Feminismo, ponto de renovação do marxismo

 

 

Giovanna Marcelino (*)

 

 

Resumo: Nos últimos anos, diversos países presenciaram um crescimento significativo do feminismo, algo que tem estimulado teóricas e ativistas a levantarem de maneira cada vez mais contundente a constatação de emergência de uma “nova onda” deste movimento. Este artigo pretende se ater a apreciação de uma das linhagens do pensamento e prática feminista que tem se destacado neste novo cenário de ascensão: o feminismo marxista. Mais especificamente, pretende-se trabalhar a ideia de que, com a crise capitalista iniciada em 2008, foi aberto um novo capítulo de sua história. Para isso, será feita uma breve recuperação (em termos históricos e teóricos) das relações entre feminismo e marxismo, das elaborações iniciais feitas a partir da obra de Marx e Engels até a formulação recente de um “feminismo para os 99%”. Será trabalhada a hipótese de que o feminismo mais uma vez se apresenta como um locus de renovação do marxismo, no qual suas dimensões constitutivas – teoria e prática – têm sido recolocadas e testadas.

 

Nos últimos anos, o feminismo voltou a ocupar uma posição de destaque nas discussões e mobilizações políticas mundiais. No mesmo período, um retorno às ideias de Marx aconteceu em diversos países. E isso não é uma mera coincidência, haja visto que o atual revigoramento de ambos está vinculado aos profundos problemas sociais produzidos pelo sistema capitalista nos últimos dez anos, que fomentaram um cenário de instabilidade e acirramento de conflitos, bem como de reativação de perspectivas antissistêmicas.

 

A defesa de um “feminismo para os 99%” - tal como apresentado recentemente por feministas nos Estados Unidos (ARRUZA; BHATTACHARYA; FRASER, 2019) - é fruto deste contexto, algo que tem gerado ganhos tanto para o movimento de mulheres, quanto para a tradição marxista. Basicamente porque essa concepção dá uma nova forma para a controversa relação entre marxismo e feminismo, cuja história possui diferentes capítulos, circunscritos a contextos específicos, cada qual responsável por ter gerado novas noções e práticas para a libertação das mulheres.

 

Como sinaliza Silvia Federici (2017a, p. 84), “à medida que o interesse no marxismo e no feminismo se renova, e o olhar de Marx sobre ‘gênero’ recebe nova atenção, surgem novos consensos entre as feministas”. É possível dizer que a proposta de um “feminismo para os 99%” busca justamente mais uma dessas tentativas de consenso ou síntese, na perspectiva, sobretudo, de reconsolidar no interior do movimento feminista a posição de uma vertente específica: aquela que dá continuidade à tradição marxista, socialista e revolucionária, atualizando-a em relação às novas experiências e debates dos ativismos contemporâneos, propondo a construção de um feminismo anticapitalista amplo, plural, aliado à luta de classes e ao internacionalismo, em oposição tanto a certos reducionismos e determinismos econômicos vulgares, quanto às fórmulas individualizantes e mercantilizadas que tomaram conta da cena feminista no contexto do capitalismo neoliberal.

 

O presente artigo visa recuperar, de maneira panorâmica, essa trajetória entrelaçada entre marxismo e feminismo - das primeiras leituras feministas da obra de Marx e Engels até os dias de hoje – de forma a ressaltar como se deu o desenvolvimento do que chamamos hoje de “feminismo marxista”, bem como do processo de “feminização” do marxismo, operado por diferentes gerações desde o final do século XIX. Além disso, será apresentada uma proposta de periodização dessa trajetória, organizada em quatro momentos fundamentais: 1) o do feminismo socialista desenvolvido no interior do marxismo clássico; 2) o do feminismo e marxismo contemporâneos dos anos 1960; 3) o das “políticas de identidade” e da “crise do marxismo” nos anos 1980-1990; e 4) o do recente contexto de crise capitalista após 2008, no qual está aberta a possibilidade de formulação de sínteses que representem uma superação dialética dos momentos anteriores, e no qual o feminismo, mais uma vez, tem se demonstrado um locus importante de renovação do marxismo.

 

“Para além de Marx”

 

Tal como registrado em diferentes trabalhos, o marxismo historicamente gerou importantes contribuições para o feminismo, sendo o inverso também verdadeiro (ALAMBERT, 1986; ARRUZA, 2013; VOGEL, 2013). Por um lado, feministas de diferentes gerações encontraram no trabalho de Marx fundamentos para compreender as especificidades da opressão das mulheres. Apesar de não ter se ocupado ou propriamente elaborado uma teoria sobre essa questão, este desenvolveu um quadro conceitual e um método bastante útil para o estudo e compreensão da condição feminina. Ao mesmo tempo, ao partir das lacunas, limitações ou ausências da obra de Marx, as feministas promoveram uma renovação da própria tradição marxista. Reinterpretando as categorias marxistas através de uma “lente feminina”, consolidaram uma abordagem científica sólida sobre as relações íntimas que a opressão feminina guarda com a reprodução do capitalismo e como ela assume diferentes formas, de acordo com a situação de classe de cada mulher.

 

Dois fundamentos foram cruciais nesse sentido. Em primeiro lugar, a compreensão de que a opressão de gênero não é algo natural, mas um produto histórico, uma construção social, gerada nas e pelas relações sociais, em contextos socioeconômicos determinados, tendo em vista a associação entre homens e mulheres para a produção e reprodução de sua vida material. Textos como A ideologia alemã e A origem da família, da propriedade privada e do Estado exerceram influência no embasamento teórico do feminismo marxista nesse sentido, sobretudo na tentativa de compreender as origens da opressão da mulher e da dominação masculina a partir da concepção materialista da história (1).

 

Outro ponto de partida teórico e referência fundamental para a formação da crítica feminista foram os escritos de economia política marxista, que aportaram às análises históricas sobre a subordinação das mulheres na estrutura familiar monogâmica as considerações sobre gênero na esfera da produção. Como ressalta Federici (2017a), Marx foi um denunciante incansável das atrocidades do sistema capitalista, algo que incluía o emprego de crianças e mulheres no trabalho fabril. Em O Capital, por exemplo, encontram-se passagens nas quais a exploração do trabalho operário infantil e feminino no período de surgimento da industrialização é exposta de maneira bastante crítica:

 

“Eles nos informam sobre as costureiras que morriam por excesso de trabalho e falta de ar e alimento (…), sobre meninas que trabalhavam sem se alimentar quatorze horas por dia, ou que se arrastavam seminuas nas minas para transportar carvão à superfície, sobre crianças que eram tiradas da cama à meia-noite “e obrigadas a trabalhar para ganhar um mísero sustento” (…), “as crianças eram levadas ao matadouro”, [onde] máquinas vampíricas consumiam suas vidas “enquanto existisse um músculo, um tendão, uma gota de sangue para sugar” (…)” (apud FEDERICI, 2017a, p. 88).

 

Tal abordagem apresentada por Marx, entretanto, foi vista como insuficiente pelas feministas, por limitar-se a uma descrição de como o trabalho feminino seguia as tendências da produção capitalista (que desvaloriza a força de trabalho, testa seus limites físicos, extraindo o máximo de trabalho possível), não aprofundando uma análise estrutural da questão gênero no capitalismo. Nesse sentido, Marx teria omitido, por exemplo, um tema fundamental: o papel do trabalho reprodutivo desempenhado pelas mulheres como um dos pilares da acumulação capitalista. Em termos políticos, ele também não se debruçou sobre a necessidade de organização dessa parcela do proletariado (expondo-as mais como vítimas do que sujeitos sociais), além de não mencionar como o ingresso das mulheres nas fábricas afetou a luta da classe trabalhadora, algo que foi posteriormente tratado pelas feministas socialistas russas e alemãs (2).

 

A grande contribuição das feministas, portanto, foi a de ter ido "além de Marx", aportado à sua teoria uma perspectiva de gênero, entendendo que ele compreendeu o capitalismo sob a ótica universal da formação do proletariado assalariado, sem levar em conta o “ponto de vista das cozinhas e quartos, onde a força de trabalho é produzida diariamente, geração após geração” (ibid., p. 105). Assim, as feministas enxergaram algo que Marx não viu: que as mulheres, por conta da divisão sexual do trabalho, historicamente estiveram à frente de um papel central - além de parcela fundamental do trabalho produtivo, são responsáveis pelas atividades ligadas ao trabalho reprodutivo: procriar, preparar comida, lavar roupa, criar os filhos, cuidar dos idosos etc., essenciais para a reprodução da vida. Por se tratar de um tipo de trabalho em sua maioria não remunerado, além de depreciado e naturalizado como uma “vocação feminina”, o trabalho reprodutivo foi por muito tempo ou equivocadamente desconsiderado ou visto de maneira subordinada ao trabalho produtivo no interior do marxismo, tornando ausente, portanto, a discussão sobre o quanto ele é um elemento decisivo, tendo em vista que suas atividades - sexualidade, limpeza, educação, etc. - contribuem para a reprodução da força de trabalho, sem a qual não existiria desenvolvimento capitalista (3).

 

Assim, apesar de Marx ter mostrado em O Capital como a força de trabalho sustenta o sistema de produção de mais-valia (tendo em vista que a acumulação de capital só é possível a partir do momento em que os trabalhadores, em busca de meios de vida, vendem sua capacidade de trabalho para o capitalista por um salário), ele não analisou como essa “mercadoria especial” é propriamente produzida e reproduzida, ou ainda, como ela é trazida à luz e criada: na “família da classe trabalhadora” (VOGEL, 2013). Mais especificamente, não denotou que o trabalho de produzir trabalhadores - que envolve as atividades de procriação, criação e cuidado - tem uma característica de gênero, justificada inicialmente pela capacidade biológica da mulher, e reforçada pela ideologia do “mito materno”, que relega as mulheres para atividades ligadas à esfera doméstica. Assim, as mulheres no lar reproduzem diária e geracionalmente a força de trabalho que a sociedade capitalista precisa (4).

 

Ao defender a centralidade deste tipo trabalho, as feministas montaram, assim, uma nova agenda de pesquisa sobre as relações entre a condição feminina e o capitalismo, a partir de uma abordagem da “reprodução social” derivada da obra madura de Marx, cristalizando “a busca por localizar os fundamentos sócio-materiais da opressão às mulheres nos termos e conceitos da economia política marxiana” (FERGUSON; MCNALLY, 2017, p. 27). Tal esforço foi registrado em extensos debates nos anos 1970 em revistas marxistas como a New Left Review e Review of Radical Political Economics, que problematizavam se a base material e social da opressão das mulheres residiria nas relações estabelecidas no lar e na família, se o trabalho em casa produziria valor para o capital, evidenciando, sobretudo, a relação estrutural do trabalho reprodutivo e a reprodução do capital: “o fato de que a produção e reprodução da força de trabalho é uma condição essencial que reforça a dinâmica do sistema capitalista, possibilitando que o capitalismo se reproduza” (ibid., p. 35).

 

Além disso, a investigação sobre a centralidade do trabalho reprodutivo não só provocou uma inovação teórica sobre a compreensão do capitalismo, como para a luta contra ele (FEDERICI, 2017a, p. 86). Ela colocou a questão de que a luta anticapitalista, além de se dar nas fábricas, também ocorre nos lares e nos locais da reprodução social (escolas, creches, hospitais, etc.); assim, do ponto de vista prático, se as mulheres - que são metade da população e responsáveis por parir e cuidar da outra metade - param de realizar o trabalho reprodutivo, o "centro nervoso" da produção de força de trabalho para: “sem trabalho doméstico, os trabalhadores não podem se reproduzir e, sem trabalhadores, o capital não pode ser reproduzido” (FERGUSON; MCNALLY, 2017, p. 27). Ou seja, se os trabalhadores não se alimentarem, socializarem e não estiverem em condições plenas de saúde, simplesmente não há trabalho. Tal reconhecimento, gerou uma nova estratégia política, que influenciou a história da luta feminista e socialista, a exemplo dos debates sobre a socialização do trabalho doméstico ocorridos durante a Revolução Russa, bem como, mais recentemente, a iniciativa de uma greve internacional de mulheres sob o signo do “eu paro”, junto às últimas convocatórias do 8 de março, atestando as mulheres como um sujeito político fundamental na luta anticapitalista (BHATTACHARYA, 2017).

 

Capítulos do feminismo marxista

 

Tais leituras foram formuladas e lapidadas em diferentes contextos, fomentando não somente a descoberta de um “novo Marx”, como formalizando um longo processo de “feminização” do marxismo. Na verdade, esse movimento de complementação e ampliação do pensamento de Marx, para o qual as feministas contribuem, é uma constante na história do marxismo, ou ainda, é aquilo que o mantém como uma tendência intelectual e política viva e em constante mutação. Diferentes gerações interpretaram e readequaram a teoria e prática marxista, tendo em vista as transformações históricas do capitalismo (que sempre colocam em questão a atualização do diagnóstico do presente histórico), bem como as novas leituras da obra de Marx que surgiram em diferentes épocas e contextos nacionais específicos, provocando ajustes ou o aprofundamento de temáticas que não foram desenvolvidas por ele em vida.

 

Assim, apesar das principais propostas de historiografia do marxismo até hoje escritas, de maneira geral, não destacarem as contribuições específicas das feministas ou darem a elas uma posição lateral ou parcial, a verdade é que o feminismo se apresentou historicamente enquanto um locus importante de renovação dessa tradição. Na verdade, deve-se destacar que a reflexão sobre a condição feminina é uma constante na história desta tradição, presente desde Marx e Engels, além de ter sido tratada por uma série de pensadores socialistas do século XIX (SAFFIOTI, 2013; MITCHELL, 2006). A discussão levantada por tais autores, mesmo apresentando lacunas, foi, por sua vez, base fundamental para a constituição de uma vertente específica no interior do movimento de mulheres, o “feminismo marxista”, cuja formação se deu em meio às intensas discussões políticas sobre a relação entre a luta pela emancipação das mulheres e a luta pelo socialismo, no interior dos partidos socialistas europeus no final do século XIX e começo do século XX, concomitante a consolidação do feminismo enquanto um movimento social em diversos países.

 

Nesse sentido, pode-se dizer que um dos primeiros capítulos da relação entre marxismo e feminismo se deu durante o que Perry Anderson (2004) denominou de “marxismo clássico”, mais especificamente, no interior da terceira geração da tradição marxista (5). Do ponto de vista da periodização do feminismo, trata-se do que se convencionou chamar de “primeira onda”, concomitante a um período de ascensão do movimento operário, sendo, inclusive, um elemento essencial para seu fortalecimento e expansão (6).

 

Inicialmente formado por uma geração de mulheres revolucionárias e dirigentes socialistas, marxistas e estrategistas (tais como as russas Alexandra Kollontai, Nadejda Krúpskaia, Inessa Armand e as alemãs Clara Zetkin e Rosa Luxemburgo), o feminismo socialista - que esteve dentre os principais agrupamentos que compuseram o movimento feminista desde seu surgimento - se debruçou sobre a condição de opressão vivida pelas mulheres trabalhadoras, bem como sobre a formulação de políticas que levassem a sua libertação, avançando nas elaborações iniciais sobre a “questão da mulher” que haviam sido produzidas no século XIX.

 

Um dos objetos de debate dessa geração foi as implicações da incorporação de mulheres e crianças como mão-de-obra barata durante o processo de industrialização e de concentração da produção coletiva em fábricas. As mulheres trabalhadoras foram vistas como uma das frações mais exploradas do proletariado, concentradas em ofícios menos valorizados e qualificados. Evidenciou-se como elas viviam uma vida miserável, enfrentando péssimas condições de trabalho, assédio dos patrões, a fome, a humilhação, o analfabetismo, jornadas de trabalho exaustivas, dentro e fora da fábrica, já que a entrada no trabalho industrial não as eximiu das responsabilidades domésticas e da maternidade no âmbito privado da família - uma situação que se agravava pelo fato de não possuírem praticamente nenhum direito civil e político garantido. Como assinala Kollontai,

 

“Enquanto a mulher não tomava parte direta da produção de mercadorias, enquanto sua atividade se limitava principalmente à manufatura de ‘produtos domésticos’, não podia haver nem sombra da questão feminina como ela é colocada hoje. Mas, a partir do momento em que a mulher pôs os pés na estrada do trabalho, em que o mercado mundial reconheceu seu trabalho, que para a sociedade ela passou a significar uma unidade de trabalho por si só, a secular ausência de direitos na sociedade, a antiga escravização no seio da família, os velhos grilhões que restringiam sua liberdade de movimento tornaram-se para ela duplamente pesados, duplamente insuportáveis” (2017c, p. 150).

 

Assim, a pressão sofrida dentro do ambiente de trabalho e do lar, combinada à exclusão da vida política, foi um fator decisivo para a revolta e organização das mulheres a partir do final do século XIX. E as feministas socialistas, em especial, produziram contribuições que aprofundaram a compreensão deste cenário, imprimindo, desde o início, um tema que se tornou uma tônica dos debates do feminismo marxista, em oposição ao feminismo liberal: a relação entre gênero e classe (7). Além disso - embasadas nos escritos de Marx, Engels e Bebel sobre as raízes sociais da opressão da mulher - protagonizaram uma série de debates sobre o papel da família e da religião; a necessidade da libertação sexual e de relacionamentos livres; a questão da educação igualitária desde a primeira infância e a criação de uma "escola livre"; a substituição da propriedade privada pela propriedade social e entrada da mulher na produção de bens sociais, numa ordem livre de opressão e exploração (SCHNEIDER, 2017).

 

O processo revolucionário de 1917 foi sem dúvida um dos principais laboratórios para tais discussões, a partir do qual tentou-se efetivamente criar condições para a igualdade e independência econômica das mulheres, com a conquista de direitos fundamentais (a substituição do casamento religioso pelo casamento civil, o direito ao divórcio, o direito ao voto, o direito ao aborto, etc.), além da socialização do trabalho não-remunerado que as mulheres realizavam em casa (cuidado com as crianças, lavar, limpar, cozinhar), que se tornou um serviço público garantido pelo Estado e executado por trabalhadores assalariados, com a construção de uma série de lavanderias, creches, escolas e refeitórios públicos (GOLDMAN, 2017) - legado que foi bastante revisitado recentemente, especialmente em comemoração do centenário da Revolução Russa (8).

 

Com efeito, de maneira geral, pode-se dizer que a singularidade do feminismo socialista clássico não foi o de ter produzido uma teoria geral sobre a opressão de gênero (senão de maneira parcial, avançando em temas específicos, que contribuíram para o desenvolvimento e ampliação teórica do marxismo), mas sim, o de estabelecer a relação entre a luta das mulheres e a construção de um projeto estratégico de transformação da sociedade. Para as feministas socialistas, a teoria era, antes de mais nada, um “guia para a ação”, que auxiliou na construção de um programa para a libertação das mulheres (igualdade entre homens e mulheres, socialização do trabalho doméstico, melhores condições de trabalho, etc.) e de um plano para colocá-lo em prática.

 

Talvez o principal aporte das socialistas tenha sido, portanto, o de ter desenvolvido uma estratégia para organizar mulheres trabalhadoras, apostando na aproximação entre movimento operário e feminista. Como ressalta Krúpskaia (2017a, p. 104), a “mulher trabalhadora é membro da classe operária, seus filhos e todos aqueles que são próximos a ela pertencem a essa classe, assim, tudo que se refere à classe operária diz respeito a ela de forma direta e imediata”. Para isso, as socialistas atuaram num duplo movimento: o de concretizar o movimento de mulheres por seus direitos e o de lutar dentro dos partidos e sindicatos para que a importância da questão feminina fosse devidamente reconhecida, já que a maioria das organizações socialistas ainda eram ambientes hostis à causa feminina no começo do século XX, tanto por sua composição majoritariamente masculina, como pelo entendimento comumente compartilhado de que a emancipação da mulher seria uma reivindicação liberal, ou ainda, uma “causa menor” diante da tarefa da revolução socialista (KOLLONTAI, 2017b, p. 193).

 

Para as socialistas, as mulheres compunham uma importante parcela da classe, cuja mobilização era imprescindível para a construção de uma sociedade socialista. Nas palavras de Clara Zetkin, “apenas junto com as mulheres proletárias o socialismo será vitorioso”, ou seja, a libertação da mulher seria uma etapa importante para a conquista do poder pelo proletariado, não sendo possível a revolução sem a emancipação das mulheres, nem a emancipação das mulheres sem uma revolução. Diante disso, criaram várias iniciativas: 1) agitação e propaganda direcionada para as especificidades das mulheres, tal como a revista Rabôtnitsa (Trabalhadora), que abarcava em seu conselho editorial Armand, Kolontai e Krúpskaia, e a revista das operárias alemãs Die Gleichheit (A igualdade), editada por Zetkin; 2) a organização de uma série de congressos e encontros, tais como a I e II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas (1907 e 1910), o I Congresso de Mulheres de Toda a Rússia (1908), Congresso de Toda a Rússia para a Luta contra o Comércio de Mulheres (1910), I Congresso de Toda a Rússia sobre a Educação de Mulheres (1912), para discutir um programa para a emancipação das mulheres; 3) no caso russo, a criação de um aparato dentro do Partido Comunista - o chamado Departamento de Mulheres do Secretariado do Comitê Central do Partido Comunista russo (o Jenotdiél) - a primeira organização de massas criada por mulheres para a promoção de seus próprios interesses em um contexto revolucionário, responsável por acessar e dialogar com as mulheres trabalhadoras, com o intuito de promover esse trabalho cotidiano, movido pelo esforço de aumentar a conscientização feminina, melhorar suas condições de vida e atrair as mulheres para a construção do Estado soviético (KRÚPSKAIA, 2017a, p. 104).

 

Ou seja, em diálogo com o leninismo e sua teoria da organização, as socialistas defendiam não apenas a auto-organização das mulheres (a partir de organismos específicos encarregados pela agitação e organização da ala feminina do proletariado), mas também a participação das mulheres na construção do partido. Esta seria a ferramenta legítima de organização das trabalhadoras, ao permitir a relação entre as partes e o todo, evidenciando que a emancipação das mulheres só seria possível a partir de uma mudança global das relações sociais, de poder, do mundo do trabalho, ou seja, que a resposta para a questão feminina deveria necessariamente passar pela construção e defesa de uma ferramenta totalizante e de um projeto estratégico de transformação social (9). Nesse sentido, as socialistas enfatizavam como o programa das mulheres deveria incorporar o próprio programa geral do partido, e vice-versa. Ao lutarem por suas próprias demandas enquanto mãe, esposa, dona de casa, trabalhadora, estariam lutando por questões comuns à classe. Ou ainda, elas eram efetivamente parte dessa classe. Por isso, a emancipação feminina era no fundo uma questão inseparável do movimento de trabalhadores em geral e ao fortalecimento do debate socialista.

 

Como se sabe, uma série de dificuldades econômicas, somado ao processo de burocratização do Estado soviético durante o período do stalinismo, interrompeu este plano. Ainda assim, além de decisivo para os rumos da luta de classes na Rússia no começo do século XX, o protagonismo das socialistas transformou o sentido do papel político e social das mulheres no mundo todo, iniciando uma longa tradição de organização das mulheres trabalhadoras (10). Ao mesmo tempo, nota-se certas lacunas, entre elas, a ausência da questão racial nos debates dessa geração de feministas marxistas, que se atém, sobretudo, à problematização da condição das mulheres trabalhadoras brancas, em parte pela própria composição do proletariado de seus países de origem. Entretanto, é notório que as mulheres negras também tiveram um importante protagonismo durante a primeira onda, tanto em termos da atuação política, como nos debates sobre a opressão sofrida pelas mulheres, tal como registrado em documentos históricos, como a carta de denúncia por maus-tratos e abusos físicos de Esperança Garcia em 1770 e nos romances de Maria Firmina dos Reis a partir de 1859 no Brasil. Em termos teóricos, a retificação dessa omissão na produção acadêmica sobre os feminismos é realizada, por exemplo, por Angela Davis (2016), que, na contramão das “histórias oficiais”, evidencia justamente a relação que a luta das mulheres teve com a luta contra a escravidão em diversos países, como os Estados Unidos, no qual as mulheres negras engajadas no movimento abolicionista (a exemplo da trajetória de Sojourner Truth) aspiravam a ser livres não apenas da opressão racista, mas também da dominação sexista.

 

Gênero, raça e classe e a proposta de uma “teoria unitária”

 

Durante o período clássico, a emancipação das mulheres foi em grande medida pensada em termos normativos e universais, nos moldes dos ideais socialistas da época. A preocupação com a elaboração de uma abordagem mais completa e abrangente sobre a condição feminina, que levasse em conta seus múltiplos aspectos, surgiria mais tarde, em outro contexto histórico: o da grande efervescência social do final dos anos 1960.

 

Um novo capítulo do feminismo marxista foi aberto nesse período, num momento de renovação tanto do marxismo, quanto do feminismo. Eventos como a Revolução Cubana, Maio de 1968 e a emergência de uma “Nova Esquerda” alimentaram, em primeiro lugar, um interesse renovado pela tradição marxista em diversos países, sobretudo entre uma nova geração de ativistas e intelectuais vinculados não apenas aos movimentos sociais, como também a um novo ambiente - o das universidades - que foi palco de um “retorno à Marx” nos Estados Unidos, França, Inglaterra e no próprio Brasil, que nesse momento buscava consolidar um marxismo próprio, nacional, vinculado à cultura e às contradições de um país de capitalismo dependente a partir de uma leitura minuciosa de O Capital de Marx (MARCELINO, 2019). Do ponto de vista da periodização convencional da história do feminismo, trata-se da "segundo onda", que ampliou consideravelmente o leque de questões do período anterior, num momento em que o movimento feminista estava ao lado de outros movimentos sociais (como o movimento negro, anticolonial, LGBT, estudantil) questionando a ordem capitalista, em meio ao auge das políticas do Estado de Bem-Estar Social nas sociedades europeias do pós-guerra, da Guerra do Vietnã, e num período de entrada das mulheres nas universidades. No Brasil, ele é marcado pelo contexto da ditadura militar, que foi responsável por perseguir e violentar diversas mulheres através da tortura.

 

Nesse contexto, um novo paradigma contestatório foi delineado para se pensar a condição feminina. Por um lado, tornou-se cada vez mais latente que o movimento de mulheres não era algo homogêneo em sua composição, mas sim diverso, não apenas em termos de classe (como haviam notado as socialistas clássicas), mas também em termos de raça, sexualidade e nacionalidade, tendo em vista que as lutas feministas contavam com o protagonismo não só das mulheres brancas oriundas da classe média e da classe trabalhadora europeia, mas também de mulheres negras, lésbicas e do “terceiro mundo”. Assim, a ênfase na pluralidade de experiências (como já ressaltavam as feministas negras abolicionistas na primeira onda) foi colocada ainda mais em evidência, em contrapartida à hegemonia de um feminismo “pretensamente universal” que era, antes de mais nada, situado: ocidental, branco, heterossexual. Dilatou-se, assim, o modelo de emancipação moderno baseado na ideia universal de igualdade derivada da Revolução Francesa, que havia servido de base para as reivindicações feministas da primeira onda.

 

A partir dessas contestações, o próprio uso da categoria “mulher” foi também relativizado, ou adjetivado: mulher trabalhadora, negra, homossexual, etc. Além disso, a introdução do conceito de gênero foi uma inovação nesse sentido (HARAWAY, 2004, p. 211), pois, articulado com as categorias de raça, classe, nacionalidade, sexualidade, foi capaz de oferecer uma dimensão mais próxima do que é realmente "ser mulher". Outra inovação foram as reflexões sobre a questão do corpo e dos direitos reprodutivos, que tornaram-se centrais na agenda feminista daquele período, consideradas como essenciais para o avanço na autonomia da mulher e na sua transformação em sujeito político (11). Com isso, houve uma ampliação do imaginário feminista, abarcando novos tipos de injustiça social, para além da econômica (FRASER, 2007, p. 293). Na chave de que “o pessoal é político”, passou-se a privilegiar a crítica não apenas das relações de produção, mas também das relações sociais, contra a cultura sexista dominante (ARRUZZA, 2013, p. 50).

 

O debate feminista foi, assim, complexificado, abrindo-se uma nova etapa para a luta pela libertação das mulheres, mais atenta à diversidade e às múltiplas vias pelas quais a dominação masculina se reproduz. O marxismo, por sua vez, se viu desafiado a escapar do rótulo de “economicista”, “reducionista” e “ortodoxo”, e acomodar em sua teoria aspectos até então ausentes em suas considerações sobre a condição feminina. Figuras como as de Simone de Beauvoir, Angela Davis, Juliet Mitchell compõe essa nova geração de feministas marxistas que, a partir de uma inserção política e acadêmica, produziram contribuições singulares, abrindo caminhos tanto para um aprofundamento da compreensão sobre gênero e a construção social do feminino numa perspectiva materialista (na qual a frase “não se nasce mulher, torna-se” é emblemática) (12) quanto da dimensão psicológica e cultural da opressão de gênero e suas intersecções com outras formas de opressão. No caso brasileiro, vale destacar o pioneirismo de Heleieth Saffioti, cuja tese de livre-docência A Mulher na Sociedade de Classes, orientada por Florestan Fernandes, foi peça-chave no casamento entre feminismo e marxismo no Brasil, fruto de um momento singular do movimento feminista e de renovação da teoria marxista no país, contribuindo para a análise sobre a condição feminina na realidade do capitalismo periférico, ausente nas referências advindas do centro.

 

A partir dessas contribuições, importantes elaborações foram desenvolvidas, entre elas, explicações mais completas e aprofundadas sobre os sentidos do trabalho reprodutivo desempenhado pelas mulheres (como é o caso da “teoria da reprodução social” formulada pelas feministas marxistas nos anos 1970), bem como sobre os entrecruzamentos entre raça, classe e gênero, a partir do qual novas conceituações foram delineadas, como a metáfora do “nó” (SAFFIOTI, 1987) e a noção de interssecionalidade, que continua sendo hoje objeto de intensos debates.

 

Como relata Patricia Hill Collins, a noção de interseccionalidade - enquanto uma ideia que informou a atuação de ativistas, e não como um conceito - foi posta em circulação pela primeira vez pelo feminismo negro norte-americano ligado às perspectivas socialistas (notadamente, a Combahee River Collective formada em Boston em 1974). Ela foi usada inicialmente com o intuito de tornar as lutas por liberdade e emancipação travadas naquele momento significativas “para pessoas cujas experiências de vida estavam circunscritas pelo racismo, o sexismo, a exploração de classe, o nacionalismo, a religião e a homofobia” (COLLINS, 2017, p. 7). Ou seja, era uma maneira de dar forma e sentido às iniciativas de justiça social daquela época, tornando-as concretas para os sujeitos sociais, cuja experiência social era mutuamente determinada por diferentes dimensões. Assim, propunha-se que

 

“os sistemas separados de opressão, como eram tratados, fossem interconectados. Porque racismo, exploração de classe, patriarcado e homofobia, coletivamente, moldavam a experiência de mulher negra, a libertação das mulheres negras exigia uma resposta que abarcasse os múltiplos sistemas de opressão” (ibid., 2017, p. 8).

 

Tais ponderações geraram, primeiramente, um efeito simbólico imediato no discurso político da esquerda, fazendo, por exemplo, com que mulheres negras pleiteassem cada vez mais a incorporação da perspectiva de gênero ao movimento negro, ao mesmo tempo em que as feministas brancas fossem desafiadas a avançar nas discussões sobre as relações entre gênero e raça. Além disso, serviu para corrigir definições “monolíticas” de classe (como em certas posições marxistas que tendiam a criar hierarquias artificiais entre as opressões) e definições de gênero sem classe (tal como certas perspectivas identitárias e do feminismo radical).

 

Além disso, o debate sobre os diferentes sistemas de opressão foi logo incorporado também pela academia, aprofundando os estudos sobre a relação entre patriarcado e capitalismo. Como sistematiza Cinzia Arruzza (2015, p. 34), em suma, três teses gerais foram elaboradas a esse respeito: 1) a "teoria dos sistemas duplos ou triplos", segundo a qual cada tipo de opressão (classe, raça, gênero) corresponderia a um sistema autônomo; 2) a teoria do "capitalismo indiferente", em que as opressões são vistas como independentes ao capitalismo (tanto do ponto de vista de que elas existiram em períodos históricos anteriores e que continuariam existindo se o capitalismo acabasse, como do ponto de vista de que o próprio capitalismo também continuaria existindo independentemente destes tipos de opressão, na medida em que guardaria uma relação meramente oportunista com elas para seu próprio benefício); e 3) a "tese unitária", para a qual patriarcado e capitalismo não constituem sistemas separados, tendo em vista, sobretudo, que, nas sociedades capitalistas contemporâneas, efetivamente não existe um sistema patriarcal autônomo ao capitalismo, já que ele “se tornou através de um longo processo histórico de dissolução das precedentes formas de vida social, parte integrante da sociedade capitalista” (13).

 

A perspectiva marxista, nesse sentido, convergiria com a última tese, contrapondo-se às duas primeiras ao entender que elas fragmentam formas de opressão que na verdade estão intrinsecamente integradas num determinado contexto social, que é a vida sob o sistema capitalista, entendido como uma totalidade articulada e contraditória de relações de exploração, dominação, alienação. A separação analítica efetuada pelas duas primeiras teses produziria também desdobramentos políticos, numa espécie de falsa dicotomia entre o econômico e o cultural: se cada opressão corresponde a um sistema autônomo - a opressão de gênero ao patriarcado, a exploração econômica ao capitalismo, etc. - qual deve ser, afinal, o terreno da luta política por emancipação? Ou ainda, o que seria, em última instância, o mais determinante para o feminismo, a luta no campo da dominação cultural ou da exploração econômica?

 

Além da teoria da reprodução social, outro modelo interpretativo que se propõe a apresentar uma abordagem unitária pautada na perspectiva da totalidade, em contraposição a esse tipo de dissociação, é a “teoria do ponto de vista” (desenvolvida nos trabalhos de Nancy Hartsock, Dorothy Smith, por exemplo), a partir de uma ampliação da noção de "ponto de vista do proletariado" elaborada por Lukács em História e Consciência de Classe a outros grupos sociais (as mulheres, a negritude, os homossexuais, etc.). Segundo essa perspectiva, cada um desses grupos, ao possuir uma localização social específica no todo social, produziria um ponto de vista particular sobre a realidade, sendo assim capaz de apreender uma determinada característica da estrutura de dominação e de opressão do modo de produção capitalista (patriarcado, o racismo, o colonialismo, etc.). Ou seja, cada grupo enxergaria “características do mundo que permanecem obscuras, invisíveis ou meramente ocasionais e secundárias para outros grupos”, algo que produziria novas possibilidades de conhecimento, “situados”. As mulheres, por exemplo, ao possuírem uma “experiência fenomenológica específica (...) na ordem social patriarcal”, viveriam e enxergariam determinações de certa forma ocultas para outros grupos, de forma que seu “ponto de vista” particular seria imprescindível e singular para a compreensão da realidade em sua totalidade (JAMESON, 2009, p. 215-216; 221).

 

Assim, em profundo diálogo e conexão com a atmosfera política dos “novos movimentos sociais”, a perspectiva materialista foi enriquecida no contexto aberto pelos anos 1960. Além de um salto na compreensão teórica da condição feminina e de seus desafios práticos, aprimorou-se a análise marxista da própria estrutura social (capitalista, patriarcal, racista) e a forma como ela reproduz diferentes formas de opressão. Além disso, no fundo, reforçou-se a importância das diferentes lutas sociais estarem conectadas com uma perspectiva anticapitalista, tendo em vista que cada “ponto de vista” desvenda um aspecto essencial tanto para o conhecimento, quanto para a luta contra o sistema.

 

A crise de 2008 e uma nova onda do feminismo

 

Com o declínio das lutas sociais que despontaram nos anos 1960 e a desilusão gerada pelos rumos das experiências da socialdemocracia e do socialismo real, o movimento feminista – sobretudo nos Estados Unidos e na Europa – passou por um momento de rearranjo e estreitamento de horizonte. Se nos anos 1960, os debates sobre gênero estavam em grande medida próximos ou em diálogo com o imaginário socialista, nas décadas seguintes, houve um gradual distanciamento, de forma que o caráter antissistêmico que marcava as críticas feministas passou a se fazer menos presente (FRASER, 2007, p. 296). Nas palavras de Arruzza (2013, p. 107), tal dissociação “foi acompanhada pela obliteração de qualquer crítica das relações de produção, que foram substituídas pelas relações de poder e dominação na esteira das tendências pós-modernas, particularmente inspiradas nas ideias de Foucault. Consequentemente, elas tendiam a concentrar exclusivamente nas instituições que garantem e mantém o sistema de papéis sexuais – matrimônio, a família, prostituição e heteronormatividade”.

 

Nesse novo estágio, que muitas designam como a “terceira onda” do feminismo, houve também o divórcio entre o movimento feminista e o movimento de trabalhadores e a “emergência de uma grande variedade de práticas políticas de pequenos grupos, sem base em classe social” (JAMESON, 1997, p. 322). Ou seja, abriu-se um período de perda de prerrogativa da perspectiva emancipatória clássica, bem como de dificuldades de se articular gênero, raça e classe numa política integrada. Consequentemente, a via revolucionária de transformação social foi substituída por outros tipos de conflitos, desconectados da luta de classes. Na caracterização de Nancy Fraser (2006, p. 231), trata-se da emergência dos conflitos de tipo “pós-socialistas”, baseados em um novo imaginário político no qual a reivindicação por justiça simbólica e reconhecimento cultural se apartou, ou ainda, tornou-se relativamente autônoma em relação a um projeto radical de transformação social (14).

 

Além disso, nesse período, o sistema capitalista passou por um processo de reestruturação produtiva, que abriu um novo estágio de seu desenvolvimento, pautado por um modelo econômico mais “flexível” (pós-fordista) e pelo surgimento de novas formas mais sofisticadas de dominação cultural (Harvey, 1992). Como narra Fraser (2019) - apoiada em Boltanski e Chiapello (2009) - um novo “bloco hegemônico” - o “neoliberalismo progressista” - foi formado, após o capitalismo ter se renovado incorporando e instrumentalizando algumas de suas críticas, entre elas, certas reivindicações da segunda onda do feminismo, que passaram a convergir e emprestar ao sistema certo “carisma”, permitindo que este efetuasse a implementação de políticas neoliberais e de estratégias de flexibilização do trabalho.

 

Ou seja, inaugurou-se um momento de profundas reorientações tanto para o marxismo, quanto para o feminismo. No âmbito intelectual, junto a um processo de “academicização” (com um certo esmaecimento das figuras da “intelectual engajada” ou mesmo da “dirigente partidária” presente nas ondas anteriores), assistiu-se uma mudança gradual no interior da esquerda radical, bem como da posição das ideias marxistas no interior destes (ANDERSON, 2004). De um modo geral, houve uma reconfiguração no pensamento crítico e o distanciamento de uma geração de ativistas e intelectuais em relação a tradição marxista, sobretudo nos países em que a crise do comunismo se deu com maior intensidade (como a França, Espanha, Itália, Portugal, Leste Europeu), o que abriu margem para que muitos ideólogos anunciassem, inclusive, a “crise” e o “fim” do marxismo. Concomitantemente, assistiu-se o crescimento de correntes como estruturalismo, pós-estruturalismo, desconstrutivismo e pósmodernismo, que ganharam influência na esteira da resistência ideológica à “meta-narrativa” marxista e suas noções clássicas (como totalidade, classe, revolução, emancipação, modo de produção, etc.), propondo, em contrapartida, a adesão de um novo léxico, pautado em noções abertas de pluralidade e identidades múltiplas, que acabou por deslocar o centro dos interesses da crítica social de temas universais para os particulares (15). Apesar de ter perdido certa “posição hegemônica”, nota-se que o final do século XX não atestou a morte do marxismo, como apostavam alguns; pelo contrário, abriu um novo estágio de seu desenvolvimento, centrado agora predominantemente no ambiente acadêmico, pautando-se pela tentativa de disputar o significado e vigência da obra de Marx e produzir inovações teóricas, em grande parte em diálogo crítico justamente com as correntes que despontaram na teoria social a partir dos anos 1970 (BURAWOY, 2000; KEUCHEYAN, 2014; KOUVELAKIS, 2012).

 

Tais rearranjos teóricos e políticos processados nesse momento são visíveis, por exemplo, no próprio percurso que tomou a perspectiva interseccional. Como relata Collins (2017, p. 10-12), esta, que veio à tona incialmente no interior dos movimentos sociais, sofreu uma “tradução imperfeita” nos anos 1980 e 1990 quando migrou para a academia. Pois, o que era inicialmente um projeto de conhecimento vinculado à perspectiva socialista e às lutas por justiça social se tornou aos poucos um campo de estudo acadêmico, que passou a se nortear pela disputa de espaço, legitimidade e reconhecimento universitário, moldando-se cada vez mais por suas regras e práticas normativas, tendo em vista a própria necessidade de se transformar o pensamento que imperava nesse ambiente. A consequência desta dissociação entre a interseccionalidade como conhecimento e política emancipatória foi o abandono da compreensão das desigualdades sociais como intrinsecamente ligadas a uma agenda política, de forma que as intersecções viraram ideias, e não ideias e ações, e, assim, mais um instrumento de descrição do que de crítica, invertendo seu propósito original. Nesse processo, estudos que usaram a perspectiva interseccional refinaram a explicação sobre as opressões de gênero, raça e classe e como elas moldam as experiências e identidades, mas deixaram subteriorizado como elas possuem uma relação recíproca ao serem produzidas e sustentadas por um todo social mais amplo: o capitalismo racializado e patriarcal (FERGUSON; MCNALLY, 2017, p. 49-50).

 

O interessante é que as implicações dessa “acidentada” trajetória da interseccionalidade têm sido retomadas recentemente no atual contexto de crise capitalista, no qual assiste-se novamente um interesse renovado pelo pensamento marxista, junto a emergência de múltiplas formas de enfrentamento em diversos países do mundo após 2008 (como os movimentos de mulheres, juventude, negro, LGBT, ambiental, etc.). Nesse novo cenário, nota-se um certo retorno à abordagens ao mesmo tempo totalizantes e integradoras, ou seja, que associam as lutas sociais em curso numa análise anticapitalista abrangente, de forma que os debates abertos nos anos 1960 têm sido não só retomados, como postos em um novo patamar. Na hipótese de Fraser (2017), a crise de 2008 - em suas múltiplas dimensões (social, econômica, política, ambiental) -, além de ter aberto a possibilidade de uma nova etapa da luta das mulheres, na qual o feminismo recuperaria seu caráter contestatório e crítico à ordem capitalista, teria marcado o fim do “neoliberalismo progressista”, o que reafirmaria a necessidade do fortalecimento de novas perspectivas antissistêmicas, em contraposição ao feminismo liberal e a sua convergência com a lógica capitalista.

 

Nesse sentido, é possível dizer que um novo capítulo da história entre feminismo e marxismo foi aberto, a partir do qual estão surgindo não apenas novos ativismos, como ideias e concepções que perseguem tal objetivo de reunificação das partes e do todo, como é o caso da proposta de um “feminismo para os 99%”.

 

Partindo da descrição dos diferentes problemas sociais trazidos pelo capitalismo em sua atual configuração - como a intensificação da precarização do trabalho (pago e não remunerado), a feminização da pobreza, a “crise do cuidado”, a violência contra a mulher, o colapso ambiental, etc. - as autoras do manifesto revelam não apenas o caráter de gênero do neoliberalismo, como atestam, em contraposição ao discurso de “crise do marxismo”, a vitalidade do pensamento de Marx e de suas categorias para compreender os fenômenos que atualmente afligem a vida das mulheres, tendo em vista que estes não se dão isoladamente, mas estão diretamente vinculados a uma configuração social específica: o capitalismo, um sistema que se baseia na exploração de classe, no machismo, no racismo, na xenofobia, no conservadorismo, no desmonte dos serviços públicos, na devastação ambiental, etc.

 

Além disso, as autoras apresentam a hipótese de emergência de uma nova onda do feminismo (a quarta, segundo algumas periodizações correntes), levantando pistas que ajudam a decifrar os motivos do maior engajamento, politização e radicalização das mulheres no último período. Para elas, o movimento feminista tem sido um dos setores sociais mais dinâmicos da atual conjuntura, protagonizando ações e manifestações transnacionais, assumindo um papel relevante contra os planos neoliberais e conservadores e reinventando o internacionalismo, ao conseguir articular e engajar simultaneamente mulheres de diferentes países, como sugerem uma série de episódios recentes - a “Marcha das Vadias”, os levantes contra a violência à mulher que tomou a América Latina sob a consigna do Nem Uma a Menos, a Marcha de Mulheres à Washington nos Estados Unidos contra Donald Trump, as últimas convocatórias internacionais para o Dia Internacional de Luta das Mulheres, a luta pela legalização do aborto na Argentina, a Primavera Feminista e os protestos do #EleNão no Brasil e, especialmente, as greves feministas feitas por mulheres em diversos países do mundo desde 2017.

 

E esse maior protagonismo das mulheres estaria vinculado justamente ao fato da atual crise ter afetado profundamente as atividades ligadas a reprodução social:

 

“Na fase anterior do desenvolvimento capitalista, social-democrata (ou administrada pelo Estado), as classes trabalhadoras dos países ricos obtiveram algumas concessões do capital na forma de apoio estatal à reprodução social: pensões, seguro-desemprego, salário-família, educação pública gratuita e seguro-saúde (...) O capitalismo neoliberal, financeirizado, é algo completamente diferente. Longe de empoderar os Estados para estabilizar a reprodução social por meio de provisões públicas, ele autoriza o capital financeiro a disciplinar Estados e povos nos interesses imediatos dos investidores privados” (ARRUZZA; BHATTACHARYA; FRASER, 2019, p. 114-115).

 

Ou seja, na atual fase do capitalismo financeirizado - pautado no corte de verbas públicas e programas sociais, na intensificação da acumulação capitalista pela via da espoliação de bens, da natureza e dos direitos sociais e na retirada do apoio público às atividades vinculadas à reprodução social - houve uma deterioração generalizada das condições sociais. Com isso, a própria capacidade de manutenção da vida (atribuída às mulheres devido a divisão sexual do trabalho e ao seu papel na família e na reprodução da força de trabalho) foi comprimida e colocada em xeque (16). Na verdade, como ressaltam as autoras do manifesto, não são quaisquer mulheres atingidas nesse processo, mas sim, as “mulheres pobres e da classe trabalhadora, as mulheres racializadas e as migrantes, as mulheres queer, as trans e as mulheres com deficiência” (ibid., p. 41). A contradição entre reprodução do capital e reprodução da vida, intensificada no atual período de crise, sobrecarrega diretamente essas mulheres, fazendo com que trabalhem ainda mais, em piores condições - sendo isentas apenas aquelas que podem pagar pelos serviços de saúde, educação, cuidado com os idosos, etc. que foram mercantilizados no último período, e que na maioria das vezes envolve exatamente o emprego do trabalho precário das mulheres em condições subalternas, sobretudo, as negras e imigrantes (17).

 

Ao mesmo tempo, é justamente porque essas mulheres se deparam com dificuldades e entraves para empenhar o papel de reprodução e preservação que lhes é socialmente designado que elas se sentem mais responsáveis por lutar pela vida, liderando manifestações e processos de resistência, algo que tem acelerado a tomada de consciência sobre sua condição social de opressão, exploração e discriminação (CÁMARA, 2018). Esse crescimento de uma “consciência feminina” e da disposição de luta das mulheres, por sua vez, teria o potencial de produzir uma subjetividade anticapitalista, transformando-as num sujeito político fundamental da transformação social. E esse seria o sentido da proposta de um “feminismo para os 99%”: o de contrapor as ilusões meritocráticas e individualistas vendidas pelo feminismo liberal hegemônico no capitalismo neoliberal (como o da inclusão de mais mulheres nos cargos de liderança, com a “quebra do teto de vidro” e “oportunidades iguais de dominação”), mostrando que a libertação das mulheres só se realizará na luta de classes, por meio de um engajamento coletivo, que advogue em defesa dos direitos das pessoas exploradas, dominadas e oprimidas e que estabeleça “a primazia da produção de pessoas sobre a obtenção de lucros” (ARRUZZA; BHATTACHARYA; FRASER, 2019, p. 110).

 

Nota-se, portanto, que a concepção trazida pelas autoras do manifesto representa um ponto de junção na história do feminismo marxista. Além de estar calcado em aspectos fundacionais da tradição marxista clássica, nitidamente se informa e dá continuidade ao desenvolvimento da perspectiva da teoria da reprodução social, aportando a ela avanços que o feminismo interseccional trouxe para o debate feminista. Além disso, reintegra, em uma teoria unitária, as questões de gênero, raça e classe que foram dissociadas de uma crítica sistêmica e anticapitalista nos anos 1980 e 1990. Em termos teóricos, isso significa dizer que o “feminismo para os 99%” reestabelece a perspectiva da totalidade, reconhecendo a complementariedade do feminismo interseccional e da reprodução social, num esforço de “articular e explicar a experiência diferenciada-mas-unificada das múltiplas opressões” (FERGUSON, 2017, p. 15), de forma a reavivar um perspectiva dialética e histórica que compreende que gênero, raça e classe são partes integrais à reprodução de um todo social complexo e diverso - o capitalismo - que, na sua forma concreta, é desigual, racializado, patriarcal, etc., e que valora a vida e o trabalho das pessoas de acordo com suas diferenças.

 

Em termos políticos, essa síntese se traduz na aposta de superação da oposição entre política de classe e política identitária que tomou os conflitos de tipo “pós-socialistas”, entendendo que a luta de classes hoje é, ao mesmo tempo, “feminista, internacionalista, ambientalista e antirracista” e que o movimento feminista “deve unir forças com outros movimentos anticapitalistas mundo afora - com movimentos ambientalista, antirracista, anti-imperialista e LGBTQ+ e com sindicatos” (ARRUZZA; BHATTACHARYA; FRASER, 2019, p. 34; 93). Apela-se, portanto, para a necessidade de uma agenda expandida e que, por si só, as múltiplas formas de resistência emergentes não conseguirão dar sozinhas respostas efetivas para os problemas, sendo necessário uma reunificação, que só uma visão antissistêmica pode oferecer. Disso, deriva uma estratégia política que não recai nem em uma mera somatória de lutas, nem na defesa de hierarquização de uma única luta, entendida como prioritária. Torna-se evidente que a possibilidade de construir alianças entre as lutas antirracista, feminista, sindical, ambientalista, etc., passa por uma visão “combinada e desigual”, que respeite as diferenças, conectando-as ao mesmo tempo à lógica social que as oprime.

 

O manifesto por um “feminismo para os 99%” propõe, portanto, uma tentativa de consenso para uma série de disputas entre abordagens que fizeram com que o movimento feminista se tornasse, por muito tempo, um espaço fragmentado de posições e ideias. Não está claro se tal proposta de fato terá um efeito prático unificador, mas a postura é singular, e já tem demonstrado seu alcance e ampla adesão, haja visto a quantidade de países em que o livro está sendo traduzido e debatido.

 

Outro ponto que revela a abertura de um novo capítulo da relação entre feminismo e marxismo na atual conjuntura histórica é a tentativa de reconexão entre a luta das mulheres e dos trabalhadores, que foi perdida no período anterior e é reanimada no atual contexto de crise, sobretudo a partir da construção das greves de mulheres, que possuem grande centralidade para as adeptas do manifesto. Segundo elas, as greves realizadas no 8 de março - além de retomar as origens socialistas até então esquecidas da história do Dia Internacional da Mulher (que no capitalismo neoliberal tornou-se mais uma data comercial) - teve o efeito de demonstrar “o enorme potencial político do poder das mulheres: o poder daquelas cujo trabalho remunerado e não remunerado sustenta o mundo” (ibid., p. 33). Ao mesmo tempo, vale notar que, apesar de tal proposta ter sido agitada e ter ganhado adesão nos Estados Unidos e especialmente na Europa, ela não se realizou com tanta força no caso brasileiro (senão de forma pulverizada, em setores específicos, como de professoras da rede pública). Talvez isso se dê, em parte, pelo próprio patamar em que se encontra o movimento sindical no país, mas, sobretudo, porque o desmonte dos serviços sociais - um dos principais elementos de mobilização das mulheres, segundo as autoras - é sentido de maneira diferente nos países europeus, que tiveram um Estado de Bem-Estar Social estruturado, algo que se deu de uma maneira precária no Brasil.

 

De qualquer forma, guardadas as proporções e a despeito das dificuldades que essa proposta enfrenta em determinados contextos, as autoras do manifesto se propõe a resgatar o legado das feministas socialistas que atuavam no interior do movimento operário e revolucionário durante o marxismo clássico, na tentativa de defender um feminismo que reivindica os métodos da classe e que pensa em estratégias de luta (greves, marchas, bloqueios, etc.), num esforço consciente de, inclusive, atuar na democratização e renovação da atuação sindical e pautar o debate sobre o que é “trabalho”, quebrando a dissociação entre trabalho produtivo e reprodutivo feita pelo capitalismo. A contradição, ou o impasse, apenas é que hoje vivemos um cenário político fragmentado, em que o movimento de trabalhadores no geral se encontra desarticulado e que há uma ausência de alternativas políticas radicais consolidadas, algo que coloca grandes barreiras para a proposta de consolidação de uma saída anticapitalista com peso de massas e força revolucionária. Além disso, diferentemente das socialistas clássicas, as feministas do manifesto não apresentam uma proposta organizativa clara para se lutar contra a opressão feminina no capitalismo contemporâneo, algo que, na visão de suas precedentes, passava pela forma-partido. Talvez essa seja uma discussão produtiva a ser resgatada, já que o partido é uma ferramenta que permitiria o que as autoras do manifesto propõe: a aliança e unificação de diferentes movimentos em torno de um projeto anticapitalista comum, com programa e visão estratégica (18).

 

De qualquer forma, o interessante é que esse recente manifesto feminista - ao apresentar, de maneira condensada, uma síntese de longas discussões levadas a cabo pelas feministas marxistas com vistas a uma proposição política unificadora - disputa tanto o sentido da atual onda do feminismo (em pleno desenvolvimento), como também do marxismo contemporâneo - para que seja renovado, capaz de enfrentar os problemas de nossa época e levar às últimas consequências o próprio apontamento de Marx de que a realidade social concreta é a concentração de múltiplas determinações, é uma “unidade da diversidade”. Nesse sentido, reafirma o feminismo tanto como ponto de renovação teórica do marxismo, quanto como uma força política vital e decisiva, necessária para a construção de qualquer projeto anticapitalista, marxista e socialista, tendo em vista sua capacidade crítica e utópica de propor novas formas de relações sociais, novas epistemologias e formas de fazer política. Além disso, o fato é que, por meio de uma tensão criativa entre trabalho intelectual e político, uma nova geração de intelectuais e ativistas está revivendo a relação entre o pensamento feminista e a luta por justiça social, de forma a testar e recolocar a importância de um aspecto central da história do marxismo: a relação entre teoria e prática.

 

 

 

 

 

(*) Giovanna Henrique Marcelino é licenciada em Ciências Sociais (2014), mestra em Sociologia (2017) e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo (USP). Foi pesquisadora visitante na Duke University (2016) e King's College London (2022). Atualmente compõe o Grupo de Pesquisa em Sociologia da Educação, Cultura e Conhecimento (GPSECC). Tem experiência de pesquisa e atuação nos seguintes temas: teoria social, marxismo, feminismo e educação popular. Este artigo foi originalmente publicado na revista Outubro, n.º 33, 2º semestre de 2019.

 

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NOTAS:

 

(1) Para uma abordagem crítica das elaborações de Engels em A origem da família, da propriedade privada e do Estado, ver, por exemplo, Beauvoir (2009), Mitchell (2006), Saffioti (2013), Vogel (2013).

 

(2) A hipótese de Federici (2017a, p. 85) é a de que Marx não teorizou de maneira aprofundada a questão de gênero devido sua visão “naturalista” de que a classe trabalhadora se reproduziria por um “impulso de autopreservação” e “porque, em parte, a ‘emancipação das mulheres’ tinha uma importância periférica em seu trabalho político”. Além disso, Marx, na verdade, via com bons olhos a presença da mulher na indústria. Como relata Inessa Armand (2017, p. 242), a resolução apresentada por ele na I Internacional foi a seguinte: "sem dúvidas, as condições de trabalho feminino são terríveis, e é preciso lutar vigorosamente contras as formas abomináveis do emprego dele; mas o trabalho feminino nas fábricas e indústrias é bom por si só, porque ele liberta a mulher do jugo familiar, leva a trabalhadora do círculo estreito das atribulações familiares para a arena ampla do trabalho social, capacita o desenvolvimento da independência de seu caráter, cria as condições imprescindíveis para transformá-la em uma combatente que guia a luta comum com os trabalhadores". Ou seja, para Marx, a entrada das mulheres na indústria seria uma via necessária, pois criaria condições para sua emancipação. Mas, como bem nota Federici (2017a, p. 94), a realidade é que o trabalho industrial não libertou as mulheres; pode ter avançado na questão da independência econômica, mas o fato é que elas permanecem atadas pelas jornadas de trabalho e pelas atividades domésticas, a tutela dos homens, falta de assistência por parte do Estado, de forma que "a igualdade no âmbito do trabalho tem sido um produto da luta das mulheres e não um presente das máquinas".

 

(3) Nesse sentido, utiliza-se um conceito ampliado de trabalho, que não designa apenas a criação de valores econômicos, mas aquela “atividade prática humana” que cria todas as coisas (pessoas, relações, ideias) que constituem a totalidade social (FERGUSON, 2017, p. 24).

 

(4) Para garantir a produção e reprodução da força de trabalho, de modo que esta esteja disponível para a exploração, o capitalismo cria, inclusive, mecanismos de controle do corpo e regulamentação da capacidade reprodutiva da mulher (FERGUSON; MCNALLY, 2017, p. 40).

 

(5) Na periodização proposta por Anderson, o desenvolvimento histórico do marxismo é organizado em duas fases: a do “marxismo clássico”, composta por três gerações - 1) a dos fundadores do materialismo histórico (Marx e Engels), 2) a de Labriola, Mehring, Kautsky e Plekanov (geração vinculada à vida política dos partidos operários que deu continuação ao trabalho de Engels de sistematização e atualização dos temas elencados por Marx em sua obra) e 3) a de Lenin, Rosa Luxemburgo, Hilferding, Trotsky, Buhkarin (formada por quadros teóricos do capitalismo e estrategistas da organização partidária); e a fase do “marxismo ocidental”, formada por um conjunto de intelectuais (Lukács, Korsch, Gramsci, Benjamin, Marcuse, Horkheimer, Della Volpe, Lefebvre, Adorno, Sartre, Goldmann, Althusser, Coletti) marcados pelo signo da “derrota política”, isto é, pelo fracasso das revoluções proletárias nos países centrais da Europa depois da Primeira Guerra Mundial, que interrompeu o período clássico de trabalhos teóricos organicamente comprometidos com projetos políticos de transformação social. Como sugere Kouvelakis (2012), deve-se aportar à “cartografia” de Anderson o movimento desigual e combinado (aprofundado no momento contemporâneo) de desenvolvimento do marxismo em diversos países no final do século XX, a ponto de termos hoje uma paisagem de um “marxismo mundo”, ou de “mil marxismos”, centrados em grande parte nos ambientes universitários dos países anglo-saxões.

 

(6) Para uma história da relação entre o movimento de mulheres e o movimento de trabalhadores, cf. Arruzza (2013). Apesar da problematização em torno da classificação do movimento feminista em “ondas”, optou-se por adotá-la no sentido de facilitar a periodização histórica e salientar os momentos específicos em que o feminismo marxista passou por processos de renovação, sem, no entanto, desconsiderar que ele continuou ativo e existindo mesmo fora dos “picos” de atividades e debate político feminista que a ideia de onda denota.

 

(7) Na visão de Clara Zetkin (2012), por exemplo, essa relação era determinante para entender a própria composição, bem como as demandas do feminismo da primeira onda, como a luta sufragista, por exemplo, que tinha diferentes significados para as mulheres segundo cada estrato social. Apesar do direito ao voto ter sido uma reivindicação comum a todas as mulheres naquele momento, para as burguesas e da classe média, ele representava uma luta contra o mundo masculino de sua própria classe (por igualdade econômica, pelo direito à propriedade e reconhecimento intelectual), enquanto para as proletárias (completamente despossuídas e carentes de qualquer chance de se desenvolver intelectualmente) significava, antes de mais nada, uma luta pela própria vida, para não serem reduzidas a mera força de trabalho explorada.

 

(8) Feministas retomaram esse histórico, sobretudo, em ocasião do 8 de março de 2017, já que, nesse ano, além da comemoração do centenário do processo revolucionário russo, também foi relembrado que a escolha de definição do Dia Internacional de Luta das Mulheres foi fomentado pela organização das mulheres socialistas, concebido pela primeira vez em 1910, durante a II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, e consagrado na grande greve geral de mulheres ocorrida na Rússia no dia 23 de fevereiro de 1917 (no calendário juliano, 8 de março no calendário gregoriano), numa mobilização geral - que resultou na chamada Revolução de Fevereiro. Após a Revolução Russa, o "dia da mulher" se tornou uma data histórica e de luta indispensável no calendário do movimento feminista, ou, nas palavras de Kollontai (2017a, p. 160), "o elo da longa e sólida corrente do movimento de mulheres".

 

(9) As feministas socialistas, portanto, não abordaram a questão da libertação da mulher como um problema apenas jurídico, mas como uma questão de classe e de transformação da sociedade. Desse modo, seu movimento se difere da proposta das feministas liberais da primeira onda, que reivindicavam mais direitos, sem propor uma mudança radical e uma reconstrução das bases da sociedade, de sua moral e costumes. Para as feministas socialistas, essa era na verdade uma condição para que a libertação das mulheres fosse efetiva e plenamente alcançada.

 

(10) Como argumenta Saffioti (2011, p. 98), a “experiência soviética demonstra que, se a libertação da mulher e sua consequente integração plena na sociedade não se realizou completamente sob o regime socialista, foi neste regime que ela atingiu seu maior grau”.

 

(11) Em Calibã e a bruxa, Federici endossa como essa dimensão tem um caráter anticapitalista ao analisar como a política de controle dos corpos e da função reprodutiva das mulheres inaugurada pela "caça às bruxas" nos séculos XVI e XVII, com o intuito de torná-las "máquinas de reprodução da força de trabalho", foi uma das bases do desenvolvimento do capitalismo, além de um momento fundacional da desvalorização do trabalho das mulheres e do surgimento de uma divisão do trabalho sexual especificamente capitalista.

 

(12) Para Beauvoir (2009), trata-se de uma questão tanto relacional, quanto situacional: a mulher, primeiramente, se define em oposição ao homem - ela é o Outro da relação social e de poder entre os sexos: “A humanidade é masculina e o homem define a mulher não em si mas relativamente a ele; ela não é considerada um ser autônomo”. Além disso, entende que “todo o ser humano concreto se situa de um modo singular”, ou seja, que a posição da mulher é, em segundo lugar, uma construção social desde a infância, sendo a subordinação feminina algo que muda de acordo com a época histórica e lugar. A implicação prática da teoria de Beauvoir é a de que a dominação masculina seria completamente eliminada não apenas com a conquista de direitos civis e a reforma das leis, mas quando a mulher conseguisse se tornar um sujeito pleno e autônomo. Para isso, seria preciso transformar efetivamente todos os aspectos sociais que a situam historicamente em um lugar inferior em relação ao homem: a educação, a moralidade, a religião, o casamento, a maternidade, o trabalho, etc.

 

(13) Como expõe Arruzza (2013, p. 126), esse não foi, contudo, um processo linear: “Por um lado, o capitalismo rompeu os laços econômicos baseados no patriarcado, por outro, entretanto, conservou e utilizou as relações de poder e a ideologia patriarcais de muitas maneiras. Ele dividiu a família como uma unidade produtiva, mas a usou e transformou-a profundamente para garantir que a tarefa de reproduzir a força de trabalho fosse feita. Aqui, as relações de poder patriarcais desempenharam o seu papel: o capitalismo necessitava transferir as tarefas reprodutivas para a família - e a subordinação das mulheres garantiu o resultado - agravando o fardo sobre as mulheres e as relações opressivas entre homens e mulheres”. A persistência da ideologia patriarcal, nesse sentido, é bastante útil para o capitalismo até hoje, permitindo-o desvalorizar a força de trabalho feminina, justificando os salários mais baixos e as piores condições de trabalho. Mas o conceito de patriarcado, sozinho, não é suficiente para explicar a complexa relação entre a opressão da mulher, a experiência da família e a reprodução social.

 

(14) Como alerta Verónica Schild (2016), é importante destacar que esse processo não foi, entretanto, homogêneo no mundo. A América Latina, por exemplo, possui uma história e uma dinâmica diferente do contexto norte-americano e europeu, sobretudo se levarmos em conta que nesse mesmo período ainda vivia-se sob ditaduras militares. Nesse cenário, não houve inicialmente uma mudança de redistribuição para reconhecimento descrita por Fraser; os movimentos feministas latino-americanos emergiram e mantiveram atrelados às lutas revolucionárias e antiimperialistas, contra a repressão dos regimes autoritários, que perseguia, assassinava e torturava ativistas de esquerda. Nos anos 1980, mesmo após o fim da ditadura, o feminismo brasileiro, por exemplo, ainda tinha uma forte relação com o movimento de trabalhadores, os sindicatos, partidos e os movimentos populares empenhados no processo de redemocratização do país. Mesmo a afinidade eletiva que Fraser destaca entre neoliberalismo e feminismo se deu de uma outra maneira no contexto latinoamericano.

 

(15) Para autores marxistas, esse processo é um sintoma de um dos principais traços do capitalismo contemporâneo: a fragmentação - presente não só nos discursos pós-modernos, como também no próprio mundo contemporâneo, no sentido estrutural (com a dispersão da produção, dos trabalhadores, etc.) e subjetivo (tendo em vista a emergência de uma consciência pautada pela superficialidade, perda de historicidade, presentificação e pela temporalidade do consumo e das imagens que dificultam a preservação do sentido de totalidade e de continuidade imprescindível à consciência histórica). Para Fredric Jameson (1992, p. 231), isso tornou mais do que atual a defesa do conceito de totalidade, um horizonte fundamental, ao possuir a capacidade de “restaurar, pelo menos metodologicamente, a unidade perdida da vida social e demonstrar que elementos amplamente distantes da totalidade social são, em última instância, parte do mesmo processo histórico global”. Ou seja, configura-se como um instrumento através do qual as afinidades secretas entre âmbitos aparentemente autônomos e não relacionados são percebidos num mundo unificado, no qual realidades descontínuas se acham implicadas umas nas outras.

 

(16) Na definição de Fraser (2016), essa “crise do cuidado” é inerente ao capitalismo, revelando uma contradição intrínseca ao sistema: a reprodução social e a reprodução da força de trabalho são uma condição fundamental para a acumulação capitalista, mas são sempre desestabilizados e colocados em xeque pelo próprio capitalismo em seu processo de desenvolvimento.

 

(17) Pode-se dizer que as autoras do manifesto dão, nesse sentido, um passo além na formulações anteriores da teoria da reprodução social, ao incorporar com maior ênfase o problema da diversidade, evidenciando como a reprodução social, além de uma questão de gênero e classe, é também uma questão de raça, nacionalidade, sexualidade, etc.

 

(18) Apesar de, na atual conjuntura, o sistema político e as superestruturas partidárias estarem de maneira geral desacreditadas, a forma-partido é, na perspectiva revolucionária, a que melhor permitiria a organização das trabalhadoras para a disputa de projeto e poder, quanto seria uma “unidade da diversidade”, um guarda-chuva e mediador de diferentes experiências parciais e segmentos sociais que visam a superação do capitalismo, sendo capaz de acumular lições históricas e, portanto, dar uma visão de totalizante e estratégica que muitas vezes faltam aos imediatismo e espontaneísmo das ações de ativistas de movimentos. Como define Daniel Bensaid (2017), retomando Lenin, é precisamente “a forma partido que permite intervir sobre o campo político, agir sobre o possível, não sofrer passivamente os fluxos e refluxos da luta de classes”. A construção de um partido, orientado por uma política de emancipação, seria, portanto, uma ferramenta poderosa para a luta feminista hoje, para além da organização em movimentos. É o que poderia fazer a “consciência feminina” avançar para uma “consciência socialista”, ao dar horizonte para a luta pela emancipação das mulheres, entendendo-se que elas só serão livres a partir de um novo tipo de sociedade.

 

 

 

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