O que é um emprego útil?

 

 

Michel Husson (*)

 

 

 

Resumo: O que é um "emprego útil" na atualidade? Essa questão pode parecer a priori sem fundamento, mas faz sentido quando nos situamos ao nível da sociedade como um todo. A questão então torna-se: o que é um emprego socialmente útil? Depois de relembrar brevemente os debates teóricos sobre o tema, este artigo apresenta duas teses: 1) Não há correlação entre a remuneração salarial por um determinado emprego e a utilidade social deste último; 2) Existe uma relação dialética entre a distribuição da riqueza e a estrutura do emprego e dos salários. Esta última questão é, de facto, tanto a condição como o reflexo da acumulação de riqueza num polo da sociedade.

 

 

 

Os empregos improdutivos não são inúteis

 

A economia política há muito se debate com esta questão, mas de uma perspetiva um tanto tendenciosa, perguntando quem são os trabalhadores produtivos. Esta distinção entre trabalho produtivo e improdutivo tem, de facto, uma longa história que pode ser rastreada até François Quesnay. No seu famoso Tableau économique (1), ele postula que "A nação está reduzida a três classes de cidadãos: a classe produtiva, a classe proprietária e a classe estéril". A classe produtiva é definida restritamente, como "aquela que faz renascer por meio do cultivo do território a riqueza anual da nação. A classe dos proprietários inclui o soberano, os proprietários de terras e os dizimadores [encarregados de coletar o dízimo]". Resta a classe definida como "estéril" que reúne "todos os cidadãos ocupados noutros serviços e outros trabalhos que não os da agricultura". Para a chamada escola fisiocrática (que alguns chamam a "seita dos economistas"), a terra é, portanto, a única fonte de riqueza, graças à capacidade "milagrosa" que lhe é própria, e apenas o trabalho da terra é produtivo.

 

Marx, obviamente, não poderia aderir a esta definição restrita de trabalho produtivo, mas reconheceu o grande mérito de Quesnay de ter analisado o circuito económico em termos de classes sociais. O erro cometido por Quesnay pode, em certa medida, ser explicado pela realidade de sua época. Mas também expressa um viés ideológico que consiste em querer legitimar a utilidade social da despesa dos ricos.

 

Num projeto de artigo para a Enciclopédia de Diderot (2) que permanecerá na forma de rascunho, Quesnay tem esta soberba fórmula:

 

O rico deve ser deixado livre para gastar (...) O rico que assim desfruta de sua riqueza, entrega-a à sociedade. Os ricos não devem ser perturbados no gozo das suas riquezas ou dos seus rendimentos, porque é o gozo das riquezas que dá origem e perpetua as riquezas!

 

Vemos assim que a teoria do gotejamento é... um retorno às fontes.

 

Um pouco mais tarde, Quesnay imagina um diálogo com um hipotético M. H. que lhe sugere que "foi o trabalho do operário que produziu o valor monetário da mercadoria". Quesnay não está convencido e novamente insiste nas virtudes do consumo dos ricos:

 

Os ricos são, pelos seus prazeres, quem proporciona com as suas despesas o salário dos trabalhadores; far-lhes-iam grande dano se trabalhassem para poupar essas despesas e prejudicar-se-iam a eles próprios empregando-se num trabalho penoso que significaria uma diminuição do seu prazer; pois o que é penoso é uma privação de um prazer satisfatório. Assim, eles não obteriam o maior aumento possível do seu prazer pela maior redução possível nos seus gastos(3).

  

Concordaremos que este raciocínio é admirável: os ricos prejudicariam os operários, entregando-se eles próprios a um trabalho penoso.

 

Em The Wealth of Nations, Adam Smith faz um ataque bastante cáustico a Quesnay:

 

O sistema que representa o produto da terra como única fonte de rendimento e riqueza de um país, nunca foi, até onde eu sei, adotado por qualquer nação, e agora só existe na França, nas especulações de um pequeno número de homens de grande conhecimento e talento distinto. Certamente não vale a pena discutir longamente os erros de uma teoria que nunca causou dano e que provavelmente nunca o causará em parte alguma do mundo(4).

 

Para ele, o erro capital desse sistema é obviamente apresentar "a classe dos artesãos, fabricantes e comerciantes, como totalmente estéril e improdutiva" (5).

 

A distinção operada por Adam Smith entre trabalho produtivo e improdutivo faz referência explícita à teoria do valor: "Há um tipo de trabalho que aumenta o valor do objeto sobre o qual é exercido; há outro que não tem o mesmo efeito. O primeiro, que produz valor, pode ser chamado de trabalho produtivo; o último, trabalho improdutivo" (6). No essencial, o trabalho improdutivo é, para Smith, o dos prestadores de serviços, em particular os trabalhadores domésticos.

 

Karl Marx discutirá longamente a análise de Smith e proporá a sua própria definição de trabalho produtivo, consistente com o seu modelo teórico: "do ponto de vista capitalista, apenas é produtivo o trabalho que cria mais-valia". O trabalho improdutivo é, em consequência, definido como o trabalho "que não é trocado por capital" (7). Uma definição semelhante é encontrada em O Capital: "[no capitalismo] a meta determinante da produção é a mais-valia. Portanto, apenas é considerado produtivo o trabalhador que proporciona uma mais-valia ao capitalista ou cujo trabalho fecunda o capital" (8). No entanto, Marx adota uma definição mais restrita noutros lugares; por exemplo, o trabalho no comércio ou no transporte é para ele improdutivo: "as funções puras do capital na esfera da circulação não produzem valor nem mais-valia" (9).

 

Este imbróglio gerou uma farta literatura dedicada à exegese dos – muitas vezes contraditórios – textos de Marx sobre esta questão. Uma das melhores sínteses é encontrada num artigo já antigo de John Harrison (10). O autor não é um marxista ortodoxo: para ele, querer "manter um conceito apenas porque aparece nos escritos de Marx é reduzir o marxismo a um dogma". E não está aqui com meias medidas: "A tentativa de Marx de definir cientificamente a categoria de trabalho improdutivo empregado pelo capital foi fundamentalmente mal concebida". A integração desse conceito no sistema teórico de Marx de facto leva a muitas inconsistências: por exemplo, os chamados trabalhadores improdutivos não seriam afetados pela exploração.

 

Na sua notável discussão sobre este tema (11), Christophe Darmangeat, por fim, mantém apenas uma definição restrita de trabalhadores improdutivos: são "aqueles cujos salários são pagos com rendimento” e ele admite que a importação dessa distinção no interior do setor capitalista "ajudou a obscurecer-lhe o alcance, até mesmo a sua existência". A distinção produtivo / não produtivo não pode, em última análise, ser usada como um critério para avaliar a utilidade dos empregos. No entanto, Harrison apontou para outro problema de método, argumentando que Marx definiu implicitamente o trabalho improdutivo como aquele "que seria supérfluo num hipotético sistema de produção mais racional". É essa via que fornece uma base crítica para a noção de utilidade dos empregos.

 

A repartição do valor

 

No seu livro em que debate os inconvenientes do mercado (12), Roger Bootle introduz uma distinção fecunda entre empregos "criativos" e empregos "distributivos", que não deixa de ter relação com aquela que Marx procurou estabelecer entre trabalho produtivo e trabalho improdutivo. Simplificando, trabalhadores criativos criam valor, enquanto trabalhadores distributivos são empregados para capturar esse valor em benefício desta ou daquela entidade, numa lógica de competição generalizada.

 

Adair Turner recentemente fez eco dessa distinção e, quanto a ele, fala de empregos de "soma zero" (13) porque deslocam valor, sem criá-lo. Um exemplo típico são as atividades de marketing e publicidade destinadas a convencer-nos "que o produto A é melhor do que o produto B". Turner esboça um catálogo ao estilo Prévert dos empregos que ele classifica nesta categoria.

 

  • os cibercriminosos e os especialistas informáticos empregados para combater os seus ataques;
  • os advogados especializados em divórcios ou indemnizações por acidentes, erros médicos ou peculato financeiro;
  • os advogados de negócios que protegem os direitos de propriedade intelectual;
  • os contabilistas e advogados tributários empregados na otimização fiscal e funcionários designados para o seu controlo;
  • os operadores de investimentos no mercado financeiro (traders) e gestores de ativos;
  • os consultores, reguladores financeiros e responsáveis pela conformidade (compliance officers);
  • os banqueiros de negócios, advogados e executivos seniores que gerem finanças empresariais, muitas vezes sem criação de valor sustentável;
  • os lobistas e comunicadores.

Gerentes, supervisores, anunciantes, consultores: todos inúteis?

 

Mas, apesar de tudo, esses empregos de "soma zero" são úteis no sentido de que estão adaptados ao sistema competitivo realmente existente. Esta categoria, portanto, só faz sentido, como Harrison já sugeriu, apenas em relação a outra empresa que tenha reduzido esses encargos em termos de concorrência. Em todo caso, abre uma reflexão que se pode desenvolver em vários níveis.

 

Poderíamos, assim, incluir em empregos de "soma zero" uma parte daqueles que se dedicam à gestão do que eufemisticamente são chamados de "recursos humanos". No entanto, os novos métodos de gestão conduzem a um rápido crescimento dos empregos correspondentes. Este é o ponto de partida para as experiências de algumas empresas, a mais conhecida das quais é, sem dúvida, a Favi. Jean-François Zobrist, o dono desta empresa – e promotor da experiência – baseou o seu projeto na observação de uma hierarquia hipertrofiada dedicada ao controlo dos produtores. Frequentemente ele refere-se a um estudo de 2007 que estabelece que "as empresas industriais têm uma estrutura de custos dividida em 75% de custos diretos e 25% de custos indiretos". Ele, portanto, eliminou a hierarquia, bem como um grande número de funções de apoio que não contribuíam diretamente para a produção. Os resultados dessas experiências são, sem dúvida, discutíveis, mas o seu ponto de partida é o crescimento, considerado excessivo, dos empregos de supervisão e controlo.

 

Na muito séria Harvard Business Review, dois economistas especializados em gestão procuraram quantificar essa inflação hierárquica (14). Eles contaram 24 milhões de diretores, gestores e outros supervisores nos Estados Unidos da América, ou seja, 18% dos empregos (e quase 30% da folha de pagamentos total). Tomando como referência as empresas mais "parcimoniosas", chegaram à conclusão de que esse número poderia ser dividido por dois. Consideram ainda que metade das reuniões internas, às quais os outros colaboradores dedicam cerca de 16% do seu tempo, são uma perda de tempo, o que equivale a cerca de 9 milhões de empregos a tempo inteiro. No total, existem, portanto, 21,4 milhões de assalariados que "sem que isso seja da sua responsabilidade, criam pouco ou nenhum valor económico".

 

Esta é uma explicação possível para o paradoxo de Solow. Ao nível da oficina ou do escritório, os trabalhadores (e consultores) observam muito concretamente o aumento da produtividade, mas isso, como Robert Solow já apontou há 30 anos, não é visível nas estatísticas macroeconómicas. Esta "evaporação" poderia assim ser explicada porque a produtividade "sentida" é avaliada apenas em relação aos trabalhos "criativos", esquecendo os empregos "distributivos".

 

O valor social dos empregos

 

Outra questão que merece ser levantada, é a da relação entre utilidade social e a remuneração. É um novo caminho que três pesquisadores da New Economic Foundation estão a explorar com base numa avaliação do "valor social" de várias profissões (15). Eles usam a chamada metodologia de "retorno social sobre o investimento" (Social Return on Investment) desenvolvida pelo UK Cabinet Office (16). Trata-se de avaliar o "desempenho" de cada profissão, comparando com o que ela traz para a sociedade e quanto lhe custa. É certo que o método é discutível, pois parte do pressuposto de que se pode monetizar os efeitos úteis – ou prejudiciais – de diferentes atividades. Mas é implementado de forma fundamentada e a mensagem que transmite é esclarecedora.

 

Entre as seis profissões examinadas, podem ser contrastadas duas que se situam em dois polos da escala social: de um lado, um operário da reciclagem, do outro, um banqueiro de negócios. O primeiro reduz a poluição e trata os resíduos. Em cada caso, uma avaliação é proposta: por exemplo, o CO2 economizado é avaliado em 51 libras por tonelada, usando a estimativa do relatório Stern. Resultado: o "produto social" desse trabalhador, pago com 13.650 libras, está avaliado em 151 152 libras. A relação entre o seu valor social e o seu salário é, portanto, de 11 para 1.

 

Em contrapartida, o balanço quanto aos banqueiros da City é totalmente negativo. Claro, eles criam valor que pode ser medido pela contribuição do setor para o PIB e as finanças públicas; mas estão destruindo muito mais, por causa da crise financeira que ajudaram a provocar. No total, "com salários variando de 500 mil a 10 milhões de libras, os banqueiros de negócios da City destroem 7 libras de valor social por cada libra de valor criado".

 

Este método de avaliação é questionável, mas permite-nos testar a intuição segundo a qual a remuneração atribuída aos vários tipos de empregos não tem relação com a sua utilidade social. Poderíamos multiplicar os exemplos: assim, um engenheiro formado numa escola superior ganhará duas ou três vezes mais no setor privado, desenvolvendo tecnologias mais ou menos fúteis, do que na investigação fundamental.

 

Empregos de merda (shit jobs) e empregos idiotas (bullshit jobs)

 

Roger Bootle aventura-se numa conjetura engraçada sobre a razão pela qual os operadores de investimentos no mercado financeiro (traders) "merecem" ganhar tanto: "o seu trabalho é tão desgastante que só o dinheiro pode justificá-lo, e eles precisam de muito dinheiro para aliviar os seus sofrimentos". É provavelmente também por essa razão que esse tratamento é eufemisticamente chamado de "compensação". Essa sugestão obviamente evoca as análises mordazes de David Graeber. No seu livro Bullshit jobs (17), ele propõe o conceito de "empregos idiotas" que define como "uma forma de trabalho remunerado que é tão totalmente inútil, supérfluo ou nefasto que nem mesmo o próprio assalariado consegue justificar a sua existência".

 

Graeber, no entanto, introduz uma distinção conceptual entre os "empregos idiotas" e os "empregos de merda":

 

Precisamos agora abordar outra distinção fundamental: aquela entre empregos que não fazem sentido e aqueles que são simplesmente trabalhos desprezados. Vou chamar aos segundos empregos de merda, como é comum. Só abordo esta distinção porque eles são frequentemente confundidos – e isso é estranho, porque não são nada parecidos. Poderia até dizer-se que são diametralmente opostos. Empregos idiotas costumam ser muito bem pagos e oferecem ótimas condições de trabalho, mas não servem para nada. Os empregos de merda, na maior parte, consistem em tarefas que são necessárias e inquestionavelmente benéficas para a sociedade; simplesmente, aqueles que se encarregam deles são mal pagos e mal tratados.”

 

Aqui reencontramos o palpite de Bootle que, assim, daria um suporte sociopsicológico à categoria de empregos idiotas: só uma boa "compensação" os tornaria aceitáveis, já que são inúteis. E reencontra-se também a ideia de uma desconexão entre o valor social dos empregos e a sua remuneração: empregos de merda são "inquestionavelmente benéficos para a sociedade", mas mal pagos. Esta é a pergunta que já colocava Keynes: “Durante quanto tempo mais ainda se achará ser necessário pagar aos homens da City de forma tão desproporcional em relação ao que outros ganham por serviços não menos úteis ou penosos que prestam à sociedade?(18)

 

Quem cria valor?

 

É claro que os empregos úteis e os empregos produtivos são duas categorias que não se sobrepõem. Por detrás dessas tipologias, reencontramos a questão do valor. Para usar a grelha de leitura marxista, um trabalho é útil quando produz um valor de uso; é produtivo se aumenta o valor de troca das mercadorias. Por exemplo, o trabalho dos funcionários públicos é útil, mas não produtivo no sentido que Marx dá ao termo.

 

Este ponto de vista, no entanto, foi contestado por Jean-Marie Harribey (19), que argumenta que existem dois modos de validar o trabalho:

 

Há um segundo espaço de validação do trabalho coletivo e, portanto, aplicando a definição geral de Marx, um segundo espaço de criação de valor, que tem a surpreendente característica de se destinar não ao capital, mas à sociedade como um todo. A grande diferença relativamente à validação social do trabalho necessário para produzir uma mercadoria, é que aquela a que me refiro não deriva do mercado, mas da decisão política de atender a certas necessidades sociais e de a elas destinar recursos materiais (investimentos) e forças de trabalho. Se estes estiverem disponíveis, ao lado do produto monetário mercantil, é adicionado um valor monetário não mercantil(20).

 

Para Harribey, o trabalho dos funcionários públicos cria um “valor monetário não mercantil”: eles são, portanto, neste sentido, produtivos.

 

Pode criticar-se esta teorização (21), mas deve admitir-se que este debate é em grande parte uma questão de casuística: ninguém nega a utilidade social dos servidores públicos, independentemente do facto de que eles poderem ou não criar “valor monetário”. No entanto, esta discussão tem o mérito de levantar a questão dos métodos de validação do trabalho: no caso dos empregos públicos, refere-se claramente a escolhas políticas. Resta compreender como os empregos no sector comercial são validados. Para os economistas convencionais, é a magia dos mercados livres que aí opera: os empregos são criados com base na combinação ótima de escolhas feitas, por um lado, pelos consumidores e, por outro, pelos produtores. Mas os consumidores não são todos iguais e a validação dos empregos é condicionada pela distribuição da procura social e, portanto, do rendimento. É por isso que, como vimos com Quesnay, os precursores da moderna teoria do “gotejamento” começaram com uma apologia do consumo dos ricos.

 

Consumo dos ricos e emprego

 

Devemos, portanto, fazer um retorno, desta vez a Thomas Malthus, porque nos permite desvendar os verdadeiros fundamentos de algumas teorizações muito contemporâneas. Malthus deseja o bem da humanidade: “É muito desejável que as classes trabalhadoras sejam bem pagas, por uma razão muito mais importante do que quaisquer considerações relativas à riqueza. Quero dizer, para a felicidade da grande massa da sociedade”, declara ele, com a mão no coração.

 

Infelizmente, isso não é possível, porque nem todos os pedidos são adequados para terem atendimento: “Se cada trabalhador consumisse duas vezes o trigo que agora consome, tal aumento na procura, longe de encorajar a riqueza, provavelmente faria com que o cultivo de muitas terras fosse abandonado e levaria a uma grande diminuição do comércio interno e externo(22).

 

Para evitar os temidos efeitos do aumento dos salários, Malthus faz-se advogado dos ricos e da sua função social: ela consiste em fornecer empregos para os necessitados. Malthus é, portanto, o promotor de uma teoria interessante que demonstra a necessidade de uma classe de consumidores improdutivos para criar empregos, mas mais precisamente empregados domésticos, como ele explica no seu estilo inimitável:

 

Os criados são agentes sem os quais as classes alta e média não poderiam usar os seus recursos em benefício da indústria (...) Devemos também notar que os serviços pessoais, domésticos ou puramente intelectuais, pagos voluntariamente, distinguem-se essencialmente do trabalho necessário à produção. São pagos pelo rendimento e não pelo capital: não têm nenhuma tendência para aumentar os custos de produção e diminuir os lucros(23).

 

A untuosidade hipócrita do pastor Malthus atrairá obviamente a ira de Marx, ainda que este não negue a realidade dos fenómenos. O avanço da produtividade permite efetivamente “empregar gradualmente uma parte mais considerável da classe operária em serviços improdutivos e reproduzir em particular uma proporção cada vez maior sob o nome de classe doméstica, composta de lacaios, cocheiros, cozinheiras, empregadas domésticas, etc., os antigos escravos domésticos”. Esta acumulação de riquezas entre os proprietários “faz nascer com as novas necessidades de luxo, novas necessidades de meios para satisfazê-los (...) Por outras palavras, a produção de luxo aumenta(24).

 

Um século e meio separa-nos dessas referências sábias. Mas como não vermos a sua atualidade? Basta, por exemplo, aproximar Malthus de André Gorz num atalho vertiginoso. Num artigo publicado em 1990 no Le Monde Diplomatique, Gorz escreveu isto:

 

As duas, três ou quatro horas gastas até então cortando a relva, passeando o cão, fazendo compras e limpando, comprando o jornal ou cuidando dos filhos, essas horas são transferidas, mediante pagamento, para um prestador de serviços. Não interessa para nada que cada um pudesse fazer tudo isso bem sozinho. Simplesmente, ele liberta duas ou quatro horas do seu próprio tempo ao ter possibilidades de comprar essas duas ou quatro horas (...) Comprar o tempo de alguém para aumentar o seu lazer ou o seu conforto nada mais é, na verdade, do que comprar trabalho de um serviçal (...) Mas quem tem interesse, quem tem meios para pagar os serviços dos novos serviçais?(25)

 

E se voltarmos a Malthus, encontramos a mesma análise:

 

Não há ninguém que, com um rendimento de quinhentas libras esterlinas ou mais, concordasse em ter casas, móveis ricos, roupas, cavalos, carruagens, se fosse necessário ele mesmo varrer os seus aposentos, escovar e lavar seus móveis e roupas, tratar dos seus cavalos, finalmente, cozinhar e administrar a despensa.”

 

Além do mais, esses serviços têm, uma vez mais, a vantagem adicional de "não apresentarem tendência para aumentar os custos de produção e diminuir os lucros" (26).

 

Um retorno final a Gorz permite que o círculo se feche:

 

“O desenvolvimento de serviços pessoais, portanto, só é possível num contexto de crescente desigualdade social, onde uma parte da população monopoliza atividades bem remuneradas e constrange outra parte ao papel de serviçal” (27).

 

Consumo dos ricos e emprego

 

É, portanto, clara a continuidade entre as teorizações de Malthus e a realidade do capitalismo contemporâneo, onde o emprego de uns depende da riqueza de outros. Devemos, portanto, perguntar-nos "quem trabalha para quem?" como fizeram três sociólogos no final da década de 1970 que mostraram, designadamente, que “o consumo de bens de luxo, que diz respeito, em graus variados, a um domicílio em cada dois, mobiliza um trabalhador em cada dez" (28).

 

Em linha com este trabalho, empreendemos um pequeno exercício de comparação entre o emprego de serviços pessoais e a participação no rendimento nacional dos 10% mais ricos (29). Com efeito, está estabelecido que são estes os que mais beneficiam das vantagens fiscais associadas a este tipo de emprego: “A metade mais modesta da população beneficiou em 2012 de apenas 6,6% do total destas despesas fiscais, enquanto o decil dos mais ricos beneficiou de mais de 43,5% das subvenções fiscais totais(30).

 

A partir do final da década de 1990, o número de empregados do sector, assim como o total de horas de trabalho, aumentou de forma constante até ao início da crise, que desencadeou uma retração. No entanto, encontramos um perfil semelhante para a participação dos 10% mais ricos. Uma simples equação econométrica permite validar essa correlação: os empregos de serviços pessoais dependem da boa fortuna dos mais ricos. Já mencionámos (31) o exemplo marcante da retoma do estaleiro La Ciotat, agora dedicado à manutenção de iates de luxo. Este artigo termina com uma citação do Papa Francisco criticando a “crua e ingénua confiança na bondade daqueles que detêm o poder económico e nos mecanismos sacralisados do sistema económico dominante(32) que está na base da teoria do “gotejamento”.

 

Uma pequena fábula ecológica e social

 

Reproduzimos aqui, a título de conclusão, uma fábula escrita para as festas de Natal de 2007. Tem como ponto de partida a constatação de que os ricos, em média, poluem mais. Isso é verdade globalmente (33), mas também dentro de um país como a França. Os cálculos do INSEE (Institut National de la Statistique et des Études Économiques) mostram, desta forma, que: “Os 20% mais ricos induzem, por meio de suas compras, 29% das emissões de CO2, enquanto os 20% mais pobres induzem apenas 11%(34).

 

Imagine-se então um país que só produz e consome automóveis. Esta sociedade é composta por 80 assalariados e 20 rentistas. Cada rentista recebe um rendimento que é o dobro do de um assalariado. Admitamos que cada rentista compra um 4x4, duas vezes mais caro de produzir e duas vezes mai poluente do que cada um dos 80 carros consumidos pelos 80 assalariados. Agora imagine que se reduzia para metade o rendimento dos rentistas, para que eles só pudessem comprar carros normais, como os assalariados. Vamos fazer as contas: o PIB, que valia 120 (já que os 4x4 contavam o dobro), cai para 100. Há, portanto, um "decrescimento" de 20%. A jornada de trabalho dos assalariados diminuiu na mesma proporção, mas seu número não mudou. E como os 4x4 eram duas vezes mais poluentes, as emissões totais de CO2 também foram reduzidas em 20%. A única diferença reside na distribuição do rendimento: a participação dos salários aumentou de 66,6% (80 em 120) para 80% (80 em 100) e a dos rentistas caiu em contrapartida.

 

Esta fábula foi inspirada nas reações muito hostis de Angela Merkel a uma decisão da Comissão Europeia que fixou para 2012 um limite máximo de emissões de CO2 para carros. Como a indústria automobilística alemã é especializada em automóveis maiores e mais poluentes (de luxo), esta medida foi vista como tendo como alvo a indústria alemã. É por isso que a fábula imagina um mundo improvável, produzindo e consumindo apenas carros. Obviamente, podemos fazer estas suposições mais de acordo com a realidade. Mas isso não mudará qualitativamente os seus ensinamentos. O primeiro é que existe uma ligação muito forte entre o padrão de consumo e a distribuição de rendimento. Ao modificar esta última, podemos suprimir uma parte dos consumos prejudiciais: 4x4 e outros motores de grande cilindrada são socialmente desnecessários e ambientalmente prejudiciais.

 

Quanto ao "decrescimento", não podemos fazer para ele um projeto sem escrutinar do conteúdo social do PIB. Na nossa fábula, a restrição do rendimento consagrado à compra de 4x4 leva ao decrescimento. Mas também teria havido decrescimento se tivéssemos reduzido os salários para metade: o PIB teria caído um terço, com a participação salarial caindo para 50%.

 

Finalmente, a articulação de escolhas ecológicas e sociais levanta a questão de uma verdadeira democracia. No nosso exemplo, devemos comparar, por um lado, a "liberdade" dos rentistas conduzirem um 4x4 em vez de um simples carro e, por outro lado, as emissões adicionais de CO2 de que sofre a sociedade como um todo. O bem-estar não mercantil de menores emissões de CO2 deve ser "internalizado", como dizem os economistas, para que possa ser comparado à satisfação mercantilizada dos rentistas. No entanto, na democracia atual este tipo de escolha torna-se quase impossível, tão forte é o domínio dos mais ricos sobre as suas formas de expressão.

 

Imaginemos, enfim, uma Europa sem 4x4, Mercedes, BMW e outras grandes carripanas. Os ricos poluirão menos, pelo menos desta forma. As suas frustrações serão compensadas por um bem-estar social e ecológico adicional: menos CO2 e menos tempo de trabalho. Mas e o emprego?, dir-se-á. É contra este tipo de objeção que se mede o significado do que o Papa Francisco chama de "confiança crua e ingénua (...) nos mecanismos sacralizados do sistema económico dominante". Se parássemos de produzir bens e serviços desnecessários, o tempo gasto na sua produção também se tornaria inútil e poderia ser transformado em tempo livre. Mas isso supõe, uma vez mais, cortar na mesma proporção a parte das riquezas que corresponde a estes consumos inúteis.

 

O desafio climático, portanto, requer uma profunda transformação na forma como as necessidades sociais são atendidas. Isso passa por desenvolver a oferta de serviços coletivos (saúde, educação, etc.) menos intensivos em energia, pela relocalização das atividades, reduzindo os custos de transporte, melhorando as habitações e dos espaços sociais, etc.. Como o consumismo mercantil é muitas vezes apenas um substituto para a satisfação das necessidades sociais básicas, a extensão do tempo livre e a provisão de equipamentos coletivos parecem ser os pré-requisitos para uma transformação dos padrões de consumo. Esta conceção, que pode ser qualificada de materialista, opõe-se claramente à denúncia dos consumidores, que não têm uma alternativa real, bem como às soluções mercantis ineficientes e socialmente regressivas, como a ecotaxa. Mas tudo isso, como vimos, envolve uma mudança radical na distribuição do rendimento.

 

novembro de 2018

 

Epílogo

 

Este artigo, escrito antes da crise do Covid, não tinha, obviamente, nada de premonitório. No entanto, esta crise desempenhou, em França como noutros países, um papel revelador. Os que estiveram "na linha da frente" e que permitiram a manutenção de atividades essenciais à satisfação das necessidades básicas (alimentação, saúde, etc.), também se encontram geralmente entre os trabalhadores menos bem pagos. A secretária-geral da central sindical Trades Union Congress (TUC) da Grã-Bretanha, Frances O'Grady, referiu-se a eles, e especialmente a elas, como o "exército dos heróis do salário mínimo".

 

Essa constatação leva a retomar a reflexão sobre um tema levantado no artigo, a saber, a inadequação entre a grelha salarial e a utilidade social relativa dos empregos. Isso é perfeitamente expresso pela socióloga Dominique Méda:

 

Os detentores dos empregos mais bem pagos aparecem-nos como bastante inúteis e a sua remuneração exorbitante. Um dos primeiros ensinamentos da crise da saúde, em suma, é que é urgente reavaliar a "hierarquia" social das profissões, de acordo com os nossos valores e com relação à sua real utilidade(35).

 

Dominique Méda está também, juntamente com outras pesquisadoras, envolvida na iniciativa de uma magnifica declaração sobre “Trabalho: democratizar, desmercantilizar, despoluir” agora já assinada por mais de 5.000 investigadores de todo o mundo (36). O texto propõe-se eliminar a enorme desigualdade de rendimento e aumentar o nível de rendimentos dos trabalhadores e, de forma mais ampla, dar aos trabalhadores poder de decisão sobre as escolhas das empresas ("democratizar a empresa"). Também apresenta a ideia de "desmercantilizar o trabalho", por meio da criação de uma garantia de emprego. A última parte do apelo ("despoluir") diz obviamente respeito à regeneração do meio ambiente. A regra essencial aqui é que (Ibidem):

 

O Estado, em nome da sociedade democrática que serve e que o constitui, também em nome da sua responsabilidade de garantir a nossa sobrevivência ambiental, deve condicionar a sua intervenção a mudanças de rumo na linha estratégica das empresas apoiadas.”

 

Mas todas estas medidas implicam, como o artigo também tenta mostrar, uma mudança radical na distribuição do rendimento e no uso da riqueza. Na verdade, existe uma relação dialética entre a distribuição da riqueza e a estrutura dos empregos e salários. Esta última é, de facto, simultaneamente, condição e reflexo da acumulação de riqueza num polo da sociedade. Nesta medida, a saída da crise será também e acima de tudo uma questão social e política, e não apenas económica e sanitária.

 

 

 

 

 

(*) Michel Husson (n. 1949) é um economista francês, formado pela École nationale de la statistique et de l'administration économique. Foi administrador do INSEE (Institut National de la Statistique et des Études Economiques) e pesquisador no IRES (Institut d’Études Économiques et Sociales, ligado aos sindicatos). Fez uma longa carreira na administração pública francesa, com passagem pela mexicana, como estatístico, analista e modelador económico. É conhecido sobretudo pelos seus trabalhos sobre o emprego. Militou no Parti Socialiste Unifié (PSU) e, entre 1979 e 2007, na Ligue Communiste Révolutionnaire (LCR). É menbro da Fondation Copernic e pertence ao conselho científico do ATTAC. Participou também na criação da associação Agir ensemble contre le chômage («AC!»). Entre as suas obras contam-se: Les ajustements de l’emploi, Page deux, 1999; Six milliards sur la planète: sommes-nous trop?, Textuel, 2000; Le grand bluff capitaliste, La Dispute, 2001; Les casseurs de l’État social, La Découverte, 2003; Supprimer les licenciements, Syllepse, 2006; Travail flexible, salariés jetables, La Découverte, 2006; Un pur capitalisme, Page Deux, 2008; Le capitalisme en 10 leçons. Petit cours illustré hétérodoxe, Paris, Zones, 2012. Em Portugal está publicado o seu livro Miséria do Capital, Terramar, 1999. O original deste artigo, em francês, foi publicado na revista A l’encontre a 6 de novembro de 2018. A versão aqui publicada tomou como base a tradução para língua portuguesa feita por resistir.info. Fizemos, porém, alguma revisão e repusemos as notas de rodapé originais. O Epílogo foi escrito posteriormente, por ocasião da republicação do artigo pela Revista Brasileira de Economia Social e do Trabalho.

 

 

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NOTAS:

 

(1) François Quesnay, «Analyse de la formule arithmétique du Tableau Economique», Journal de l’agriculture, du commerce & des finances, juin 1766, p. 11-41.

 

(2) François Quesnay, «Hommes», projet d’article pour l’Encyclopédie, 1757, reproduzido na Revue d’histoire des doctrines économiques et sociales, Vol. 1 (1908), p. 78-79.

 

(3) François Quesnay, «Dialogue sur les travaux des artisans», Journal de l’agriculture, novembre 1766 dans Oeuvres économiques et philosophiques, Jules Peelman, Paris, 1888, p. 536-535.

 

(4) Adam Smith, Recherches sur la nature et les causes de la richesse des nations, Flammarion, tome 2, 1991 [1776], p. 291.

 

(5) idem, p. 294.

 

(6) idem, tomo 1, p. 417.

 

(7) Karl Marx, Théories sur la plus-value, tomo 1, Editions sociales, 1974 [1861–63], p. 162 e 167.

 

(8) Karl Marx, Le Capital, Livre I, tomo 2, Editions sociales,1969 [1867], p. 184.

 

(9) Karl Marx, Le Capital, Livre III, Editions sociales,1976 [1894], p. 272.

 

(10) John Harrison, «Productive and Unproductive Labour in Marx’s Political Economy», Bulletin of the Conference of Socialist Economists, Autumn 1973.

 

(11) Christophe Darmangeat, Le Profit déchiffré. Trois essais d’économie marxiste, Paris, La Ville brûle, 2016 ; ler tambám esta síntese dpo autor: «De quoi le travail productif est-il le nom?» Les Possibles n° 15, décembre 2017.

 

(12) Bootle Roger, The Trouble with Markets. Saving Capitalism from Itself, 2009.

 

(13) Adair Turner, «Capitalism in the age of robots: work, income and wealth in the 21st-century», April 10th 2018. Voir aussi: Adair Turner, «L’économie à somme nulle», Alternatives économiques, 12 septembre 2018.

 

(14) Gary Hamel & Michele Zanini, «Excess Management Is Costing the U.S. $3 Trillion Per Year», Harvard Business Review, September 5, 2016.

 

(15) Eilis Lawlor, Helen Kersley, Susan Steed, «A Bit Rich. Calculating the real value to society of different professions», New Economic Foundation, London, 2009.

 

(16) UK Cabinet Office, A Guide to Social Return on Investment, 2012.

 

(17) David Graeber, Bullshit Jobs, Les Liens qui Libèrent, 2018, p. 43.

 

(18) John Maynard Keynes, India Currency & Finance,1913, p.192.

 

(19) Jean-Marie Harribey, La richesse, la valeur et l’inestimable, Les Liens qui Libèrent, 2013.

 

(20) Jean-Marie Harribey, «Les deux espaces de valorisation en tension», ContreTemps, 19 juillet 2016.

 

(21) Ler por exemplo: Christophe Darmangeat, «Les fonctionnaires productifs de revenu ?», ContreTemps, 18 mai 2016 ; Michel Husson, «Comptabilité nationale et valeur non marchande», note hussonet n.°103, 18 octobre 2016.

 

(22) Thomas R. Malthus, Principes d’économie politique, 1846, Calmann-Lévy, 1969, p. 333-334.

 

(23) idem, p. 336.

 

(24) Marx, Le Capital, Livre I, tome 2, Editions sociales, 1969 [1867], p. 125-126.

 

(25) André Gorz, «Pourquoi la société salariale a besoin de nouveaux valets», Le Monde diplomatique, juin 1990, p. 22-23.

 

(26) Malthus, op. cit., p. 336.

 

(27) André Gorz, Métamorphoses du travail. Quête du sens, Éditions Galilée, 1988, p. 195.

 

(28) Christian Baudelot, Roger Establet e Jacques Toiser, Qui travaille pour qui?, François Maspero, 1979.

 

(29) Michel Husson, «Services à la personne et répartition des revenus», note hussonet n°129, 19 octobre 2018.

 

(30) Clément Carbonnier, Nathalie Morel, «Étude sur les politiques d’exemptions fiscales et sociales pour les services à la personne», LIEPP Policy Brief n°38, 2018.

 

(31) Michel Husson, «L’art d’ignorer les pauvres», A l’encontre, 13 mai 2017.

 

(32) Pape François, Exhortation apostolique Evangelii gaudium, 24 novembre 2013, p. 48.

 

(33) Lucas Chancel e Thomas Piketty, «Carbone et inégalité: de Kyoto à Paris», Paris School of Economics, novembre 2015.

 

(34) Fabrice Lenglart, Christophe Lesieur, Jean-Louis Pasquier, «Les émissions de CO2 du circuit économique en France», dans: Insee, L’économie française, édition 2010.

 

(35) Dominique Méda, “La crise du Covid-19 nous oblige a réévaluer l'utilité sociale des métiers”. Pour l'Éco, 22 de março de 2020.

 

(36) Ferreras, Isabelle, Méda, Dominique & Battilana, Julie. Travail: démocratiser, démarchandiser, dépolluer. Democratizing Work, maio de 2020.