O comunismo primitivo e a origem da desigualdade social

 

 

Richard B. Lee (*)

 

 

 

Como é que a desigualdade social surgiu no mundo? Alguns argumentam que ela esteve sempre presente, que ela representa um estado de coisas natural e inevitável. Portanto, a desigualdade como fenómeno social não requereria explicação. Outros, de Rousseau até ao presente, acreditam que as causas da desigualdade social clamam por uma explicação. Um caminho para abordar este aparente paradoxo é explorar o conceito de comunismo primitivo, ou modo de produção comunal – a noção de que houve um período da história da humanidade, antes da ascensão do Estado, durante o qual a propriedade privada era desconhecida e as desigualdades de riqueza e poder eram mínimas. Muitos antropólogos aceitariam, sem dúvida, a validade genérica desta noção, a julgar pela sua prevalência nos manuais escolares introdutórios. No entanto, poucos estariam preparados para explorar as implicações desta aceitação, e muitos menos ainda estariam dispostos a subscrever a rubrica de comunismo primitivo.

 

O comunismo primitivo é um simples conceito, mas as próprias palavras evocam inquietação e embaraço, contendo dois dos mais carregados termos na ideologia do Ocidente. No entanto, esse facto não explica porque é que o conceito é um embaraço para tantos que professam o marxismo. Defenderei aqui que, sem o conceito de um modo comunal de produção, qualquer tentativa para dar conta do desenvolvimento da complexidade social nas sociedades sedentárias pré-históricas está condenada à mistificação e ao fracasso. O próprio título do seminário em que este livro se baseia - "O Desenvolvimento dos Sistemas Políticos nas Sociedades Sedentárias Pré-históricas” (1) - foi concebido para contornar a questão da desigualdade social. Na verdade, até mesmo a questão da complexidade social não é diretamente abordada. Existe alguma possibilidade teórica de uma sociedade complexa sem desigualdade (2)? Sem dúvida que sim, mas, na prática, os próprios critérios que empregamos arqueologicamente para determinar a complexidade social (enterros diferenciais, presença de artigos importados e/ou de luxo, tipos de casas, hierarquias de povoamento) são na verdade indícios de desigualdade social.

 

Este ensaio está dividido em quatro partes. Primeiro, tentei formular uma história da mudança social que possa ser aplicada com igual facilidade a sociedades estatais e não-estatais, a sociedades comunais e hierárquicas. De seguida, exploro o conceito de comunismo primitivo para determinar o que ele significa e o que não significa. Em terceiro lugar, desenvolvo uma tese sobre a origem da desigualdade (e da complexidade) social a partir de uma base comunal, e, por fim, procuro compreender a dinâmica subjacente ao comunalismo.

 

Uma nota metodológica

 

Como para a maioria dos marxistas, para mim, os conceitos de modo e de relações de produção são centrais, mas ao contrário de muitos marxistas, estou há muito tempo agudamente consciente da ausência, no pensamento marxista, de uma teoria da dinâmica histórica nas sociedades anteriores ao aparecimento das classes sociais (3). Marx e Engels escreveram antes do aparecimento da Antropologia como disciplina científica e as suas obras oferecem poucas diretrizes para a análise das sociedades mais simples, uma lacuna epitomizada pelas fatídicas linhas de abertura do Manifesto do Partido Comunista: "A história de todas as sociedades até agora existentes é a história da luta de classes". Embora Engels tenha ainda corrigido esta formulação (4), coube a estudiosos posteriores - Luxemburgo, Kautsky, Leacock, Diamond, Godelier e especialmente Cabral - corrigir e amplificar a relevância da teroria marxista para todas as sociedades e não apenas para as sociedades divididas em classes.

 

O objetivo partilhado por todas as teorias materialistas da mudança social é dar conta da mudança direcional, sem recorrer a explicações vitalistas, essencialistas, racialistas, metafísicas ou outras de caráter teleológico. O ponto de partida básico de qualquer análise marxista do concreto é o conceito de modo de produção, "uma combinação articulada de relações e forças de produção, estruturada pela dominação das relações de produção" (Hindess e Hirst 1975: 190-11). Central no modo de produção tem sido a divisão analítica da totalidade da vida social entre a base, ou infraestrutura económica, e tudo o mais (variadamente definido) como superestrutura. O que o conceito de modo de produção faz, de forma simples e brilhante, é ligar a relação de propriedade (ou a "conexão de propriedade", como diria Marx), um aspeto da superestrutura, à base económica ou núcleo central da cultura. Para colocar as coisas de outra forma, põe a política na base económica e define um modo de articulação entre a base e a superestrutura.

 

A política, a ideologia, as crenças religiosas e a cultura, têm sido variavelmente atribuídas pelos marxistas à infraestrutura ou à superestrutura, com muito debate aceso a ser dedicado à sua localização. Muito deste debate, ainda subsistente, é tornado supérfluo quando nos viramos para o conceito de reprodução social. A reprodução social resolve o debate base-superestrutura mostrando que a ideologia funciona igualmente como base e como superestrutura, por meio de relações de produção e de reprodução. Em Lenine e a Filosofia, Althusser chamou a atenção para o comentário feito por Marx, em 1868, de que "qualquer criança sabe que uma formação social que não reproduzisse as condições de produção ao mesmo tempo que produz, não duraria um ano" (1971: 247). Pelo menos três formas analiticamente distintas de comportamento devem ser consideradas sob a rubrica de reprodução social: a) a reprodução da força de trabalho, b) a reprodução da vida, e (c) a reprodução das condições de produção (5).

 

Num modo de produção capitalista, a reprodução da força de trabalho ocorre numa base diária e numa base geracional. A reprodução diária da força de trabalho envolve a provisão de alimentos, roupa, descanso, um suporte emocional para os trabalhadores, ou seja, a tarefa de restaurar a sua capacidade de trabalho esgotada, enquanto que a reprodução geracional da força de trabalho envolve a criação e o cuidado das crianças, o trabalho envolvido na produção da próxima geração de trabalhadores.

 

A reprodução biológica (a reprodução da vida) é o aspeto em que geralmente pensamos quando se faz uso do termo reprodução. Está intimamente relacionada com reprodução geracional da força de trabalho. Engels realçou o carácter dúplice desta estrutura teórica, sua e de Marx. A reprodução biológica, "a produção de seres humanos", foi considerada como sendo de igual importância que a produção dos meios de subsistência, como fatores determinantes cruciais na história (ver, por exemplo, Engels (1972 [1884]: 71-72).

 

A reprodução das condições de produção no seu sentido estrito, pode referir-se à reprodução dos instrumentos de trabalho: ferramentas, fábricas, estradas, bancos e outras precondições para a continuação da produção. Mas rapidamente se torna claro que o conceito deve necessariamente expandir-se, para incluir um campo muito mais vasto: escolas, igrejas, hospitais e governos. Na verdade, toda a infraestrutura económica e a superstrutura política e ideológica da sociedade podem ser consideradas como condições necessárias para a continuação da produção. Assim, este terceiro elemento no conceito da reprodução social, expande-o de forma a cobrir um campo realmente muito vasto da vida social.

 

A reprodução social é ou poderia ser o conceito central na teoria social. Todos os processos sociais podem ser vistos como formas de reprodução social. Esta definição de reprodução social faz com que seja praticamente contérmino com o conceito da cultura. Eu diria que a reprodução social oferece mais alavanca analítica do que o conceito de cultura. Cultura tem uma qualidade estática, como um mapa ou um diagrama. A reprodução social é dinâmica: formas de vida social e de significado reproduzindo-se constantemente a si próprias através dos actos das pessoas. Além disso, a mudança social em larga escala, como veremos, sempre se manifesta inicialmente como uma crise na reprodução social.

 

Agora temos de considerar a seguinte questão: Se as formações sociais estão estritamente empenhadas em reproduzir-se a si próprias, como é, então, que ocorre a mudança? A resposta é (e este é um ponto crucial): não ocorre, ou, pelo menos, não sempre. Se as condições ambientais e demográficas forem estáveis, é possível, e, de facto, provável, que uma formação social se reproduza com relativamente pouca mudança direcional durante longos períodos. A disposição de alguns acampamentos !Kung San dos anos 1960 parece indistinguível da dos locais de habitação da Idade da Pedra tardia, de há quinhentos anos atrás. Assentamentos agrícolas do século XX, em partes do sudoeste asiático, parecem notavelmente semelhantes aos seus homólogos do segundo milénio a.c. (6).

 

Tais condições, provavelmente, ocorreram durante a maioria do tempo, em algumas partes do mundo. A vida corria normalmente, as formações sociais eram reproduzidas e a vida dos filhos era muito semelhante à vida dos seus pais. Mas a estabilidade de condições nem sempre prevalece. As populações crescem, os ambientes degradam-se, os povos invadem os seus vizinhos, as tecnologias evoluem: todos estes processos criam pressões para a mudança direcional. E em certos pontos na história, as pressões acumuladas para a mudança tornaram-se tão intensas que formas sociais/tecnológicas radicalmente diferentes podem emergir. A origem do Estado foi um destes pontos; a precedente revolução agrícola foi um outro. A nossa tarefa é especificar as condições para a estabilidade ou para a mudança, e, neste último caso, compreender os seus diferentes tipos e magnitudes.

 

Reprodução, mudança e evolução

 

A totalidade dos processos sociais pode ser considerada proveitosamente sob três títulos: reprodução social, mudança social e evolução social. Estes termos são vulgares no discurso antropológico; a minha tarefa aqui é atribuir a cada um deles um significado muito mais restrito.

 

A reprodução social, como vimos, é a reprodução da vida social e das instituições numa base diária, anual e geracional. Inclui componentes biológicas, sociais e ideológicas. A mudança social envolve a expansão da vida dentro de um modo de produção. A mudança direcional, envolvendo a exploração das possibilidades de um determinado modo de produção, assume muitas formas, incluindo a expansão da produção, o aumento da escala da sociedade, a radiação geográfica de um povo ou de um modo de vida, com a sua adaptação a novos ambientes locais, e, é claro, o desenvolvimento da complexidade social. A mudança pode ser expressa numa maior diversidade de modos de vida, de costumes, de ideias religiosas, baseados num único modo de produção; e pode incluir a involução, um movimento para aumentar as complexidades da produção, nas formas sociais (por exemplo, o parentesco), e/ou no conteúdo ideológico.

 

As causas iniciais da mudança social são igualmente numerosas: o crescimento da população está entre as mais importantes; a variação ambiental, a deriva e o isolamento desempenham também os seus papéis. Estas amplas forças, no entanto, pouco nos dizem sobre que tipo de mudança irá ocorrer. A resposta ao crescimento da população pode incluir resultados tão variados como um acréscimo de guerras, o infanticídio, a emigração ou a expansão da produção. Quase tudo o que se pode dizer neste ponto é que estas forças amplas atuam como um motor para algum tipo de mudança. Praticamente o único resultado que está excluído é a manutenção da reprodução social sem qualquer mudança direcional (ou seja, a manutenção do status quo).

 

O problema abordado neste volume (1) torna-nos particularmente interessados no desenvolvimento de dinâmicas estruturais, motores de mudança internamente gerados, tais como o conflito intergrupal, a desigualdade e estratificação social, bem como o antagonismo sexual. O método dialéctico permite-nos procurar e descobrir o local da contradição numa dada formação social; permite-nos prever a evolução estrutural de uma formação social por uma especificação da estrutura das contradições.

 

A intervalos infrequentes na história humana, a combinação de forças internas e externas torna-se demasiado intensa para ser contida no interior de um determinado modo de produção. Segue-se, na opinião de Marx, um período de mudança social relativamente célere, em que toda a estrutura da sociedade é revolvida. Esta terceira forma de mudança é a evolução social, a transformação de um modo de produção num outro. A transição do feudalismo ao capitalismo é, certamente, o exemplo mais intensamente estudado de evolução social. Mas um colégio mais reduzido de antropólogos e arqueólogos fez sua particular província de investigação as primeiras, mas não menos importantes, transformações: a revolução neolítica e a origem do Estado (7).

 

Num aspecto importante, as teorias contemporâneas da evolução social nas sociedades pré-capitalistas são curiosamente deficientes: na especificação da dialéctica da mudança entre o antigo e o novo. A emergência de um novo modo de produção não é, simplesmente, uma questão de novas aquisições técnicas ou até mesmo de formas de organização radicalmente novas, embora ambas estejam envolvidas. Envolve também o desmantelamento sistemático e a destruição, peça por peça, das antigas formas sociais. Isto não acontece de um dia para o outro e, durante certos períodos de tempo, novos e antigos modos de produção coexistem num impasse inquietante. Por vezes, as formas sociais mais antigas podem persistir durante séculos, ao lado e encapsuladas por novas, já dominantes.

 

Apesar de as novas relações de produção adquirirem predominância, elas não conseguem eliminar completamente as velhas da formação social. Este entrelaçamento de velho e novo é particularmente aparente quando nos referimos ao modo comunal de produção, o mais antigo e menos compreendido dos cinco modos de produção (Comunal, Asiático, Antigo, Feudal, Capitalista) como definidos por Marx. Na realidade, poderia ser sustentado que a contradição entre as formas comunais e a hierarquia emergente tem fornecido grande parte da energia para a dinâmica social durante longos períodos da história humana (desde 10.000 a.C.) antes do desenvolvimento das classes sociais.

 

É o fenómeno da persistência do comunalismo, e a longa luta entre ele e os modos hierárquicos, em sociedades sedentárias pré-históricas (e históricas), que fornece o tema para o presente capítulo e oferece a perspetiva que, muitas vezes, está ausente na crescente literatura sobre evolução social, que toma pontos de partida ecológicos, demográficos ou socio-organizacionais.

 

O comunismo primitivo em consideração

 

“O comunismo primitivo: Isto refere-se ao direito colectivo aos recursos básicos, à ausência de estatuto hereditário ou de governo autoritário e às relações igualitárias que antecederam a exploração e a estratificação económica na história humana” Eleanor Leacock (1983: 394).

 

Apesar da carga emocional deste termo, não existe um grande mistério sobre o fenómeno do comunismo primitivo e do modo comunal por ele descrito. Antes da ascensão do Estado e do enraizamento da desigualdade social, as pessoas viveram durante milénios em grupos sociais de pequena escala baseados no parentesco, nos quais as instituições centrais da vida económica incluíam a detenção coletiva ou comum da terra e dos recursos, a generalizada reciprocidade na distribuição da comida e relações políticas relativamente igualitárias. Este padrão básico, com variações, foi observado em literalmente centenas de sociedades não-estatais, como é descrito, por exemplo, no Atlas Etnográfico de Murdock (1967). Estas sociedades, incluindo bandos, tribos e algumas chefaturas, têm sido conhecidas por uma variedade de nomes: selvageria, não-estatais, pré-estatais, não-literatas, baseadas no parentesco, primitivas, na verdade, quase tudo menos comunistas. Mas os princípios básicos subjacentes a estas formações sociais são os mesmos. Alguma coisa está aqui a precisar de explicação.

 

As sociedades pré-estatais não tinham uma autoridade política superior. O poder político de qualquer tipo era fraco. As decisões eram tomadas de uma forma difusa, em geral democraticamente, por consenso, pelos anciãos, por grupos familiares e por uma variedade de outros meios. Não havia propriedade privada do solo; a terra era detida em comum ou coletivamente (por exemplo, por todos ou por grupos de parentesco); raramente era possuída por indivíduos. A produção era para o uso e não para a troca. Não existiam mercados, nem moeda. Onde existia troca, baseava-se na reciprocidade e na partilha. A lei da hospitalidade era forte; mais do que isso, era inviolável. Havia fortes sanções contra a acumulação de riqueza. Existiam líderes, mas, onde os havia, eram redistribuidores, não acumuladores. As principais bases que existiam para distinções de estatuto eram a idade, o género e a localidade. Toda a população mantinha acesso aos meios de produção e de reprodução. Como disse Marx, "era uma comunidade de donos que também trabalhavam". Não havia divisão em classes económicas.

 

Para não estar aqui a pintar um quadro demasiado cor-de-rosa, apresso-me a acrescentar que algumas sociedades pré-estatais possuíam já os germes da desigualdade e tinham, de facto, chefes, linhagens de diversa distinção, diferenças de riqueza e mesmo escravatura. Os índios da costa Noroeste da América do Norte são um exemplo. Muitas outras sociedades da América do Norte, de África e da Polinésia seguiam este mesmo padrão. Contudo, há centenas de outras sociedades, incluindo o grosso das sociedades de caçadores-recoletores, em que estas inistituições estavam ausentes ou se apresentavam apenas em pequeno grau. E mesmo as sociedades com chefias e distinções não tinham, de modo algum, abandonado todas as instituições de comunalismo. Muitas continuaram a possuir a terra em comum e a praticar relações económicas de reciprocidade. Por conseguinte, designarei tais sociedades como semicomunais.

 

Outra falsa conceção sobre o comunismo primitivo é a de que as sociedades pré-estatais eram pacíficas. Como o demonstram os Iroqueses, os Tiv, os Nuer e outras sociedades, a organização comunal não é, de modo algum, incompatível com a guerra. No entanto, até o "feroz" Yanomamo detinha a terra e os recursos em comum.

 

Em vez de aceitar a proposição de que este notável agrupamento de traços é fortuito, o materialismo histórico argumenta que existe um núcleo de cultura na sociedade primitiva que está intimamente ligado ao modo de produção. Tem uma vida muito mais longa, tem uma profundidade de tempo muito mais ampla, do que a nossa própria cultura capitalista ocidental. O materialismo histórico defende ainda que este núcleo de cultura é comunal: o direito coletivo a recursos básicos e a cultura política igualitária. Por qualquer definição de dicionário que tomemos para comunismo, os nossos antepassados eram comunistas.

 

Morgan e as provas

 

Não foi Marx, nem Engels, nem Fourier, nem Saint-Simon, quem pode ser considerado o principal arquiteto do comunismo primitivo. Essa honra pertence a um etnólogo de Rochester e orgulhoso membro da burguesia, Lewis Henry Morgan. No seu livro Houses and House-Life of the American Aborigines (Casas e Vida Doméstica dos Aborígenes Americanos), Morgan dedicou mais de uma centena de páginas à conceptualização e documentação do comunismo primitivo, chamando-lhe "comunismo na vida" (1965 [1881]).

 

Morgan introduziu o conceito quase à socapa, como uma extensão da lei da hospitalidade. Observando a presença universal, na América aborígene, do costume obrigatório de oferecer hospitalidade aos visitantes, Morgan procurou elucidar o seu núcleo central.

 

“A lei da hospitalidade como administrada pelos aborígenes americanos tendia para a equalização final da subsistência. A fome e a destituição não podiam existir numa ponta de uma aldeia índia, ou numa secção de um acampamento, enquanto a abundância prevalecia noutros locais da mesma aldeia ou acampamento” (ibid., p. 61).

 

Como surgiu o sistema de comunismo na vida? Numa forma de argumento impressionantemente moderna, Morgan fez derivar esta instituição dos constrangimentos ecológicos e sociais do modo de vida da selvageria e da barbárie, ou seja, aquilo a que os marxistas chamariam o baixo nível de desenvolvimento das forças produtivas.

 

“O comunismo na vida tinha a sua origem nas necessidades da família, a qual, antes do período posterior da barbárie, era demasiado fraca em organização para enfrentar a luta da vida... Onde quer que a organização gentílica tenha prevalecido, várias famílias, relacionadas por parentesco, uniram-se como regra numa casa comum e fizeram um armazenamento comum das provisões adquiridas na pesca, na caça e no cultivo do milho e outras plantas. Numa grande extensão, o comunismo na vida era um resultado necessário das condições das tribos índias. Ele entrou nos seus planos de vida e determinou as características das suas casas. Na verdade, era a união de esforços para obter subsistências que era a preocupação vital determinante. O desejo de acumulação individual não tinha sido engendrado nas suas mentes em qualquer extensão sensível” (ibid., p. 63).

 

As noções da lei da hospitalidade e de comunismo na vida foram apoiadas por um conjunto esmagador de dados etno-históricos. Morgan remontou até aos diários de viagem de Colombo do século XV para documentar a sua tese durante os primeiros períodos de contato dos europeus. Entre as suas outras fontes estiveram os diários de De Soto, Sir Walter Raleigh, Cortez, Pizarro, Capitão John Smith, Marquette e Joliet, Lewis e Clark, entre muitos outros.

 

A maioria dos antropólogos no início do século XX, sem aceitar necessariamente o seu uso dos termos, adotou as teses de Morgan sobre o comunismo na vida, acrescentando-lhes a reserva de que, enquanto a terra e os seus recursos eram detidos comunitariamente, os bens móveis (ferramentas, armas, utensílios de cozinha, alimentos adquiridos, ocasionalmente árvores, etc.) podiam ser possuídos individualmente. Alguns exemplos, colhidos mais ou menos aleatoriamente da estante das etnografias clássicas, serão aqui suficientes (8).

 

“se uma cabana de famintos [iroqueses] encontra uma outra cujas provisões não estejam inteiramente exaustas, os habitantes desta última partilham com os recém-chegados o pouco que lhes resta, sem esperar que isso lhes seja pedido, apesar de se exporem, com isso, ao mesmo perigo de perecerem que correm aqueles que eles agora ajudam, à sua própria custa, tão humanamente e com tamanha grandeza de alma” (Lafitau 1974 [1724]: 61).

 

“A vida económica do grupo local [ihéus andaman], embora na verdade se aproxime de uma espécie de comunismo, baseia-se ainda assim na noção de propriedade privada. A terra é a única coisa que é possuída em comum [! R.B.L.]. Um homem de um dos grupos locais da costa pode distinguir, na selva, uma árvore apropriada para uma canoa. Ele vai declarar aos outros que reparou numa tal árvore, descrevendo-a e à sua localização. A partir daí, essa árvore é considerada como sua propriedade, e mesmo que se tenham passado alguns anos e ele não tenha feito uso dela, um outro homem não a cortaria sem primeiro pedir ao dono que lhe cedesse essa árvore” (Radcliffe-Brown 1922: 41).

 

“No abstrato, existem práticas desejáveis no modo de vida do índio [norte-americano]. Ele não era realmente um comunista, mas era liberal com a comida. Enquanto tivesse comida, era esperado que a partilhasse. Que ele nem sempre o fazia, sabemo-lo por meio de lendas, mas como nestas histórias aquele que esconde a comida acaba sempre por se lamentar disso, não pode haver quaisquer dúvidas de que partilhá-la era aquilo que devia ser feito” (Wissler 1966 [1940]: 281).

 

“Uma importante diferença entre os Índios da Planície e os Taitianos diz respeito à propriedade material. Enquanto em Taiti um monarca podia apropriar-se das posses de um homem menor, nas Planícies um qualquer acto comparável seria impensável. Pelo contrário, um grande homem poderia melhor manter o seu prestígio por meio de uma copiosa generosidade para com os pobres. Tais liberalidades, juntamente com um registo de guerra impecável, eram a base para uma alta postura. Os Oglala tinham uma sociedade de chefes gozando de superior prestígio, mas quando um neófito era admitido, era instado a cuidar dos pobres, especialmente das viúvas e dos órfãos” (Lowie 1963 [1954]: 124).

 

“Entre os navajos, algumas coisas são «propriedade comunal», na qual nenhum indivíduo ou família tinha direitos garantidos ou exclusivos. Reservas de água, áreas de madeira e manchas de arbusto de sal (que servem o gado, em lugar do sal mineral) pertencem a todo O Povo, e algumas convenções são observadas no que diz respeito a este tipo de propriedade. Não é uma boa forma de cortar madeira fazê-lo a menos de uma milha da residência de outrém. Deve usar-se não mais do que o furo de água habitual, exceto quando essa fonte falha ou se vai de viagem. Tentativas de alguns navajos de imitar as práticas do branco no que respeita aos direiros à água ou à madeira estão entre as inovações mais amargamente resistidas” (Kluckhohn and Leighton 1962: 105-106).

 

“Em geral, pode dizer-se que ninguém, numa aldeia Nuer, passa fome, a não ser que todos estejam a passar fome” (Evans-Pritchard 1951: 132).

 

Alguns autores contemporâneos fazem um amplo uso do conceito de comunismo primitivo, mostrando, ao mesmo tempo, uma certa relutância em utilizar o termo. Sahlins, na sua obra Sociology of Primitive Exchange (Sociologia da Troca Primitiva) (1972 [1965]: 185-275), tentou reunir as provas para aquilo que denominei de comunismo primitivo sob a rubrica de "reciprocidade generalizada". Este último conceito, a dádiva de algo sem a imediata expetativa de retorno, expressa um aspeto do comunismo primitivo em idioma ”ciêncio-socialês” e, deste modo, de uma forma menos ameaçadora para a ideologia hegemónica. O significado básico de ambos os termos é, creio eu, o mesmo. Outras reafirmações contemporâneas da posição de Morgan podem ser encontradas em Diamond (1974), Fried (1967), Leacock (1981) e Woodburn (1981). (Leacock e Diamond, em particular, têm explorado, no seu próprio trabalho, muitos dos terrenos ideológicos aqui examinados, enquanto que Woodburn tem dado atenção detalhada aos dados substantivos. Ver também Testart [1985]).

 

Sobre as origens da desigualdade social

 

Procedendo a partir da assunção de uma linha de base de comunismo primitivo na história humana, tentarei agora "reproblematizar" esta questão central: o desenvolvimento de um sistema político nas sociedades pré-históricas da faixa intermédia (i.e., para lá dos bandos mas antes dos Estados).

 

Fundamental para a evolução histórica destas sociedades é um aumento na escala dos sistemas sociais. Este aumento levanta duas questões: a) porque é que um aumento na escala conduz a um aumento na complexidade das ordens sociais, e (b), porque é que um aumento na complexidade leva, primeiro, a uma distorsão, depois ao rompimento e, por fim, à destruição das normas de reciprocidade sobre as quais estava fundado o comunismo primitivo? É importante reformular estas questões para que o desenvolvimento das desigualdades sociais não seja reduzido a um crescimento "natural", a uma realização das possibilidades humanas.

 

Num certo ponto da história de algumas sociedades comunais primitivas, o tecido da reprodução social fica ameaçado por crescentes contradições. A rotura na reprodução social é então acompanhada por uma mudança direcional no sentido de um novo modo de produção. As desigualdades sexual e social têm os seus inícios, como consequências fatídicas de mudanças na escala social e nos níveis e formas de produção. Gradualmente, no curso da evolução social, a desigualdade social e o seu concomitante, a exploração económica, mudam-se para o palco central e tornam-se o núcleo institucional e uma das forças motrizes da mudança histórica em sociedades baseadas em classes.

 

Ao tentarmos dar conta deste fenómeno, devemos primeiro reconhecer e lidar com ainda uma outra falsa conceção sobre a natureza da igualdade. Estudiosos que querem demonstrar a universalidade da desigualdade social utilizam o seguinte dispositivo. Tomam uma definição de igualdade impossivelmente elevada e abstrata e depois sentam-se relaxadamente para demonstrar que a “verdadeira” igualdade social não se encontra em lado algum (9). Mas o facto é que a igualdade perfeita não existe em lado nenhum. É um facto da vida que os seres humanos diferem nas suas capacidades: alguns são brilhantes, outros são estúpidos; uns são fortes, outros são fracos; alguns são carismáticos e outros são nulidades. O que é significativo é que algumas sociedades tomam estas diferenças e minimizam-nas, ao ponto as fazerem desaparecer, enquanto outras sociedades tomam o mesmo material básico e amplificam as diferenças. Ainda outras sociedades (e isto inclui a grande maioria das sociedades de classe) descrevem as diferenças entre as pessoas como sendo enormes, mesmo não tendo referências para avaliação das diferenças reais no terreno.

 

Deste modo, as classes superiores na Grã-Bretanha foram descritas como sendo altas, atraentes, inteligentes, poderosas, espirituosas; as classes baixas foram descritas como brutais, estúpidas e grosseiras. Nenhuma tentativa foi feita para alinhar estes julgamentos com as capacidades reais das pessoas em questão. Por outras palavras, ao lidar com a questão da igualdade, estamos inevitavelmente envolvidos por uma enorme camada de sobreposição cultural/ideológica. Alguns estudiosos argumentaram que mesmo os !Kung San não são igualitários, porque, embora não tenham chefes consagrados, sempre têm líderes naturais. A minha resposta a semelhantes asserções é que, se tomarmos como padrão uma definição de igualdade perfeita, esta nunca será encontrada. Alguns homens !Kung são melhores caçadores do que outros, por exemplo, mas a questão é: eles fazem uso disso para ganharem riqueza, esposas ou poder? Como tenho demonstrado, numa grande variedade de contextos diferentes, eles não o fazem.

 

Nos termos mais amplos, a tendência ao crescimento populacional deve ser considerada como um ponto de partida na análise da mudança social direcional (10). Os números de humanos tendem a crescer, mesmo que devagar, e o crescimento da humanidade tem sido um impulso constante ao logo dos milénios. Um tal crescimento tem tido um efeito de perturbação nos equilíbrios entre as pessoas e os recursos. A pressão populacional não era geralmente um problema para os humanos caçadores-recoletores; um baixo índice de fertilidade, o infanticídio e a migração impediam que os números atingissem níveis críticos numa dada área (Cohen 1977; Spooner 1972).

 

Durante o Paleolítico Superior e o Mesolítico esta situação alterou-se: aldeias sedentárias fundadas numa base de subsistência em recursos marinhos apareceram no Velho Mundo e no Novo, entre 15.000 e 10.000 anos atrás. Aqui vemos, pela primeira vez, a aparição de condições desestabilizadoras que se tornaram quase pan-humanas no presente século (Cohen 1977; Binford 1968; Smith 1976).

 

No entanto, entre o crescimento da população e o crescimento da desigualdade social, intervém uma série de passos intermédios. Quatro factores gerais são variáveis mediadoras cruciais: (a) um aumento na densidade populacional, o que leva a (b) uma diminuição relativa na disponibilidade de recursos per capita, e, portanto, uma menor facilidade de subsistência, o que leva a (c) um aumento da escala societal e nos níveis de produção para satisfazer o aumento de necessidades, o que, por sua vez, leva a (d) um aumento das tensões sociais internas/externas (11). Estas mudanças direcionais tendem a operar em escalas de tempo relativamente longas, a um ritmo que é impercetível para um qualquer observador, durante a sua vida. Como resultado, pode ser difícil documentar este tipo de mudança com materiais de estudo de caso etnográfico. E, nos últimos tempos, este tipo de lentas mudança evolutivas internas, tem sido, quase em todo o lado, antecipado e obscurecido pelas forças massivas do imperialismo ocidental (12). Deste modo, o modelo aqui apresentado delineia trajectórias hipotéticas para mudanças em grande escala que nós sabemos terem ocorrido.

 

Comecemos por visualizar uma população de 500 forrageadores ou horticultores simples, organizados de forma comunal e divididos em dez aldeias de 50 pessoas. Se as populações aumentarem e a área ocupada permanecer a mesma, então mais pessoas terão de se contentar com menos terras per capita. Este processo impica dois resultados: (a) mais "estranhos" estarão em contato íntimo, e (b) as pessoas terão de intensificar a produção (i. e., aumentar o trabalho para fazer face às necessidades). A escala da sociedade aumenta quando mais pessoas vivem dentro da mesma jurisdição cultural/linguística. E se estas mudanças estiverem a ocorrer numa base regional, então as periferias das aldeias acabam, eventualmente, por colidir umas com as outras.

 

As sociedades forrageadoras organizadas em bandos podem funcionar muito bem em grupos de 25-50, com os membros economicamente ativos a trabalhar duas a quatro horas por dia. Os horticultores simples podem ser vistos operando em linhas semelhantes. Duplicando a população para 100 começam a introduzir-se problemas logísticos. Quem vai caçar e recolher onde? Onde estão localizados os novos campos e quem os vai limpar? E mesmo que estas questões possam ser resolvidas, a natureza do processo produtivo exige que os adultos economicamente ativos tenham de trabalhar mais duro para manter os mesmos níveis dietéticos, seja viajando mais longe, no caso dos caçadores, ou por trabalho acrescido de limpeza dos campos, para os horticultores. Se a população duplica novamente, para 200 pessoas, o grupo pode estar a aproximar-se rapidamente dos limites dos seus recursos sob uma dada tecnologia. A isto juntam-se os problemas enfrentados pelos forrageadores ou horticultores de uma área que, ao expandirem por quatro vezes os seus limites de ação, poderão entrar em contato com vizinhos igualmente em expansão.

 

Estes processos põem problemas exigentes (embora não, de todo, impossíveis de resolver) às instituições da sociedade comunal. As injunções da partilha dos alimentos e da partilha do trabalho para os produzir transportarão ainda este grupo durante algum tempo. A partilha equilibra as disparidades no fornecimento de alimentos. A interligação entre as famílias permite a distribuição equitativa do trabalho e da terra. O germe da desigualdade surge, não de uma rotura na ética da partilha, mas de um esforço para a fazer funcionar em circunstâncias alteradas.

 

Quando a escala da sociedade atinge um certo ponto, o modo igualitário de tomada de decisões já não dá resposta. Demasiadas pessoas, com demasiados interesses conflitivos, sobrecarregam a capacidade dos processos políticos cara a cara. Aqui vemos uma crise na reprodução social. Neste ponto, a crise é resolvida pela emergência de uma nova figura na história humana, o administrador, cuja tarefa é preservar a distribuição equitativa dos alimentos, do trabalho e da terra. Fried, seguindo Polanyi, chamou a estas personagens "redistribuidores igualitários", pessoas (geralmente homens) que agem como adjudicadores, porta-vozes e repositores para efeitos de redistribuição de alimentos. Harris nota que a forma de idenficar quem é o redistribuidor igualitário numa determinada aldeia é procurar a cabana mais pobre. O líder lidera pelo exemplo, e na primitiva sociedade comunal a virtude reside na generosidade (Fried 1967: 118; Polaniyi 1944; Harris 1985: 235-39).

 

O redistribuidor tem poderes muito limitados para manter as pessoas em linha. Ele influencia pela persuasão e pelo consenso. Ele pode, ou não, passar o seu “ofício” aos seus filhos. Parte da sua influência pode derivar da liderança na guerra, na razia ou no conflito intergrupal, ou pode derivar da sua perícia como negociador e diplomata. Habilidades como xamã, curandeiro ou adivinho podem também desempenhar o seu papel. Estes líderes encontram-se em todo o mundo dos bandos e tribos, na América do Norte e do Sul, no Kalahari, na Austrália, no Sudeste e Nordeste da Ásia.

 

O passo seguinte é um sobre o qual pouco sabemos. No entanto, a importância desta etapa não pode ser posta em dúvida. Em algum ponto no desenvolvimento destas sociedades redistribuidoras, houve um desvio ideológico de grande magnitude, uma inflexão no porte dos líderes, da modéstia para o auto-engrandecimento e do auto-apagamento para o auto-elogio. Esta mutação removeu um constrangimento no comportamento dos líderes, levantou um interdito, abrindo assim caminho para a acumulação de poder, prestígio e riqueza pela primeira vez.

 

Assim, vemos, nos índios da costa Noroeste norte-americana, chefes de sociedade viverem sob a mesma cobertura que homens comuns, mas ocuparem um lugar exclusivo em festas, usarem insígnias especiais e jactarem-se das suas proezas na guerra, da sua riqueza e da sua ascendência. Na Polinésia, a deferência para com os chefes foi levada ainda mais longe. Os chefes eram quase como deuses, existindo constrangimentos rituais quanto à sua dieta, higiene e contato com a gente comum.

 

Nem todas as sociedades redistribuidoras avançadas glorificam os seus chefes. Nas sociedades de grandes homens da Nova Guiné, o grande-homem é um “promotor e influenciador” ("mover and shaker"), com uma casa maior e mais esposas do que a norma, mas não tem prerrogativas "reais" nem poderes coercivos. Entre os iroqueses, os seus chefes ou sachems tinham de manter um comportamento modesto e temperado em conselho e estavam sujeitos a revogação pelas mulheres do seu clã (ver Trigger, neste volume).

 

A desigualdade social parece ter a sua origem na escala crescente da sociedade e no desenvolvimento das forças produtivas. Mas não há uma correlação perfeita entre estas variáveis e o grau de desigualdade. Em algumas sociedades (por exemplo, na África Ocidental), existirão aldeias relativamente grandes (100-2.000) com diferenciações sociais muito modestas (por exemplo, Ibo), enquanto noutras (por exemplo, na Costa Noroeste, os Tutchone), desigualdades marcantes aparecem em aldeias relativamente modestas de 100-200 pessoas. Também há variação considerável no grau objetivo de desigualdade comparado com a sua percepção subjetiva. Em algumas sociedades, a língua e idiomas de parentesco e reciprocidade podem esconder grandes diferenças de riqueza, enquanto noutras, um discurso de amos e escravos, superiores e subordinados, pode ser encontrado em situações nas quais ricos e pobres não estão assim tão distanciados.

 

Cursos em direção à desigualdade

 

Embora haja exemplos de forrageadores hierarquicamente organizados (a Costa Noroeste da América do Norte), o desenvolvimento da desigualdade é, em primeiro lugar, uma consequência da produção de alimentos. Os forrageadores extraem diretamente da natureza; os agricultores e pastores, por contraste, dependem muito mais de melhorias impostas à natureza e da criação de recursos. Campos agrícolas devem ser clareados, cercados e limpos de ervas daninhas. Os rebanhos e manadas têm de ser cuidados, lavados e protegidos de predadores. O investimento de trabalho nos campos e rebanhos acrescenta valor a estes recursos, distinguindo-os da armazenagem comum. Numa palavra, agricultores e pastores dependem, para a sua vida, de propriedade, e novos agrupamentos sociais cristalizam-se à volta da administração destas propriedades. Deixem-me citar três exemplos.

 

Os sistemas de linhagem, presentes na África Ocidental e noutras partes do mundo, tendem a concentrar o poder nas mãos de homens mais velhos (anciãos) e a privar de direitos os homens mais novos (cadetes) e as mulheres. À medida que as linhagens crescem em tamanho, elas dividem-se em ramos sénior e júnior, com o homem mais velho do ramo mais sénior a assumir como o chefe da linhagem, uma posição que pode tornar-se hereditária. Os chefes de segmento de linhagem sénior obtêm o seu quinhão em solo arável e, por meio da sua influência dentro da linhagem, podem concentrar riqueza em terra ou gado. Na Polinésia, a desigualdade social é expressa através da linhagem hierarquizada ou ramagem. Os membros séniores de segmentos séniores de uma ramagem são chefes que detêm enormes poderes sobre a vida laboral dos membros júniores do mesmo grupo social (13). O Modo de Produção Linhageiro e a ramagem polinésia ilustram bem quanto as sociedades baseadas no parentesco são capazes de acomodar um grau de desigualdade bastante considerável.

 

Os grandes homens da Nova Guiné fornecem outro exemplo da génese da desigualdade (14). Nas grandes cerimónias periódicas que juntam centenas de pessoas, os grandes homens supervisionavam as copiosas distribuições de alimentos e riqueza na forma de porcos, inhame e batata doce. Ao promover estas festas, os grandes homens tinham de mobilizar os recursos dos seus homens e mulheres de clã. Todos os recursos persuasivos oratórios do grande homem tinham de ser mobilizados para conseguir que as pessoas se separassem dos seus bens. A recompensa era a fama e o renome que o grande homem e o seu clã recebiam pela sua generosidade, embora, em tempos pré-coloniais, mobilizar grupos de vizinhos como aliados na guerra fosse uma das principais funções destas festas.

 

Limitações severas atuaram como um travão no auto-engrandecimento dos grandes homens. Eles não tinham poderes coercivos. Se as exigências colocadas aos seus seguidores fossem demasiado grandes, os seus adeptos afastar-se-iam, acabando por se ligarem à estrela em ascensão de algum outro grande homem. O grande homem poderia, assim, acabar os seus dias na obscuridade, apenas mais um soldado raso entre tantos. O dilema do grande homem foi o assunto de um famoso ensaio de Marshall Sahlins, em que ele contrastou a fama transitória do grande homem melanésio com o poder e a majestade herdados do chefe polinésio (1964).

 

Os sistemas de grandes homens exibiam a lógica da sociedade comunal empurrada até um ponto de rotura. As chefaturas introduzem, pela primeira vez, um corte fundamental com as normas da sociedade comunal. O chefe pode exigir a obediência dos seus seguidores. A sua palavra é lei. Ele pode requisitar bens e serviços, em guerra como na paz. Talvez mais importante ainda, ele pode passar tudo isto, o ofício e a riqueza, para um ou mais dos seus filhos.

 

Carneiro (1981), um dos mais consumados estudiosos da chefatura, argumentou que o seu significado reside no facto de ser esta a primeira forma social na história a transcender a autonomia aldeã. A fim de se qualificar como uma chefatura, o domínio tem de incluir duas ou mais aldeias sob uma única regência. Como surgiram as chefaturas? Sahlins, seguindo a Polanyi, vê a redistribuição como a chave para a chefatura. O chefe age como uma força central, concentrando, através do trabalho e do tributo, a riqueza económica da sociedade. Quanto maior for o nível de produção, maior será a chefatura. Mas de onde é que surge o excedente? Ele não é natural; tem de ser coagido. O chefe e o seu séquito, através de mecanismos políticos, coagem os sujeitos a produzir mais. Desta forma, Carneiro conclui que o poder político conduz a um excedente de produção e não o inverso (15). A fonte última do poder político, argumenta Carneiro, é a força. Por conseguinte, a causa última da ascensão dos chefes é a guerra.

 

Provas arqueológicas de florescimentos culturais regionais documentam a presença da guerra em sequências onde o aparecimento de chefias pode ser identificado. Estas sequências também exibem provas de crescimento da população e de circunscrição ambiental. Contudo, nem todos os casos de alta presença de guerra levam às chefaturas. As florestas tropicais da América do Sul e os planaltos da Nova Guiné, exibem ambos altos níveis de guerra, mas não produziram chefaturas. E nem todas as chefaturas estão ambientalmente circunscritas. Algumas podem ser socialmente circunscritas (i.e., chefaturas ocorreram nas ilhas do Caribe, mas também na massa continental adjacente da América do Sul e sudeste da América do Norte).

 

Duvido que a guerra, por si só, se evidencie como a "causa" principal da chefatura. É difícil desenredar a guerra do feixe de outras forças em presença, nas esferas económica e ideológica. O argumento de Carneiro, porém, tem a virtude de dirigir a nossa atenção para a esfera política, uma vez que a chefatura, e o Estado, já agora, são primariamente instituições políticas, e a guerra, para parafrasear Clausewitz, é uma forma de política.

 

Os chefes, pela primeira vez na história, usam o manto da legitimidade. Eles governam por direito, um direito que a sociedade lhes confere; há a mística do sangue real. Existe uma aura sobre o chefe. Falamos de porte senhorial ou de maneiras régias; esta mística é reforçada por formas de discurso, elaborados termos de respeito e por regalias, símbolos do ofício. Um segundo elemento da chefatura, que é novo, é o séquito, a construção de um corpo de seguidores, pessoal serviçal, bardos, cozinheiros e guarda-costas, que devem lealdade ao chefe, não estando vinculados a ele por laços de família. Estes seguidores podem ser parentes do chefe, mas mais frequentemente são gente comum recrutada a partir das fileiras, ou forasteiros especificamente recrutados para servir o governante. Combinando os símbolos da legitimidade com o corpo de seguidores, vemos a emergência de uma corte e da vida cortesã (16). A corte revolteia em torno da pessoa do chefe e da administração dos assuntos da chefatura. Aqui vemos as primícias da burocracia e a aurora da sociedade civil.

 

Como é que este séquito é aprovisionado? Como é satisfeita a necessidade que tem o chefe dos mais variados recursos? Aqui vamo-nos encontrar com outra grande linha divisória de águas na evolução da complexidade social: a transformação da redistribuição em taxação. Os primeiros líderes foram os gestores económicos que ajudaram a sociedade comunal a funcionar a uma escala cada vez maior, atuando como ponto focal para a distribuição de alimentos e o emprego do trabalho. Mesmo com a mudança da modéstia do redistribuidor igualitário para o auto-engrandecimento do chefe, a redistribuição dos bens, em festas e em tempos de dificuldade, beneficia principalmente ao povo em geral. Com o aumento do séquito dos chefes, contudo, uma proporção cada vez maior do tributo permanecia e era consumida no centro. Muitos antropólogos têm sugerido que o termo redistribuição precisa de um refinamento. Que percentagem dos bens é redistribuída, e para que percentagem da população? Se os números são altos e uma grande proporção recolhe os benefícios, esta atividade pode ser denominada redistribuição, mas se estes números forem baixos, então tudo isto será mais apropriadamente chamado de taxação.

 

Aqui, num breve relance, está a chave para a ascensão da chefatura e a chave para o "governo": criar e reproduzir o centro, através de uma maior exação sobre a população, mantendo, ainda assim, a lealdade (ou, pelo menos, a aquiescência) dessa mesma população. É neste ponto que o palco está pronto para a evolução do Estado (17).

 

Qual é o núcleo central do modo comunal?

 

No que atrás foi exposto, argumentei que uma longa sequência e uma multiplicidade de caminhos ligaram o modo comunal com os sistemas de desigualdade. E que, por um período prolongado, elementos de comunalismo coexistiram com elementos de hierarquia. No entanto, mesmo nestas formas transicionais, os contornos do modo comunal são visíveis, para aqueles que têm olhos para os ver.  Por causa desta coexistência de formas comunais e hierárquicas, e porque a ideologia dominante no Ocidente capitalista procura minimizar ou obscurecer a presença do comunalismo, o conceito de comunismo primitivo recebeu "má imprensa". Mesmo entre aqueles que são simpatizantes do marxismo, há muita resistência à noção de um modo comunal. Por conseguinte, é apropriado que eu conclua este inquérito com um olhar endurecido sobre aquilo que o modo comunal é e sobre o que ele não é.

 

Primeiro, o modo comunal não é um sistema de perfeita igualdade. A identidade dos sujeitos não está presente; toda a gente não é o mesmo. Em sociedades comunais, ocorrem efetivamente diferenças de riqueza e de estatuto, embora em grau limitado. Segundo, o comunismo primitivo não é o comunismo como está atualmente constituído no mundo socialista. Os regimes socialistas presentes são sociedades estatais, administradas de forma centralizada e fortemente burocratizadas. Seja qual for o papel que o conceito de comunismo primitivo possa jogar nas suas ideologias oficiais, a detenção "comum" dos meios de produção nestas sociedades tem um carácter fundamentalmente diferente do das sociedades tradicionais, organizadas comunalmente, em pequena escala, que são as que nos interessam aqui.

 

Terceiro, o modo comunal não é utópico nem "bonito". Os membros destas sociedades são pessoas reais, com todas as fragilidades humanas das pessoas em todo o lado. Como apontei no meu livro The !Kung San (1979: 458-61), o comunalismo e a partilha são atingidos pelos !Kung a um custo considerável. Formas muito ásperas de brincadeira e de intriga são usadas para manter as pessoas em linha. "Por favor" e "obrigado" são se encontram no seu vocabulário. E o impulso para não partilhar (para açambarcar) está sempre presente, logo abaixo de superfície. Como Trigger (1990) apontou, neste volume, a capacidade para o altruísmo e para o egoísmo estão ambas presentes no fundo (“make-up”) humano. Aqueles que vivem pelo modo comunal não são mais "nobres" que o resto de nós.

 

O quarto ponto, relacionado com o precedente, é o facto de que a vida no modo comunal não é pacífica. A violência, a invasão, mesmo a guerra (mas não a conquista) podem ser observadas entre as sociedades comunais. Se os níveis de violência observados são mais altos, mais baixos ou equivalentes aos das sociedades estatais, é um assunto para discussão (cf. Lee 1979: 396-400). Mas ferozes ou não, todas as sociedades comunais (incluindo os Yanomamo, para tomar um exemplo dos mais dramáticos) praticavam a posse coletiva das terras de caça e a lei da hospitalidade.

 

Finalmente, o modo comunal de produção, tal como observado na etnografia mundial, é equívoco nas relações de género. Concordo com Leacock em como os bandos e as sociedades tribais, em geral, mostram menos hierarquia de género e mais igualdade entre os sexos comparativamente a outros níveis de sociedade (Leacock 1982). É evidente que os princípios da organização comunal tendem, efetivamente, a proteger o estatuto da mulher, de formas cruciais, contra o peso integral do patriarcado (Lee e Daly 1987). No entanto, existem muitas anomalias, casos em que um grau de opressão das mulheres coexiste com um modo comunal ou semicomunal (epitomizado pelos Yanomamo, por exemplo, e por um certo número de sociedades das terras altas da Nova Guiné). Esta opressão é um importante problema, a requerer estudos suplementares.

 

Agora que vimos o que o modo comunal não é, devemos perguntar-nos o que resta. Qual é o núcleo irredutível do modo comunal de produção? A chave para esta questão reside na notável instituição de um dispositivo de nivelamento. A forma rude de brincadeira que mantém as pessoas na linha é parte de um complexo maior de comportamentos e valores que é tão central para a reprodução da sociedade comunal como é o princípio da propriedade privada e o direito ao lucro na sociedade capitalista. Podemos caraterizá-lo como uma orgulhosa adesão ao igualitarismo, uma aversão à aceitação de distinções de estatuto entre as pessoas. Esta aversão persiste mesmo em algumas sociedades semicomunais, com líderes e chefes, nas quais os dirigentes ocupam mesmo cargos, mas apenas em virtude da continuada generosidade para com os seus “súbditos”.

 

Mas os dispositivos niveladores não são simplesmente aspectos de uma orientação por valores. Eles também operam no plano material, para prevenir tanto a acumulação de riquezas como a destituição. Os princípios subjacentes podem ser modelados da seguinte forma: visualize duas linhas horizontais paralelas. A linha superior é um teto de acumulação de bens, acima do qual um indivíduo não pode subir, enquanto a linha inferior é um chão de destituição, abaixo do qual não se pode descer. No modo comunal, o chão e o teto estão estreitamente conetados; um não pode existir sem o outro. Ninguém pode possuir demais, e se há alguma comida no campo, toda a gente no campo vai ter alguma parte dela. A obrigação de partilhar comida e o tabu contra o açambarcamento não são menos fortes, nem menos ubíquos, no mundo primitivo, do que o muito mais famoso tabu contra o incesto. Mas ao contrário do tabu contra o incesto, que persiste até ao presente, o tabu contra o açambarcamento tornou-se uma baixa da evolução social. Um dos desenvolvimentos chave da evolução social é o levantamento do teto sobre a acumulação. A domesticação animal representa uma tal viragem. Em vez de disparar sobre o animal e comer a sua carne, trazemos a alimária para o acampamento e ela fica por ali, como propriedade. Uma vez que o teto é levantado, a possibilidade de diferenças de riqueza emerge. Alguém poderá não ter cabra alguma, enquanto outra pessoa ao lado tem uma; e se é possível nenhuma cabra e uma cabra, também o é uma cabra e dez cabras, ou uma cabra e cem.

 

Até agora, falamos de levantar o teto, mas num ponto crucial na evolução das sociedades observamos a descida do chão. Não sei exatamente quando isso aconteceu. No modo comunal, se alguém se torna um pouco atrevido, é prontamente nivelado. Pelo mesmo princípio, aqueles que caem pelas fendas, são apoiados pelo grupo. Mas quando o chão é baixado, a pobreza para alguns torna-se possível. A rede de segurança comunitária para alguns desaparece. Um dos elementos da evolução social que é de grande interesse é como as fendas se alargam. As pessoas caem por essas fissuras por negligência ou são atiradas? Será que a sociedade se entredevora por os ricos fazerem presa dos pobres? (Na Grécia antiga, quando algumas pessoas se tornavam mais ricas, tomavam primeiro a terra dos seus vizinhos, depois escravizavam-nos). O teto e o chão estão dialeticamente conetados.

 

No mundo moderno, tanto o chão como o teto desapareceram. Há bilionários numa área, pobreza em massa e fome noutras. Está na agenda política, tanto de socialistas como de capitalistas liberais, restaurar os chãos e, pelo menos, um arremedo dos tetos; ambos estabilizar-se-iam a um nível de acumulação muito mais elevado do que o que se encontrava nas formações do comunismo primitivo. O comunismo primitivo existiu dentro de uma faixa estreita, no fundo de uma escala; a sociedade do futuro operaria numa faixa mais ampla, no topo. Mas, seja o que for que o futuro nos reserve, é a longa experiência de partilha igualitária que moldou o nosso passado. Apesar da nossa aparente adaptação à vida em sociedades hierárquicas, existem sinais de que a humanidade retém um igualitarismo profundamente enraizado, um compromisso profundamente enraizado com a norma da reciprocidade, um desejo profundamente enraizado por aquilo que Victor Turner chamou de communitas, o sentido de comunidade. Todas as teorias da justiça giram em torno destes princípios, e a nossa sensação de ultraje quando se dá uma violação destas normas, indica a profundidade do seu apelo visceral. Isso, na minha opinião, é o cerne do comunismo primitivo e do modo comunal.

 

 

 

 

 

(*) Richard Borshay Lee (n. 1937) é um antropólogo canadiano, professor emérito na Universidade de Toronto. As suas pesquisas de campo têm incidido sobretudo sobre os povos indígenas do Botswana e da Namíbia, particularmente a sua ecologia e história. Mais recentemente, estudou e empenhou-se também com a sua situação sanitária. Recebeu numerosos prémios e distinções. A revista da Sociedade Canadiana de Antropologia, Anthropologica, dedicou à sua obra o seu Vol. 45, n.º 1 (2003). Para além do seu trabalho estritamente científico e descritivo (essencialmente sobre os !Kung San), tem publicado reflexões de âmbito mais geral, que podem ser englobadas no campo da Antropologia marxista em sentido amplo. Com Irven DeVore publicou a importante obra Man the Hunter. Aldine Transaction, 1969, resultante de um simpósio realizado na Universidade de Chicago. Com Eleanor B. Leacock, co-editou Politics and History in Band Societies, Cambridge University Press, 1982. Co-editou ainda, com Richard Daly, The Cambridge Encyclopedia of Hunters and Gatherers, publicado pela primeira vez em 1999. Com Bathseba Opini publicou o livro infantil Africans Thought of It: Amazing Innovations (2011). É membro fundador da associação Anthropologists for Radical Political Change. O presente trabalho foi originalmente publicado no volume Steadman Upham (ed.), The Evolution of Political Systems: Sociopolitics in Small-Scale Sedentary Societies. Cambridge: Cambridge University Press, pp. 225-46. A tradução é de Ângelo Novo.

 

 

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NOTAS:

 

(1) Este trabalho foi apresentado no Seminário Avançado sobre "The Development of Political Systems in Prehistoric Sedentary Societies" (O Desenvolvimento dos Sistemas Políticos em Sociedades Pré-históricas Sedentárias), na School of American Research, Santa Fe, NM, em 20-25 de abril de 1987. O autor deseja agradecer a Steadman Upham, Bruce Trigger, Barbara Bender e aos restantes membros do seminário pelas suas sugestões críticas na preparação deste capítulo. Porções desta exposição são retiradas de um outro trabalho: Kin, Class and State: The Origins of Hegemony (Parentesco, Classe e Estado: As Origens da Hegemonia) (em preparação). Os contributos a este seminário foram recolhidos no volume Steadman Upham (ed.), The Evolution of Political Systems: Sociopolitics in Small-Scale Sedentary Societies. Cambridge: Cambridge University Press.

 

(2) D. Legros propôs um exemplo deste tipo de sociedade, os Tutchone do Yukon do Sul (Canadá). Leia-se Legros (1985).

 

(3) Muitos "ambientalistas" em Arqueologia são nitidamente distantes em relação às perspetivas marxistas, enquanto a maior parte dos estudiosos marxistas em Economia e Ciência Política permanece notoriamente indiferente às dinâmicas das sociedades pré-capitalistas.

 

(4) Acrescentando a palavra "escrita" antes de "história" (em inglês) na edição de 1886 do Manifesto.

 

(5) O meu pensamento em reprodução social tem sido influenciado por Edholm,

Harris e Young (1977); e por Luxton (1980).

 

(6) Vem aqui à mente o trabalho de Carol Kramer (1982).

 

(7) Para uma discussão do forrageamento como um modo de produção, leia-se Lee (1981).

 

(8) Para citações integrais, leia-se o meu artigo "Reflections on Primitive Communism" (Lee 1988).

 

(9) Martin Whyte (1978) é um autor que vem aqui à mente.

 

(10) Vale a pena notar, aqui, que Marx, na secção "Formen…" dos Grundrisse, invocou o crescimento populacional como uma causa de desenvolvimento social. Onde ele se separava da companhia de Malthus, era na visão do crescimento da população como a causa principal da miséria humana.

 

(11) Um mais detalhado esboço deste argumento é apresentado no capítulo 12 de The !Kung San (Lee 1979: 320ff), onde se examina a intensificação da vida social em termos de concentração / dispersão de padrões de povoamento, e do aumento das exigências de trabalho dos povoados agregados.

 

(12) Mas não inteiramente obscurecido; pace Wolf (1982a e 1982b).

 

(13) Para as sociedades de linhagem ler Rey e Dupre (1973); e Meillassoux (1972). Para a Polinésia ler Goldman (1970) e Sahlins (1958).

 

(14) Sobre os grandes homens, ler Meggitt (1974); Strathern (1971); Loman-Vayda (1976).

 

(15) Sahlins (1958); Polanyi (1944); Carneiro (1981).

 

(16) A vida da corte como forma evolutiva é um tema desenvolvido por Norbert Elias (1982).

 

(17) Para uma discussão sobre as primeiras teorias marxistas da formação do Estado, leia-se Lee (1985).

 

 

 

 

 

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Leituras adicionais

 

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