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Introdução
O Irão parece estar com uma mão muito forte no confronto com os imperialistas norte-americanos e seus aliados regionais. Salvo algum imprevisto catastrófico, a vitória estratégica pertencer-lhes-á naturalmente, o que vai redesenhar por completo a paisagem geopolítica no Médio Oriente e, um pouco, no próprio mundo. Isto na hipótese de uma saída pactuada, que é a mais provável. Neste momento, não está sequer excluída a hipótese de uma débâcle militar norte-americana e israelita, que seria, naturalmente, de longe, o desenlace mais interessante para os trabalhadores, os povos, a paz mundial e a própria saúde do ecossistema planetário. A poderosa Casa de Saud, com o terceiro orçamento militar mundial, acaba de desabar fragorosamente no campo de batalha perante tão só as milícias populares Ansurallah Houthi, de um dos países mais pobres do mundo, a viver uma crise humanitária sem precedentes, fruto da agressão de que foi alvo pelos seus vizinhos do norte, sem qualquer mandato da ONU mas copiosa e discricionariamente assistidos pelos arsenais de todo o ocidente.
A Amazónia arde descontroladamente e os incendiários levantam triunfalmente as suas tochas em homenagem ao presidente Bolsonaro, que os saúda nem muito discretamente. O descrédito internacional do governo acentua-se. Prossegue a comédia neofascista, mas à esquina espreita a tragédia. Enquanto as traves mestras do Estado demoliberal brasileiro forem capazes de se aguentar, não haveria problema de maior em ter um fascista histérico e soez (obsessivamente enlevado com torturadores) a vociferar no Planalto, em lugar de um cortesão como FHC, com o seu sorriso melífluo e altaneiro. O problema é quando começarmos a ver uma escalada de agressões impunes e as liberdades em constante erosão. Aí teremos um dilema. Organizamos uma autêntica autodefesa popular (não armada), com o risco de assustar ainda mais a burguesia, empurrando uma grande parte dela para o campo do fascismo. Ou vamos tentar "sensibilizar" a burguesia para a necessidade de defender (ou restaurar) o Estado de Direito democrático. O PT escolherá sempre esta última via, partindo do pressuposto apodítico de que a burguesia é e será sempre dona do Estado. Em nosso entender, devemos ensaiar a primeira via, mantendo embora sempre algumas vias de diálogo com a intelectualidade humanista e setores da burguesia prejudicados pela atual politica externa de subalternidade e entreguismo ao imperialismo norte-americano. Entretanto, a base de apoio do bolsonarismo está em franca erosão e parece mais remota a hipótese de poder vir a reunir força para uma golpada interna de “regime change”.
Há um novo miúdo na rua. Na verdade, é uma miúda, com umas belas tranças louras. Tem olhos doces, mas transporta em si uma fúria bem articulada e fulminante. A questão das alterações climáticas atingiu finalmente um “tipping point” decisivo na paciência da juventude. A partir deste verão, nada mais será como dantes. Há um frémito de pânico a percorrer as hostes do neofascismo e da ortodoxia neoliberal, que não recua perante o insulto, a ameaça velada e os impropérios mais grosseiros. Oh, que belo espetáculo dais, meus senhores! Sobretudo porque essas agressões e despautérios deslizam pelos delgados ombros da menina abaixo, sem fazer a mínima mossa, sem que ela bem se aperceba (tem coisas mais sérias em que pensar), enquanto os perpetradores se enterram desesperadamente no seu próprio lodaçal, com um esgar de horror. O maior perigo vem dos falsos amiguinhos hipócritas e bem-falantes (como Barack Obama), com as suas promessas vazias de sempre.
Alex Callinicos traz-nos uma apreciação lúcida do que está em jogo mundialmente na luta pela preservação dos equilíbrios ecológicos fundamentais e porque é dever dos socialistas revolucionários postarem-se em apoio incondicional à revolta juvenil. Alexandre Araújo Costa lavra uma nota sumária de acusação a este sistema social expoliador e destrutivo, com o registo dos danos por ele já infligidos e em curso à nossa casa-mãe. No campo burguês progressista levantam-se vozes a favor de um Green New Deal para salvar o planeta, na vigésima quinta hora. Jasper Bernes explica pacientemente porque razões esse esforço será sempre fútil, dentro do capitalismo. Jorge Riechmann coloca a questão da população humana para dizer que é totalmente impossível mantê-la nos níveis atuais e projetados para o futuro próximo, dentro dos padrões de vida que atualmente se impõem socialmente como os desejáveis.
Michael Löwy retraça as fundações e expõe as linhas orientadoras gerais do ecossocialismo como projeto político mobilizador de esperança numa nova sociedade em paz consigo própria e com o seu ambiente natural. Vivek Chibber faz uma defesa apaixonada e rigorosamente estruturada do universalismo marxista, contra as sereias culturalmente relativistas da doutrina pós-colonialista. A teoria do imperialismo é uma área do saber tão fundamental e urgente, como frequentemente sujeita a renúncias e demissionismos por parte de companheiros nossos no mundo ocidental. A propósito dos 50 anos da publicação de A Era do Imperialismo de Harry Magdoff, o atual diretor da Monthly Review, John Bellamy Foster, traça a história do conceito, suas vicissitudes na história do pensamento e os desenvolvimentos mais recentes do seu próprio objeto, que se reúnem analiticamente sob a denominação de imperialismo tardio.
Uma vez mais recorremos à ajuda preciosa de Prabhat Patnaik para perceber o que se passa na economia mundial, explicado com clareza ímpar numa escassa dúzia de parágrafos. Cédric Durand e Razmig Keucheyan vêm muito oportunamente rever e reanalisar o conceito de planeamento económico, tendo em conta as possibilidades técnicas atuais e os objetivos de participação democrática e promoção da racionalidade no uso de recursos. Ângelo Novo retoma neste número a sua revisitação da revolução soviética e seu impacto na nossa situação atual, detendo-se nesta IV parte no período estalinista e pós-estalinista. Este trabalho é um ensaio de reinterpretação. Factualmente baseado nas melhores fontes secundárias disponíveis, respeita o rigor histórico estabelecido (ou as conjeturas melhor informadas), ousando algumas liberdades literárias. As partes II e III podem ser lidas como uma espécie de autobiografia intelectual de Lenine. Nesta parte IV novamente se usa a assunção pelo narrador de vozes interiores de alguns protagonistas. Procurou-se seguir a lição de Fernão Lopes: “Ora esguardae como se fosses presente”. Com bird’s eye view.
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O Comuneiro continua e continuará solidário com Julian Assange, Chelsea Manning e Edward Snowden, bravos dissidentes do mundo ocidental, lutadores contra o império da manipulação e do cinismo. Assange (um dos melhores valores da sua geração) está detido ilegalmente, isolado, sujeito a tortura, constantemente interrogado com recurso a químicos, correndo sério perigo de vida, na democratíssima Inglaterra, à ordem ilegal e extraterritorial da democratíssima National Security Agency norte-americana, perante o silêncio cúmplice de praticamente toda a nossa séria, humanitária e, oh sim, livre e democratíssima imprensa.
Os Editores
Ângelo Novo
Ronaldo Fonseca
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