![]() |
|||||
|
Fazer a guerra ao planeta A geoengenharia e a destruição criativa da Terra pelo capitalismo
John Bellamy Foster (*)
Um pequeno rastilho está a queimar. Ao ritmo atual das emissões globais, prevê-se que o mundo atinja o milhão de milhões (“trillion”) de toneladas métricas de emissões acumuladas de carbono, quebrando o orçamento global de carbono, em menos de duas décadas (1). Isto abriria um período de perigosas alterações climáticas que poderiam muito bem revelar-se irreversíveis, afetando o clima durante séculos, se não milénios. Mesmo que toda a economia mundial deixasse de emitir dióxido de carbono no momento presente, o carbono extra já acumulado na atmosfera garante virtualmente que as alterações climáticas continuarão com efeitos nocivos para a espécie humana e para a vida em geral. No entanto, atingir os 2° C de aumento da temperatura média global, associado a um nível de concentração de carbono no ambiente de 450 ppm, conduziria a uma condição qualitativamente diferente. Nessa altura, as reações climáticas entrariam cada vez mais em jogo, ameaçando catapultar as temperaturas médias globais para 3° C ou 4° C acima dos níveis pré-industriais neste século, durante a vida de muitos indivíduos vivos hoje em dia. A situação torna-se ainda mais grave devido à emissão de outros gases com efeito de estufa, incluindo o metano e o óxido nitroso.
Os enormes perigos que as rápidas alterações climáticas representam para a humanidade como um todo, e a incapacidade da estrutura político-económica capitalista existente para os enfrentar, simbolizada pela presença de Donald Trump na Casa Branca, engendraram uma busca desesperada por remendos técnicos (“technofixes”) sob a forma de esquemas de geoengenharia, definidos como intervenções humanas maciças e deliberadas para manipular todo o clima ou o planeta como um todo.
A geoengenharia não só está agora a ser entusiasticamente impulsionada pela atual classe bilionária, representada por figuras como Bill Gates e Richard Branson; por organizações ambientais como o Environmental Defense Fund (Fundo de Defesa Ambiental) e o Conselho de Defesa dos Recursos Naturais (Natural Resources Defense Council); por grupos de reflexão como o Breakthrough Institute e o Climate Code Red; e por corporações de combustíveis fósseis como a Exxon Mobil e a Shell - está também a ser ativamente perseguida pelos governos dos Estados Unidos da América, do Reino Unido, da China e da Rússia. O Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (PIAC) da O.N.U.. incorporou estratégias de emissões negativas baseadas na geoengenharia (sob a forma de Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono, ou BECAC) em quase todos os seus modelos climáticos. Mesmo algumas figuras da esquerda política (onde ideias "aceleracionistas" se instalaram recentemente em alguns quadrantes) agarraram-se sem qualquer crítica à geoengenharia como um deus ex machina - uma forma de defender uma estratégia económica e tecnológica ecomodernista - como testemunhado por uma série de contribuições para a edição da revista Jacobin do Verão de 2017, intitulada Earth, Wind, and Fire (Terra, Vento e Fogo) (2).
Se o Sistema Terra quiser evitar 450 ppm de concentração de carbono na atmosfera e regressar à média holocénica de 350 ppm, serão necessárias algumas emissões negativas por meios tecnológicos, logo a geoengenharia, pelo menos a uma escala limitada, segundo o destacado climatólogo James Hansen (3). A estratégia de Hansen, no entanto, como a maioria das outras, permanece baseada no sistema atual, ou seja, exclui a possibilidade de uma revolução ecológica em larga escala, envolvendo a automobilização da população em torno da produção e do consumo. O que permanece certo é que qualquer tentativa de implementar a geoengenharia (mesmo sob a forma de esquemas tecnológicos de remoção de carbono) como a estratégia dominante para enfrentar o aquecimento global, subordinada aos fins da acumulação de capital, seria fatal para a humanidade. Os custos de tal ação, o fardo que representaria para as gerações futuras, e os perigos para as espécies vivas, incluindo a nossa, são tão grandes que o único caminho racional é uma longa revolução ecológica que vise a redução mais rápida possível das emissões de dióxido de carbono e de outros gases com efeito de estufa, juntamente com uma ênfase na agroecologia e na restauração dos ecossistemas globais, incluindo as florestas, para absorver o dióxido de carbono (4). Isto teria de ser acompanhado por uma reconstituição de longo alcance da sociedade em geral, visando a reinstituição a um nível mais elevado de práticas coletivas e igualitárias que foram minadas pela ascensão do capitalismo.
Geoengenharia do planeta sob o regime do capital fóssil
A geoengenharia como ideia remonta ao período das primeiras descobertas das rápidas alterações climáticas antropogénicas. A partir do início da década de 1960, o climatologista mais destacado da União Soviética (e, nessa altura, do mundo), Mikhail Budyko, foi o primeiro a emitir uma série de avisos sobre a inevitável aceleração das alterações climáticas globais no caso de sistemas industriais baseados na queima de combustíveis fósseis (5). Embora a mudança climática antropogénica tivesse sido reconhecida há muito tempo, o que era novo era a descoberta de grandes efeitos de retorno (“feedbacks”) climáticos, tais como o derretimento do gelo ártico e a perturbação do efeito albedo, uma vez que o gelo branco refletor é substituído por água do mar azul, aumentando a quantidade de radiação solar absorvida pelo planeta e fazendo subir a temperatura média global. Em 1974, Budyko ofereceu, como possível solução para as alterações climáticas, a utilização de aviões de alto voo para libertar partículas de enxofre (formando aerossóis de sulfato) para a estratosfera. Isto pretendia imitar o papel desempenhado pela ação vulcânica na propulsão do enxofre para a atmosfera, criando assim uma barreira parcial, limitando a entrada de radiação solar. O raciocínio que ele ofereceu foi que as economias capitalistas, em particular, não seriam capazes de reduzir o crescimento baseado na acumulação de capital, uso de energia e emissões, apesar do perigo para o clima (6). Consequentemente, as alternativas tecnológicas para estabilizar o clima teriam de ser exploradas. Mas só em 1977 - quando o físico italiano Cesare Marchetti propôs um esquema para capturar as emissões de dióxido de carbono das centrais elétricas e utilizar tubos para as sequestrar nas profundezas dos oceanos - é que apareceu a própria palavra "geoengenharia" (7).
A proposta pioneira de Budyko de utilizar partículas de enxofre para bloquear uma parte dos raios solares, agora conhecida como "injeção de aerossóis estratosféricos", e a noção inicial de Marchetti de capturar e sequestrar carbono no oceano, representam as duas principais abordagens gerais à geoengenharia - respetivamente, a gestão da radiação solar (GRS) e a remoção do dióxido de carbono (RDC). A GRS é concebida para limitar a radiação solar que atinge a Terra. A RDC procura capturar e remover o carbono para diminuir a quantidade que entra na atmosfera.
Além da injeção de aerossóis estratosféricos, inicialmente proposta pela Budyko, outra abordagem à GRS que ganhou aderentes influentes nos últimos anos é o abrilhantamento das nuvens marinhas. Isto envolveria o arrefecimento da Terra através da modificação das nuvens stratocumulus, de baixa altitude, que cobrem cerca de um terço do oceano, tornando-as mais refletoras. No cenário padrão, uma frota especial de 1.500 navios não tripulados, controlados por satélite, vaguearia pelo oceano pulverizando gotas submicrónicas de água do mar no ar, que se evaporariam deixando resíduos salgados. Estas partículas salinas brilhantes refletiriam a radiação solar recebida. Atuariam também como núcleos de condensação de nuvens, aumentando a área de superfície das nuvens, com o resultado de que mais radiação solar seria refletida.
Tanto a injeção de aerossóis estratosféricos como o abrilhantamento das nuvens marinhas são amplamente criticados, quer por representarem em si mesmo enormes perigos, que acrescem às próprias mudanças climáticas, quer porque, simplesmente, tratam tão só os sintomas e não as próprias causas das mudanças climáticas. A injeção de aerossol estratosférico - a ser ministrada à estratosfera através de mangueiras, canhões, balões, ou aviões - iria alterar o ciclo hidrológico global, com enormes efeitos imprevisíveis, provavelmente levando a secas maciças nas principais regiões do planeta. Receia-se que possa vir a encerrar o sistema de monções indiano, perturbando a agricultura para cerca de 2 mil milhões de pessoas (8). Há também receios de que possa afetar a fotossíntese e a produção de culturas em grande parte do globo (9). A injeção de partículas de enxofre na atmosfera poderia contribuir para o empobrecimento da camada de ozono (10). Grande parte do enxofre extra acabaria por cair para a Terra, provocando chuvas ácidas (11). Mais preocupante ainda, a injeção de aerossóis estratosféricos, teria de ser repetida ano após ano. No final, o aumento da temperatura associado à acumulação adicional de carbono viria quase todo de uma só vez, com a temperatura mundial a subir de 2-3° C numa década - um fenómeno referido como o "problema da terminação" (12).
Tal como a injeção de aerossóis estratosféricos, o abrilhantamento das nuvens marinhas afetaria drasticamente o ciclo hidrológico de forma imprevisível. Por exemplo, poderia gerar uma seca severa na Amazónia, secando o ecossistema terrestre mais vital do mundo com efeitos incalculáveis e catastróficos para a estabilidade do Sistema Terra (13). Muitos dos perigos do abrilhantamento das nuvens marinhas são semelhantes aos do esgotamento do aerossol estratosférico. Tal como outras formas de GRS, nada faria parar a acidificação oceânica causada pelo aumento dos níveis de dióxido de carbono.
A primeira forma de RDC a atrair uma atenção significativa dos interesses económicos e dos investidores foi a ideia de fertilizar o oceano com ferro, impulsionando assim o crescimento do fitoplâncton de modo a promover uma maior absorção de carbono pelo oceano. Houve uma dúzia de experiências feitas nesta área e as dificuldades que este esquema enfrenta provaram ser legião. Os efeitos sobre os ciclos ecológicos do fitoplâncton, do zooplâncton, e de uma série de outras espécies marinhas até às próprias baleias, no topo da cadeia alimentar, são indeterminados. Embora algumas partes do oceano se tornassem mais verdes devido ao ferro adicional, outras partes tornar-se-iam mais azuis, mais desprovidas de vida, porque seriam privadas dos nutrientes - nitrato, fósforo e sílica - necessários para o crescimento (14). As provas recolhidas sugerem que a mais vasta porção de carbono absorvida pelo oceano permaneceria à superfície ou nos níveis intermédios do oceano, com apenas uma pequena parte a entrar nas profundezas do oceano, onde seria naturalmente sequestrada (15).
Entre os vários esquemas de RDC, é o BECAC, devido à sua promessa de emissões negativas, que hoje atrai o maior apoio. Isto porque parece permitir que as nações ultrapassem as metas climáticas com base no facto de o carbono poder ser removido da atmosfera décadas mais tarde. Embora o BECAC exista atualmente em grande parte como um modelo informático não testado, está agora incorporado em quase todos os modelos climáticos utilizados pelo PIAC (16). Como modelado, o BECAC queimaria colheitas cultivadas para gerar eletricidade, com a captura e armazenamento subterrâneo do dióxido de carbono daí resultante. Em teoria, uma vez que as culturas vegetais podem ser vistas como neutras em carbono - retirando dióxido de carbono da atmosfera e, eventualmente, libertando-o depois novamente – o BECAC, através da queima de biomassa e, em seguida, capturando e sequestrando as emissões de carbono daí resultantes, seria um meio de gerar eletricidade, ao mesmo tempo que resultaria numa redução líquida do carbono atmosférico.
O BECAC, contudo, entra em questão no momento em que se passa do abstrato para o concreto. Os modelos de nível médio do PIAC são projetados para remover 630 gigatoneladas de dióxido de carbono da atmosfera, cerca de dois terços do total emitido entre a Revolução Industrial e 2011 (17). Isto ocorreria em vastas plantações de culturas a serem geridas pelo agronegócio. Para remover um milhão de milhões (“trillion”) de toneladas de dióxido de carbono da atmosfera, como previsto nos cenários mais ambiciosos, ocuparia uma terra com o dobro do tamanho da Índia (ou igual à Austrália), cerca de metade da terra cultivada atualmente a nível mundial, exigindo um fornecimento de água doce igual à utilização agrícola global total atual (18). Os custos de implementação do BECAC nas escalas imaginadas foram estimados pelo climatologista James Hansen - que nota criticamente que as emissões negativas se "espalharam como um cancro" nos modelos climáticos do PIAC - na ordem das centenas de milhões de milhões de dólares, com "custos mínimos estimados" que atingem 570 milhões de milhões de dólares neste século (19). Os efeitos do BECAC - utilizado como mecanismo primário e concebido para evitar o confronto com o atual sistema de produção - seriam, portanto, uma deslocação maciça de pequenos agricultores e da produção global de alimentos.
Além disso, a noção de que as formas de produção agrícola comercial em grande escala presumidas nos modelos BECAC seriam neutras em termos de carbono e, portanto, resultariam em emissões negativas com sequestro, demonstrou ser exagerada ou falsa, quando se tomam em conta os efeitos mais amplos na utilização global da terra. Espera-se que o cultivo de culturas BECAC tenha lugar em vastas monoculturas, deslocando outras formas de utilização da terra. No entanto, ecossistemas biologicamente diversos têm taxas substancialmente mais elevadas de sequestro de carbono no solo e biomassa do que a agricultura de monocultura (20). Uma alternativa ao BECAC na promoção do sequestro de carbono seria promover uma restauração ecológica planetária maciça, incluindo o reflorestamento, juntamente com a promoção da agroecologia modelada nas formas tradicionais de agricultura organizada em torno da reciclagem de nutrientes e melhores métodos de gestão do solo (21). Isto evitaria a fratura metabólica associada às monoculturas do agronegócio, que são menos eficientes, tanto em termos de produção alimentar por hectare como de sequestro de carbono.
Outra técnica frequentemente defendida, a captura e fixação de carbono (CFC), não é, estritamente falando, uma forma de geoengenharia, uma vez que se dirige à captura e fixação de emissões de carbono de determinadas centrais elétricas, tais como as centrais elétricas a carvão. Contudo, a promoção de uma infraestrutura de CFC à escala planetária como forma de abordar as alterações climáticas - contornando a necessidade de uma revolução ecológica na produção e consumo - é melhor vista como uma forma de geoengenharia planetária, devido à sua imensa escala económica e ecológica projetada. Embora a CFC permita teoricamente a queima de combustíveis fósseis de centrais elétricas sem emissões de carbono para a atmosfera, a escala e os custos das operações de CFC são proibitivos. Como escreve Clive Hamilton, em Earthmasters: The Dawn of the Age of Climate Engineering, uma única "central a carvão de 1.000 megawatts de tamanho normal... necessitaria de 30 quilómetros de maquinaria de sucção de ar e seis instalações químicas, com uma pegada de 6 quilómetros quadrados." (22). O especialista em energia Vaclav Smil calculou que, "para sequestrar apenas um quinto das atuais [2010] emissões de CO2, teríamos de criar uma indústria mundial inteiramente nova de absorção-recolha-compressão-transporte-armazenamento cujo rendimento anual teria de ser cerca de 70% maior do que o volume anual agora tratado pela indústria global do petróleo bruto, cuja imensa infraestrutura de poços, condutas, estações de compressão e armazenamento levou gerações a construir" (23). Capturar e sequestrar as atuais emissões de dióxido de carbono dos E.U.A. exigiria 130 mil milhões de toneladas de água por ano, o equivalente a cerca de metade do caudal anual do rio Columbia. Esta nova infraestrutura gigantesca seria colocada em cima da atual infraestrutura de combustíveis fósseis - tudo de modo a permitir a contínua queima de combustíveis fósseis (24).
Um Princípio de Precaução planetário para o Antropoceno
Se a emergência ecológica planetária atual é um produto de séculos de guerra ao planeta como mecanismo de acumulação de capital, os esquemas de geoengenharia gerados pelo capital fóssil podem ser vistos como projetos gigantescos para manter o sistema a funcionar, levando esta guerra ao seu nível máximo. A geoengenharia, sob o atual regime de acumulação, tem o único objetivo de manter intacto o status quo - nem perturbando as relações dominantes da produção capitalista, nem sequer procurando derrubar a indústria dos combustíveis fósseis, com a qual o capital está profundamente entrelaçado. Os lucros, a produção e a superação da pobreza energética nas partes mais destituídas do mundo tornam-se assim justificações para manter o atual sistema de capital fóssil, mantendo a todo o custo o regime ambiental capitalista existente. A mentalidade prometaica por detrás disto é bem capturada por uma pergunta que Rex Tillerson, então CEO da Exxon Mobil Corporation, fez - sem qualquer vestígio de ironia - numa reunião anual de acionistas em 2013: "De que serve salvar o planeta se a humanidade sofre?" (25).
Toda a história da crise ecológica que conduziu à atual emergência planetária, pontuada por numerosas catástrofes - desde a destruição quase total da camada de ozono, à saturação de nutrientes, à propagação de zonas mortas nos oceanos, até às próprias alterações climáticas - serve para sublinhar a cavalgada de loucura implicada em qualquer tentativa que se faça de manipular o planeta por inteiro. A complexidade do Sistema Terra garante que enormes consequências imprevistas surgiriam. Como Friedrich Engels avisou, no século XIX, "Não nos lisonjeemos demasiado por causa das nossas vitórias humanas sobre a natureza. Por cada uma dessas vitórias, a natureza vinga-se de nós. Cada vitória, é verdade, em primeiro lugar traz os resultados que esperávamos, mas em segundo e terceiro lugares tem efeitos bastante diferentes, imprevistos que com demasiada frequência anulam os primeiros" (26).
Face à incerteza, associada a uma probabilidade extremamente elevada de infligir danos incalculáveis no Sistema Terra, é essencial invocar o chamado Princípio da Precaução sempre que a questão da geoengenharia planetária for levantada. Como explicou o economista ecológico Paul Burkett, a versão forte do Princípio da Precaução, engloba necessariamente o seguinte:
(1) O Princípio da Precaução em sentido estrito, que nos diz que, se uma ação pode causar danos graves, há razões para se tomarem medidas com vista a assegurar que a ação não ocorra.
(2) O Princípio da Reversão do Ónus, segundo o qual é da responsabilidade de quem apoia uma ação demonstrar que esta não é gravemente prejudicial, aliviado assim do ónus da prova aqueles potencialmente prejudicados pela ação (por exemplo, a população em geral e outras espécies que ocupam o ambiente). Em suma, é a segurança, e não os potenciais danos, que precisa de ser demonstrada.
(3) O Princípio da Avaliação de Alternativas, estipulando que nenhuma ação potencialmente prejudicial será empreendida se existirem ações alternativas disponíveis que atinjam com segurança os mesmos objetivos que a ação proposta.
(4) Todas as deliberações da sociedade relativas à aplicação dos princípios 1 a 3 deverão ser abertas, informadas e democráticas, incluindo todas as partes afetadas (27).
É evidente que a geoengenharia promovida num contexto de um regime capitalista de acumulação máxima seria completamente excluída por um forte Princípio da Precaução baseado em cada um dos critérios acima enumerados. Há uma quase certeza de danos extremos para a espécie humana como um todo decorrentes de todas as principais propostas de geoengenharia. Se o ónus fosse colocado nos proponentes do status quo da geoengenharia capitalista para demonstrar que não seriam infligidos grandes danos ao planeta como local de habitação humana, tais propostas fracassariam no teste. Uma vez que a alternativa de não queimar combustíveis fósseis e promover formas alternativas de energia é inteiramente viável, enquanto a geoengenharia planetária traz consigo imensos perigos adicionais para o Sistema Terra como um todo, um tal technofix como meio primário de verificação do aquecimento global seria excluído por esse critério, também. Finalmente, a geoengenharia no actual sistema económico e social envolve invariavelmente alguma entidade da estrutura de poder - um único multimilionário, uma corporação, um governo, ou uma organização internacional - implementando tal acção ostensivamente em nome da humanidade como um todo, ao mesmo tempo que deixa as partes mais afectadas a nível mundial fora do processo de tomada de decisão, com centenas de milhões, talvez milhares de milhões, de pessoas a pagar os custos ambientais, muitas vezes com as suas vidas. Em suma, a geoengenharia, particularmente se subordinada ao processo de acumulação de capital, viola a versão mais sagrada do Princípio da Precaução, que remonta à antiguidade: Primeiro não causar dano.
A ecorrevolução como única alternativa
Como uma extensão da atual guerra ao planeta, um regime de geoengenharia climática concebido para manter o atual modo de produção é fortemente contrário à visão enunciada por Barry Commoner em 1992, no seu livro Making Peace with the Planet (Fazendo a Paz com o Planeta), onde ele escreveu: "Se o ambiente está poluído e a economia está doente, o vírus que causa ambas estas patologias encontra-se no sistema de produção" (28). Não pode haver dúvida de que é o atual modo de produção, particularmente o sistema de capital fóssil, que precisa de mudar à escala global. A fim de travar as alterações climáticas, a economia mundial tem de mudar rapidamente para zero emissões líquidas de dióxido de carbono. Isto está bem ao nosso alcance, com um esforço concertado da sociedade humana como um todo, utilizando meios tecnológicos sustentáveis já existentes - especialmente quando associado a mudanças necessárias na organização social para reduzir o colossal desperdício de recursos e vidas que está embutido no atual sistema alienado de produção. Tais mudanças não poderiam ser simplesmente implementadas a partir do topo pelas elites, mas antes exigiriam a mobilização autónoma da população, inspirada pelas ações revolucionárias da juventude que visam soluções igualitárias, ecológicas, coletivas e socializadas - reconhecendo que é o mundo que eles herdarão que está agora em risco.
A necessária revolução ecológica de hoje incluiria, para começar: (1) uma moratória de emergência ao crescimento económico nos países ricos, associada a uma redistribuição descendente do rendimento e da riqueza; (2) reduções radicais nas emissões de gases com efeito de estufa; (3) eliminação rápida de toda a estrutura energética dos combustíveis fósseis; (4) sua substituição por uma infraestrutura energética alternativa, baseada em alternativas sustentáveis como a energia solar e a eólica, enraizadas no controlo local; (5) cortes maciços nas despesas militares, com o excedente económico libertado a ser utilizado para a conversão ecológica; (6) promoção de economias circulares e sistemas de desperdício zero para diminuir o consumo de energia e outros recursos; (7) construção de transportes públicos eficazes, juntamente com medidas para diminuir a dependência do automóvel privado; (8) restauração de ecossistemas globais em conformidade com as comunidades locais, incluindo as indígenas; (9) transformação da destrutiva produção agrícola monocultural, intensiva em energia e químicos, em agroecologia, baseada em pequenas explorações agrícolas e no cultivo camponês, sustentáveis com a sua maior produtividade de alimentos por acre; (10) instituição de fortes controlos sobre a emissão de produtos químicos tóxicos; (11) proibição da privatização dos recursos de água doce; (12) imposição de uma gestão forte, baseada na comunidade humana, dos recursos comuns oceânicos, orientada para a sustentabilidade; (13) instituição de novas medidas dramáticas para proteger as espécies ameaçadas; (14) limites rigorosos impostos ao excessivo e destrutivo aliciamento comercial do consumidor pelas grandes corporações; (15) reorganização da produção para quebrar as atuais cadeias de mercadorias, orientadas para a acumulação voraz com base na filosofia de après moi le déluge (depois de mim, o dilúvio); e (16) desenvolvimento de formas de produção mais racionais, equitativas, menos esbanjadoras e mais coletivas (29).
A prioridade numa tal ecorrevolução teria de ser dada à mais rápida eliminação imaginável das emissões de combustíveis fósseis, mas isto, por sua vez, exigiria mudanças fundamentais na relação humana com a Terra e na relação dos seres humanos uns com os outros. Uma nova ênfase teria de ser colocada no desenvolvimento humano sustentável e na criação de um sistema orgânico de reprodução metabólica social. Séculos de exploração e expropriação, incluindo divisões com base na classe, género, raça e etnia, teriam de ser transcendidos. A lógica histórica colocada pelas condições atuais aponta, assim, para a necessidade de uma longa revolução ecológica, pondo em prática um novo sistema de desenvolvimento humano sustentável, destinado a responder à totalidade das necessidades dos seres humanos como seres simultaneamente naturais e sociais: aquilo a que agora se chama ecossocialismo.
(*) John Bellamy Foster (n. 1953) é professor de Sociologia na Universidade de Oregon (E.U.A.) e o atual diretor da revista marxista norte-americana Monthly Review. Discípulo de Paul Sweezy e continuador da escola de pensamento crítico por este fundada (com Paul Baran e Harry Magdoff), tem publicado numerosos livros sobre a crise ecológica e sua interseção com a economia política do capitalismo, bem como sobre história do pensamento, desenvolvimentos científicos, atualidade política e muitos outros temas. Merecem destaque: The Vulnerable Planet: A Short Economic History of the Environment (1994), Marx’s Ecology: Materialism and Nature (2000), Ecology Against Capitalism (2002), The Great Financial Crisis: Causes and Consequences, com Fred Magdoff (2009); The Ecological Revolution: Making Peace with the Planet (2009), The Ecological Rift: Capitalism's War on the Earth, com Brett Clark e Richard York (2010), What Every Environmentalist Needs To Know about Capitalism: A Citizen's Guide to Capitalism and the Environment, com Fred Magdoff (2011), The Endless Crisis, com R. W. McChesney (2012), The Theory of Monopoly Capitalism (2014), Trump in the White House: Tragedy and Farce (2017) e The Return of Nature: Socialism and Ecology (2020). O presente ensaio é uma versão ligeiramente revista de um artigo escrito para o número especial do Verão de 2018, sobre geoengenharia, da renascida revista Science for the People. Com esta configuração foi originalmente publicado em Monthly Review, Volume 70, N.º 4, setembro de 2018. Todos os direitos reservados. A tradução aqui publicada é de Ângelo Novo.
______________ NOTAS:
(1) Note-se que o milhão de milhões de toneladas métricas aqui se refere ao carbono cumulativo (não ao dióxido de carbono).
(2) Jacobin, vol. 26 (2017).
(3) James Hansen et al., “Young People’s Burden: Requirements of Negative CO2 Emissions”, Earth System Dynamics N.º 8 (2017): pp. 577–616.
(4) John Bellamy Foster, “The Long Ecological Revolution”, Monthly Review vol. 69, n.º 6 (November 2017): pp. 1-16.
(5) Spencer Weart, “Interview with M. I. Budyko: Oral History Transcript” March 25, 1990; The Discovery of Global Warming (Cambridge, MA: Harvard University Press, 2003): pp. 85–88; Climate and Life (New York: Academic, 1974), p. 485; M. I. Budyko e Y. A. Izrael, ed., Anthropogenic Climate Change (Tucson: University of Arizona Press, 1991), pp. 1-6; Blue Planet Prize, “The Laureates: Mikhail I. Budyko (1998)”; John Bellamy Foster, “Late Soviet Ecology and the Planetary Crisis”, Monthly Review N.º 67, n.º 2 (June 2015): pp. 7-10.
(6) M. I. Budyko, Climatic Changes (Washington, D.C.: American Geophysical Union, 1977), pp. 235–36, 239–46; Foster, “Late Soviet Ecology...”, p. 11.
(7) Oliver Morton, The Planet Remade (Princeton: Princeton University Press, 2016), pp. 137–38.
(8) Alan Robock, Luke Oman, e Georgiy L. Stenchikov, “Regional Climate Responses to Geoengineering with Tropical and Arctic SO2 Injections”, Journal of Geophysical Research 113 (2008): D16101; Alan Robock, “20 Reasons Why Geoengineering May Be a Bad Idea”, Bulletin of Atomic Scientists vol. 64, n.º 2 (2008): p. 15; Clive Hamilton, Earthmasters (New Haven: Yale University Press, 2003), p. 64.
(9) Robock, “20 Reasons Why Geoengineering May Be a Bad Idea,” p. 16.
(10) Ibid.
(11) Michael E. Mann e Tom Toles, The Madhouse Effect (New York: Columbia University Press, 2016): p. 123; Robock, “20 Reasons Why Geoengineering May Be a Bad Idea”, p. 16.
(12) Hamilton, Earthmasters, pp. 65-67; Robock, “20 Reasons Why Geoengineering May Be a Bad Idea”, p. 17; Daisy Dunne, “Six Ideas to Limit Global Warming with Solar Geoengineering”, Carbon Brief, May 9, 2018.
(13) Hamilton, Earthmasters, pp. 52-55; Carbon Brief, “Six Ideas…”.
(14) Hugh Powell, “Fertilizing the Ocean with Iron”, Oceanus, vol. 46, n.º 1 (2008); Hamilton, Earthmasters, 27-35.
(15) Powell, “Fertilizing the Ocean with Iron”; Hamilton, Earthmasters, p. 35.
(16) Abby Rabinowitz and Amanda Simson, “The Dirty Secret of the World’s Plan to Avert Climate Disaster”, Wired, December 10, 2017.
(17) Rabinowitz e Simson, “The Dirty Secret of the World’s Plan to Avert Climate Disaster”.
(18) Julia Rosen, “Vast Bioenergy Plantations Could Stave Off Climate Change - and Radically Reshape the Planet”, Science, February 15, 2018; Rabinowiz e Simson, “The Dirty Secret of the World’s Plan to Avert Climate Disaster”; ETC Group, Biofuel Watch, Heinrich Böll Stiftung, The Big Bad Fix: The Case Against Climate Geoengineering (2017), 22.
(19) Hansen et al., “Young People’s Burden”.
(20) ETC Group, Biofuel Watch, Heinrich Böll Stiftung, The Big Bad Fix, 20–22; Michael Friedman, “Why Geoengineering Is Not a Remedy for the Climate Crisis”, MR Online, May 22, 2018.
(21) Friedman, “Why Geoengineering Is Not a Remedy for the Climate Crisis”.
(22) Hamilton, Earthmasters, 47–50.
(23) Vaclav Smil, “Global Energy: The Latest Infatuations”, American Scientist vol. 99 (2011). Leia-se também Jeff Goodell, “Coal’s New Technology”, Yale Environment vol. 360, July 14, 2008.
(24) Andy Skuce, “‘We’d Have to Finish One New Facility Every Working Day for the Next 70 Years’ - Why Carbon Capture Is No Panacea”, Bulletin of the Atomic Scientists, October 4, 2016).
(25) Tillerson quoted in Michael Babad, “Exxon Mobil CEO: ‘What Good Is It to Save the Planet if Humanity Suffers?’” Globe and Mail, May 30, 2017.
(26) Karl Marx and Frederick Engels, Collected Works, vol. 25 (New York: International Publishers, 1987), pp. 460-61.
(27) Paul Burkett, “On Eco-Revolutionary Prudence: Capitalism, Communism, and the Precautionary Principle”, Socialism and Democracy vol. 30, n.º 2 (2016): 87.
(28) Barry Commoner, Making Peace with the Planet (New York: New Press, 1992), p. ix.
(29) See ETC Group, Biofuel Watch, Heinrich Böll Stiftung, The Big Bad Fix, p. 10.
|
||||
|
|||||
![]() |