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Os acontecimentos de 18 de Janeiro de 1934
José Gregório (*)
Sobre a associação e o movimento do operariado vidreiro
A associação e a luta reivindicativa do operariado vidreiro datam de há muito tempo. Pelo que nos é dado conhecer foi a partir, principalmente, da implantação da República, em 1910, que as associações dos operários manipuladores da vidraça de garrafas e cristais tomam um maior incremento.
Desde o seu início, até ao ano de 1931, as associações de classe, assim como todo o movimento dos trabalhadores da indústria do vidro sofreram a influência das ideias anarquistas e socialistas e algumas das suas acções foram directamente influenciadas pela Confederação Geral do Trabalho e pelo Partido Socialista, que na Marinha contava com um bom número de adeptos.
Além de outras lutas e acções de massa levadas a cabo pelos vidreiros da Marinha Grande, devemos destacar a que foi travada por volta de 1911-1912 entre os vidraceiros e os donos das fábricas Almeida Morais e Companhia Lda. (Fábrica dos Teimosos) que mais tarde foi comprada pelo Carlos Santos Galo. O conflito chegou a tomar aspectos mais agudos em virtude do patronato ter metido operários belgas e substituir os operários portugueses em greve e ter chamado, em seu apoio, tropas de Leiria que estiveram acampadas durante alguns dias dentro da própria fábrica. Apesar de tudo isto, o operariado saíu vitorioso, porquanto além do mais forçou as tropas e os belgas a abandonarem a fábrica, retomando por fim o seu lugar. Durante esta luta os operários fizeram uma concentração junto da fábrica, cujos portões estavam encerrados, exigindo a satisfação das suas reivindicações. Foi devido a isto que os patrões chamaram as tropas de Leiria.
Passados alguns anos os vidraceiros travaram uma ou outra luta tendo-se lançado em greve contra o industrial Santos Barbosa, que foi forçado a ceder às reivindicações de algumas dezenas de contos à Associação de Vidraça.
No que se refere aos garrafeiros também estes operários travaram várias lutas, muitas delas vitoriosas neste período até à criação do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Indústria do Vidro.
O movimento associativo e o espírito de luta, tomou por vezes uma ampliação nesta época que, nalguns casos, chegou a tomar modo mais intensivo, os «pequenos operários». A prová-lo temos o facto de aí por volta de 1920 na Companhia Industrial Portuguesa (Fábrica Nova) todos os rapazes a que se pode chamar pequenos operários, um dia às 8 h. da manhã, hora de começar o trabalho, recusaram-se a trabalhar, ficaram à entrada do portão a exigirem que lhes fosse aumentado o salário. Esta greve durou apenas uma hora. Ela não conseguiu alcançar os objectivos em vista e parte dos componentes da Comissão que a preparou e dirigiu (rapazes de 12 anos o máximo), foram despedidos. Porém não tardou muito tempo que os salários dos rapazes, tanto desta como doutras fábricas, fossem aumentados.
No ano de 1931 em virtude da crise que a indústria vidreira atravessou, uma grande parte do operariado vidreiro da Marinha Grande foi lançado para o desemprego. O descontamento daí resultante e os sintomas de movimentação que se avizinhavam por parte dos vidreiros forçou o governo a conceder uma verba de várias dezenas de contos para abrir trabalhos no pinhal de Leiria (Pinhal do Rei) e dar assim trabalho aos desempregados. Mas como o salário era muito baixo, o trabalho muito violento e longe da residência dos operários (mais de 4 h. por dia a andar a pé) estes resolveram lutar. E assim, numa acção de magnífica unidade, muitas dezenas de operários lançaram-se em greves e fizeram uma marcha desde o lugar de trabalho, do interior do Pinhal de Leiria até ao centro da Marinha, indo depois em concentração à repartição das Matas Florestais apresentar as suas reivindicações. Em resultado desta luta conseguiu-se melhoria de salários, obter transportes para ida e regresso do trabalho no comboio das matas (pequeno comboio de linha reduzida a que o povo chamava o comboio da lata), passando o trabalho a revestir aspectos de menos escravatura; é preciso salientar que esta acção de massas impressionou, de modo nunca observado, as autoridades do distrito, o patronato da Marinha e os seus lacaios. Por outro lado despertou a simpatia de outras camadas da população para com os operários. O patronato e as autoridades estavam acostumadas unicamente às manifestações do operariado vidreiro na rua, só por ocasião do 1.º de Maio em romagem ao cemitério ou ao parque do Engenho, com ar muito pacífico e solene, abrilhantada com bandas de música, foguetes, exibição das fábricas, fornos e ferramentas em miniatura transportados nos carros dos bombeiros. Estes dias em que as massas desciam à rua eram encerrados com discursos, proferidos por pessoas da terra, e algumas vezes pelo Dr. Ramada Curto, dirigente socialista e com muita influência ali. Porém desta vez o operariado apareceu à luz do dia, cansado de tanta exploração e miséria, mais consciente da sua força, mais unido, não em ar de romagem mas sim agarrado às suas ferramentas em greve, disposto a lutar até à vitória por vida melhor. Este movimento do operariado marinhense em muito contribuiu para criar as condições indispensáveis à formação do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Indústria do Vidro, em fins de 1931. À cabeça deste movimento estiveram António Guerra e outros militantes operários que muito contribuiram para a criação da organização do Partido na Marinha Grande.
Ano da criação do sindicato nacional dos trabalhadores da indústria do vidro
1931 foi o ano em que, sob a orientação do Partido, se criou o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Indústria do Vidro isto é, que teve lugar a organização e a unificação dos trabalhadores da Indústria Videira, à escala Nacional. Isto tornava-se quanto mais necessário porquanto é certo que a classe vidreira tinha aprendido que algumas das suas derrotas anteriores se deviam a fraqueza das suas associações, por secções, em separado, à ausência da sua unificação à escala Nacional. A classe operária já tinha verificado por outro lado, que existia um melhor entendimento e organização do patronato, que contava com o auxílio das autoridades governativas, para melhor explorar os trabalhadores.
Nesta época a indústria do vidro, salvo raros casos em que era aplicada a máquina, funcionava pelo processo manual e contava aproximadamente 5000 trabalhadores, homens, mulheres e jovens, distribuídos pelos ramos seguintes: vidraceiros garrafeiros, cristaleiros, lapidários, maçariqueiros (manipuladores de artigos de laboratório).
A indústria vidreira então concentrada na Marinha Grande (10 fábricas), produzindo vidraça, garrafões, garrafas, cristalaria, lapidações, obra de maçariqueiros e empalhação de garrafões; Fontela (Figueira da Foz) produzindo vidraça, garrafões e empalhação de garrafões; Vieira de Leiria uma fábrica produzindo garrafas, vidraça, garrafões e empalhação de garrafões; Pataias uma fábrica produzindo garrafas, garrafões e empalhação de garrafões; Oliveira de Azeméis (Bustela), uma fábrica com produção de cristais e secção de lapidações; Gaivotas (Lisboa) uma fábrica de cristais.
Todos os trabalhadores eram alvo da mais desenfreada exploração e inúmeros atropelos levados a cabo pelo patronato, que aumentava sem cessar as suas já avultadas fortunas. Entre a classe operária crescia a vontade de maior união, de associação, uma vontade indomável de empreender novas lutas.
Carácter nacional do sindicato
A sede do Sindicato estabeleceu-se na Marinha. Mas imediatamente se entrou em contacto com os trabalhadores vidreiros do resto do País a fim de lá montar as suas secções sindicais. Até fins de 1933, quando da fascisação dos sindicatos, foram constituídas as secções de Campanhã, Oliveira de Azeméis, Fontela e a de Vieira de Leiria. Por exemplo: à inauguração de Oliveira de Azeméis assistiram muitos operários da Marinha Grande que ali foram confraternizar. Nesse dia houve uma sessão solene no edifício da secção, um desafio de futebol entre duas equipas de operários de Oliveira e da Marinha Grande.
Como funcionava a organização sindical e aparecia o sindicato nos lugares de trabalho
A direcção do sindicato era eleita pela Assembleia Geral dos trabalhadores vidreiros da Marinha Grande com representação das secções ou dos trabalhadores existentes nos outros pontos do País.
Em cada fábrica existia uma Comissão Sindical que era o organismo composto por representantes do pessoal manipulador das peças de vidro, do outro pessoal diário (fundidores, atiçadores, ferreiros, carpinteiros, secções de empalhação, etc.).
Estas comissões eram eleitas em assembleia geral do pessoal de cada fábrica, na Sede do Sindicato ou na Sede da secção. Elas eram, nas fábricas, quem atendia a vontade e aspirações dos trabalhadores e ia junto do patronato exigir a sua satisfação. Depois de cada diligência feita, a Comissão dava imediatamente conta aos trabalhadores lá na fábrica ou do Sindicato. Deste modo havia um estreito contacto entre as Comissões e os trabalhadores e um controlo destes às comissões que tinham elegido. As assembleias gerais dos operários das fábricas eram promovidas pela Comissão ou a pedido dos trabalhadores e anunciadas nos lugares de trabalho e no sindicato.
Apesar das mulheres terem as suas representações nas Comissões Sindicais mistas a que nos vimos referindo e ter igual direito e participação nas assembleias e demais aspectos da vida associativa, tinham também uma dependência na sede do sindicato nacional, onde se podiam juntar reunir a tratar de qualquer problema referente ao seu trabalho e à sua vida. Este direito e regalia que se criou para as mulheres operárias em muito contribuiu para elevar a sua consciência e participação nas lutas travadas.
No Sindicato, nas Assembleias Gerais, nas Assembleias das Secções ou simplesmente na fábrica, não era vedada a entrada a qualquer trabalhador, fosse qual fosse a sua idade, sexo ou profissão.
O Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Indústria do Vidro criou uma escola com professora oficial na sua Sede, onde recebiam instrução os operários vidreiros que a quisessem frequentar. Esta escola enquanto não foi encerrada juntamente com o sindicato pelo governo, prestou muitos benefícios aos operários vidreiros sob o ponto de vista cultural. António Guerra também ali deu lições aos operários.
O Sindicato criou igualmente uma caixa de solidariedade, prestou auxilio em dinheiro aos trabalhadores em greve e aos desempregados, assim como assistência médica e farmacêutica a muitas dezenas de operários vidreiros e suas famílias.
Movimentos da classe operária vidreira desde 1932 até fins de 1933
Em todos os sítios do País onde se encontravam trabalhadores da indústria do vidro houve movimentos reivindicativos, muitos dos quais vitoriosos.
Dada a falta de elementos que nos permitam citá-los e descrevê-los todos, consideramos alguns que tomaram maior amplitude no período que vai desde fins de 1931 até fins de 1933.
Tal como sucedia nas restantes indústrias do país e em regime capitalista o patronato continuava a produzir em norma, do que resultava encher os armazéns e aumentar os seus stoques, que o mercado interno e externo não absorviam, lançando no desemprego os operários por tempo indefinido, dando-lhes apenas um magro subsídio durante o período de interrupção da laboração das fábricas. Por outro lado, o patronato baixava o preço da mão-de-obra e mantinha sempre uma reserva de desemprego de que lançava mão principalmente nos momentos mais acesos da luta e para impedir a associação e a unidade da classe operária.
Nestas condições a unidade e a acção dos trabalhadores vidreiros em todo o país forjou-se na base da luta para o aumento de preço da mão-de-obra e pela redução da jornada de trabalho, isto é, pelo estabelecimento da produção.
Esta orientação imprimida pelos trabalhadores agrupados no seu Sindicato Nacional saiu triunfante. Daí resultou que a partir de então os operários trabalhavam menos horas, ganhavam mais, estavam menos tempo desempregados e viram igualmente aumentados os subsídios nos períodos de inlabor. Mas para se conseguir tudo isto foi preciso travar lutas com o patronato.
Em 1932, na fábrica dos Roldões, desencadeou-se uma greve que durou 9 meses motivada pelo facto de o patronato recusar-se a ceder um aumento para os terceiros ajudantes. Ao fim deste tempo os patrões foram forçados a dar o aumento de salário exigido, a aceitar os operários que antes não queriam na sua fábrica (principalmente alguns da Comissão Sindical da Fábrica), a aceitar no quadro do pessoal outros operários desempregados, por imposição do Sindicato, e finalmente a pagar a indemnização ao Sindicato de 35 contos.
Noutra ocasião os operários de Fontelas (Figueira da Foz) lançaram-se na greve por melhores condições de vida. Esta greve durou vários meses; e para que pudesse prosseguir o Sindicato dava aos operários um subsídio semanal e muitos deles foram deslocados com as suas famílias para a Marinha Grande. As mulheres da empalhação da referida fábrica foram distribuídas pelas fábricas de Campanhã e da Marinha Grande, onde trabalhavam e viviam com algumas pessoas da sua família até ao termo do movimento.
Os operários vidreiros de Pataias e das Gaivotas de Lisboa também travaram as suas batalhas no transcurso das quais muitos deles se deslocaram para a Marinha Grande com as suas famílias onde encontravam apoio moral, trabalho, habitação e subsídios com que pudessem viver. Em Campanhã, onde chegou a haver greve, Oliveira de Azeméis, Vieira de Leiria e na maioria das fábricas da Marinha, também os operários levaram a cabo lutas reivindicativas, fazendo, em muitos casos, recuar e ceder o patronato.
Os trabalhadores vidreiros pela justeza da sua luta e pela sua firmeza, espírito de solidariedade e sacrifício, conseguiram grangear a simpatia e o apoio dos camponeses, do pequeno e médio comércio e de muitas pessoas. Este foi também um factor de grande importância que contribuiu muito para as vitórias alcançadas. Esta foi uma preciosa experiência para o operariado vidreiro que o patronato e as autoridades não puderam evitar. Chegou-se a criar um tão grande ambiente de apoio moral e material aos trabalhadores em luta que todos aqueles que procedessem de modo contrário eram alvo de reprovação geral do povo. Para exemplo disto basta citar os seguintes factos:
Quando se desencadeou o movimento dos operários da fábrica Roldões um punhado destes que era estabelecido por se ter posto ao lado do patronato, foi forçado a fechar as portas do estabelecimento e a desistir de comerciante em virtude do povo ter propositadamente tomado a resolução de não lhe comprar nada. De outra vez, quando se realizava uma Assembleia Geral no Sindicato introduziu-se no meio do operariado um elemento da liga de 28 de Maio. Logo que foi fiscalizado toda a assembleia se levantou em peso contra ele escorraçando-o dali para fora.
Desde 1931 a 1933 alguns elementos corrompidos pelo patronato prestaram-se ao ignominioso papel de «amarelos». Daí por diante deixaram de merecer a consideração dos colegas, sentindo sempre o peso da sua posição contrária aos interesses da classe.
O Sindicato também se preocupava com a vida e trabalho dos rapazes empregados na indústria do vidro. Estes embora não pudessem ser sócios do sindicato devido à sua pouca idade encontravam nas comissões sindicais e na direcção do Sindicato os seus melhores defensores dos atropelos de que eram vítimas por parte do patronato e seus lacaios. Por outro lado, entravam no sindicato e podiam assistir às suas Assembleias. Deste modo encorajados os miúdos colocavam por vezes algumas reivindicações, que eram atendidas e quando algumas vezes os queriam maltratar, invocavam o Sindicato e a Comissão com bom resultado. É assim encorajados que, em 1932 ou 1933, os aprendizes da fábrica Marquês de Pombal resolveram apresentar as suas reivindicações, indo para a greve em virtude de não serem atendidos. Em seu apoio encontraram a solidariedade dos operários adultos e da direcção do Sindicato. Raivosos os patrões e as autoridades fascistas fizeram com que a polícia viesse prender e algemados para Leiria os moços que mais se destacaram nesta luta. Mas apesar dos espancamentos e torturas morais de que foram alvo os moços sofreram com dignidade tudo até ao fim dando um bom exemplo de comportamento proletário e uma lição ao inimigo. Enquanto presos e depois disso estes pequenos operários foram alvo de solidariedade e do carinho de colegas pequenos e adultos. Entre estes moços presos e torturados figura em primeiro lugar o nosso camarada Joaquim Gomes que desde há muito se pôs ao serviço do nosso Partido e da classe operária do nosso país.
Os trabalhadores em fins de 1933
Os trabalhadores vidreiros, em fins de 1933, pela sua própria experiência tinham adquirido a certeza que contra eles estavam, além dos patrões, as autoridades locais, distritais e governamentais.
Eles tinham visto fecharem-lhes por vezes o sindicato e prenderem a sua direcção. Os trabalhadores viram a GNR da Marinha, P.S.P. de Leiria, a Polícia de Informação de Lisboa a perseguirem, a prenderem e a espancarem os operários que outro crime não tinham cometido se não o de defenderem os seus direitos e de lutarem por melhores condições de vida para si e para os seus filhos. Por isso o operariado vidreiro organizou uma grande manifestação que foi ao centro da Marinha Grande, desde o caminho de ferro, quando do regresso do Aljube de membros da Direcção do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Indústria do Vidro.
Por isso o governador civil de Leiria não teve acolhimento na viagem que fez em dada altura à Marinha com fins demagógicos. Nestas condições, o Partido começou a conduzir a sua acção, actuar no sentido de dar consciência à classe operária de que já não era suficiente lutar contra o patronato. Era necessário também lutar contra o governo que tanta ajuda prestava àquele.
Nesta situação a notícia de que se ia organizar um movimento à escala nacional contra a fascisação dos Sindicatos e o governo, teve bom acolhimento entre os trabalhadores da Marinha Grande. Os trabalhadores viam nesse movimento a única maneira de pôr cobro às injustiças de que vinham sendo vítimas e verem satisfeitas as suas justas aspirações indispensáveis a uma vida melhor. Por outro lado, dadas as informações recolhidas nesse sentido, passou a ser uma certeza a partir de então, tanto para os membros e simpatizantes do Partido como para muitos outros operários, o entendimento e a união dos comunistas, anarquistas, socialistas e republicanos com vista não só à luta contra a lei da fascisação dos sindicatos como também com fins de derrubar o governo e instaurar um novo regime.
No entanto e por vários motivos já analisados pelo nosso Partido e especialmente pelo camarada Bento Gonçalves, começou-se a preparar o movimento com vista à implantação dum regime operário sob a direcção do Soviete local. Desde o inicio se arreigou a ideia do movimento insurreicional. Partir-se de tal ideia, conduzir-se os operários dentro duma tal orientação e preparar-se a participação da classe operária no movimento de 18 neste sentido foi um erro que nunca é de mais salientar. Porém uma coisa era certa: os membros do Partido e boa parte do proletariado não viam outra saída para a satisfação das suas reivindicações, que consistiam:
- Na abertura do Sindicato;
- No aumento de salários;
-Contra o desemprego e por autoridades locais servidores da classe operária e do povo e não para servirem o patronato como até então vinha sucedendo.
18 de Janeiro de 1934 - plano e acção do comité dirigente do movimento
O Partido nomeou um Comité para preparar e dirigir o movimento debaixo da seguinte orientação:
Para que os operários pudessem alcançar a satisfação das suas aspirações precisavam de se apoderar das armas que estavam na posse duma força da GNR comandada por um sargento, a fim de não serem espingardeados e de as poderem utilizar em auxílio do movimento que esperavam fosse desencadeado à escala nacional. Partindo-se destas necessidades o referido Comité começou dias antes do 18 de Janeiro a trabalhar com vista à recolha de armas, caçadeiras, revólveres e pistolas; trabalhou no sentido de carregar cartuchos (com carga especial) e arranjar munições para as restantes armas. Por outro lado, recrutou operários para as brigadas de ataque aos postos da GNR, ao posto dos correios e outras para formarem as brigadas de derrubamento de árvores com o fim de se obstruir as estradas e impedir a passagem dos comboios e das forças repressivas de Leiria. A todas estas brigadas foram fornecidas instruções indispensáveis ao manejo e utilização das armas e ao cumprimento da sua missão. Toda esta acção organizadora e dirigente do movimento teve à cabeça o camarada Manuel Esteves de Carvalho (Manecas) que mesmo tuberculoso em último grau e imobilizado na sua cama deu belas provas de firmeza e acção revolucionária.
Na noite de 17 para 18 de Janeiro, por volta das três horas da manhã e segundo o plano estabelecido, num barracão, junto à casa dum camarada operário, em Casal Galego, fez-se a concentração dos operários componentes das brigadas e muitos outros, assim como das armas, munições e ferramentas necessárias ao comportamento do plano.
Daqui sob a direcção dum responsável que levava uma braçadeira encarnada no braço, saíram 5 brigadas, de 5 operários cada, para o assalto ao edifício dos correios, 2 para a interrupção da via férrea e várias outras para cortar as árvores que obstruíam as estradas que ligam a Marinha a Leiria, Pataias e Vieira de Leiria. Outras brigadas saíram igualmente para cortar as linhas telefónicas. No assalto ao posto da GNR as brigadas eram abastecidas de munições por jovens operários nomeados para essa tarefa.
Deste modo e tal como tinha sido determinado, à uma hora da noite, quando toda a vila estava no mais completo silêncio, e a seguir a um tiro disparado todas as brigadas começaram a actuar. Viveram-se, a partir desse momento, horas de emoção que não nos é possível descrever com realismo, intensidade e alegria que as caracterizavam. Pode-se dizer que essa noite foi para os membros do Partido e outros operários, o seu maior baptismo de fogo, até porque se aguardava a resistência e o fogo da GNR. Pela primeira vez, os operários se sentiam donos da terra que criaram e tinha sido o seu berço.
As brigadas de assalto que cercaram por completo o posto da GNR situado no centro da terra (uma de frente, colocada no terraço da Associação dos bombeiros com armas e bombas de mão; uma a cada topo da rua, que passava de fronte do posto e duas pela rectaguarda) e as brigadas que assaltaram o posto de correios agiram tão simultâneamente e com o fogo tão cerrado que tanto os guardas como as pessoas da terra pensavam ter rebentado uma verdadeira revolução em que predominavam as metralhadoras e bombas de muito maior potência. A GNR foi de tal modo surpreendida e batida por todos os lados que não teve ânimo para esboçar a mais pequena resistência, pelo que não deu sequer um tiro. A GNR, não acreditava de início que fossem operários quem os tinha assim imobilizado. Nos correios fácil foi penetrar e tomar conta da rede de ligações. O Chefe, Manuel Leal, conhecido pelo ódio que tinha ao operariado, não teve mais remédio que pôr-se ao serviço deste e ensinar à brigada o modo de proceder para se estabelecer e manter a ligação permanente pelo telefone com o comandante da GNR. Este notório amigo do patronato e agente do fascismo não ocultava o medo que o assaltou quanto à sua insegurança, assim como à da sua mulher e filha. Porém depressa recebeu lição devida que constituiu no facto de que os operários sabiam proceder humanamente em relação a um vencido, respeitando a vida à sua mulher e filha. Passado pouco os correios eram tomados, a linha férrea obstruída em dois pontos, do lado de Leiria antes de chegar à estação e do outro lado entre a estação e o apeadeiro de Pataias; as linhas telefónicas e as estradas cobertas de obstáculos impedindo a passagem de tropas ou de qualquer veículo.
Contra o posto da GNR continuava um intenso tiroteio, as granadas de mão, os gritos de «rendam-se» saiam para fora do posto ou então «alagámo-lo». Ao mesmo tempo a insistência à rendição feita pelo telefone desde a sede dos correios. Porém os guardas tinham medo de sair. O sargento receava render-se com medo das consequências, com medo da sua vida, da vida de sua mulher e filha. Ele pensou que tinha chegado o momento de prestar contas à classe operária pela repressão que contra eles desencandeou por mais de uma vez. Pelo telefone ele não ocultava o pânico de que estava possuído, a certeza da inutilidade de qualquer resistência. Com o constante tiroteio, prosseguindo nas conversas pelo telefone com o comando do posto; na perspectiva da rendição certa; com a certeza que o movimento seria uma realidade à escala nacional, e na intensão de se não fazer sangue, os operários deixaram decorrer assim os acontecimentos até por volta das seis horas da manhã. Então, certos de que o assalto iria tomar novas proporções e de que já não era possível esperar-se mais, os soldados da GNR renderam-se, saindo para a rua, um por um, com o sargento à frente acompanhado da mulher e filha.
O tiroteio então cessou; os guardas pensavam ter chegado a hora do fusilamento, viram com espanto, que apenas foram colocados junto do muro e revistados e por fim presos dentro de uma dependência da fábrica nacional do vidro com o maior respeito pela sua vida. O sargento foi preso ficando sobre a guarda de dois operários armados de carabina. A mulher e a filha foram transportadas para a pensão «Martinho» onde encontraram cama, comida e o devido respeito pela sua honra e vida.
Irneditamente os operários apoderaram-se de armas e munições e com elas foram formadas novas brigadas para reforçar a defesa das estradas da vila. Após a tomada do posto e das armas, a alegria foi indiscritível da parte dos oparários que desempenharam esta missão, dos outros que já tinham regressado assim como pela parte das dezenas de outros que se tinham juntado no centro da vila próximo do posto e da Câmara Municipal.
Os vivas repetiam-se e os seus ecos atroavam como em dias de grande festa popular. Deram-se vivas à classe operária, ao povo, à Marinha Grande, aos trabalhadores que por todo o país estavam lutando e cumprindo também a sua honrosa missão! Deram-se vivas ao Sindicato, ao Partido Comunista Português, à URSS e à Internacional Comunista. Misturados com «Morras» e «Abaixo o Governo e a polícia» gritava-se «Vamos abrir o Sindicato. Corramos todos para o nosso Sindicato. Vamos nomear o Soviete. Vamos organizar a recolha de abastecimentos para distribuir. Reforcemos a defesa da nossa terra.»
Como foi acolhido o movimento de 18 de Janeiro
Como antes salientamos, muitos operários sabiam que se ia dar um movimento à escala nacional e que ele também eclodiria na Marinha.
Na noite de 18 de Janeiro, o tiroteio e a execução de todo o plano estabelecido despertou a vila e os seus arredores. Da Marinha Grande, do Engenho da ordem da Embra. Picassinos, Amieirinha, Casal Galego, Trutas, etc., ocorreram pessoas. Foram homens, foram mulheres e foram jovens que acorreram e se dispuseram a participar no movimento. Neles não havia medo mas somente alegria e manifestação de carinho de simpatia por quem tinha organizado e levado a cabo o que acabavam de verificar. Toda essa gente trabalhadora participou nos vivas e na alegria indiscritível que reinou na noite de 18 de Janeiro, especialmente depois do assalto ao posto e à rendição da GNR. Não havia uma censura, não se notava uma reprovação, porque todos eram conhecidos, todos tinham sofrido e lutado ombro a ombro anteriormente. Ali estava reunida boa parte da família vidreira na esperança de que desde então tudo ia melhorar para os trabalhadores. Por isso há vivas, há abraços e lágrimas nos olhos. Estas lágrimas não são sofrimento; não são de dor resultante da exploração e dos atropelos. E assim batem as sete horas da manhã, começando os carreiros de operários, para a vila em direcção às fábricas e tudo corre, a abrir o Sindicato.
O Sindicato estava aberto, os pontos estratégicos estavam tomados. O Comité estava reunido e dispunha-se a tomar as resoluções correspondentes à nova situação, quando soaram as primeiras rajadas de metralhadoras das forças repressivas vindas de Leiria. Quem vinha contra o glorioso punhado de operários, contra a família vidreira?
Vinham a Infantaria 7, Artilharia 4, a PSP, GNR, a Polícia de Informação. O camarada Manuel Jubileu foi ferido por uma rajada de metralhadora e transferido em braços para o posto de socorros dos bombeiros onde recebeu os primeiros tratamentos pelo médico da terra.
À força armada e ao terror que logo começou a campear não foi possível opor qualquer resistência. Os operários abandonaram a vila refugiando-se em suas casas e nos pinhais na esperança ainda de voltarem à luta. Os operários armados não largaram as armas tendo-se verificado as mais variadas provas de iniciativa e de audácia no sentido de não os deixar cair de novo nas mãos da força pública.
Todos os camaradas do Comité, à excepção do Manecas outros do Partido e outros que tomaram parte activa na luta, estavam às dez horas da manhã reunidos num pinhal no lugar da Amieiria. Aí, depois de terem sido ouvidos os comboios, todos foram unânimes em tudo fazer para reagrupar as forças e as armas, a fim de prosseguir a luta contra as forças de repressão, e para não deixar passar os comboios de tropas que iam decerto atacar os operários de Lisboa e outros lados. Porém a realidade não deixava lugar a ilusões. O jornal anunciava o malogro do movimento; tinham sido presos o Manecas e dezenas de operários da terra; as tropas a cavalo, batiam as casas e o pinhal à procura dos operários em especial dos mais responsáveis; a vila estava ocupada militarmente, reinando as prisões a esmo, os espancamentos, isto é, o mais desenfreado terror, até porque o inimigo receava um contra ataque, tinha medo da classe operária e do povo indomável da Marinha. À frente das forças repressivas estavam facínoras do género do então tenente Virgolino, hoje oficial superior e chefe da Legião.
Nestas circunstâncias só um caminho se impunha; retirar para mais longe ainda, e tomar contacto com a Direcção do Partido em Lisboa, trazendo tudo quanto fosse essencial à maneira de actuar, e para salvar os camaradas e outros operários sobre os quais pendiam enormes perigos.
Algumas conclusões
Ao considerarmos o movimento dos operários vidreiros no espaço de tempo que vai de 1931 até fins de 1933, não o podemos ver localizado apenas à Marinha Grande, mas sim à escala nacional. Isto é, durante dois anos e pela primeira vez na sua vida, o operariado vidreiro em número de 5000, sem contar as suas famílias, se associou no seu Sindicato único e lutou unido pela satisfação das suas sentidas reivindicações. O espírito combativo e de solidariedade atingiram um nível tão elevado que se pode afirmar ter sido ela uma das principais condições das vitórias alcançadas então, um grande exemplo e um considerável estímulo para o operariado vidreiro da nova geração, que tão valentemente tem sabido lutar pelos seus direitos, prosseguir como herdeiro e confirmar das melhores tradições revolucionárias de proletariado da indústria vidreira do nosso país.
A criação do Sindicato Nacional bem como a unificação e as lutas gloriosas dos vidreiros foram possíveis durante o período aqui referido porque tiveram à sua cabeça, como condição fundamental, a orientação e a ajuda do Partido Comunista Português. A maioria dos operários que mais se destacaram na criação do Sindicato ou simpatizantes do Partido, eram eles que falavam no Partido, distribuíam o Avante e davam vigor combativo às Comissões Sindicais existentes em todas as fábricas. A orientação do Partido era aceite e seguida pelos trabalhadores porque os seus membros e simpatizantes estavam diariamente confundidos e ligados à sua classe; por isso eram merecedores do seu prestigio e da sua confiança.
Algumas deficiências mais dignas de serem consideradas
O movimento sindical dos Trabalhadores da indústria do Vidro adquiriu apesar de tudo quanto de positivo o caracteriza uma característica que se pode intitular de demasiado legalista por vezes.
Não raros foram os casos em que, em vez de se mobilizar as massas, e levá-las a agir junto das autoridades locais e distritais, contra os encerramentos e pela abertura do Sindicato, contra as prisões e outras arbitrariedades ou ainda junto dos patrões, se recorreu a acção somente de dirigentes do Sindicato junto destas entidades. Isto, trouxe algumas vezes atraso na solução dos problemas e abrandamento do espírito combativo da classe operária. Além disto, criou-se a tendência, por parte de alguns elementos da classe operária, para tudo ser feito e resolvido pelo Sindicato sem a participação das massas, posições reformistas que só prejudicaram o movimento político e revolucionário, que a organização local do Partido não soube enfrentar e eliminar.
No que se refere à organização e actuação do Partido durante o período que vem de 1931 até 18 de Janeiro de 1934, algumas experiências se podem recolher.
1. A organização do Partido que foi montada em 1932 só passou a funcionar de modo um pouco mais regular em princípios de 1933. Na prática não havia mais que um núcleo de camaradas a que se podia dar o nome de organização local. Nas fábricas não havia organismos. Por outro lado, o contacto com a Direcção do Partido fazia-se muito raramente. Nestas condições, os camaradas do Partido não reuniam numa base de Partido, não actuavam dentro das normas de disciplina de Partido, não se sentiam obrigados a prestar-lhe conta da sua acção. Por outro lado, não era utilizada a crítica nem a autocrítica. Criou-se o hábito de ver as coisas não só sob o ponto de vista do Partido, mas sim, na base individual, na base da legalidade sindical, caindo-se não poucas vezes na burocracia sindicalista. Tudo isto se tornou inconveniente para a formação e desenvolvimento dos quadros do Partido. Tudo isto contribuiu para que não fossem recrutados para o Partido bons operários de vanguarda, homens e mulheres cheios de qualidades e de possibilidades para virem a ser um precioso material do Partido.
2. No que toca ao desencadear, decorrer e à determinação de cada movimento, não se procedia como era necessário; a análise da situação em que os mesmos tinham começado, decorrido e terminado, e quais os ensinamentos dele resultantes para utilizar de futuro. Também devido a isto, as greves dos operários vidreiros de Campanhã, de Fontela e de Pataias, em 1933, não decorreram nem terminaram de modo vitorioso como de início se admitiu. Nestas greves fora da Marinha Grande, fez-se sentir mais do que em qualquer outra, a falta de montagem de organização do Partido em cada uma das localidades onde existiam secções do Sindicato Nacional de Trabalhadores da Indústria Vidreira. Se a tudo isto juntarmos a intensificação da ofensiva policial e a repressão desenfreada. particularmente por ocasião do 18 de Janeiro de 1934, encontraremos a explicação do decaimento da luta do opera- nado vidreiro até à organização do Partido em 1940-1941, assim como as dificuldades encontradas para, ao movimento sindical desta classe, se aplicar a orientação estabelecida no VIII Congresso Internacional Comunista em 1935.
Quanto à análise política e à caracterização do 18 de Janeiro de 1934 já foram feitas pelo nosso camarada Bento Gonçalves. Contudo ainda há alguns aspectos que interessa ressaltar.
1. O caminho a seguir na altura em que foi desencadeado o 18 de Janeiro era mobilização e movimentação dos trabalhadores junto das autoridades contra a lei da fascisação dos sindicatos em geral e pela abertura do seu sindicato em particular. O que se impunha era levar a classe operária à luta pela defesa das regalias alcançadas, por melhor salário e contra a repressão que vinha sendo desencadeada contra si e em especial contra os operários que se destacavam na luta. Prepararam-se os operários só para a luta armada, não se considerou a greve nem a luta das massas. Assim se explica ter sido apenas uma ínfima minoria da classe que participou no movimento, o que tornou mais fácil a repressão. No entanto para levar à prática esta orientação era absolutamente necessário montar a organização do Partido nas fábricas e melhorar a actividade do Comité local. Isto é, criar condições para continuar a luta no plano legal mas conduzindo-a por meio da organização do Partido na clandestinidade. Isto era possível dado o prestígio de que os membros e simpatizantes do Partido gozavam entre os trabalhadores. Isto era possível uma vez que, logo de início, quando eles não viam bem qual a saída para a continuação da luta em face da repressão, os membros do Partido não lhe tivessem ajudado a arreigar a convicção de que o único caminho era o 18 de Janeiro. Isto era possível se, por todo o país e particularmente na Marinha, não se tivesse criado a convicção entre os comunistas e outros militantes destacados da classe operária de que o único caminho que se apresentava era somente o da insurreição, o da implantação do regime soviético como se então já existissem as condições necessárias para levar a cabo a implantação da ditadura do proletariado. Tudo isto revelou bem o pouco amadurecimento político do Partido em geral, a penetração no seu seio de elementos e de ideias anarquistas e putchistas de que só muito mais tarde se limpou.
2. Mas bem já que se foi para um 18 de Janeiro com a feição atrás referida, vejamos algumas coisas que era necessário considerar e não foi considerado, dentro do plano de uma tomada das armas às forças políticas.
Ao elaborar o plano de acção para o 18 de Janeiro, o Partido e o Comité Revolucionário deixaram-se levar pela ideia feita de que a vitória era certa, que o fascismo seria derrubado sucedendo-lhe um regime de tipo proletário. Partindo-se deste princípio não se considerou a necessidade de encarar uma retirada de modo ordenado. Esta orientação é errada, de nem sequer admitir revezes parciais, e deu como resultado terem sido surpreendidas pelo inimigo, o qual atacando com o máximo da sua força, provocou uma retirada desordenada, sem quaisquer possibilidades de resistência momentânea, inflingindo-nos por outro lado um número maior de prisões e portanto um maior número de baixas, tanto no Partido como entre a parte mais destacada da classe operária da Marinha, que sem ser do Partido era no entanto a alma da organização sindical e de muito prestígio entre a massa. Deste facto não se podem nem devem desligar as dificuldades com que a Direcção do Partido se debateu durante anos no sentido de conseguir criar a organização do Partido no maior centro industrial vidreiro.
3. Na noite de 18 de Janeiro, ao executar o plano relativo às linhas telefónicas, todas foram cortadas menos a que ligava a estação de correios à estação de caminhos de ferro. Ao chefe dos correios que dormia no primeiro andar onde tinha um dispositivo de ligações concentradas, não foi difícil num breve espaço de tempo tentar a ligação por meio de todas elas. Como esta era a única intacta, cumunicou por ela com Leiria. Imediatamente saíram as tropas de Leiria que só chegaram de manhã à Marinha, por terem encontrado a estrada interrompida com os obstáculos ali postos pelo proletariado. De novo ficou demonstrado como tais falhas em planos de ataque ao inimigo ficam sempre muito caros à classe operária e ao Partido. Se não fora esta falha dentro do plano elaborado, teria sido possível aos operários deterem a vila por mais tempo em seu poder, juntar muito mais trabalhadores que às 7 horas vinham para o trabalho. Tudo isto, por pouco tempo que durasse, seria de grande efeito político para o operariado e traria novas dificuldades ao fascismo.
O movimento de 18 de Janeiro também teve a participação dos anarquistas locais e de operários que influenciavam. Deste modo se pode afirmar haver nesta data a mesma característica de unidade que sempre existiu na organização sindical desde 1931 até então.
No entanto devem-se ao nosso Partido os êxitos alcançados pela classe operária da indústria do Vidro à escala nacional. Os erros, as deficiências havidas não apagam esta verdade que bem fundo calou no coração dos operários e jovens vidreiros.
Não é exagero quando afirmamos que é também nas lutas da classe vidreira e nos exemplos praticados pelos seus melhores filhos no período a que nos vimos referindo que se pode encontrar uma das causas de outras posteriores, a firmeza e a combatividade de que tantas provas tem dado nos últimos anos esta parte do proletariado português.
Como elementos que mais se destacaram na criação do Sindicato N. dos T. da I. do Vidro, no movimento operário da Marinha Grande e das outras localidades onde existia a indústria vidreira que vai de 1931 até 1934, merecem uma referência aqui os camaradas:
Manuel Esteves de Carvalho (Manecas) que morreu no hospital de Leiria, para onde foi preso após o 18 de Janeiro.
António Guerra, Augusto Costa, mortos no Tarrafal, (Cobra), morto em Angra, que como simples operário teve participação activa no 18 de Janeiro, para não citarmos mais outros.
(*) José Gregório (1908-1961) foi desde criança operário vidreiro na Marinha Grande, sua terra natal, tendo participado activamente no movimento insurreccional aí ocorrido a 18 de Janeiro de 1934, já como militante comunista e membro da direcção do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Indústria do Vidro. Passou à clandestinidade e foi enviado para Espanha, onde foi preso e, libertado, se bateu ainda na guerra civil. De regresso a Portugal, milita no Socorro Vermelho Internacional e participa de forma destacada na reorganização do P.C.P. de 1940-41. Desempenha funções de direcção regional e no aparelho de imprensa, com o pseudónimo de “Alberto”. No III Congresso do partido (1943) é um dos três elementos eleitos para o Secretariado do seu Comité Central, mantendo-se nesse lugar durante treze anos, com intervenção destacada na organização contra a repressão e no trabalho sindical. Após a prisão de Álvaro Cunhal, em 1949, e até se ver incapacitado por doença, foi sua a posição mais destacada na direção do P.C.P., período assinalado por uma certa viragem à esquerda para uma linha de maior independência de classe (ou sectarismo, na opinião de alguns). Em 1956, acometido por grave doença cardíaca, é enviado para tratamento à Checoslováquia, vindo aí a falecer passados cinco anos. Para o final da sua vida, sob o impacto da “desestalinização”, tomou uma certa distância crítica em relação à ortodoxia moscovita, tendo feito amizade com Arthur London, um dos acusados do processo Slansky e autor de ‘A Confissão’. O presente texto é um relatório partidário, elaborado mais de vinte anos após os acontecimentos nele relatados, mas que mantém o elevado valor de ser testemunho directo de um dos mais marcantes acontecimentos da história do movimento operário português. Embora preste vénia ao julgamento político condenatório proferido por Bento Gonçalves, é óbvio que o autor mantém plena adesão emocional a este momento insurreccional único. Nesta edição eletrónica seguimos o texto incluído no dossier ‘Greve geral de 18 de Janeiro de 1934’, Grupo Autónomo do Partido Socialista (GAPS), Lisboa, 1974, tendo feito algumas alterações de pormenor no que nos pareceram ser erros desta edição. |
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