Por um decrescimento ecossocialista 

Do materialmente inevitável ao socialmente desejável

 

 

 

Alejandro Pedregal e Juan Bordera (*)

 

 

Estamos hoje perante a mais pronunciada e notável de todas as contradições: aquela entre o que o ecossocialista Ian Angus chama "tempo do capital" e "tempo da natureza" (1). Em resultado disso, reuniu-se uma série de crises ecológicas e sociais interligadas, colocando ameaças existenciais à vida no planeta. Estas manifestam-se, a um nível humano: (1) no crescente intercâmbio ecológico desigual entre o Norte e o Sul globais; (2) nas crescentes desigualdades socioeconómicas globais; (3) nas persistentes e ameaçadoras emergências sanitárias e catástrofes ambientais; e (4) nas expressões multifacetadas da crise dos cuidados (2). Por toda a parte, a vida, tanto humana como não humana, está ameaçada, e os perigos decorrentes da imposição do tempo do capital ao tempo da natureza aceleram, década a década, a níveis dificilmente imagináveis.

 

Nestes tempos frenéticos, pudemos ter acesso aos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (PIAC) da ONU, divulgados à socapa meses antes, pela própria comunidade científica, devido ao receio que os cientistas tinham de que as suas conclusões fossem diluídas no processo - receios que, infelizmente, se revelaram corretos, após a publicação dos relatórios finais (3). Ao mesmo tempo, as matérias-primas essenciais e alguns tipos de plásticos tornaram-se escassos, enquanto o preço do gás, do carvão, do petróleo e de quase todas as fontes de energia dispararam, devido às complexas interações dentro da própria cadeia de produção (agora ainda mais complicadas pela guerra na Ucrânia) (4). À medida que o drama ecológico continua a escalar, com limiares devastadores a serem ultrapassados de poucos em poucos meses, a crise energética está a acelerar sem fim à vista, enquanto a rotura das cadeias de abastecimento está a golpear duramente em todo o mundo (5). As cadeias de abastecimento, inseridas no sistema de traficância laboral global, estão também a sofrer com a rotura do modelo organizacional just-in-time. Tudo isto expõe as acentuadas relações imperiais de núcleo e periferia, desvelando a multiplicidade de crises produzidas e reproduzidas pela hierarquia global, experimentadas com uma virulência especial pelas classes sobre-exploradas do Sul global, desproporcionadamente feminizadas e racializadas.

 

Expressões da crise energética

 

Apesar de alguma recuperação da pandemia da COVID-19, incluindo a recuperação económica, tudo parece estar mais instável e frágil. Talvez um dos casos mais notáveis dos últimos meses, embora não o único, tenha sido o do Reino Unido, com a sua escassez temporária de gás e de montras de lojas - um sinal de penúria, não há muito tempo associado quase exclusivamente ao Sul global, onde a tendência continua certamente, sendo disso exemplos a recente escassez de energia no Paquistão e no Sri Lanka, entre outros lugares (6). Para além das questões conjunturais, a crise energética é sustentada por uma série de fatores estruturais que se estão a propagar a todas as esferas como uma mancha de petróleo, incluindo um dos mais graves: a ultrapassagem do pico do petróleo convencional – o de mais alta qualidade - atingido em 2005, tal como reconhecido pela Agência Internacional de Energia (AIE), e a do pico de todos os líquidos petrolíferos, que se deu no final de 2018. Além disso, os picos do carvão e do urânio, e em menor grau o do gás natural, estão também ultrapassados ou muito próximos de o serem (7). Assim, o capital global e os seus dependentes poderão continuar a desviar o olhar do elefante presente na sala, mas a sua gula insaciável de energia acabará por nos esmagar a todos, se não alterarmos a sua dieta a tempo. Além disso, a catástrofe climática em curso deveria, por si só, ser suficiente para criar um apelo generalizado para manter os combustíveis fósseis no solo.

 

Ainda assim, mesmo no contexto das alterações climáticas, o modelo extrativista extremo continua, com o resultado de que todos os fatores críticos mencionados estão a conduzir a um aumento sem precedentes dos custos de extração dos combustíveis fósseis e da maioria dos minerais, com a consequente perda na taxa de energia por investimento (8). Isto revela ademais a extrema dificuldade em abordar uma transição suave para fontes de energia "limpas" - cuja capacidade energética é e será evidentemente inferior. O desafio é ainda maior se estas ambiciosas "Grandes Transformações" forem realizadas simultaneamente em todo o mundo e em todos os sectores económicos. Por exemplo, no seu relatório sobre minerais críticos, a AIE observou que, até 2040, a procura de lítio terá de multiplicar-se por quarenta e dois, a de grafite por vinte e cinco, a de cobalto por vinte e um, a de níquel por dezanove, e de minerais de terras raras por sete vezes, como resultado da esperada transição para o renovável. Entre as suas recomendações à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) está a constituição de reservas estratégicas para fazer face a possíveis roturas de abastecimento (9).

 

Se quisermos evitar uma catástrofe ecossocial com consequências imprevisíveis, a ansiada transição energética é o melhor exemplo da razão pela qual uma política de planeamento coordenado é mais essencial do que nunca. O atual sistema capitalista monopolista globalizado trouxe-nos a esta encruzilhada existencial. É essencial que não lhe seja permitido gerir a solução, de acordo com as leis do chamado mercado livre. No entanto, a própria palavra planeamento, apesar da sua absoluta necessidade, dados os nossos atuais constrangimentos sociais e naturais, gera alarmes mediáticos e é repetidamente negada em quase todos os departamentos económicos e instituições governamentais ocidentais - um espetro assombrador por direito próprio.

 

Basta ler as recentes Perspetivas Energéticas Mundiais (“World Energy Outlook”) da AIE para se ter uma ideia das respostas paradoxais suscitadas por qualquer proposta de planeamento coordenado. O declínio energético está em curso, mas, de acordo com os postulados neoclássicos hegemónicos, este declínio é simplesmente explicado com base num pico de procura, deixando de lado qualquer causa ecossocial - relacionada com a pandemia ou com outros fatores mais sistémicos, tais como os limites planetários, desafiados pela produção capitalista. Não é, pois, surpreendente que a principal agência mundial de energia, ao mesmo tempo, defenda uma redução urgente do consumo de combustíveis fósseis, para fazer face ao aquecimento global, e avise que o declínio energético será abrupto e terrível se não forem feitos investimentos suficientes na extração e arranque de novos depósitos (10).

 

Evidentemente, este tipo de diagnóstico esquizoide num único relatório não é exclusivo da AIE. As fugas de informação do Grupo de Trabalho III do PIAC, que um de nós conseguiu publicar em mais de trinta países e que têm sido objeto de debate em alguns parlamentos, como na Irlanda, sugerem que uma boa parte da comunidade científica está cada vez mais farta de compromissos diplomáticos que não chamam as coisas pelos seus nomes (11). Neste sentido, as conclusões do relatório são impressionantes, especialmente vindas de um organismo que não raras vezes tomou posições conservadoras no passado (12). Pela primeira vez, não se nomearam meras abstrações, mais ou menos pertinentes, sobre complexidades sociais humanas ou temporalidades definidas por mudanças qualitativas, técnicas ou tecnológicas, mas colocou-se o foco num específico modo de produção que determina e rompe a relação metabólica entre a natureza e a sociedade: o capitalismo.

 

Nesses relatórios objeto de fuga de informação, o capitalismo aparece finalmente designado como o principal culpado da catástrofe ambiental em que vivemos, explicando-se, ao mesmo tempo, que a sua lógica de crescimento infinito num mundo finito o torna absolutamente incompatível com os limites geofísicos dos ecossistemas planetários. É nesta base que o relatório conclui que um certo tipo de decrescimento material e económico é inevitável, num planeta que nos recorda, cada vez mais insistente e enfaticamente, que as suas "torneiras" de recursos e "sumidouros" de resíduos estão a esgotar-se, e que a complexidade dos processos que o tornam sustentável depende de um equilíbrio cujo rompimento torna imprevisíveis as consequências para a produção e reprodução da vida (13). No entanto, apesar da força do seu prognóstico, o relatório do PIAC também elogia as metas de desenvolvimento sustentável - que incluem objetivos que legitimam a procura de um crescimento económico infinito, o assim chamado crescimento verde - sinalizando o agravamento das contradições existentes nos quadros institucionais mais estabelecidos.

 

A acumulação de crises ecossociais

 

Se há uma característica que une as crises ecossociais acumuladas que vivemos hoje e que se agravarão nas próximas décadas, é a desigualdade - tanto na origem como no impacto. Estudo após estudo, relatório após relatório, exprimem com absoluta clareza que, nesta crescente fratura metabólica entre a natureza e a sociedade em que assenta a produção capitalista, as regiões com menor responsabilidade pelas emissões de gases com efeito de estufa são precisamente as mais afetadas pelas suas consequências. As alterações climáticas, como parte crítica da grande deterioração do sistema terrestre, estão a causar fenómenos cada vez mais incontroláveis, incluindo secas severas, desertificação e mudanças nos padrões de precipitação (especialmente duras em sociedades eminentemente rurais, cuja atividade agrícola depende da regularidade climática). Estas condições conduzirão à fome e a movimentos migratórios crescentes e incontroláveis. Não surpreendentemente, o relatório Ecological Threat Register 2020 (Registo de Ameaça Ecológica 2020) publicado pelo Instituto de Economia e Paz indica que, como "6,4 mil milhões de pessoas vivem em países expostos a ameaças ecológicas médias a elevadas", estima-se que 1,2 mil milhões de pessoas estejam em risco de deslocação até 2050 (14).

 

A procura de um orçamento climático que reduza as concentrações de dióxido de carbono dos atuais 417 ppm para 350 ppm e mantenha a temperatura global - sem garantias absolutas - abaixo do aumento de 1,5° C em relação aos níveis pré-industriais, conforme estabelecido no Acordo de Paris, é certamente louvável. Contudo, estima-se que já atingimos 90 por cento das emissões necessárias para atingir esta temperatura alvo; numa década, teremos ultrapassado o limite. Assim, se em 2011 a redução anual das emissões necessária para atingir a marca de 1,5º C foi de 3,7%, hoje é de 9% (15). Como os sociólogos ambientais John Bellamy Foster, Hannah Holleman, e Brett Clark salientaram: "A manutenção da atual ordem de coisas (“business as usual”) colocará o mundo numa trajetória para atingir a trilionésima tonelada métrica de carbono, atingindo o limite de 2º C - marcando a mudança climática irreversível em 2035" (16).

 

No entanto, como já observámos, nem as responsabilidades nem as consequências são partilhadas equitativamente entre entidades geográficas, políticas ou humanas. Um estudo de 2016 já observou que os Estados Unidos da América, Canadá, Europa, Japão e Austrália contribuíram com 61% do total histórico das emissões de dióxido de carbono, em comparação com os 13% combinados da China e da Índia, e os 7% da Rússia, enquanto que o resto do mundo representa apenas 15%, contribuindo a navegação e a aviação com os restantes 4% - uma disjunção que seria ainda maior se as emissões fossem calculadas de acordo com o consumo e não apenas com a produção (17).

 

A desigualdade também se reflete a muitos outros níveis. Outro relatório recente da Oxfam calculou que os 1% mais ricos do planeta foram responsáveis pela emissão de tanto dióxido de carbono como os 3,1 mil milhões de pessoas mais pobres entre 1990 e 2015, representando 15% das emissões. Os 10% mais ricos emitiram 52%, enquanto a metade mais pobre da população mal contribuiu com 7% do total (18). Outro relatório publicado recentemente pela mesma organização calculou que "os 1% mais ricos do mundo deverão ter emissões de consumo per capita em 2030 que ainda são 30 vezes superiores ao nível global per capita compatível com o objetivo de 1,5º C do Acordo de Paris". Enquanto as emissões per capita dos 1% e dos 10% mais ricos serão, respetivamente, trinta vezes e nove vezes superiores aos níveis exigidos, com os 1% mais ricos a necessitarem de reduzir as suas emissões atuais em cerca de 97% para atingir o objetivo, "a pegada da metade mais pobre da população mundial deverá permanecer bem abaixo do nível compatível com a subida de 1,5º C" (19). Um estudo sobre a utilização de recursos entre 1970 e 2017 concluiu que o Norte global é responsável por 74% do excesso global de utilização de materiais e dos danos ecológicos, "impulsionado principalmente pelos E.U.A. (27%) e pela U.E. (25%)", sendo a China responsável por 15% e o resto do Sul global por apenas 8% (20).

 

O Índice de Desenvolvimento Sustentável recentemente publicado, liderado pelo antropólogo económico Jason Hickel, "mede a eficiência ecológica do desenvolvimento humano, reconhecendo que o desenvolvimento deve ser alcançado dentro das fronteiras planetárias", e destina-se a "atualizar o Índice de Desenvolvimento Humano para as realidades ecológicas do Antropoceno". Tem corroborado (com dados até 2019, baseados no consumo e não na produção) as teses até agora apresentadas: as emissões e o desperdício de recursos dos países ricos do Norte global e dos países pobres do Sul global são espetacularmente desproporcionados (21). O imperialismo ecológico entre o núcleo e a periferia é, portanto, uma realidade geopolítica do Antropoceno (22).

 

A conclusão assustadora a que todos estes dados conduzem é a de que, como salientou Ian Angus, "se os 3 mil milhões de pessoas mais pobres do planeta desaparecessem, de alguma forma, amanhã mesmo, não haveria praticamente nenhuma redução na destruição ambiental em curso" (23).

 

Desacumulação, desmercantilização e descolonização: um decrescimento justo

 

Perante a contradição entre o crescimento capitalista e os limites geofísicos do planeta, com a inevitável diminuição da disponibilidade e do acesso aos seus recursos materiais, o decrescimento tem assumido uma centralidade invulgar no debate público. Isto não é apenas uma resposta ao último relatório do PIAC - apesar das alterações feitas à versão publicada do Sumário para Decisores Políticos (“Summary of Policymakers”) em comparação com as fugas originais. A Agência Europeia do Ambiente publicou um documento intitulado "Crescimento sem Crescimento Económico" e o vencedor do Prémio Nobel da Física, Giorgio Parisi, aproveitou o seu encontro com parlamentares na Câmara dos Deputados italiana para salientar que "o crescimento do PIB é incompatível com a luta contra o aquecimento global" (24). Por seu lado, a edição internacional do New York Times trouxe o decrescimento para a sua primeira página, destacando as contribuições de Hickel para o movimento, que ele apresentou como "uma redução planeada da utilização de energia e recursos destinada a trazer a economia de volta ao equilíbrio com o mundo vivo de uma forma que reduz a desigualdade e melhora o bem-estar humanos" (25). Se permitirmos que o crescimento continue a ser a medida central da economia, será à custa de uma estabilidade climática já comprometida durante séculos, se não milénios, a vir, mesmo que reduzamos imediatamente as nossas emissões de gases com efeito de estufa (26). Embora esta ideia esteja a avançar no discurso político corrente, ainda assim, mais do que alguns representantes do poder institucionalizado, agarrados aos seus interesses instalados e enraizados, preferem manter a impostura da "dissociação", como se o imperador não estivesse já nu (27). É sobre esta catastrófica ecologia "realmente existente" que terá de ser construída uma transição energética já labiríntica e espinhosa, o que torna o cenário ainda mais complicado.

 

Se a única crise fosse de energia e de recursos, talvez fosse possível enfrentá-la com uma certa margem tecno-otimista, sem ter de pensar nos termos defendidos pelos apologistas do decrescimento - como Hickel e os economistas Tim Parrique e Giorgos Kallis, todos eles mencionados no relatório do Grupo de Trabalho III do PIAC. Mas estamos a falar de uma crise sistémica inerente à lógica do capital, atingindo todas as esferas sociais e naturais de um planeta finito num estado crítico. Por esta razão, qualquer aposta tecno-fetichista enfrenta dilemas inevitáveis. Se o objetivo fosse resolver por meios tecnológicos o problema climático associado à emissão de gases com efeito de estufa (apenas um dos múltiplos limiares planetários que foram ultrapassados), deixando intactas as relações sociais atuais, teria de implicar o agravamento do declínio energético.

 

As soluções tecnológicas que estão a ser promovidas na maioria das esferas institucionais - desde as baseadas em processos de captura e sequestro de carbono até às que estão empenhadas na implementação massiva de energias renováveis ou às fantasias megalómanas da geoengenharia – são defeituosas, por via de um tecno-otimismo ingénuo que está muito próximo de um pensamento mágico. Além disso, ignoram múltiplas variáveis materiais que vão contra os próprios princípios da geoengenharia, para não mencionar os dilemas éticos associados à maior elitização da deliberação política ou a confiança quase reverencial em círculos altamente tecnocráticos a que estes mecanismos levariam (28). Como se isto não fosse suficiente, as crises de energia e de recursos têm ramificações igualmente importantes, tais como a crescente extinção de espécies e a perda crítica da biodiversidade em geral. Estas tendências sistemáticas seriam inevitavelmente agravadas por uma transição energética mal gerida que exigiria enormes quantidades de terra e recursos, aprofundando as consequências sociais destrutivas do extrativismo empresarial, especialmente para as populações rurais e indígenas.

 

Ao mesmo tempo, qualquer proposta que leve este cenário a sério deve enfrentar a gritante desigualdade social de um planeta onde, só de 1990 a 2015, a rede Norte global se apropriou de matérias-primas, hectares de terra, energia e mão-de-obra no valor de 242 biliões de dólares, o equivalente a um quarto do seu produto interno bruto (29). E onde, no Sul global, 2,2 mil milhões de pessoas não têm acesso a água potável, 4,2 mil milhões carecem de saneamento seguro, 2 mil milhões vivem em países com escassez de água, 759 milhões não têm acesso à eletricidade (estima-se que 660 milhões permanecerão sem ela até 2030), e 2,6 mil milhões continuam a carecer de formas limpas de cozinhar (30). Além disso, a guerra na Ucrânia colocou milhares de milhões de pessoas à porta de uma crise alimentar sem precedentes, inseparável da crise energética em curso (31). Numa altura em que os dez homens mais ricos do mundo duplicaram a sua riqueza e 99% da humanidade viu os seus rendimentos serem cortados, ninguém tem o direito de dizer aos "miseráveis da Terra" que é demasiado tarde para o seu desenvolvimento, ou que o futuro já se fechou para eles, especialmente porque o seu impacto na crise ambiental em curso continua a ser negligenciável (32).

 

Esta concatenação de problemas coloca-nos perante um cenário convoluto do qual não será fácil escaparmos. As propostas devem abordar esta complexidade na sua raiz, radicalmente: face a um conflito ecossocial de natureza sistémica, não podemos simplesmente apelar a transformações individuais e espontâneas, mas devemos recorrer a um planeamento coletivo e coordenado. Durante milénios, a humanidade baseou a sua produção económica na satisfação das suas necessidades, mas, como assinala Angus, "sob o capitalismo, a maior parte da produção é para a troca: o trabalho e a natureza são explorados para produzir bens que podem ser vendidos por mais do que o custo de produção, a fim de acumular mais capital, e repetir de seguida o processo". O crescimento adquire, sob o capital, uma centralidade sem precedentes históricos; "a ideologia do crescimento não causa a acumulação perpétua - justifica-a" (33).

 

A desigualdade em que o sistema se baseia não é produto de uma condição humana abstrata nem de uma sucessão de erros imprevisíveis, mas responde à própria lógica da acumulação capitalista, com o crescimento constante e expansivo que ela exige, para existir, independentemente da condição finita do planeta - hoje alimentada pelo consumo incessante e crescente de combustíveis fósseis. É esta propriedade exclusiva do capital, a acumulação que lhe dá sustento, que faz com que o crescimento contradiga a própria vida. Qualquer proposta de decrescimento justo que confronte radicalmente este cenário deve ser também uma proposta de desacumulação (34). Uma vez que é a desigualdade ecológica, inerente à acumulação capitalista, que produz e reproduz as dramáticas condições ecossociais enfrentadas pelos mais explorados e marginalizados, qualquer crítica radical ao crescimento terá de ser feita com base numa alternativa positiva.

 

Como salientou Hickel, o decrescimento centra-se principalmente nos núcleos imperiais de alto rendimento, porque "não se aplica a economias que não se caracterizam pelo excesso de utilização de recursos e de energia", ou seja, ao Sul global em geral, dado o seu intercâmbio ecológico desigual com o Norte global. Assim, o decrescimento é também um "apelo à inversão dos processos que estão por detrás do crescimento: ...à desacumulação, à desmercantilização e à descolonização". Como tal, visa combater a colonização atmosférica, ao mesmo tempo que se empenha em projetos de desconexão no Sul, que se recusam "a submeter a sua política de desenvolvimento nacional aos imperativos do capital do Norte... empenhando-se em aumentar os preços da sua mão-de-obra e dos seus recursos... exigindo termos mais justos de comércio e finanças, e uma representação mais democrática na governação global" (35). Uma abordagem universalista ao decrescimento tem sido ocasionalmente mal interpretada como sendo uma tabula rasa global, mas esta seria uma proposta igualmente paternalista, um tipo de "universalismo provincial" do género daqueles que o Norte global está habituado a usar com quem ele procura subjugar (36).

 

Um plano coordenado para sair desta crise deve implicar, como observou o sociólogo agrário Max Ajl, o desaparecimento de setores como "os militares, a produção de energia não renovável, os fertilizantes químicos", entre outros, enquanto "a produção agro-ecológica de alimentos, os transportes públicos, os cuidados de saúde primários e as energias renováveis, precisam de crescer de uma forma incrivelmente rápida ...enquanto permanecem desmercantilizados" (37). Além disso, o Norte global terá de pagar a dívida ecológica que contraiu roubando o Sul global, assumindo assim as exigências feitas por este último em relação à justiça climática. Só assim se poderá pôr fim à perpetuação do domínio colonial-imperial baseado em trocas desiguais, nomeadamente através da expropriação de bens naturais e da traficância laboral global (38).

 

Do materialmente inevitável ao socialmente desejável

 

Uma crítica muito comum ao decrescimento é que este é paralelo às políticas de austeridade, cuja aplicação durante as recentes crises capitalistas tem suscitado uma rejeição popular feroz. Argumentos neste sentido são absurdos desde a sua própria conceção. A austeridade tem sido a pedra angular do neoliberalismo, um modelo elitista e antidemocrático em que as perdas são socializadas e os lucros são privatizados. O decrescimento, em vez disso, tem tudo a ver com o planeamento democrático radical a partir de baixo, com a autonomia daqueles que sofrem a desigualdade crónica do sistema para desenvolverem formas de o combater, enquanto os responsáveis pela crise são verdadeiramente responsabilizados. Hickel identificou seis características do decrescimento que o distinguem da austeridade e da recessão: (1) "O decrescimento é uma política planeada e coerente para reduzir o impacto ecológico, reduzir a desigualdade, e melhorar o bem-estar". (2) "O decrescimento tem uma abordagem discriminatória na redução da atividade económica. Procura reduzir a produção ecologicamente destrutiva e socialmente menos necessária... enquanto expande setores socialmente importantes como a saúde, a educação, o cuidado e a convivialidade". (3) "O decrescimento introduz políticas para prevenir o desemprego, e mesmo para melhorar o emprego, como, por exemplo, encurtar a semana de trabalho, introduzir a garantia de emprego com um salário que permita viver e implementar programas de reconversão profissional para deslocar as pessoas para fora dos setores em declínio". (4) "O decrescimento procura reduzir a desigualdade e partilhar mais equitativamente o rendimento nacional e global, nomeadamente por intermédio de políticas de tributação progressiva e de salários de subsistência". (5) "O decrescimento procura expandir bens e serviços públicos universais, tais como saúde, educação, transportes e habitação, por forma a desmercantilizar os bens fundacionais de que as pessoas necessitam para levar uma vida florescente". (6) "O decrescimento faz parte de um plano para alcançar uma rápida transição para as energias renováveis, restaurar os solos e a biodiversidade e inverter a degradação ecológica" (39).

 

A este respeito, foram desenvolvidos modelos críticos que visam aquilo a que a professora de economia ecológica Julia Steinberger chama "viver bem dentro dos limites" - uma noção que, em certa medida, se relaciona com outras ideias comunitaristas, tais como a sumak kawsay (boa vida) andina ou a "economia moral" thompsoniana - na prossecução destes objetivos (40). As propostas na perspetiva do decrescimento e do ecossocialismo dentro da esfera da justiça climática devem basear-se em grandes mudanças sociais, que envolverão transformações em todos os sectores económicos da vida social (41). Algumas delas implicariam: (1) o controlo da produção industrial, com o objetivo de eliminar a obsolescência planeada, os bens destinados a serem efémeros e o consumo descontrolado; (2) o planeamento industrial e a descentralização para quebrar monopólios e favorecer modelos locais, de preferência cooperativos; (3) a redução drástica das horas de trabalho e o pagamento de salários justos para eliminar as desigualdades globais de trabalho; (4) a aplicação de medidas compensatórias que redistribuam a riqueza e favoreçam a igualdade de recursos; (5) a implementação de um planeamento urbano que desenvolva a mão-de-obra local e reequilibre a relação entre a cidade e o campo. No seu conjunto, estas mudanças implicariam uma mudança na utilização de materiais de construção, tais como a concentração em materiais locais não poluentes que não mobilizem desperdícios desnecessários de energia; um compromisso com o transporte público e de baixas emissões, tornando cada vez menos desejável a utilização de veículos privados; o reconhecimento e valorização do trabalho de reprodução social que se concentra em torno dos cuidados, do descanso e do lazer; um forte investimento na saúde preventiva, reforçado por mudanças na jornada de trabalho e nos transportes, bem como mais tempo livre; um compromisso com a agroecologia e os espaços públicos, com ênfase em espécies nativas e adaptadas, cultivo rotativo sazonal e consumo local (42).

 

Todas estas propostas poderiam ser desenvolvidas a nível global, mas para que isso fosse possível, e para que a sua aplicação fizesse verdadeiramente parte de uma política de desacumulação, de descolonização e de desmercantilização, o Norte global teria de abordar outras exigências históricas vindas do Sul global. Como parte do respeito pela soberania do Sul, seria essencial reconhecer a dívida ecológica e a sua compensação, ou seja, a restauração da terra, da água e da atmosfera aos povos do Sul e às nações indígenas. Seria igualmente necessário que o Norte global transferisse tecnologia e assumisse os custos associados à resolução desta dívida histórico-estrutural, incluindo os relacionados com as crises de imigração e de refugiados criadas pelo imperialismo. As metrópoles imperialistas devem abrir as suas fronteiras; assumir a dívida de adaptação a esta realidade climática para prevenir, minimizar e enfrentar os danos por ela causados; e honrar estas dívidas como parte de uma maior dívida à Mãe Terra, através da implementação da Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra, das Nações Unidas (43).

 

O grande desafio que, sem dúvida, enfrentamos é o de tornar desejável o que é benéfico para a maioria. Trata-se, portanto, de desafiar o oportunismo neoliberal através de um realismo estratégico ecossocialista: o reconhecimento da necessidade de uma desacumulação material baseada num sentido de comunidade e solidariedade internacionalista. Ou, por outras palavras, abraçando o materialmente inevitável por formas que promovam o socialmente desejável.

 

A título de encerramento

 

A globalização, pela qual o capital atingiu as suas maiores alturas de domínio imperial, à custa de milhões, irá provavelmente desaparecer assim que o gigante de pés de petróleo deixar de ter uma base. Face a esta realidade inevitável, aqueles de nós que ainda conseguem imaginar o fim do capitalismo antes do fim do mundo, têm de lutar por uma estratégia de ajuda mútua como uma saída para o império do caos que agora enfrentamos. A nossa resposta deve ser baseada na solidariedade e na cooperação internacionalista. O mesmo "universalismo provincial" das elites do Norte global, que construiu e empurrou todo o planeta para a beira do abismo, não pode ser invocado para nos dar o caminho para escaparmos a ele.

 

Estamos a lidar com um declínio material e energético que nos obrigará a questionarmo-nos se pretendemos decrescer pela força ou de forma coordenada, de forma a gerir a escassez com um planeamento socialmente justo. Só podemos sair do atual mal-estar de uma forma coordenada e planeada - isto é, com base na democracia radical. Mas como isto não surgirá como um deus ex machina, quem é chamado a mobilizar uma mudança de tais dimensões?

 

Um recente relatório da Oxfam conclui que "a desigualdade de carbono é extrema, tanto a nível global como na maioria dos países" e, portanto, os "esforços críticos [para reduzir as emissões de carbono] devem ser acompanhados de medidas para reduzir a desigualdade generalizada e assegurar que os cidadãos mais ricos do mundo - onde quer que vivam - liderem o caminho". Por outras palavras, os maiores emissores históricos per capita, que são chamados a reduzir a utilização de recursos em pelo menos 70 por cento, para se manterem dentro dos níveis realmente sustentáveis, são aqueles que deveriam servir de modelo descarbonizador para o resto do mundo, reduzindo assim a dívida ecológica astronómica devida ao Sul global, uma vez que os países do Norte são responsáveis por 92% do excesso de emissões (44). Em suma, trata-se de resgatar o aforismo socialista clássico adotado por Karl Marx na Crítica do Programa Gotha: "de cada um segundo a sua capacidade, a cada um segundo as suas necessidades" (45). Um programa de decrescimento ecossocialista, planeado, cooperativo e internacionalista, deve ter em conta os efeitos do imperialismo ecológico nas diferentes sociedades e vidas do planeta, procurando uma resolução radical e democrática.

 

Face às profundas crises atuais, a organização social e a ação política coletiva são necessárias. Devemos ativar as ligações subjacentes entre os movimentos de ação climática e as diversas necessidades e interesses daqueles que suportam o peso das crises que se desenrolam. A reparação pela troca ecológica desigual entre o Norte global e o Sul global, entre as classes poderosas e os explorados e marginalizados do mundo, deve ser parte inerente de qualquer luta pela justiça climática (46). Ao reconhecer a ligação entre as emissões desproporcionadas dos ricos e a opressão dos pobres, as metrópoles devem assumir que a pilhagem da periferia é um elemento constitutivo do desastre ecológico do mundo e enfrentar essa questão. Caso contrário, como afirmou o historiador Vijay Prashad, o movimento pela justiça climática "não terá pernas para andar" (47). Um decrescimento ecossocialista deve ser construído sobre alianças internacionalistas onde a periferia assume o centro das atenções. Os sujeitos políticos e coletivos do Norte são chamados a assumir humildemente as exigências históricas que o Sul tem feito justa e incansavelmente. Só então poderemos olhar com esperança, não só para o futuro, mas, acima de tudo, para o presente.

 

 

 

 

 

(*) Alejandro Pedregal (n. 1977) é um escritor e cineasta do estado espanhol, investigador no projeto de estudos sobre Estética Fóssil, parte do Grupo de Investigação de História da Arte e Cultura Visual do Instituto de História do Conselho Espanhol de Investigação. Tem sido também conferencista e investigador visitante na Universidade de Aalto, Finlândia. É membro fundador do Critical Cinema Lab (Finlândia), tendo também fundado e dirigido o Lens Politica Film and Media Art Festival (2005-2011). Publicou os livros Evelia: testimonio de Guerrero (Foca/Akal, 2018) e Mientras los hombres conquistaban la Luna y daban vueltas alrededor de la Tierra: Rodolfo Walsh, el pastor de Girón (Patria Grande, 2017). Tem publicado artigos em revistas como Alphaville, Re-visiones, Kamchatka, Rab-Rab: Journal of Political and Formal Inquiries in Art, VIS: Nordic Journal of Artistic Research e Crítica y Resistencias.

Juan Bordera (n. 1984) é um jornalista, guionista e ativista do estado espanhol. É Mestre em direção e produção cinematográfica, desde 2018, pela Escola Europeia, tendo trabalhado como argumentista, ator e escritor. Colaborou em diversos projetos de documentário, séries, teatro, rádio e televisão. Tem publicado artigos em publicações como CTXT, El Salto, Diagonal, Público ou 15/15\15. É militante de Extinction Rebellion, la Red de Transición, o Colectivo Burbuja e València en Transició.

O presente artigo foi publicado, em língua inglesa, na revista Monthly Review, Volume 74, N.º 2 (junho de 2022). Todos os direitos reservados. A tradução aqui publicada é de Ângelo Novo. O original em língua castelhana pode ser lido aqui.

 

 

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NOTAS:

 

(1) Ian Angus, Facing the Anthropocene: Fossil Capitalism and the Crises of the Earth System (New York: Monthly Review Press, 2016), pp. 111-25.

 

(2) John Bellamy Foster e Hannah Holleman, “The Theory of Unequal Ecological Exchange: A Marx-Odum Dialectic, Journal of Peasant Studies, vol. 41, n.º 2 (2014): pp. 199–233; Hannah Holleman, Dust Bowls of Empire: Imperialism, Environmental Politics, and the Injustice of “Green” Capitalism (New Haven: Yale University Press, 2018); John Smith, Imperialism in the Twenty-First Century: Globalization, Super-Exploitation, and Capitalism’s Final Crisis (New York: Monthly Review, 2016); Jason Hickel, The Divide: A Brief Guide to Global Inequality and its Solutions (London: Penguin Random House, 2018); Rob Wallace, Big Farms Make Big Flu: Dispatches on Infectious Disease, Agribusiness, and the Nature of Science (New York: Monthly Review, 2016); Nancy Fraser, “Contradictions of Capital and Care”, New Left Review, n.º 100 (2016): pp. 99-117; Stefania Barca, Forces of Reproduction: Notes for a Counter-Hegemonic Anthropocene (Cambridge: Cambridge University Press, 2020).

 

(3) Juan Bordera et al., “Leaked Report of the IPCC Reveals that the Growth Model of Capitalism Is Unsustainable, MR Online, August 23, 2021; Juan Bordera et al., “How the Corporate Interests and Political Elites Watered Down the World’s Most Important Climate Report, MR Online, April 27, 2022; Daniel Tanuro, “IPCC WG3 Report: From Scientific Rigor to Social Fable, International Viewpoint, April 16, 2022; Leaked IPCC, Summary for Policymakers, Working Group III, August 2021, disponível em monthlyreview.org.

 

(4) Antonio Turiel e Juan Bordera, “El otoño de la civilización (y la ruptura de la cadena de suministros), CTXT-Contexto y Acción, 17 de setembro de 2021.

 

(5) De forma não surpreendente, acaba de ser anunciado que a fronteira da poluição química foi significativamente ultrapassada, fazendo dela o quinto dos nove limiares considerados como tendo o potencial de desestabilizar o planeta. Os outros quatro são: alterações climáticas, integridade da biosfera (através da perda de biodiversidade), fluxos biogeoquímicos (ciclos do fósforo e do nitrogénio), e utilização da terra, com outros limites, tais como a acidificação dos oceanos, prestes a ser atingidos. Linn Persson et al., “Outside the Safe Operating Space of the Planetary Boundary for Novel Entities”, Environmental Science and Technology, January 18, 2022; “Safe Planetary Boundary for Pollutants, Including Plastics, Exceeded, Say Researchers”, Stockholm Resilience Center; Johan Rockström et al., “A Safe Operating Space for Humanity”, Nature 461 (2009): pp. 472–75.

 

(6) Antonio Turiel e Juan Bordera, “La crisis que no se quiso ver venir (en Gran Bretaña), CTXT–Contexto y Acción, 1 de outubro de 2021; Faseeh Mangi, “Pakistan Is Cutting Electricity to Homes, Industry. It Can’t Afford Fuel”, NDTV, April 18, 2022; “Crisis-Hit Sri Lanka No Longer Has Diesel”, NDTV, March 31, 2022.

 

(7) Antonio Turiel, Petrocalipsis: Crisis energética global y cómo (no) la vamos a solucionar (Madrid: Alfabeto, 2020).

 

(8) Louis Delannoy, Pierre-Yves Longaretti, David J. Murphy e Emmanuel Prados, “Peak Oil and the Low-Carbon Energy Transition: A Net-Energy Perspective”, Applied Energy 304 (2021).

 

(9) The Role of Critical Minerals in Clean Energy Transitions: World Energy Outlook Special Report (Paris: International Energy Agency, 2021).

 

(10) World Energy Outlook 2021 (Paris: International Energy Agency, 2021).

 

(11) Bordera et al., “Leaked Report of the IPCC Reveals That the Growth Model of Capitalism Is Unsustainable”; Mick Barry TD, Twitter post, September 16, 2021. Para o relatório do PIAC divulgado à socapa, ler Scientist Rebellion, “We Leaked the Upcoming IPCC Report!”, MR Online, August 27, 2021.

 

(12) Keynyn Brysse, Naomi Oreskes, Jessica O’Reilly e Michael Oppenheimer, “Climate Change Prediction: Erring on the Side of Least Drama?”, Global Environmental Change 23, n.º 1 (2013): pp. 327–37.

 

(13) Bordera et al., “Leaked Report of the IPCC Reveals that the Growth Model of Capitalism Is Unsustainable”. Pela altura da revisão deste artigo, os relatórios finais do IPCC já tinham sido publicados, com diferenças significativas em relação às versões divulgado à socapa, provocadas pelas intervenções de lobbies e governos. As menções ao decrescimento são certamente notáveis. Ler Juan Bordera e Ferran Puig Vilar, “Luces y sombras del IPCC, CTXT, 3 de fevereiro de 2022; Bordera et al., “How the Corporate Interests and Political Elites Watered Down the World’s Most Important Climate Report”; Timothée Parrique, “Degrowth in the IPCC AR6 WGII,” March 5, 2022; Timothée Parrique, “Degrowth in the IPCC AR6 WGIII,” Timothée Parrique (blog), April 7, 2022. Em relação às pressões dos governos, empresas e outras partes, outro documento divulgado antes da Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas de 2021, em Glasgow, forneceu provas de "mais de 32.000 submissões feitas... à equipa de cientistas", a fim ”moderar as recomendações de ação das Nações Unidas... antes de lhes ser pedido na cimeira que assumam compromissos significativos para abrandar as alterações climáticas e manter o aquecimento global a 1,5 graus". Ler Justin Rowlatt e Tom Gerken, “COP26: Document Leak Reveals Nations Lobbying to Change Key Climate Report,” BBC News, October 21, 2021.

 

(14) Ecological Threat Register 2020: Understanding Ecological Threats, Resilience and Peace (Sydney: Institute for Economics and Peace, 2020).

 

(15) O carbono na atmosfera antes da era industrial era de 600 mil milhões de toneladas, às quais acrescentámos mais 500 mil milhões de toneladas desde então. Ao ritmo atual das emissões, estima-se que o carbono na atmosfera aumente para 2,2 biliões de toneladas até ao ano 2100. Com cerca de 10 mil milhões de toneladas de carbono, ou mais de 36 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono emitidas por ano, a atividade industrial emitiu 400 toneladas brutas de carbono para a atmosfera nos últimos sessenta anos, o equivalente a dois terços das emissões de dióxido de carbono no último milhão de anos. Isto levou às atuais 417 partes por milhão de dióxido de carbono na atmosfera, sem precedentes na história humana - em 1958, eram 315 partes por milhão e na época pré-industrial cerca de 270 partes por milhão, tendo permanecido abaixo de 300 partes por milhão durante 800.000 anos, à exceção de um aumento para 300 partes por milhão há 350.000 anos. A isto deve acrescentar-se a estimativa de que "durante os próximos 150 anos, a humanidade emitirá mais 1.000 a 4.000 TB [tonelagem bruta] de carbono para a atmosfera, ou até sete vezes a quantidade total de CO2 que existia na atmosfera antes do advento da civilização moderna". Lawrence M. Krauss, The Physics of Climate Change (New York: Post Hill Press, 2021).

 

(16) John Bellamy Foster, Hannah Holleman, and Brett Clark, “Imperialism in the Anthropocene, Monthly Review 71, n.º 3 (2019): p. 75.

 

(17) Foster, Holleman, and Clark, “Imperialism in the Anthropocene, p. 75.

 

(18) “Carbon Emissions of Richest 1 Percent More than Double the Emissions of the Poorest Half of Humanity,” Oxfam, September 21, 2020.

 

(19) “Carbon Inequality in 2030: Per Capita Consumption Emissions and the 1.5° C goal,” Oxfam, November 5, 2021.

 

(20) Jason Hickel, Daniel W. O’Neill, Andrew L. Fanning e Huzaifa Zoomkawala, “National Responsibility for Ecological Breakdown: A Fair-Shares Assessment of Resource Use, 1970–2017”, Lancet Planet Health 6 (2022): pp. 342-49.

 

(21) Jason Hickel, “The Sustainable Development Index: Measuring the Ecological Efficiency of Human Development in the Anthropocene”, Ecological Economics 167 (2020); Sustainable Development Index, sítio na rede: https://www.sustainabledevelopmentindex.org/ .

 

(22) Isto é expresso, por exemplo, em dados tão reveladores como o facto de Cuba, vítima de um bloqueio económico durante mais de seis décadas, aparecer em 5.º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano, com 3,27 toneladas de emissões de dióxido de carbono per capita e 7,86 toneladas de pegada material per capita, enquanto que os Estados Unidos da América, o principal responsável por esse bloqueio, aparecem em 160.º lugar (de 165), com 19,01 toneladas de emissões de dióxido de carbono per capita e 32,43 toneladas de pegada material per capita.

 

(23) Ian Angus, Facing the Anthropocene, p. 112.

 

(24) “Growing without Economic Growth”, European Environment Agency, January 18, 2022; Giorgio Parisi, “The Increase in GDP Is in Contrast with the Climate”, Italy 24 News, October 8, 2021.

 

(25) Spencer Bokat-Lindell, “Do We Need to Shrink the Economy to Stop Climate Change?, The New York Times, September 16, 2021. O artigo cita Jason Hickel, “What Does Degrowth Mean? A Few Points of Clarification,” Globalizations 18 (2021): pp. 1105–11.

 

(26) Krauss, The Physics of Climate Change.

 

(27) Helmut Haberl et al., “A Systematic Review of the Evidence on Decoupling of GDP, Resource Use and GHG Emissions, Part II: Synthesizing the Insights”, Environmental Research Letters 15, n.º. 6 (2020).

 

(28) Turiel, Petrocalipsis; Pedro A. Prieto, “100% Decarbonization with 100% Renewable Energy Systems Through Power to Gas and Direct Electrification, 15/15\15, April 2, 2021; Clive Hamilton, “Geoengineering and the Politics of Science”, Bulletin of the Atomic Scientists 70 (2014): pp. 17-26.

 

(29) Jason Hickel, Christian Dorninger, Hanspeter Wieland e Intan Suwandi, “Imperialist Appropriation in the World Economy: Drain from the Global South through Unequal Exchange, 1990–2015, Global Environmental Change 73 (2022).

 

(30) “Global Issues: Water, United Nations; “Global Launch: Tracking SDG7: The Energy Progress Report, World Health Organization.

 

(31) “First Crisis, Then Catastrophe,” Oxfam, April 12, 2022.

 

(32) “A Deadly Virus: 5 Shocking Facts About Global Extreme Inequality,” Oxfam.

 

(33) Ian Angus, Facing the Anthropocene, 113.

 

(34) John Bellamy Foster, “Capitalism and Degrowth: An Impossibility Theorem, Monthly Review 62, n.º 8 (January 2011).

 

(35) Hickel, “What Does Degrowth Mean?; Samir Amin, Delinking: Towards a Polycentric World (London: Zed, 1990).

 

(36) Críticas minuciosas a este tipo de abordagens ao decrescimento podem ser encontradas, entre outros, em Foster, “Capitalism and Degrowth” e Michael Löwy, “Eco-socialism and/or De-growth”, Rise, October 5, 2020.

 

(37) Max Ajl, A People’s Green New Deal (London: Pluto, 2021), p. 58.

 

(38) John Smith, Imperialism in the Twenty-First Century.

 

(39) Hickel, “What Does Degrowth Mean?

 

(40) Living Well Within Limits [LiLi] sítio na rede: https://lili.leeds.ac.uk/ . Um destes modelos propõe a possibilidade de duplicar a capacidade global de energias renováveis com o objetivo de reduzir, até 2050, o consumo global líquido de energia para os níveis dos anos 1960, apesar da triplicação da população. Ver Joel Millward-Hopkins, Julia K. Steinberger, Narasimha D. Rao e Yannick Oswald, “Providing Decent Living with Minimum Energy: A Global Scenario”, Global Environmental Change 65 (2020). No entanto, ainda que inspirador, este modelo continua a deixar por resolver a "limpeza" e disponibilidade reais de energia renovável, bem como a forma como isto teria impacto nos trabalhadores e na ecologia do Sul global. Em relação à "limpeza" e à disponibilidade real dos modelos dominantes de energia renovável, ver Don Fitz, “What is Energy Denial?”, Resilience, September 12, 2019; Turiel, Petrocalipsis; Pedro A. Prieto, “100% Decarbonization with 100% Renewable Energy Systems Through Power to Gas and Direct Electrification.

 

(41) Uma síntese recente sobre decrescimento e ecossocialismo pode ser encontrada em Michael Löwy, Bengi Akbulut, Sabrina Fernandes e Giorgos Kallis, “For an Ecosocialist Degrowth, Monthly Review 73, n.º 11 (2022). Escrevemos este artigo antes da sua publicação e por isso, infelizmente, não refletimos sobre ela aqui.

 

(42) Muitas destas propostas foram exaustivamente examinadas em Ajl, A People's Green New Deal. Ver também Jason Hickel, Less Is More: How Degrowth Will Save the World (Londres: Windmill, 2020); Stan Cox, The Green New Deal and Beyond: Ending the Climate Emergency While We Still Can (San Francisco: City Lights, 2020).

 

(43) Ajl, A People’s Green New Deal, p. 11. Estas questões são desenvolvidas em profundidade na segunda parte do livro Ajl.

 

(44) Hickel, O’Neill, Fanning e Zoomkawala, “National Responsibility for Ecological Breakdown; Jason Hickel, “Quantifying National Responsibility for Climate Breakdown: An Equality-Based Attribution Approach for Carbon Dioxide Emissions in Excess of the Planetary Boundary, Lancet Planet Health 4 (2020): pp. 399-404.

 

(45) Karl Marx, Critique of the Gotha Program (1875; repr., Paris: Foreign Languages Press, 2021), p. 16.

 

(46) Walter Rodney, How Europe Underdeveloped Africa (1972; repr., London: Verso, 2018); Eduardo Galeano, Open Veins of Latin America: Five Centuries of the Pillage of a Continent (New York: Monthly Review, 1997); Utsa Patnaik e Prabhat Patnaik, Capital and Imperialism: Theory, History, and the Present (New York: Monthly Review Press, 2021); Mike Davis, Late Victorian Holocausts: El Niño Famines and the Making of the Third World (London: Verso, 2001); Foster e Holleman, “The Theory of Unequal Ecological Exchange: A Marx-Odum Dialectic; Jennifer E. Givens, Xiaorui Huang e Andrew K. Jorgenson, “Ecologically Unequal Exchange: A Theory of Global Environmental Injustice,” Sociology Compass 13, n.º 5 (2019); Alf Hornborg, Global Magic: Technologies of Appropriation from Ancient Rome to Wall Street (London: Palgrave Macmillan, 2016); Hickel, Dorninger, Wieland e Suwandi, “Imperialist Appropriation in the World Economy; Jason Hickel, “Aid in Reverse: How Poor Countries Develop Rich Countries”, The Guardian, January 14, 2017.

 

(47) “Vijay Prashad People’s Summit Speech de OUR TIME IS NOW #3”, YouTube, COP26 Coalition, November 10, 2021. Como diretor do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social e em colaboração com Carlos Ron do Instituto Samuel Robinson (Venezuela), Prashad também apresentou o documento "Um Plano para Salvar o Planeta", que foi "elaborado na tradição do New International Economic Order (1974) e de The Challenge of the South (1990)", "como contributo para uma resolução nas Nações Unidas para salvar o planeta". Este "documento vivo" inclui uma série de propostas ecossociais significativas, principalmente oriundas do Sul global, graças aos esforços conjuntos de quase trinta entidades organizadas em torno da Rede de Institutos de Investigação, "um coletivo reunido pela ALBA-TCP, Tricontinental: Instituto de Pesquisa Social e o Instituto Simón Bolívar para a Paz e Solidariedade entre os Povos". Ver "Um Plano para Salvar o Planeta", Tricontinental, 24 de Novembro de 2021.