabalho de direcção tinha tido graves deficiências, mas apesar disso a nossa organização de Lisboa, no dia 8 de Maio, estava em condições de dirigir um movimento grevista, muito mais potente do que os anteriores. O governo lançava uma medida que indignava toda a gente, que os trabalhadores sentiam mais do que qualquer outra, que revoltava simultaneamente milhares de operários e camponeses. Todos os trabalhadores, todos os homens e mulheres atingidos por essas medidas falavam em protestos, em greves, no Partido Comunista. E nós? Que fazíamos? Cruzávamos os braços, púnhamo-nos na expectativa? Não, camaradas. Se é certo que não nos podemos lançar em aventuras, também é certo que não podemos deixar passar os acontecimentos por cima da cabeça. Por isso, ainda que com sacrifícios para a nossa organização, nós tínhamos que nos lançar na luta.
Assim o entendeu o Secretariado. E no dia 29 de Abril, o Secretariado (camarada Duarte) apresentava ao Comité Regional de Lisboa o manifesto e as directrizes para o movimento. Assentou-se na data de 8 e 9 de Maio para o movimento, pois antes era impossível, atendendo às necessidades de tempo para fazer e distribuir o manifesto na quantidade requerida (40 000).
Nessa mesma reunião foi discutida a orientação dada pelo manifesto ao movimento. Inicialmente eu discordei dessa orientação, entendendo que, marcando nós só dois dias para o movimento, roubávamos-lhe as perspectivas, isto é, roubávamos-lhe muito do entusiasmo que os trabalhadores podiam pôr na luta. Baseava esta afirmação no meu próprio entusiasmo e no convencimento de que a luta se desenvolveria. No entanto, acabei por concordar com essa orientação, pois compreendi todas as vantagens dela.
Os acontecimentos vieram comprovar a orientação justa do Secretariado. Só é pena que esta orientação justa tivesse chegado tarde. No fim deste informe, ao tirar as conclusões, explicarei porquê.
Os Comités de Greve (CG) e as Brigadas de Agitação. Importância da sua acção. Comparação com a preparação das greves de Julho-Agosto de 1943
Um dos aspectos mais importantes da organização deste movimento foi da constituição dos «Comités de Greve» e «Brigadas de Agitação». Podemos afirmar que demos um formidável passo em frente em matéria de organização em relação a Julho-Agosto. Nos movimentos de Julho-Agosto, não houve «brigadas de agitação» dignas deste nome. Houve um grupo de camaradas numa zona que faziam o trabalho das brigadas; noutras zonas e locais foram os próprios camaradas dos quadros de agitação que fizeram esse trabalho como faziam sempre até ali. Na distribuição dos manifestos na noite de 29 de Abril e na de 8 de Maio, actuaram na regão de Lisboa 14 brigadas de agitação. A distribuição de 25 000 manifestos simultaneamente em toda a região de Lisboa [...] (3) primeiro e depois 40 000, numa altura em que a polícia já estava à coca, em que centenas de polícias já estavam espalhados, vigiando as ruas. Tudo isto sem nenhum desastre. Lembrar-mo-nos nós de quantos camaradas responsáveis foram presos noutros tempos por fazerem muito menos no trabalho de agitação.
No trabalho de agitação foi, creio eu, o melhor que se tem feito em Portugal. No aspecto político foi também um grande êxito este movimento.
Em Julho-Agosto foram constituídas para preparar e dirigir a greve: o Comité de Greve Regional de Lisboa dirigindo: 2 CG Locais; 1 CG de Zona e 3 CG de Empresa.
Em Maio foram organizados: o Comité Dirigente da Greve (CDG); 3 CG Regionais; 10 CG Locais; 2 CG de Zona; 2 CG de Empresa ligados ao CDG; 1 CG de Classe (da Construção Civil); e 15 CG de Empresa ligados aos CG Locais e de Zona.
Poderíamos considerar esta organização como bastante boa e à altura da sua missão, se não tivesse faltado a muitos deles o dinamismo e a decisão indispensáveis. Mas, apesar de tudo, esta organização foi um facto. Não existiu só no papel. E isto quer dizer que neste aspecto o nosso Partido na região de Lisboa está a uma grande distância da organização de Julho-Agosto de 1943.
Crítica à constituição do CDG
Sobre o Comité Dirigente da Greve (CDG) tenho algumas coisas a dizer.
Em primeiro lugar, atendendo à situação dos camaradas que o constituíram - todos funcionários do Partido - considero que isto também representa um importante progresso em relação a Julho-Agosto. O CG de Lisboa em Julho-Agosto era constituído unicamente por camaradas legais, que não puderam por conseguinte dar todo o rendimento na preparação e na direcção do movimento. Os movimentos de Julho-Agosto provaram que os grandes movimentos de massas só podem ser dirigidos em boas condições por camaradas que lhes dediquem toda a sua atenção, toda a sua vida.
As condições em que o CDG deveria reunir e trabalhar também eram melhores.
Apesar disto estar absolutamente certo sob o ponto de vista teórico, não é menos certo que estava errado. E porquê? Porque o nosso CDG foi constituído muito apressadamente e duma forma demasiadamente artificial para poder dar o rendimento necessário. Não bastava que o Comité fosse constituído por funcionários; era necessário que esses funcionários estivessem já engrenados no próprio trabalho de organização, era necessário que fossem funcionários que fizessem parte das próprias organizações que iam para a luta. Ou pelo menos que tivessem tido uma participação muito activa na preparação do movimento: que se tivessem familiarizado com os camaradas que iam orientar e com todos os problemas dos respectivos sectores. Mas não foi isto que sucedeu. Um dos camaradas tomou contacto pela primeira vez com o sector que ia dirigir, 6 dias antes do movimento. Outro camarada, chegou para trabalhar na direcção da greve 5 dias antes do movimento e reuniu uma vez, antes do dia 8, com cada um dos 2 CG que devia dirigir. O terceiro camarada chegou para participar nos trabalhos do CDG, na antevéspera do próprio movimento. Claro que todos nós podemos dizer: mas isto era o melhor que se podia fazer, atendendo à situação especial de cada um desses camaradas. De acordo. Mas creio que devemos atender primeiro e principalmente, ao facto de o movimento só ter sido planeado 9 dias antes.
Além do aspecto que acabo de focar há um outro que julgo ser útil abordar, pelo menos para arrumarmos as ideias nos lugares. É o facto de terem sido chamados para o CDG mais dois camaradas do CC além de mim. Quando manifestei a minha discordância com tal medida, a dois camaradas do Secretariado; acrescentei ainda que o trabalho não exigia mais 2 amigos, mas sim 1. Parece-me que o que eu dizia se comprovou (4).
A falta dum camarada do CDG à nossa primeira reunião e o desencontro dum outro liquidaram logo no primeiro dia as boas condições que se tinham criado para o funcionamento do CDG. Isto transtornou muitíssimo todo o nosso trabalho.
8 de Maio. 25 000 trabalhadores em greve. Aliança dos operários e camponeses
Manhã de 8 de Maio de 1944. 40 000 manifestos, 40 000 vozes do Partido, ensinavam aos trabalhadores do campo e das oficinas da região de Lisboa qual o caminho a seguir para a conquista de mais pão. «Greve de dois dias pelo Pão e pelos Géneros.» Centenas de militantes do heróico Partido Comunista Português trabalhavam para que, à 1 hora da tarde, os trabalhadores, paralisando os trabalhos, saíssem à rua em grandes marchas de fome. Não se falava noutra coisa senão na greve. Respirava-se a greve de todos os Iados para onde virássemos o nariz. Reinava a confiança e o optimismo no espírito da grande maioria dos nossos militantes. Duma maneira geral, todos tinham garantido que os seus respectivos sectores iriam para a greve e para as manifestações. Só um sector (muito importante) parecia oferecer muitas dificuldades. Mas... O que era necessário era que a greve começasse. E então veríamos 150 000 ou 200 000 trabalhadores unidos na maior luta travada até então contra o fascismo salazarista.
Não foram 150 000, mas sim 25 000, que responderam ao chamamento do Partido, sendo 5 000 operários da cidade de Lisboa e 20 000 operários e camponeses dos seus arredores.
É esta a grande diferença entre os 150 000 que nós esperávamos que se atirassem para o movimento (eu pelo menos) e os 25 000 que obedeceram à voz de comando do Partido, que nos dá da primeira impressão a sensação de malogro do movimento, a sensação de derrota. Essa sensação de derrota existiu e existe ainda no espírito de muitos camaradas. Ainda que todos afirmássemos honestamente que o movimento era uma vitória.
No que respeita a alguns, e especialmente a mim, teve os seus efeitos perniciosos na análise da situação posterior ao movimento e na elaboração dos planos. Estes foram os efeitos lógicos de andar a sonhar em momentos tão importantes.
Vamos às realidades para as analisarmos e tirarmos conclusões.
Comecemos por Lisboa. Lançaram-se na greve:
Operários metalúrgicos de Estaleiros Navais
Quinhentos e cinquenta operários de 3 empresas; sendo 200 operários de ...; 200 da Sociedade Geral e 150 da ... Nos 2 primeiros foi, por conseguinte, uma paralisação parcial. Na primeira os nossos camaradas (excepto 2), chegados ao meio-dia, dirigem-se ao vestiário, vestem-se e vão para casa, muito «satisfeitos» porque estavam em greve e tinham cumprido a sua missão. Os restantes operários que pararam nessa empresa fizeram o mesmo. Fizeram tudo bem feito e tão depressa que a maioria dos operários não deram por isso e já perto da 1 hora a hesitação existia no espírito de quase todos. Foi trabalho facílimo aos traidores, cobardes e a muitos elementos mais fracos, que nas grandes empresas são sempre em abundância, levarem todo o pessoal a pegar no trabalho. Bastou juntarem algumas frases desmoralizadoras, tais como: «Vocês não vêem que a Carris não pára, que nós é que estamos sempre na cabeça do touro?»
Creio que não nos podemos admirar pelo facto de os restantes operários irem entrando atrás dos outros, inclusive dos camaradas que se sentiram. impotentes. Isto sucedia porque os operários desta empresa não sentiram a acção do Partido antes do dia 8 nem no próprio dia. O manifesto só por si não podia fazer tudo, principalmente num momento em que o entusiasmo pela greve já não era tão grande.
Os nossos militantes desta empresa esqueceram-se de três coisas muito importantes: primeiro, que as massas não têm a consciência da vanguarda comunista e que por conseguinte é necessário prepará-las para que nos compreendam e nos acompanhem; segundo, que eles eram a vanguarda e que a vanguarda não deve só preparar as massas, mas sim pôr-se decididamente à frente delas, arrastando-as consigo e não se limitando a ensinar o caminho separado-se delas, com uma hora de avanço na partida; terceiro, que o Partido não estava à espera de movimentos espontâneos para os acompanhar mas sim a organizar um potente movimento de unidade com objectivas muito bem definidos.
Na Sociedade Geral o movimento só atingiu uma das duas secções da empresa (não tem relação uma com a outra), mas mesmo assim ele decorreu muito bem. Os operários entregaram à gerência uma exposição explicando porque iam para a greve. Na terceira empresa foi total e espontâneo. Só pela acção do manifesto.
Operários da Construção Civil
Dentro de Lisboa foi a grande revelação para nós. Apesar de ter sido preparada à última hora a organização do movimento na construção civil e de serem os nossos quadros bastante reduzidos nessa classe, o movimento foi muito bem conduzido. Ele não foi nada inferior nalguns aspectos ao do Ribaejo. Podemos apreciar, no desencadeamento deste movimento, quanto é importante e decisivo os nossos quadros terem a noção de que eles é que são responsáveis pela organização do movimento e estarem dispostos a cumprir a sua missão, custe o que custar. Nós vimos aqui camaradas estabelecerem em menos de 24 horas dezenas de ligações. E conseguirem realizar os seus objectivos, isto é, levarem à greve e a marchas quase toda a classe. Conseguiram levar à greve dezenas de oficinas de carpintaria e serrações, grandes e pequenas, e os operários de dezenas de obras de construção, desde grandes aglomerados de construção como o de... até pequenas construções isoladas.
Parece-me ser justo afirmar que o movimento da construção civil prova que havia ambiente para o movimento de 8 e 9 de Maio, pois que, embora o trabalho dos nossos quadros seja decisivo, ele não basta.
A construção civil é mais uma grande força com que o Partido pode contar a partir de agora, desde que se aproveitem todas as possibilidades.
Descarregadores e estivadores
Sobre o movimento nesta classe pouco posso dizer. Não temos aí organização e portanto o movimento foi apenas o resultado do bom trabalho de agitação que se fez. Os descarregadores e estivadores que, depois de participarem no movimento de Outubro-Novembro, não fizeram o mínimo gesto no sentido de participarem no de Julho-Agosto, voltaram agora a aparecer e a lembrar-nos que eles são urna força muito importante que temos que organizar imediatamente. Alguns contactos que existiam, longínquos e irregulares, abrem-nos perspectivas imediatas.
Várias pequenas fábricas e oficinas
Sabe-se também muito pouco sobre estes grevistas, tanto no que respeita à quantidade de pequenas fábricas que foram para o movimento como sobre o total dos grevistas. O que se sabe concretamente é que foram presos: todo o pessoal duma pastelaria, empregados de balcão, pasteleiros, etc. Vários doutras pastelarias, ou fábricas de bolos, muitos operários e «patrões» de pequenas oficinas de latoaria, canalização, torneiro, etc.. Estes pequenos «patrões», ou antes «artesãos», foram mobilizados pelas palavras de ordem que eram dirigidas a eles no nosso manifesto.
Isto quer dizer que a orientação do Partido em relação a eta classe também é justa, isto significa que o Partido deve mobilizar cada vez mais a pequena burguesia para participar nas lutas populares. Isto quer dizer que também aqui existem perspecti vas de organização e que devemos procurar desde já concretizar um tribalho neste sentido.
Uma grande parte destes trabalhadores foram presos e enviados para a Praça de Touros da Campo Pequeno e Caxias.
Os movimentos no Ribatejo e Loures: operários e camponeses ombro com ombro
Camaradas: antes de dizer o que sei e o que penso sobre os movimentos no Ribatejo e na região de Loures, quero afirmar o seguinte. O nosso Partido não só soube traçar uma linha justa em relação aos camponeses como soube também levá-la à prática. Certamente que, ao dizer isto, não tenho a pretenção de ter feito urna descoberta sensacional, pois que as dezenas de movimentos de camponeses a que já me referi atrás e que todos conhecemos já tinham provado isso mesmo. Mas há uma coisa nova neste movimento que dá a essa afirmação mais realce e que a traz para o primeiro plano das nossas conclusões positivas. O que é absolutamente novo para nós é o termos mobilizado no mesmo dia e à mesma hora milhares de operários e milhares de camponeses na mesma luta. Pelos mesmos objectivos. É o termos posto em marcha ombro com ombro operários e camponeses, à conquista de mais pão. O nosso Partido deve orgulhar-se de ter conseguido tal vitória. Camaradas: Ainda que não houvesse mais nenhum aspecto positivo do nosso movimento, só este, pela sua importância política, bastava para compensar todos os aspectos maus que ele teve.
Mas nós já vimos nele muitos outros aspectos positivos. Outro aspecto muito positivo, mas este particular. A maneira como se comportou a organização do Ribatejo. O entusiasmo e a firmeza postos na luta pelos trabalhadores foi o produto do bom trabalho dos nossos quadros, da sua boa ligação às massas. Foi o exemplo da sua coragem e espirito de sacrifício.
Extensão do movimento
No Ribatejo, o movimento atingiu mais de duas dezenas de localidades, desenvolvendo-se à volta de Sacavém, Póvoa e Alhandra, centros industriais importantes. Em qualquer destas localidades a paralisação foi total.
As primeiras marchas foram organizadas na fábrica de vidros Covina, em Santa Iria, e na fábrica de Cimento Tejo, em Alhandra.
A marcha que partiu da Covina, num total de 570 operários, incluindo quase todos os encarregados e mestres, dirigiu-se para a Póvoa, arrastando à greve todos os trabalhadores, tanto das empresas como dos campos próximos. As mulheres de Santa Iria tocaram o sino a rebate, e então todos os homens e mulheres daqueles campos à volta, principalmente de Vialonga, Tojal e Granja, correram a juntar-se aos valentes operários da Covina, elevando o número dos manifestantes a mais de 2 000. Chegados à Póvoa, os manifestantes invadiram todos os locais onde ainda se trabalhava, trazendo para a greve aqueles operários mais tímidos que não tinham parado à 1 hora. Na fábrica da Soda Póvoa, os directores tinham tomado algumas medidas para impedir que os seus operários parassem. Tinham fechado os portões e vigiavam por toda a parte. Já se tinham feito três tentativas de paralisação que eles conseguiram evitar. Chegaram todos os outros grevistas e tudo mudou. Apesar de ser de ferro, o portão da fábrica foi arrombado em poucos segundos pelos operários das primeiras filas. Os trabalhadores da Soda Póvoa rejubilaram. Foram distribuídos entusiásticos abraços pelos camaradas que chegavam. Um operário da Soda Póvoa foi tocar a sereia da fábrica repetidas vezes, chamando toda a população a manifestar-se. Para isso foi necessário que esse operário pregasse urna dúzia de estalos no porteiro da fábrica (um rafeiro dos patrões), que queria impedir que alguém a fizesse tocar.
Com um total de mais de 5 000 pessoas, a manifestação dirigiu-se para Sacavém com o objectivo de seguir depois para Loures. Operários e camponeses, homens, mulheres e crianças, todos gritavam que tinham fome, que queriam comer. Surgiram à frente quatro bandeiras negras onde se lia pintado a branco: «Queremos pão. Queremos comer.»
Na cauda da manifestação seguia outra bandeira igual. Todas eram levadas por valentes mulheres. Novamente neste movimento as mulheres deram provas da sua audácia e valentia.
Constantemente chegavam à manifestação camionetas carregadas de trabalhadores, que vinham de toda a parte para unirem as suas vozes de protesto.
Dezenas de camiões, camionetas e automóveis seguiam atrás da manifestação. Alguns eram forçados a irem ali, porque não podiam romper, mas a maioria dizia que iam de boa vontade, pois também queriam manifestar-se.
À porta da Covina estava colocada uma força da GNR com motos e metralhadoras, que quiseram obrigar os operários da Covina a entrar para a fábrica. Foi-lhes respondido que só voltariam ao trabalho no dia 10. O tenente quis provocar e meteu-se no meio dos operários. Propositadamente pisou um. O nosso companheiro preveniu-o de que bestas não deviam andar no meio dos homens e que era bom ver melhor onde punha as patas. Uma chicotada no rosto deste valente operário foi a resposta cobarde do bandido, fiado nos seus homens e nas metralhadoras. Mas, quando os trabalhadores conscientes dos seus deveres de homens, se dispõem a fazê-los valer, não são as metralhadoras que os assustam. E assim o «tenentezinho» recebeu nessa altura a mínima resposta que podia receber: uma valente cabeçada que o arrumou na berma da estrada. A Guarda Republicana interveio à coronhada a torto e a direito e obrigou a manifestação a dispersar.
Em Sacavém não se organizou nenhuma manifestação nesse dia; mas muitas centenas de grevistas, das fábricas de Loiças, Chitas, etc., partiram em direcção à Póvoa e juntaram-se à manifestação que vinha daí.
Em Alhandra a greve iniciou-se na Cimento Tejo (5). À 1 hora os grevistas da Tejo, num total de 400, partiram em direcção à Sociedade Têxtil do Sul, enquanto um jovem vai tocar o sino a rebate. Imediatamente se generaliza a greve e dentro em pouco nem um único homem ou mulher trabalhava em Alhandra. Em breve está organizada uma manifestação de mais de 2 000 pessoas, prontas a partirem para Vila Franca.
Começam a chegar centenas de camponeses de A-dos-Loucos, Rondulha, Cotovios, Linhó e outras localidades à volta. A manifestação parte para Vila Franca. Pelo caminho engrossa rapidamente com novas massas de camponeses que vêm chegando. Entre eles vêm alguns de Vila Franca.
Parte de 3 000 trabalhadores gritam que não querem morrer de fome, que querem pão. Já perto de Vila Franca aparece a GNR armada de metralhadora, querendo impedir a manifestação de avançar. É impotente para o conseguir e resolve passar para a retaguarda da manifestação. Junto à Praça de Touros está uma força da Marinha que tenta dispersar a manifestação. Para isso fazem uma descarga de metralhadora para o chão para impedir que os manifestantes avancem. Imediatamente começa toda a gente a dispersar; muitos assustam-se e fogem, principalmente mulheres com crianças. Nova descarga de metralhadora põe os trabalhadores em debandada. É então que muitos camaradas mais decididos se atiram para a frente dispostos a aguentar a manifestação e a levá-la por diante (6). Conseguem ainda manter agrupados à volta uns 500 trabalhadores e ainda bastantes mulheres das mais corajosas. Mas as forças de repressão facilmente dominaram a situação e os trabalhadores estão cercados: à frente, marinheiros, atrás GNR. A maior parte deles - mais de 400 - são assim forçados a entrar para a Praça de Touros, onde ficam presos esse dia e o seguinte.
Imediatamente se desenvolve um largo movimento de solidariedade entre a população de Vila Franca. É fornecido aos presos muito comer e agasalhos. No dia seguinte, 9, o comandante da Guarda e a polícia fizeram uma selecção dos presos. Levaram para a Praça de Touros do Campo Pequeno aqueles que eles consideravam responsáveis, pondo os restantes em liberdade.
No dia 9, de manhã, os nossos camaradas de Sacavém começaram a organizar uma manifestação que fosse a Loures, reclamar mais pão ao administrador. Como as forças da PSP e muitos polícias de informação ocupassem, as principais vias de Sacavém, prendendo todos os trabalhadores que passavam, os nossos camaradas lançaram a palavra de ordem: «Todos os trabalhadores e mulheres se devem dirigir em grupos pequenos para Camarate, ninguém utilize as estradas; vamos por fazendas e azinhagas.» Assim se fez. Centenas de homens e mulheres dirigiram-se para lá. Pouco depois das 10 horas partiram de Camarate para Apelação mais de 1 000 pessoas. Aqui juntaram-se além dos operários da fábrica de munições muitas centenas de camponeses de vários lados. Já com mais de 2 000 manifestantes, a marcha prosseguiu o caminho para Frielas e Loures. Até Loures a manifestação foi sempre engrossando e, quando lá chegou, por volta do meio-dia, tinha já mais de 3 000 pessoas. Três bandeiras negras flutuavam. Milhares de vozes gritavam que queriam pão. O administrador disse que ia procurar resolver tal situação. Ainda que ele não resolva nada, o Partido Comunista e os trabalhadores já conseguiram uma grande vitória.
Movimento dos camponeses de Loures
Sobre o movimento dos camponeses de Loures, só posso dizer que foi um movimento espontâneo feito conforme indicava o nosso manifesto. Nos dias 8 e 9 de Maio, milhares de camponeses de muitas localidades dessa região paralisaram o trabalho.
No dia 9, milhares de camponeses dirigiram-se de todos os lados em direcção a Loures. Nesse dia à tarde mais de 4 000 camponeses, homens e mulheres, reclamavam do administrador mais pão. Além destes camponeses que foram a Loures protestar contra a falta de pão, paralisaram o trabalho muitos mais doutras localidades mais distantes. Entre os camponeses, o número de grevistas foi muito superior ao da manifestação, pois houve muitos que se limitaram a deixar o trabalho.
Este movimento a que chamei espontâneo, porque na realidade ele não foi organizado directamente por nós, é o melhor sintoma da radicalização das massas camponesas, da sua compreensão das lutas operárias, e, principalmente, é o melhor sintoma do prestígio crescente do nosso querido Partido entre as massas trabalhadoras.
Os movimentos de 8 e 9 de Maio mostraram muitas deficiências do nosso trabalho de organização, mas mostraram que as relativas a este sector são das mais importantes. É certo que é muito difícil começar qualquer coisa sem ter por onde, mas nós ternos que começar a organizar trabalhadores desta região. Custe o que custar, há que ir para a frente.
Movimento de Pêro Pinheiro
Aqui foi onde o movimento começou mais cedo. Os trabalhadores de Pêro Pinheiro lançaram-se na greve logo após a leitura do manifesto, isto é, no dia 8 pela manhã. Para os nossos camaradas de Pêro Pinheiro fazer a greve de manhã ou à tarde era a mesma coisa. Tinha que se fazer, por isso quanto mais cedo melhor. Com os trabalhadores de Pêro Pinheiro pararam também todos os daquelas localidades em volta, tanto os operários das empresas de cantaria como os trabalhadores das pedreiras ou do campo, totalizando assim mais de 5 000 grevistas nessa região. Apesar da grande vontade com que estes trabalhadores se lançaram na greve, os nossos camaradas não souberam aproveitar o ambiente para organizarem manifestações, e assim o dia decorreu calmo. Por isto mesmo, muitos trabalhadores esqueceram-se que estavam em greve e, com a mesma facilidade com que tinham largado o trabalho no dia 8 pegaram no dia 9. Mais uma vez se observa, por um lado, o espírito de luta destes trabalhadores e a influência do Partido e dos nossos camaradas, e, por outro lado, a pouca capacidade política dos nossos camaradas para aproveitarem essa influência. Vê-se o muito que há a fazer aqui.
Grande vitória no conjunto do movimento, malogro nalguns sectares - suas causas
Já vimos quais as regiões que se lançaram na greve e em manifestações contra a falta de pão. Já vimos que Alhandra, Póvoa, Sacavém, Pêro Pinheiro e construção civil, dentro de Lisboa, foram os centros principais do nosso movimento. Já vimos que tudo isto soma mais de 25 000 grevistas. Mas não vimos, entre os grevistas, nenhuns daqueles centros que já nos eram familiares, a nós e às massas trabalhadoras. Não vimos na greve aquelas empresas que já tinham tradição e nome, como Parry & Son e estaleiros da CUF. Não vimos na greve Lisboa, Almada e Barreiro. Mesmo no movimento do Ribatejo, apesar de ter sido bastante amplo, nós não vimos dar tudo o que ele podia ter dado. Faltavam Vila Franca e Alenquer, aqui com esplêndidas perspectivas. Vê-se assim que só uma parte dos trabalhadores da grande região de Lisboa se lançou no movimento. Foi isto que deu a sensação de derrota a muita gente. Houve quem visse que a sua oficina ou a sua localidade não foi para a greve, esquecendo-se de ver o que se passava nos outros lados.
O Partido Comunista não lançou a palavra de ordem «greve geral» ou «greve de tantos trabalhadores». O Partido lançou as consignas: «Que nos dias 8 e 9 de Maio pare o trabalho nas fábricas e empresas, pare o trabalho nos campos.» «Que nos dias 8 e 9 de Maio, o povo desça à rua e tome conta das ruas. Que se juntem homens, mulheres e crianças em grandes manifestações pelo Pão e pelos Géneros.»
Pergunta-se: foram realizadas estas consignas?
Os trabalhadores lançaram-se na greve? Os trabalhadores manifestaram-se? Sim, camaradas. Já vimos atrás que operários e camponeses de dezenas de localidades e de dezenas de empresas, fábricas e oficinas se lançaram na greve. Já vimos atrás que milhares de pessoas se manifestaram em massa compacta nas ruas. Se se realizaram as consignas do Partido basta para afirmarmos que o movimento foi uma vitória. Mas atendendo às condições em que se realizou - prontidão e firmeza -, atendendo às características que ele teve - aliança do proletariado e do campesinato -, ele não foi urna simples vitória. Ele foi uma grande vitória.
Se atendermos ainda, e isto é muito importante, que no primeiro dia deste movimento se lançaram nele mais de 20 000 trabalhadores e se nos lembrarmos de que no primeiro dia do movimento de Julho-Agosto apenas foram para a greve 3 500 operários, e no segundo dia mais de 11 000, nós constatámos que existe uma grande diferença da influência do Partido nas massas trabalhadoras, que existe uma direcção muito maior do nosso Partido sobre os operários e camponeses, que a nossa organização cresceu muito. Por isso podemos concluir, sem receio de nos enganarmos, que os movimentos de 8 e 9 de Maio de 1944 constituíram uma grande vitória para o Partido Comunista Português, para a classe trabalhadora e para os antifascistas em geral.
Apesar desta grande vitória, é um facto que sectores muito importantes, como Barreiro e Almada, não foram para a greve, e que só uma parte pequena do proletariado de Lisboa participou nela. Quer dizer: dos 50 000 grevistas de Julho-Agosto só uns 50 %, ou pouco mais, participaram neste movimento.
Por que razão 25 000 trabalhadores se lançaram pela primeira vez num grande movimento contra o fascismo, enquanto 50 000, já experimentados, muitos deles tendo já passado por dois movimentos, se retraíram e não foram para a greve? Acaso o proletariado de Lisboa, Almada e Barreiro ficou assustado com a repressão de Julho-Agosto? Não, camaradas. Os heróicos trabalhadores dos estaleiros da CUF e da Parry & Son, os trabalhadores de Lisboa, Almada e Barreiro, não ficaram assustados com a feroz repressão de Julho-Agosto, como dizia agora a imprensa fascista. Não foi por cobardia que eles não vieram para este movimento. Ainda que não houvesse outras causas, foi fundamentalmente pelo nosso mau trabalho de organização.
Além de outros, houve dois factores, um positivo e outro negativo, resultantes do movimento de Julho-Agosto, que influíram de maneira decisiva neste movimento.
O primeiro foi o prestígio criado pelo Partido, a consolidação do Partido como vanguarda dos trabalhadores, como seu defensor e seu guia. Este factor aliado ao bom trabalho de organização determinou a relativa facilidade do desencadeamento do movimento do Ribatejo, especialmente em Alhandra, que não tinha sido abrangida pelo racionamento do pão. Foi ainda este factor, aliado ao bom trabalho de agitação, que levou os camponeses da região de Loures ao movimento.
O segundo factor importante, desempenhou contudo um papel decisivo no retraimento dos trabalhadores de Lisboa, Almada e Barreiro. Refiro-me à «obsessão» da Carris e à ideia de «empresa-base», isto é, da primeira que se deve lançar no movimento. Todos nós nos lembramos do papel desmoralizador desempenhado pela Carris em Julho-Agosto pelo facto de os seus operários não irem para a greve. Essa desmoralização exerceu-se duma maneira geral em todos os trabalhadores, mas muito especialmente ela acentuou-se no espírito dos trabalhadores que então se encontravam presos, pois sentiam-se «traídos» pela Carris. Radicalizou-se a ideia de que uma greve só podia ser feita desde que houvesse a «garantia» da Carris. Só assim se poderia vencer. Por isso, neste movimento, muitos operários dos estaleiros e doutras empresas estavam à espera da Carris.
Mais prejudicial ainda do que a espera pela Carris foi a espera pelos estaleiros da CUF e pela Parry & Son. Milhares de operários têm os olhos postos nestas duas empresas. Habituaram-se a ver nelas o ponto de partida para os movimentos, só porque assim sucedeu em Outubro-Novembro e Julho-Agosto. Principalmente com as empresas à volta dos estaleiros assim sucedeu. Alguns operários das empresas desta zona dizem que não pararam porque a CUF não parou. Se tivesse havido em cada uma destas empresas um bom trabalho de organização é possível que estas razões não aparecessem, mas assim elas influíram muito no comportamento dos operários. Houve desconfiança e expectativa por parte dos operários das principais empresas.
Porquê-essa desconfiança e expectativa à última hora? Por um lado, a fraqueza das nossas organizações nas principais empresas. Por outro lado, os nossos militantes, exceptuando um ou outro, confiaram demasiadamente no ambiente, mediram o entusiasmo e disposição para a luta dos seus companheiros pelo seu próprio entusiasmo e disposição. Não souberam compreender a situação e por isso não fizeram o trabalho de preparação para o movimento que se impunha. Deviam ter multiplicado a sua actividade de forma a tapar as falhas da organização. Deviam ter ido junto de todos os trabalhadores honestos, principalmente dos fracos, dizer-lhes que era necessário lutar, que só pela luta conseguiríamos mais pão, que não era com desconfiança e hesitações que se conseguiria isso, mas, pelo contrário, com confiança e firmeza. Para sermos fortes é necessário sermos unidos e para estarmos unidos é necessário sermos confiantes. Os nossos militantes pensavam assim, é certo, mas esqueceram-se que a maioria dos seus companheiros não pensava como eles.
Nalgumas empresas onde os trabalhadores não foram para a greve o trabalho dos nossos militantes foi inferior ao realizado em Julho-Agosto de 1943. Podemos afirmar que em algumas pouco ou nada se fez para criar as condições indispensáveis. Enquanto em Julho-Agosto de 1943 os nossos militantes trabalharam intensamente na divulgação das consignas do Partido, na preparação do ambiente, no estabelecimento de relações com operários doutras empresas, criando uma confiança mútua, de forma que no momento preciso a eclosão do movimento correspondesse ao sentir geral dos trabalhadores. Enquanto em Julho-Agosto as nossas organizações de base preparam o movimento de forma a não ser necessário nenhum manifesto -ainda que este tivesse sido decisivo no movimento de Maio, os nossos camaradas dessas organizações deitaram-se sossegadamente à sombra do prestígio do Partido e do poder miraculoso do manifesto, que devia aparecer horas antes do início do movimento. Quando acordaram, era tarde, já passava da uma hora. Os manifestos tinham realmente sido distribuídos - e esse foi um bom trabalho -, os trabalhadores tinham concordado na sua maioria em irem para a luta e dispunham-se a cumprir. Olhavam em volta à procura de comando. Sim, porque não basta convidar à luta e indicar o caminho. É necessário estar presente na organização da ofensiva, no agrupamento das forças e na sua distribuição. Não basta estar na frente; é necessário estar na frente, no meio, aos lados e inclusivamente na retaguarda, impulsionando os trabalhadores mais fracos e menos conscientes. É necessário que todos os trabalhadores, desde os mais destemidos, aos mais tímidos, se sintam rodeados de camaradas activos, conscientes e valorosos que vibrem, que lhes comuniquem o seu próprio entusiasmo, a fé na sua causa, nos seus destinos.
Em Julho-Agosto, os operários de certas e grandes empresas sentiram o comando, a organização do Partido, pois viram e ouviram camaradas que lhes inspiravam confiança, sem contudo ser necessário apresentarem o seu cartão de comunista. Para as outras empresas arrastadas depois, o comando eram as grandes empresas, especialmente os estaleiros da CUF e da Parry & Son. Em Maio de 1944 os operários destas empresas queriam e precisavam sentir um comando ainda mais forte. Foi precisamente isto que eles não viram. Nem antes nem na altura da eclosão do movimento os operários destas sentiram um comando suficientemente forte que lhes inspirasse inteira confiança. Por isso a indecisão prevaleceu até ao último minuto. Nalgumas empresas os nossos militantes esqueceram-se do seu papel de vanguarda - de comando - e ficaram prudentemente à espera que todos os trabalhadores se lançassem em greve para eles os acompanharem.
Numa empresa sucedeu precisamente o contrário do que aponto. Os nossos camaradas «exageraram» o seu papel de vanguarda. Puseram-se «demasiadamente» na frente. Alguns deles abandonaram a oficina sem ser nas condições indicadas pelo Partido, arrastando com eles os operários mais conscientes e decididos, abandonando completamente os restantes à sua indecisão e ao palavreado cobarde e traidor de muitos elementos - alguns reconhecidos provocadores - que há sempre em todas as grandes empresas e com que é necessário estar sempre alerta especialmente nestes momentos decisivos. Quer dizer, quando a maioria dos operários dessa empresa mais precisava de comando foi quando ficaram mais abandonados.
Não quer isto dizer que nada se fez, evidentemente: mas apenas era necessário ter feito muito mais.
A maioria do proletariado compreende bem a grandeza e a importância das lutas que já hoje trava, conduzidas pelo seu Partido, o heróico Partido Comunista Português. Compreende que só com uma forte organização essa luta pode e deve ser desencadeada. O Partido ao indicar aos trabalhadores o caminho da luta fá-lo com inteira consciência das suas responsabilidades perante os trabalhadores e os antifascistas, e por isso só pode indicar o caminho justo, não se lançando em aventuras. A grande maioria dos trabalhadres compreendeu isso mesmo, e por isso segue o Partido confiadamente. Mas para seguirem o Partido é necessário que o sintam. É necessário que eles sintam que não caminham para a aventura. Um manifesto lançado pelo Partido inspira-lhes muita confiança, sem dúvidas, mas um manifesto é só a voz do Partido que aparece a orientar, a indicar o caminho, e é indispensável que apareçam os mais fiéis intérpretes dessa voz, os militantes do Partido a explicar, a eliminar desconfianças e dúvidas, a combater os cobardes e traidores, a conduzir passo a passo, como verdadeiros guias, os seus companheiros. Então sim os trabalhadores seguem o seu Partido, o heróico Partido Comunista Português, com entusiasmo e com firmeza. Claro que estas falhas não aparecem por acaso. Elas estão intimamente ligadas às deficiências do nosso trabalho regional, e principalmente ao deficiente trabalho dalguns Comités de Zona e Comités Locais. Mas sobre o problema dos quadros regionais, locais e de zona falarei mais adiante.
Além das causas apontadas atrás, e que desempenharam o principal papel no malogro do movimento da maioria das empresas de Lisboa e na região do sul do Tejo, há outras menos importantes, mas que me parece ser necessário apontar.
Em primeiro lugar, a data marcada para o movimento, 8 e 9 de Maio, não correspondeu ao momento mais crítico da situação tanto para Lisboa como para a Margem Sul. Tanto em Lisboa como na Margem Sul a maior tensão existiu nos primeiros dias de racionamento, quer dizer, nos dias 20 e 24 de Abril em Lisboa, no dia 1 e 5 de Maio na Margem Sul. Isto aproximadamente, claro. É um facto que se protestou muito mais nos primeiros dias e que toda a gente esperava acontecimentos nessa altura. Depois, ainda que a muito custo, muita gente se foi habituando e se foi arranjando o melhor que podia. O ambiente foi assim decrescendo lentamente, sem contudo desaparecerem as condições para o movimento de protesto. A data de 2 e 3 de Maio - visto que o racionamento começava no dia 1 na Margem Sul - era mais favorável ao movimento.
É certo que o racionamento começou em Lisboa e arredores, tanto para os que foram para a greve como os que não foram, e que na Póvoa, Alhandra, A-dos-Loucos, etc., não havia ainda racionamento. Isto quer dizer que o mais importante era a questão de organização. Outra causa que me parece ter influído no facto de algumas empresas não terem ido para o movimento, foi a forma como se combinou que se iniciaria a greve nas empresas. Tínhamos assentado que o manifesto seria distribuído de manhã. Depois, até ao meio-dia, os nossos militantes lançar-se-iam num trabalho intenso de agitação das nossas instruções, dando os últimos retoques de preparação das condições necessárias, assentando em que ao meio-dia todos abandonariam as oficinas e se juntariam, iniciando assim as concentrações necessárias para as marchas da fome. Foi dito aos nossos militantes que isto não podia ser uma fórmula rígida para todas as fábricas e oficinas. Havia que procurar a melhor maneira, aquela que os próprios trabalhadores mais facilmente aceitassem, para se conseguirem os objectivos marcados. Esta orientação seria justa se contássemos em todas as fábricas e oficinas um camarada com um bom espírito de análise, com grande influência sobre os seus companheiros, que rapidamente visse o que mais convinha fazer e que comandasse com segurança nesse sentido. Nós não previmos as falhas que deviam aparecer, confiámos demasiadarnente, quando devíamos ter estabelecido uma fórmula de acção que facilitasse a tarefa das nossas organizações.
Assim, nós devíamos ter pensado que, ao dizermos aos operários: «Ao meio-dia vamo-nos todos embora: concentramo-nos à porta e partimos em manifestação para tal parte», imediatamente dividíamos os operários em vários grupos, desde que não houvesse ali um pulso muito firme. Uns iam almoçar a casa e voltavam, outros tinham as lancheiras nas tabernas, e por isso iam almoçar também num instante; outros ainda tinham os almoços no refeitório da fábrica e não podiam deixar lá ficar, iam comer, e alguns dos mais tímidos, cobardes ou provocadores, aproveitariam a oportunidade para dizer que tudo estava mal organizado, que deviam todos estar prevenidos para não trazerem lancheiras, etc., etc..
Por outro lado, devíamos também ter pensado que além de ser difícil arrastar os operários para a greve logo ao meio-dia era mais difícil ainda impedir que começassem a entrar muitos para dentro das oficinas assim que se aproximasse a hora. E porquê? Em primeiro lugar porque ainda há muitos trabalhadores, nas grandes empresas, que não são influenciados pelo Partido, em segundo lugar porque esses elementos, tímidos, cobardes, etc., têm um campo propício para actuarem - os trabalhadores estão dispersos. Em terceiro lugar muitos operários ficaram lá dentro e não se sabe o que eles pretendem fazer.
Creio que estas razões são suficientes para desorientar muitos operários, principalmente quando a nossa organização é débil. Em muitas fábricas, que foram para o movimento, isto não sucedeu, quer porque as nossas organizações eram fortes, quer ainda porque as condições eram mais favoráveis.
Estas considerações levam-me a concluir que se deveria ter iniciado o movimento à 1 hora da tarde com a greve de braços caídos, e só depois de estar consolidado, quer dizer, passados 15 ou 20 minutos, é que se deveria arrastar todos os trabalhadores para fora da empresa, num impulso único e decidido. Creio, camaradas, que por este processo não só se conseguiria mais facilmente a paralisação do trabalho como ainda se criariam mais condições para iniciar uma grande manifestação.
A «electrização» dos trabalhadores seria mais intensa e mais rápida. Como já disse atrás, a causa fundamental do malogro do movimento em muitas empresas foi a má organização existente nelas. Sem dúvida que em alguns casos os nossos militantes dessas empresas tiveram bastantes responsabilidades por não terem sabido portar-se, mesmo no último minuto, como verdadeiros comunistas, lançando-se decididamente para a frente. Mas, camaradas, ao voltar a falar na principal causa, porque o movimento não teve a extensão que nós esperávamos, não é apenas para dizer que os militantes da base tiveram culpas. É principalmente para reconhecer que essas responsabilidades recaem em primeiro lugar sobre o CR de Lisboa e dentro do CRL sobre mim em maior grau.
Ainda que o trabalho do CRL tivesse melhorado bastante no seu conjunto, a partir de Julho-Agosto, o que é certo é que, para as novas condições criadas, essa melhoria foi insuficiente. Durante os meses de Agosto de 1943 a Abril de 1944, a sua actividade foi irregular e deficiente em muitos aspectos, salientando-se destes o mau trabalho de controlo aos CZ e consequentemente o de preparação de quadros. O pouco contacto com a base, consentindo assim que muitas células ficassem fazendo o mesmo trabalho que faziam anteriormente ao movimento, isto é, vegetando; o mau aproveitamento de alguns camaradas e de algumas possibilidades - são outros maus aspectos.
Quando digo que me cabem mais responsabilidades a mim é precisamente porque notava estas falhas e não fui capaz de eliminá-las. É certo que uma das causas do mau trabalho (talvez a principal) não estava só na minha mão eliminá-la. Mas ainda assim, com um pouco mais de firmeza e de energia, muito mais se poderia ter conseguido.
Tarefas
As falhas verificadas na actividade do CRL, dos CL e de Z e na actividade das organizações de base, tanto no período anterior ao movimento como durante este, impõe-nos as seguintes tarefas:
1.º Fortalecer o trabalho de direcção local de Lisboa e dos CR da região aplicando, o mais rapidamente possível, as medidas determinadas nas «Resoluções» da última reunião do CC, criando-se assim novas condições de trabalho que permitam uma verdadeira actividade de direcção.
2.º Fortalecer as organizações locais e de zona, quer por meio dum trabalho de controlo mais regular junto delas e duma assistência política maior, quer ainda, chamando para elas aqueles militantes das células que revelem mais dedicação e capacidade, especialmeúte militantes de grandes empresas.
3.° Fortalecer as organizações de base: células de empresa, de fábrica, de oficina, de escritório, etc.; de Sindicatos Nacionais e outros organismos de massas por meio dum controlo e duma assistência política regulares, colocando-lhes tarefas concretas e exigindo-lhes a sua realização. Estudando com eles os problemas que mais os interessam e aos seus companheiros de trabalho e dando-lhes uma boa orientação de maneira que eles se sintam capazes de levar a tarefa por diante. Exigindo que eles cumpram com o seu papel de vanguarda. Exigindo que eles dirijam decididamente sempre novos movimentos reivindicativos, treinando-se assim, na luta de todos os dias, para os grandes combates que se avizinham.
4.º Fortalecer os Comités de Empresa existentes, dedicando-lhes muita atenção, prestando-lhes uma regular assistência política, procurando conseguir que cada um dos seus membros seja um verdadeiro dirigente dos seus companheiros, pelo seu prestígio, pela sua dedicação à classe operária, pela sua capacidade de organização e de mobilização. É necessário que os militantes de cada CE compreendam a importância das suas tarefas e as responsabilidades que têm. Os militantes destas empresas não se devem confundir com os militantes das células de pequenas fábricas ou oficinas. Não devem dar-se por satisfeitos - e muito menos nós - só porque têm o dobro ou triplo dos militantes dessas pequenas fábricas; é necessário conseguir uma organização proporcional ao número de operários dessa empresa. Se numa oficina de 100 trabalhadores temos 5 militantes, numa de 2 000 devemos ter 100 e numa de 6 000, 300. É necessário conseguir nestas empresas uma direcção com a capacidade à altura das suas enormes responsabilidades e equivalente à dos membros do CL do Partido. É necessário conseguir nestas empresas fortes núcleos em todas as secções. É necessário criar novos Comités de Empresas naquelas grandes empresas onde ainda não existem.
5.° Fortalecer os actuais Comités de Classe, auxiliando-se constantemente no seu trabalho, tendo em atenção a enorme importância que algumas classes têm na vida nacional e que os movimentos, especialmente os de 8 e 9 de Maio, nos ensinaram. Procurar criar desde já novos Comités de Classe, tendo uma especial preocupação com todos os serviços publicos. Ter em conta que em certas classes, pela enorme dispersão dos seus elementos, mais do que em qualquer empresa, o prestígio deste ou daquele camarada conta muitas vezes decisivamente. Orientar a sua actividade especialmente à base dos seus sindicatos, na luta pela conquista das reivindicações de classe.
6.º Intensificar todo o nosso trabalho campon&e"circ;s, quer procurando materializar rapidamente aquelas «Resoluções do Congresso» (7) que ainda não puderam ser realizadas, quer fortalecendo as actuais organizações, prestando-lhes ainda uma maior assistência, quer ainda fazendo um esforço decidido para alargar a nossa organização a toda a região saloia, onde se revelaram enormes perspectivas. Intensificar ainda mais o chamamento dos melhores militantes camponeses aos organismos de direcção CL e CR tendo em atenção a enorme importância da participação dos camponeses nas lutas de 8 e 9 de Maio e nas próximas lutas.
7.º Fortalecer, tanto sob o aspecto orgânico como político, todos os organismos do Partido desde os CR às células, intensificando o trabalho de preparação dos seus membros por todos os meios ao nosso alcance: livros, cadernos de cultura, conversas, etc., de forma a tornarmos cada um destes organismos verdadeiros organismos dirigentes do seu raio de acção e na realização das suas tarefas. Cada organismo do Partido não pode considerar-se um moço de recados dos organismos superiores. Não basta que eles cumpram as tarefas que lhes são postas. É necessario que eles próprios estudem todos os problemas relacionados com a sua actividade e que participem activamente na elaboração das suas próprias tarefas, no melhor espírito de colaboração com os escalões superiores É necessário, ainda, que eles tenham noção das suas responsabilidades perante o Partido e os trabalhadores no cumprimento das suas tarefas. Este fortalecimento só se pode fazer através do bom funcionamento desses organismos, de muitas reuniões e do bom trabalho colectivo, não permitindo que hajam militantes que não participem na actividade geral do organismo a que pertencem.
8.º Intensificar o recrutamento de novos militantes. Os últimos movimentos têm revelado centenas de trabalhadores honestos, dedicados à sua classe e decididos a lutar sob a orientação do Partido. É necessário chamar estes trabalhadores a ocuparem novos postos em que devem lutar, as células, os Comités de empresa, de classe, etc.. É necessário, para isto, que eles sejam indicados ao Partido, que todos os militantes e simpatizantes tenham esta tarefa como muito importante.
9.º Fortalecer e desenvolver o trabalho juvenil, à base das Resoluções do Congresso, e intensificando o chamamento dos jovens mais firmes e decididos a colaborar nos organismos do Partido, ajudando-os nas suas próprias tarefas. Ter em atenção a grande participação dos jovens em várias actividades no último movimento e saber aproveitar as qualidades de cada um deles nas várias tarefas em que os quadros jovens podem e devem auxiliar os quadros do Partido.
10.º Intensificar os trabalhos das mulheres trabalhadoras, no sentido de se conseguir uma participação mais activa da sua parte nas lutas operárias e camponesas, no sentido de se conseguir que elas participem activamente na própria direcção das lutas reivindicativas, chamando-as às Comissões de Unidade e outros organismos. Conseguir que aquelas que estão mais ligadas a nós, ou que são mais enérgicas e decididas, não só organizem as lutas reivindicativas nas suas fábricas mas ainda que estendam a sua actividade às outras fábricas onde trabalham mulheres, estabelecendo relações de camaradagem e amizade com elas, intensificando as suas lutas e levando-as a lutarem também.
A importância de um bom trabalho de aproveitamento da capacidade combativa das mulheres foi-nos mostrada mais uma vez nos últimos movimentos. O heroísmo, o espírito revolucionário que as mulheres trabalhadoras têm mostrado em todos os movimentos populares não deve ser aproveitado só de tantos em tantos meses. Devemos canalizar desde já essas qualidades num trabalho constante, quer em organismos de tipo já indicado, quer em organismos novos que possamos criar.
11.º Intensificar o trabalho de organização da frente única dos trabalhadores lutando para se conseguir que os trabalhadores de todas as fábricas e oficinas, de todas as vilas e aldeias, criem os seus organismos de luta: as Comissões de Unidade, nas suas várias formas já indicadas pelo nosso Partido. Intensificar o trabalho para que esses organismos sejam bastante representativos, para que se tornem estáveis, para que orientados duma maneira activa e permanente pelo nosso Partido sejam verdadeiros organismos dirigentes dos trabalhadores. As Comissões de Unidade desempenharam um papel importantíssimo na criação das condições que tornaram possível os últimos movimentos. É necessário também neste campo como em tantos outros darmos mais um passo em frente: conseguirmos que as várias Comissões de Unidade se não limitem a ajudar as condições necessárias para as grandes lutas que se avizinham, mas sim que esses organismos, representativos de todos os trabalhadores, estejam à altura de serem eles próprios, sob a direcção superior do Partido Comunista, a dirigirem essa luta.
12.° Intensificar a nossa actividade em relação aos Sindicatos Nacionais e Casas do Povo, conseguindo que os trabalhadores pressionem cada vez mais as respectivas direcções por meio de idas aos Sindicatos ou Casas do Povo de Comissões ou trabalhadores, em massa, exigindo que as direcções defendam os seus interesses; conseguindo que os trabalhadores passem a frequentar a sede, desses Sindicatos e Casas do Povo; conseguindo que os trabalhadores vigiem o trabalho das direcções e que participem activamente nas suas eleições, conseguindo que as direcções fascistas sejam completamente varridas de todos os SN e Casas do Povo e que sejam eleitas direcções de trabalhadores honestos, dedicados à sua classe, e em que participem, sempre que seja possível, camaradas nossos. Começar desde já a criar as condições para que nas próximas eleições os trabalhadores elejam em todos os SN e Casas do Povo direcções da sua confiança. Lançar e realizar as consignas: fora com as Comissões Administrativas, fora com todos os lacaios que se enconcharam; queremos ser nós próprios a eleger as nossas direcções e queremos que elas sejam sancionadas. Ter em atenção a enorme importância que têm alguns SN para a vida das respectivas classes e fazermos nestes um esforço maior.
13.° Intensificar o trabalho de solidariedade, principalmente à base dos organismos de massas, colectividades recreativas e desportivas, cooperativas, etc., e inclusivamente SN e Casas do Povo. Conseguir que todas as pessoas sérias, homens ou mulheres se interessem pela situação destas ou daquelas famílias de grevistas ou de presoN políticos. Ca-' nalizar num esforço positivo todas as simpatias que se notam à nossa volta. Aproveitar todas as simpatias de todos os antifascistas pelos movimentos populares e transformá-las em simpatia pelos organizadores desses movimentos. Conseguir que certas pessoas, de certos meios mais abastados, organizem um amplo trabalho de solidariedade. As cartas de protesto às autoridades e personagens representativas da situação, e conversas com essas pessoas são formas de solidariedade que muito interessam e que há que intensificar.
14.° Intensificar o trabalho de ajuda ao Comité de Organização militar, dando-lhe muito mais ligações, indicando-lhes todos os camaradas e simpatizantes que vão para a vida militar.
Através de muitos militantes nossos e de muitos grevistas conhecem-se muitos polícias e guardas republicanos que não só se portaram bem durante os movimentos mas ainda que mostraram abertamente o seu ódio ao fascismo salazarista e as suas simpatias pelo movimento e pela nossa causa. Há, pois, que abordar por toda a parte estes polícias e estes guardas, com a preocupação não só de os neutralizar nas futuras lutas mas mesmo de os trazer às nossas fileiras, com reservas e cuidados dobrados.
15.º Intensificar todo o nosso trabalho de agitação e propaganda, começando em primeiro lugar por aumentar a difusão do nosso Avante!. A imprensa do nosso Partido e em especial o nosso Avante!, é o melhor veículo, o melhor meio de transporte da causa justa dos trabalhadores portugueses, da causa revolucionária, duma orientação política justa. O Avante! ensina os trabalhadores a compreenderem a causa por que são explorados, porque são lançados numa miséria cada vez maior, porque são abandonados a morrer de fome e com as mais terríveis doenças, sem a mínima assistência, porque são espancados e assassinados cobardemente quando protestam. O Avante!, voz dos trabalhadores mais esclarecidos, ensina também o caminho para a libertação do jugo fascista, para a exterminação do fascismo assassino: o caminho da luta unida de todos os trabalhadores e de todos os antifascistas. Por isso o nosso jornal tem que chegar às mãos de todos os antifascistas e principalmente de todos os trabalhadores. É necessário darmos o jornal aos nossos amigos, aos trabalhadores sérios que nos merecem confiança e fazê-lo chegar indirectamente àqueles que não conhecemos bem. É necessário enviá-lo pelo correio ou por outros meios a todos os trabalhadores que nós conhecemos, esteja na cidade, na aldeia. Mas, não basta distribuir o jornal: apesar de isso ser importante, é necessário colher o proveito dessa sementeira organizando aqueles camaradas que mostrem mais vontade e mais condições. Reforçarmos as nossas brigadas de agitação e criarmos novas brigadas onde não as houver ou onde sejam insuficientes.
16.º Intensificar o auxílio económico ao Partido. Conseguindo em primeiro lugar regularizar as quotizações. É necessário que cada militante, seja duma célula, Comité Local ou Regional, que ainda não tenha uma tarefa individual, que compreenda a obrigatoriedade da sua quotização e que cumpra. É necessário que cada militante compreenda a necessidade de ele próprio criar, com os seus amigos, com os simpatizantes que conhece, um grupo de auxílio ao Partido. Se todos os militantes aproveitarem as possibilidades que têm, podem criar-se centenas de novos grupos de auxílio. Mas, por um lado, estes grupos não mobilizam todas as possibilidades que existem para arranjar dinheiro, e, por outro lado, ainda que este auxílio possa ser o mais regular, ele é manifestamente inferior às actuais necessidades do Partido.
Os movimentos de 1942 e 1943 e as condições por eles criadas exigiram que o Partido realizasse o seu 1º Congresso Ilegal e desse um salto grande para diante. Era preciso muito dinheiro para se poder fazer tudo quanto era preciso. Foi feito o apelo e milhares de trabalhadores e muitos antifascistas corresponderam prontamente, compreendendo muito bem a situação. Muita coisa se fez, muita coisa ficou por fazer porque o auxílio, apesar de grande, foi insuficiente. Os movimentos de Maio de 1944 criaram novas condições revolucionárias, abriram novas perspectivas, criaram novas responsabilidades ao Partido e criaram novos pesados encargos. Se o auxílio era insuficiente, torna-se assim insuficientíssirno. Por isso há que multiplicar esse auxílio por muitas vezes. É necessário para isso criar por toda a parte não só grupos de auxílio indicados, mas Comissões de Auxílio, constituídas por simpatizantes e amigos do Partido. Estas comissões devem utilizar os mais variados processos para arranjar dinheiro. Só com um grande auxílio o Partido pode cumprir integral e rapidamçnte as suas tarefas.
17.º Reforçar os cuidados conspirativos é tarefa importante, mais que qualquer outra. De nada serve, antes é prejudicial, um camarada desenvolver grande actividade e deixar-se seguir pela polícia, originando a sua prisão e a de outros camaradas. De nada serve organizar muitos camaradas se entre eles vêm elementos comodistas, oportunistas, intriguistas, incapazes de realizar qualquer tarefa partidária e capazes de desorientar e desagradar os organismos onde foram metidos. De nada serve organizar elementos fracos e cobardes capazes de trair no primeiro transe difícil. Por isso a actividade de cada camarada deve ser vigiada por ele próprio em primeiro lugar e depois por todos os camaradas que trabalham com ele. A selecção no recrutamento de novos militantes deve ser cada vez mais rigorosa. Devemos ser inflexíveis no que respeita ao cumprimento da disciplina partidária, no cumprimento das directrizes do Partido. O Partido tem desenvolvido uma intensa actividade a partir do movimento de Outubro-Novembro de 1942 e tem conseguido grandes vitórias, e entre elas os movimentos, com perdas relativamente pequenas. Mas apesar de pequenas, elas podiam ter sido mais reduzidas ainda se todos os camaradas tivessem cumprido com as directrizes do Partido. É necessário que intensifiquemos todo o nosso trabalho, mas por formas que consigamos maiores movimentos e maiores vitórias, com menos perdas ainda.
Estas são as tarefas que me parecem mais importantes e para a realização das quais temos que nos lançar com entusiasmo e decididamente ao trabalho. O nosso Partido realizará as pesadas tarefas que tem para resolver na medida em que todos os seus membros actuem conscientes dos seus deveres e das suas responsabilidades.
(*) Alfredo Dinis “Alex” (1917-1945) nasceu em Lisboa e foi operário metalúrgico na outra banda, estudando à noite numa escola industrial. Com 19 anos aderiu às Juventudes Comunistas, tornando-se membro do Socorro Vermelho. Em Agosto de 1938 foi detido e condenado a 18 meses de prisão. Em 1941 era responsável pela Célula da Parry & Son e pelo Comité Local de Almada do P.C.P.. Em 1942 sendo responsável pela organização local, foi um dos impulsionadores das greves que tiveram lugar na região de Lisboa. Em 1943 é membro do Comité Regional de Lisboa, tendo sido um dos impulsionadores das grandes greves de Julho-Agosto desse ano. Nesse mesmo ano, no III Congresso do P.C.P., é eleito para o seu Comité Central. Em 1944 foi igualmente um grande impulsionador das Grandes Greves de 8 e 9 de Maio, tendo feito parte do seu Comité Organizador. Em 1945 participou na organização dos festejos populares pela vitória sobre o nazi-fascismo (Maio) e foi eleito para a Comissão Política do partido, pouco antes de ser assassinado pela PIDE quando circulava de bicicleta pela estrada de Bucelas, a caminho de um encontro, a 4 de Julho, aos 28 anos. “Alex” foi, sem dúvida, o melhor agitador e organizador de lutas sociais na sua geração, senão mesmo de todo o período do regime salazarista. O presente texto é a sua intervenção a 30 de Maio de 1944 no Comité Central do partido dando conta do desenrolar do movimento de 8-9 de Maio desse ano. As notas são da responsabilidade das Edições Avante!: ‘As greves de 8 e 9 de Maio de 1944’, Série Documentos para a História do Partido Comunista Português, Edições Avante!, Lisboa, 1979.
____________ NOTAS:
(1) Durante muitos anos as expressões «campesinato» e «camponeses» foram utilizadas indistintamente tanto em relação ao verdadeiro campesinato (pequenos e médios agricultores) como em relação aos assalariados rurais, que socialmeríte fazem parte do proletariado. A questão foi discutida no VI Congresso do PCP realizado m 1965, passando desde então a linguagem a ser mais rigorosa.
(2) Trata-se da carta de 26 de Abril ao Secretariado.
(3) [Nota de ‘O Comuneiro’] Neste ponto verifica-se um corte, aliás devidamente assinalado, no texto do documento, tal como ele foi publicado em ‘As greves de 8 e 9 de Maio de 1944’, Série Documentos para a História do Partido Comunista Português, Edições Avante!, Lisboa, 1979.
(4) O C.C., na reunião de 30 de Maio de 1944, não perfilhou neste aspecto o ponto de vista de Alfredo Dinis. Os sectores onde o movimento foi mais forte foram precisamente aqueles cuja direcção coube aos camaradas do CC destacados para o CDG: Vilarigues (Sacavém, Alhandra, Vila Franca, Santarém) e Dias Lourenço (Amadora, Pêro Pinheiro, Ferroviários). Foram também os camaradas do C.C. que asseguraram de facto as ligações, o controlo e a direcção a partir do dia 8 de Maio.
(5) Entre outros camaradas que se destacaram na Cimento Tejo contavam-se Soeiro Pereira Gomes, autor de Esteiros, empregado de escritório nessa fábrica, que após a greve foi forçado a passar à clandestinidade, e Gui Lourenço, operário dessa fábrica.
(6) Entre outros António Tavares, membro do Comité Local do P.C.P. de Vila Franca de Xira, que depois de uns tempos na clandestinidade, faleceria em plena juventude.
(7) III Congresso do Partido Comunista Português (1º ilegal) realizado em Novembro de 1943.
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