Vai ser preciso ser razoável, ou seja, revolucionário

 

 

Aurélien Barrau (*)

 

 

 

Onde estamos nós em termos de clima e biodiversidade?

 

A situação é catastrófica. É essencial compreender que ainda nada de significativo foi empreendido. Para além do "efeito coronavírus", cada ano é pior do que o anterior. Não falemos em acelerar a transição, ainda nem sequer a iniciámos. E, para fazer sentido, teria de ser radical.

 

Você é um cientista. Qual acha que deve ser a relação com a ciência na luta contra as alterações climáticas? Existe um bom equilíbrio entre governo pela ciência e governo pelo homem?

 

A ciência é um elemento essencial. Faz descobertas e pode fornecer respostas fiáveis a perguntas específicas. Mas ela não pode ser o esteio do nosso ser-no-mundo.

 

As piores ditaduras, por exemplo, funcionam eficazmente, não são cientificamente falsas. A ciência não decide o que é desejável. Se algumas pessoas estão agora preparadas para destruir o futuro dos seus filhos, a vida dos mais frágeis e a possibilidade de existência da maioria dos não-humanos, com o fundamento de que o seu conforto imediato deve prevalecer, isso não é um erro científico. Trata-se antes de um fracasso ético. Sejamos claros, a ciência não é suficiente para determinar a direção desejada, nem para nos mantermos nela.

 

A ciência é, portanto, um indicador relevante, entre outros. Ela ensina-nos que em escalas temporais significativas para a humanidade, as emissões de CO2 são essencialmente irreversíveis. Mostra também que há necessariamente algo de suicida no comportamento super-predatório dos países ricos. Finalmente, assinala que os animais abatidos sofrem e pensam, também eles.

 

Estes são apenas alguns exemplos arbitrários. Mas a ciência não pode decidir o valor que damos a tudo isto. Se decidirmos - como é atualmente o caso - que apoiar as indústrias mais devastadoras é uma prioridade face à salvaguarda da habitabilidade do planeta, ela não pode opor-se a isso.

 

Os "anti-verdes" acusam os ecologistas de serem "punitivos" e de atacarem a liberdade dos indivíduos. O que é que lhes pode responder?

 

Que eles são estúpidos. A base de qualquer organização social é a definição de proibições que, globalmente, protegem a liberdade. Será que os "anti-verdes" querem que a liberdade de os roubar, atacar ou matar seja restaurada? A sua liberdade de serem, de se moverem e de se expressarem assenta fundamentalmente no facto de a liberdade de os lesar ter sido restringida. Será que apoiam a liberdade de conduzir embriagado nas estradas utilizadas pelos seus filhos para irem à escola? Vamos parar de dizer disparates.

 

Plágio, calúnia, difamação, falsificação, trapaças… e mil outras atitudes não letais são - com toda a razão - proibidas. Por outro lado, quase nada obsta às ações criminosas que destroem a vida na Terra e minam a possibilidade de um futuro sem guerra e sem fome.

 

O nosso direito claudica. Não nos protege contra o maior perigo destes tempos. Já não garante a nossa liberdade fundamental de continuar a viver. Não o ver constitui uma incompreensão drástica da situação. Enquanto não trabalharmos sobre estas questões, os criminosos de colarinho branco que contribuem para a catástrofe ecológica e climática continuarão a acreditar que são gente respeitável.

 

Chegou a hora de falar a sério. Estamos perante uma situação que requer toda a nossa inteligência. A questão não é de saber se somos "pela liberdade". Todos adoram a liberdade! A questão é apenas a de dar prevalência a algumas das nossas liberdades, quando estas se revelam incompatíveis entre si. Prefiro poupar as espécies animais e os habitantes de regiões áridas do que poupar a todo o custo o meu direito de conduzir um 4x4 no centro da cidade.

 

A outra crítica frequente é a de uma possível deriva autoritária, com a chegada ao poder de uma ditadura verde. Para além da caricatura, poderemos salvar o estado do planeta recorrendo apenas à deliberação coletiva?

 

Precisamos ainda de saber o que é que denominamos como democracia! E de sair deste imperialismo intelectual que quer que os regimes parlamentares europeus sejam a sua única encarnação possível.

 

Não sei que forma de governação tornaria possível sair do atual padrão de destruição sistemática. Devemos também abordar o grande problema da reificação dos animais, que hoje em dia são vistos como meros recursos e não como seres sencientes, com significado e valor em si mesmos. Bem como, é claro, o do neocolonialismo: o conforto do Norte é pago a um preço bem elevado pelos países do Sul.

 

Parece-me delirante que não estejamos preparados para pensar coletivamente na forma mais eficaz de pôr fim a estas alienações.

 

As alterações climáticas e a perda da biodiversidade ocorreram principalmente desde a revolução industrial e nos países ricos, quando o sistema capitalista aí se generalizou. É necessário deixar o capitalismo para nos salvarmos no plano ambiental?

 

Há, sem dúvida, um problema com o capitalismo. A este respeito, é essencial salientar que nem todas as culturas são responsáveis pela catástrofe. Não foi a "humanidade" que falhou, mas sim uma parte dela. Infelizmente, essa parte está a arrastar para o descalabro toda a nossa espécie, bem como uma grande parte dos outros seres vivos.

 

Mas devemos olhar muito mais amplamente do que apenas o capitalismo. Os maias não eram capitalistas e devastaram o seu meio ambiente com uma espantosa obstinação. É todo um sistema de valores - uma axiologia - baseado na predação máxima que precisa de ser revisto. O capitalismo é apenas um efeito secundário disto. Um sintoma. Então eu responderia: é ainda pior do que isso...

 

O que me desespera é a incapacidade absoluta da modernidade ocidental de se questionar a si própria. Mesmo perante o pior, nada de essencial é discutido ao mais alto nível, não há quaisquer dúvidas sobre os nossos fundamentos. Isto revela uma cegueira patológica.

 

O capitalismo, para além dos seus limites e dos seus excessos, também tem ajudado a melhorar a condição humana, por exemplo, melhorando as condições de trabalho. Devemos dizer adeus ao progresso se nos despedirmos do capitalismo, como proclamam os defensores do "crescimento verde"?

 

O que é espantoso é não nos questionarmos sobre o significado da palavra "progresso". Não há dúvida de que as descobertas em medicina ou em física são bem-vindas, e que essas aventuras do conhecimento devem ser continuadas. Mas será um progresso que uma empresa privada - liderada por um homem cínico - coloque satélites comerciais em órbita que mutilam esse bem comum "sagrado" que é o céu noturno? A produção de um hotel espacial para lânguidos ultra-ricos será algum passo em frente? Tudo está aí.

 

Será um progresso a nova geração de telemóveis, que não satisfaz qualquer necessidade real, implicando, porém, um aumento maciço do consumo, a construção de mil milhões de novos terminais, lacunas de ciber-segurança e um aumento das dependências? A questão nem sequer está a ser colocada.

 

Também aqui, é uma questão de valores: preferimos aceder à Netflix em alta definição a partir do banco de trás do nosso sedan, ou dar uma oportunidade à vida? Este atalho retórico será um pouco caricatural, mas quase correto. Aquilo a que os adeptos do delírio tecnófilo ilimitado chamam "progresso" é na realidade um crime contra o futuro. Um meta-crime.

 

A mobilização dos coletes amarelos recordou-nos a ligação entre as questões sociais e ambientais. É necessário combater frontalmente as desigualdades económicas a fim de progredir na ecologia? Por outras palavras, será a ecologia necessariamente de esquerda?

 

Em todo o caso, a ecologia não é de direita! Uma vez que é necessário - as leis da física são teimosas - reduzir a nossa "pressão" sobre o mundo ambiente, a única e exclusiva solução para evitar um desastre social é a partilha. É tão simples quanto isso. Portanto, sim, há uma conivência estrutural com os valores da esquerda.

 

E penso que esta pode ser uma grande oportunidade: vamos aproveitá-la! Como é possível que tenhamos construído um mundo onde um gestor de armazém sem escrúpulos - o chefe da Amazon - que contribuiu maciçamente para as emissões de gases com efeito de estufa e para a ruína dos pequenos comércios, possa ver a sua fortuna aumentar em mais de 10 mil milhões de dólares num único dia? Cabe-nos a nós pôr fim a esta loucura.

 

Uma grande parte dos nossos serviços públicos e da nossa proteção social é financiada através da tributação da atividade económica, mesmo quando ela é altamente poluente. Como poderemos financiá-los sem crescimento do PIB?

 

Não há dúvida absolutamente nenhuma de que, no geral, teremos de apertar os nossos cintos. Mas se fizermos o trabalho de questionar aquilo que não traz nenhum benefício real e se procedermos a uma partilha razoável, poderemos sem dúvida ganhar em todas as frentes.

 

Insisto: este "aperto do cinto" pode ter lugar para melhor. Por vezes, a obesidade também mata. Pode estar perante uma limitação que assinala a descoberta de encantamentos muito mais emocionantes do que o último algoritmo de alisamento capilar no Instagram... Por isso, é preciso tocar também nos símbolos. A capacidade de emaravilhamento parece-me ser um marco de sucesso muito superior à riqueza pecuniária. Estas hierarquias são performativas, não se trata de "distribuir bons pontos" mas de reorganizar a própria direção da nossa viagem. Todas estas são questões que são também conceptuais e filosóficas.

 

Entretanto, o que podemos fazer pelos trabalhadores da Renault e da Airbus, cujos empregos estão condenados a desaparecer se nos mudarmos para uma sociedade mais sóbria do ponto de vista energético?

 

É óbvio que os empregados em sectores votados ao declínio não têm de pagar o preço. O erro tem sido coletivo e é coletivamente que temos de assumir a responsabilidade pelas reorientações. Não será indolor. Mas se a dor for partilhada, será suportável.

 

Explica regularmente que temos os funcionários eleitos que merecemos, porque apesar da sua inação, voltamos a escolhê-los. Diz que somos incapazes de renunciar ao nosso conforto. Não subestima a força do quadro consumista que as grandes empresas estão a tentar manter, efetivamente, "armadilhando" de facto os indivíduos?

 

Sejamos claros, penso que o problema é sistémico! Não se trata essencialmente de uma questão de ação individual. Nenhuma mudança significativa é possível sem uma revolução intelectual, económica e política. Isto é óbvio para mim, e repito-o aqui fortemente: "pequenos gestos" não são uma solução, uma mudança de paradigma é necessária.

 

Mas, por outro lado, não nos devemos surpreender que os nossos dirigentes não estejam a pôr em prática uma forte agenda ecológica quando, para as eleições nacionais, não escolhemos aquelas e aqueles que se poderiam comprometer nesse sentido…

 

Dito isto, sejamos honestos, numa economia globalizada mesmo um chefe de Estado que compreendesse o problema - o que não é o caso até à data - teria muita dificuldade em agir. Não quero habituar-me à ideia de que estes "dirigentes", orgulhosos do seu poder, sejam incapazes de se sentarem à volta de uma mesa e discutirem seriamente o maior desafio da nossa história. Comportam-se como um bando de pirralhos que querem continuar o jogo do Monopólio a todo o custo - exceto que estão a jogar num avião em vias de se despenhar.

 

Estou também sem palavras perante a incapacidade de antecipação dos presidentes e dos grandes patrões. Sabemos, por exemplo, que a energia disponível irá diminuir. É físico. Haverá, pois, necessariamente, recessão. Mas se continuarmos, até lá, sempre da mesma forma que até aqui, sem estudar e orientar conscientemente este decrescimento, ele far-se-á demasiado tarde a nível ecológico e demasiado depressa a nível social. É a este problema que a maior parte do tempo de reflexão dos decisores deveria estar a ser dedicado.

 

A luta pelo clima e pela biodiversidade é planetária, mas as nossas sociedades estão essencialmente organizadas em torno de 200 Estados. Quando vemos as dificuldades encontradas, tão só, dentro da União Europeia, podemos realmente esperar uma resposta global?

 

Quase não tenho esperança. Mas constatar que trabalhar em conjunto para resolver um problema cardinal parece totalmente impensável, mesmo quando está claramente a tomar forma um futuro devastador, pontuado de secas, guerras e o declínio da vida, parece-me literalmente uma loucura! A nossa imaturidade é angustiante e a responsabilidade dos dirigentes de hoje é imensa.

 

Seremos demasiado egoístas para sermos capazes de nos projetarmos daqui a 50 anos e agirmos hoje? E se sim, pensa que a aceleração dos fenómenos climáticos extremos que já vivemos (ondas de calor, incêndios florestais...) é suscetível de mudar as coisas?

 

É ainda pior do que isso. A destruição de cerca de 60% dos animais selvagens em apenas algumas décadas já teve lugar. Nem sequer precisamos de nos projetar, seria suficiente observar. Com cada novo desastre, pensamos sempre que "desta vez eles vão entender", mas nada feito, a Medef [confederação patronal francesa – Nota do Tradutor] e os seus afiliados convidam-nos a consumir mais...

 

A capacidade das elites para compreender problemas complexos é quase nula. Isto significa que não são, de facto, elites, mas sim uma classe decadente e perigosa. São singularmente carentes de poesia e, sem pensamento poético, é impossível conceber um outro estado de coisas.

 

Movimento #YouthForClimate, o avanço dos ambientalistas nas eleições, a Convenção Cidadã sobre o Clima... parece que está a ser ganha uma batalha ideológica pelo ambiente. Serão estes desenvolvimentos suscetíveis de dar novas esperanças?

 

Não sei. Não é suficiente dizer "sim, eu quero um mundo melhor". Temos ainda que darmo-nos os meios para o fazer. Estamos, neste mesmo momento, a destruir as condições de habitabilidade deste planeta. Em poucas décadas, massacrámos o que centenas de milhões de anos de evolução subtil e frágil tinham elaborado. Um pequeno "voto verde" a nível municipal não é suficiente.

 

Temos de trabalhar sobre o coração daquilo que somos: o desejo. E decidir coletivamente que o suicídio predatório e arrogante já não é uma postura desejável. Teremos de ser razoáveis, ou seja, revolucionários.

 

 

 

 

 

(*) Aurélien Barrau (n. 1973) é um astrofísico de profissão, especializado em cosmologia, gravidade quântica, buracos negros e relatividade geral. Trabalha no Laboratório de Física Subatómica e Cosmologia de Grenoble (LPSC) no âmbito do seu polígono científico. É também professor na Universidade de Grenoble-Alpes - responsável pelo mestrado em física subatómica e cosmologia -, membro do comité de gestão do Centro de Física Teórica de Grenoble-Alpes e professor convidado em diversas instituições académicas internacionais. É membro nomeado do Comité national de la recherche scientifique (CoNRS), secção de física teórica. Tem também um doutoramento em filosofia, sendo um apaixonado por poesia. Para além do mundo académico e da investigação, tornou-se uma das vozes cidadãs mais escutadas nos últimos anos, na luta contra as alterações climáticas e o declínio da biodiversidade. Ativista ambiental, adere às teses do colapso e é a favor do decrescimento. A sua presença no debate público, bem como o seu último trabalho (Le plus grand défi de l'histoire de l'humanité: Face à la catastrophe écologique et sociale, Michel Lafon, 2020) conquistaram-lhe uma reputação crescente. Desejando retirar-se da cena mediática, porque "é importante que esta causa não seja encarnada por alguns poucos rostos", concordou no entanto em conceder esta entrevista à revista Alternatives Économiques. Atradução é de Ângelo Novo.