![]() |
|||||
|
Educação crítica e educação marxista: Como devemos formar nossos professores? Por um Eco-manifesto marxista para a formação docente
Dave Hill (*)
Há vários espaços nos quais os educadores críticos e marxistas, assim como os formadores de professores, podem ser, são e devem ser ativos, conforme as disponibilidades e capacidades individuais:
i) Na sala de aula e em outros contextos de ensino-aprendizagem.
ii) Na comunidade escolar mais ampla e ambientes como a sala dos professores e a secção sindical local;
iii) No âmbito comunitário municipal, atuando em esferas como movimentos de moradores, organizações antirracistas e ambientais, assim como em partidos políticos, sindicatos e movimentos sociais em geral.
iv) Em nível nacional, no contexto das iniciativas protagonizadas pelas referidas organizações e por outras entidades da sociedade civil.
Aponto tais espaços como centrais para o ativismo social e educacional transformador, na medida em que a educação ocorre tanto na escola formal e nos sistemas educacionais como fora deles.
Nós nos comprometemos com o que Henry Giroux e Mike Cole chamam de "pedagogia pública", e o que Marx, Engels, Lenin, Gramsci, McLaren e outros chamam de desenvolvimento de classe, consciência política. Neste artigo, focalizarei alguns aspectos da educação e da escolaridade nos sistemas de educação formal e os relacionarei a várias questões da teoria marxista.
1. Principais características do marxismo
O que significa ser marxista no que se refere à atuação na educação e às propostas de formação de professores?
Os marxistas trabalham por reformas e as abraçam de bom grado, como a legislação do salário mínimo, da saúde nacional e da assistência social, dos direitos dos trabalhadores e dos sindicatos. Contudo, vamos muito além delas. Nós, os marxistas, estamos comprometidos com formas de análise e ação que social-democratas não marxistas, liberais radicais, democratas radicais, feministas, antirracistas, ativistas queer e ambientalistas não estão. Essas formas de análise e ação são as seguintes: i) análise de classe: a relação capital-trabalho; ii) uma transformação revolucionária: superação do capitalismo e construção do socialismo; iii) um postulado fundamental: a transformação revolucionária da economia e da sociedade é precedida e acompanhada por um programa de base classista, apoiado em organização social e intervenção política.
1.1. Análise de classe: a relação capital-trabalho
A primeira característica distintiva, para os marxistas, é a proeminência da classe em comparação com outras formas de opressão estrutural, discriminação e desigualdade. Apoiamos as reformas sugeridas e promulgadas por reformistas não marxistas, junto com movimentos sociais e defensores dos direitos civis na oposição ao racismo, sexismo, homofobia e outras formas de discriminação. Mas os marxistas vão além de criticar (e agir contra) a discriminação social e as opressões. Nós temos em linha de conta as conquistas econômicas. De resto, os direitos econômicos plenos não podem ser alcançados sob o sistema econômico capitalista, mas apenas com a sociedade vivendo a experiência socialista e tendo como horizonte as premissas da igualdade de uma vida em comum. E somente a classe trabalhadora constituída organicamente (preto-branco; homem-mulher; hetero-LGBT, dalit e todas as outras castas) pode se organizar e conduzir, com êxito, o processo de superação do sistema capitalista.
O Manifesto do Partido Comunista (Marx e Engels, 1848/1977) é bastante poderoso e relevante em sua análise do capitalismo. O capitalismo representa a exploração sistêmica e sistemática pela classe capitalista da força de trabalho da(s) classe(s) trabalhadora(s), com os capitalistas se apropriando da mais-valia criada pelo trabalho destas. Nisto consiste a relação capital-trabalho, com os capitalistas enchendo os bolsos com o lucro originário da mais-valia.
No capitalismo, cada uma das duas principais classes da sociedade se envolve em uma luta permanente para aumentar a sua proporção na mais-valia (o valor sobrante quando as matérias-primas, aluguéis e salários são pagos), que, em princípio, vai para os capitalistas como lucro. Por outro lado, os trabalhadores lutam para ampliar a sua participação no lucro representando pela mais-valia, através de ganhos salariais e de benefícios sociais – o chamado salário social.
Há, sob o capitalismo, uma "guerra de classes" contínua, uma relação antagônica contínua entre a classe exploradora e a classe explorada, seja qual for o estado de compreensão subjetiva da realidade e de consciência de classe existente. Nos termos do Manifesto do Partido Comunista, “a sociedade como um todo vai cada vez mais se dividindo em dois grandes campos hostis, em duas grandes classes que se enfrentam diretamente: a burguesia e o proletariado” (Marx e Engels, 1848/1977).
Na linguagem de hoje, por um lado, os 0,1%, 'os dominantes do universo', em conflito com a maioria restante, todos nós que vendemos a nossa força de trabalho à classe capitalista, e estamos submetidos a um tipo de educação e a outros aparelhos que reproduzem a força de trabalho apta a gerar lucros para os super-ricos.
1.2. Uma transformação revolucionária: superação do capitalismo e construção do socialismo
Os marxistas não acreditam que reformas sejam sustentáveis sob o capitalismo, mesmo que, quando implementadas, elas sejam bem-vindas. Reformas, benefícios e provisões sociais são conquistados quando há crise (recorrente e sistêmica) do capital, como aconteceu nas décadas de 1930, 1970 e desde 2008. Políticos e partidos socialdemocratas, como Pablo Iglesias/Podemos, na Espanha; Alexis Tsipras/Syriza, na Grécia; Jeremy Corbyn/Partido Trabalhista, na Grã-Bretanha; Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortes, nos E.U.A., não querem substituir o capitalismo. Eles querem apenas administrá-lo melhor, regulá-lo, reformá-lo. Fazê-lo funcionar de forma mais aperfeiçoada, com mais 'justiça social', com alguma - mas somente alguma - redistribuição de renda e riqueza.
Conforme a abordagem marxista clássica, o capitalismo jamais é aceitável, seja regulado, reformado, socialdemocrata, democrata-cristão ou não, pois ele significa exploração (econômica, política, cultural) de humanos por humanos. O que define os marxistas clássicos e revolucionários é a análise segundo a qual o capitalismo deve ser superado.
É por isso que os ativistas marxistas trabalham para desenvolver a consciência de classe, um senso de que a classe trabalhadora é ‘uma classe para si’, em oposição a ‘uma classe em si’ (simplesmente uma classe de pessoas com a mesma relação com os meios de produção, distribuição e troca) (Marx, 1847), uma classe com 'bom senso', em oposição ao 'senso comum' (Gramsci, 1971).
No Manifesto do Partido Comunista, é definida como principal tarefa política a ser levada a cabo pelos marxistas a constituição do proletariado como classe para si.
Portanto, o que é necessário é uma revolução para superar o capitalismo, para nos livrar do seu sistema econômico e das suas relações sociais e de produção. As urnas, por elas apenas, não podem fazer a revolução. Um governo socialista eleito não é capaz de realizar muitas mudanças contra os interesses capitalistas, pois os militares, o judiciário e a hierarquia corporativa não são democráticos. A classe capitalista nacional e internacional usa a violência do Estado e/ou os instrumentos da economia capitalista global ou dos E.U.A., bem como o aparato militar, parar deter o socialismo ou até mesmo a socialdemocracia.
1.3. Um postulado fundamental: a transformação revolucionária da economia e da sociedade é precedida e acompanhada por um programa de base classista, apoiado em organização social e intervenção política
O terceiro ponto de diferença entre marxistas originais, que vão às raízes dos problemas, e não marxistas é que, para superar o capitalismo, os marxistas têm realmente de trabalhar para organizar o movimento de mudança. Dessa forma, o dever de um marxista é a práxis, a intervenção na realidade, conforme os limites da sua capacidade e as exigências das tarefas políticas. Os marxistas vão além da postura ativista, a sua perspectiva é a práxis - práxis é a ação guiada pela teoria, ou teoria em movimento. Isso implica em ter em conta, por exemplo, no caso dos professores, as atividades nos cursos de formação e nas estruturas educativas mais amplas. Como notam Marx (1845/2002) e John Molyneux (2012), “os filósofos apenas têm interpretado o mundo, mas o que importa é transformá-lo.”
Os marxistas reconhecem que a organização social, a formulação de um programa e a intervenção política são imprescindíveis. As revoluções não caem das árvores, como as maçãs. Como Lenine escreveu, em O Estado e a Revolução (1918/1999), as revoluções socialistas devem ser conquistadas na luta e na luta defendidas.
2. Eduque, manifeste, organize
Tanto no contexto da educação - inclusive nos cursos de formação de professores – como no da sociedade em geral, nós, os marxistas, buscamos servir aos interesses da classe trabalhadora e promovê-los, realçando a natureza fundamental da exploração de classe e também as múltiplas opressões baseadas em identidades e subjetividades, referentes, por exemplo, a gênero e etnias, em conexão com a natureza das classes sociais. Nós, como professores, como educadores, também somos da classe trabalhadora. Tanto aqueles de nós com contratos permanentes e com estabilidade, que pertencem a uma faixa relativamente melhor remunerada da classe trabalhadora, como aqueles de nós em situação de trabalho precário/ocasional, com níveis de renda menores, vendem a força de trabalho aos capitalistas e aos aparelhos do Estado capitalista, como escolas e universidades.
Nós, marxistas, temos que desafiar de forma consistente e corajosa a ideologia hegemônica da classe capitalista e o que Althusser chamou de seus Aparelhos Ideológicos de Estado - suas universidades, departamentos, escolas, estruturas de formação de professores, meios de comunicação social e instâncias em segmentos religiosos que reproduzem a ideologia dominante.
Mas a situação que nós enfrentamos não é apenas a de uma luta de ideias, uma luta ideológica, uma luta no discurso. É uma luta de classes. Uma luta político-econômica, onde as condições socioeconômicas e o bem-estar da classe trabalhadora são degradados pela classe dominante. Os ataques capitalistas resultam em mortes de trabalhadores "supérfluos" e na geração de mão de obra para o exército industrial de reserva, isto é, trabalhadores desempregados. Os pobres adoecem mais cedo e morrem jovens. Em particular, nestes tempos de doenças e pandemias como a Covid-19.
Equipamentos pessoais de proteção e espaço para “distanciamento social” são, para centenas de milhões de pobres do mundo, luxos inatingíveis. Para os ricos (e também para as camadas em melhor situação econômica da classe trabalhadora), eles estão disponíveis.
3. Um Manifesto Marxista para a Educação
Em outro lugar (Hill, 2010), eu apresentei um Manifesto pela Educação. Muitas das suas propostas são apoiadas por outros grupos defensores de reformas e de justiça social. Em seu conjunto, essas propostas desafiam consistentemente o capitalismo neoliberal/neoconservador/pré/proto/quase fascista. Uma amostra de tais propostas é a seguinte:
i) Reduzir a duração das aulas.
ii) Extinguir listas de classificação e abolir a maioria das tarefas de avaliação definidas externamente.
iii) Restaurar o controle público local das escolas estatais que estejam sob administração privada, e de instituições filantrópicas, estabelecendo a gestão democrática nas mesmas.
iv) Estabelecer um sistema de ensino secundário totalmente abrangente (conhecido na Índia como uma “escola comum”), para que cada escola tenha uma ampla combinação de diferentes classes sociais e distintos níveis de aproveitamento.
v) Deter a obtenção de lucros de escolas e serviços educativos que tenham sido privatizados, devolvendo-os ao controle público/social.
vi) Integrar escolas particulares e faculdades/universidades ao sistema de ensino estatal.
vii) Sustar a institucionalização de religiões nas escolas e colocar termo a escolas religiosas.
viii) Oferecer uma boa escola local para todas as crianças.
ix) Oferecer merenda escolar gratuita, nutritiva e balanceada.
x) Oferecer aulas gratuitas de educação de adultos, não vocacionais, e culturais, bem como profissionais.
xi) Restaurar ou estabelecer centros residenciais gratuitos financiados pelo Estado e centros/clubes juvenis.
xii) Desatar os currículos que estejam vinculados a uma perspectiva excessivamente prescritiva, para que a ação educativa possa ir além do “currículo básico”.
xiii) Reformar os sistemas de inspeção e vigilância escolar, para que eles sejam de apoio e aconselhamento, ao invés de punitivos.
xiv) Incentivar o pensamento crítico no currículo; ensinar às crianças não “o que pensar”, mas “como pensar”; ensinar a abordagem marxista e a natureza exploradora de classe do capitalismo.
xv) Ensinar nas escolas a alfabetização ecológica e a prontidão para agir pela justiça ambiental, bem como pela justiça econômica e social.
xvi) Assegurar que as escolas sejam antirracistas, antissexistas e anti-homofóbicas e comprometidas com a perspectiva ambiental.
xvii) Proporcionar um currículo de educação sexual honesto nas escolas, que ensine aos alunos não apenas “quando dizer não”, mas também “quando dizer sim”.
xviii) Promover o justo reconhecimento de todos os trabalhadores da escola, evitando demissões compulsórias.
xix) Criar conselhos escolares que incluam a participação de alunos, professores e trabalhadores não docentes.
xx) Ampliar a formação e a qualificação de professores, conforme as diretrizes realçadas neste artigo, de modo que o processo formativo docente seja teorizado e contextualizado social e politicamente, não se restringindo (no todo ou em parte) à preparação para o repasse de técnicas e o exercício de controle.
xxi) Criar um sistema educacional totalmente gratuito, público e democrático, desde a educação infantil até a universidade, concedendo auxílio financeiro aos alunos mais necessitados acima dos 16 anos, e para o seu percurso no ensino superior e na educação continuada.
4. Formação de professores: uma política ecomarxista
Agora, congruente com a abordagem colocada em relevo sobre formação/qualificação docente, e com base em Edwards, Hill e Boxley (2018), apresento algumas propostas que constituem um manifesto marxista para a formação de professores, tendo em conta a justiça econômica, ambiental e social.
São propostas de princípios curriculares que deveriam formar a base da revisão e desenvolvimento de políticas, teorias e práticas. Elas referem-se ao seguinte:
i) Comprometer-se com uma teoria pedagógica em que os contextos sociopolíticos, econômicos e ambientais da escolarização e educação sejam explícitos. Isso implica em compreender as crianças, escolaridade, sociedade e natureza e suas inter-relações, assim como concepções e métodos alternativos, por exemplo, de organização da sala de aula e da escolaridade, e também da relação econômica e política da escola com a sociedade e a natureza.
ii) Desenvolver políticas e práticas de igualdade de oportunidades, para que as crianças não sejam rotuladas, vivam subexpectativas, enfrentem estereótipos e preconceito.
iii) Capacitar os futuros docentes no sentido de se desenvolverem como professores críticos e reflexivos, capazes, por exemplo, de desvendar propósitos contidos em informações dos meios de comunicação e em publicidades, bem como denunciar preconceitos e distorções nas políticas públicas. Isso induz o desenvolvimento de uma profissão docente capaz de se inter-relacionar e de exercer a crítica teórica e prática (aos outros e a si própria – a autocrítica).
iv) Realizar não apenas abordagem técnica, mas também reflexão crítica marxista, de modo a questionar uma política ou teoria específica, e a fazer perguntas críticas como "quais interesses são atendidos por ela?" “Quem ganha?” (mesmo que, de per si, já legitime o status quo) ? “Quem perde?”
v) Capacitar os futuros docentes a compreender as desigualdades e injustiças sociais, econômicas e ambientais presentes em seus locais de trabalho e comunidades, desafiando-as.
5. Conteúdo curricular
As três primeiras áreas de conteúdo curricular abaixo são comuns em diferentes posições ideológicas e, devido à sua quase universalidade, não serão desenvolvidas aqui. As duas seguintes também são amplamente subscritas, embora assumam diferentes graus de manifestações. As dez proposições finais são mais especificamente ecomarxistas.
O currículo da formação docente inicial deve incluir:
i) Habilidades e competências de sala de aula. Os professores precisam de habilidades reflexivas e compreensão da aprendizagem, ensino e gestão da sala de aula.
ii) Conhecimento do conteúdo a lecionar.
iii) Desenvolvimento de habilidades analíticas e intelectuais de nível superior. Isso exige que os professores sejam capazes de agir e pensar em um nível abstrato como entendido, por exemplo, pela perspectiva científica de Lev Vygotsky.
iv) Valorização da formação docente em instituições de ensino superior, ao invés de modalidades de formação fora destas e induzidas por programas em instituições de nível secundário. Instituições de ensino superior focam sobre o desenvolvimento de visões analíticas e reflexivas, promovendo o avanço da pedagogia por meio de uma dialética teoria-prática.
v) Adoção de diferentes estratégias na forma de ensinar, de acordo com o status de formação do professor, e os princípios antes enfatizados neste trabalho.
vi) Compromisso com a justiça econômica, social e ambiental e o reconhecimento da interconexão entre estas três esferas. Se as políticas de igualdade de oportunidades se limitarem a celebrar a diversidade cultural e a estabelecer modelos de comportamento positivos e não estereotipados, e não se vêem a elas próprias como uma forma de desenvolvimento da justiça econômica mais ampla, então podem ser consideradas, em essência, como conservadoras, por não desafiarem o status quo baseado na exploração de classe social (e de raça e gênero).
vii) Evidências de pesquisa sobre questões de igualdade: racismo, sexismo, desigualdade de classe social, homofobia, discriminação e preconceito em relação às deficiências e necessidades especiais, e a interseção desses fatores com as desigualdades econômicas e ambientais.
viii) Abordagem baseada em classe para justiça social, econômica e ambiental no currículo.
xix) Habilidades para lidar com a incidência de comentários classistas, homofóbicos, racistas e sexistas e outros tipos de assédio em vários níveis, como na sala de aula, na instituição escolar como um todo e na sociedade.
x) Desenvolver nas instituições educativas uma perspectiva aberta para a justiça social e ecológica, onde os alunos e funcionários possam encontrar um ambiente de apoio solidário.
xi) Críticas às abordagens baseadas na competição e em ideologias com relação aos currículos, pedagogias, escolarização, formação de professores e à sociedade em geral.
xii) Desenvolver conhecimentos e habilidades para que se examine criticamente a natureza ideológica do ensino e do trabalho dos professores.
xiii) Desenvolvimento simultâneo, ao invés de consecutivo, da reflexão crítica ao longo dos cursos de formação de professores. Se a discussão sobre o contexto social da escolaridade for deixada para a formação continuada, muitos professores não terão formação continuada nessa perspectiva, mas apenas as conhecidas ações de formação em serviço marcadas pelo caráter instrumental e focadas em entregar produtos referentes a metas quantitativas.
xiv) Objetivos curriculares substancialmente predeterminados, ao invés de fundamentalmente negociados? Um programa de ensino crítico-reflexivo deve ter conteúdo predefinido ou ser negociado? Em vários momentos, o foco tem sido sobre o conteúdo do programa de ensino, a análise crítica e o desenvolvimento curricular, as relações pedagógicas entre professores/formadores docentes e estudantes. Indiscutivelmente, o intenso foco da discussão centrada no aluno, de determinado modo, contribui para limitar o desenvolvimento da ampla gama de percepções teóricas aqui defendidas. Para os intelectuais orgânicos, o objetivo não é "dizer às pessoas o que elas devem pensar", mas capacitá-las a pensar com clareza proporcionando-lhes ferramentas como a alfabetização crítica, para então, assim, se comprometerem com a ação cultural e a intervenção social exercitando a consciência crítica (dialética) voltada à transformação social.
xv) Realização de avaliação crítica da prática e experiência baseadas na escola. A teoria pode fornecer o aparato analítico e conceitual para pensar sobre a prática, no tocante ao currículo formal e oculto, enquanto, por outro lado, a prática pode proporcionar a oportunidade para o teste e a assimilação da teoria. Sucessivos governos nos E.U.A. e no Reino Unido, por exemplo, têm priorizado programas de formação docente centrados em escolas. A desvalorização da teoria na formação de professores é um grande problema para o desenvolvimento de um ensino eficaz, que proporciona habilidades críticas e consciência educativa, bem como para o desenvolvimento de uma pedagogia crítica, transformadora e revolucionária.
xvi) Pedagogia da justiça ambiental. Esta envolve o comprometimento ativo com alunos, comunidades e o meio ambiente, e trata das questões sociais, econômicas e ambientais complexas, para que os estudantes possam desenvolver um conhecimento crítico, histórico e transformador. Isso é importante para alunos e professores que vivem e trabalham em comunidades urbanas economicamente desfavorecidas, pois pode reorientar o currículo escolar no sentido de tratar das questões específicas de justiça ambiental que essas comunidades enfrentam.
6. O papel dos educadores marxistas
O papel dos intelectuais públicos marxistas e orgânicos é crucial. Estou falando daqueles que pensam as questões sociais, políticas, culturais e econômicas do ponto de vista do que Gramsci chamou de "bom senso", de uma perspectiva de consciência de classe, onde se situa o delegado sindical, ou organizador sindical, o membro da um partido socialista/marxista, o professor, o trabalhador jovem, o jornalista, o ativista marxista nas redes sociais, etc..
É em tal sentido que reside a nossa importância pedagógica. Seja no ato político festivo, na nossa forma de organização, na divulgação de folhetos, jornais e livros, na atuação nas redes sociais, seja nas conversas cotidianas e na retórica dos debates públicos. Temos um papel a desempenhar nesses espaços, conforme o enfoque da análise socialista e de uma pedagogia transformadora, conectando, por exemplo, o aqui e o agora de uma greve operária por melhores salários ou outras questões com temas distintos, como a segurança no trabalho durante a pandemia da Covid-19, os protestos contra senhorios relativos às rendas e condições de imóveis, uma manifestação pró-imigrante, um ato público antiausteridade fiscal, a linha de piquete de trabalhadores precários e a ocupação de uma empresa multinacional que sonega impostos. Aí está o essencial da Pedagogia Marxista.
Nós, os marxistas, somos necessários. Necessários para levar a cabo transformações na consciência dos que vivem do trabalho, no sentido de promover uma mudança na sua consciência de classe, e necessários para desempenhar um papel de liderança na organização do movimento de superação do capitalismo.
(*) Dave Hill é Professor Emérito de Educação na Anglia Ruskin University, Chelmsford, Reino Unido, e também um veterano ativista político, sindical e educacional socialista/marxista. Ele é fundador e Editor-chefe do Journal for Critical Education Policy Studies. Tradução do original em inglês realizada por Ivonaldo Leite.
Referências bibliográficas
Edwards, G., Hill, D. and Boxley, S. (2018) Critical Teacher Education for Economic, Environmental and Social Justice. Journal for Critical Education Policy Studies 16(3).
Hill, D. (2010) A Socialist Manifesto for Education.
Hill, D. (2017) La educación marxista contra el capitalismo en la era neoliberal (Marxist Education Against Capitalism in the Neoliberal Era). Nuestra Bandera: Theoretical Journal of the Spanish Communist Party, 236.
Lenin, V. I. (1918/1999) The State and Revolution: The Marxist Theory of the State & the Tasks of the Proletariat in the Revolution.
Marx, K. (1845/2002). Theses on Feuerbach. Marxist Internet Archive.
Marx, K. and Engels, F. (1848/2010) Manifesto of the Communist Party. Marxist Internet Archive.
Molyneux, J. (2012) An Introduction to Marxist Philosophy: The Point is to Change it! London: Bookmarks.
|
||||
|
|||||
![]() |