Marx e acumulação primitiva:

O caráter contínuo das "vedações" do capital

 

 

Massimo de Angelis (*)

 

 

1. Introdução

 

Nos últimos vinte anos, a ortodoxia neoliberal se tornou predominante em todos os níveis cimeiros de governação e moldou as recomendações políticas dos principais grupos de reflexão em todo o mundo (1). Os países testemunharam ataques contínuos contra aquelas funções do Estado que foram projetadas para compensar as inadequações e injustiças do mercado. Cortes nas despesas sociais tomaram, naturalmente, muitas formas e feitios. Isso dependia do contexto histórico e socioeconómico em que foram implementados, seja nos países "ricos" do Norte, nos países "pobres" do Sul ou nos países "de transição" do Leste. No entanto, com uma leitura superficial da copiosa literatura existente sobre este assunto, fica-se com a forte sensação de que existe algo de comum entre, digamos, o corte nos benefícios de desemprego na Grã-Bretanha, ditado pela necessidade de equilibrar o orçamento; a onda de privatizações na Polônia, provocada pela necessidade de desmantelar o socialismo estatal; e os cortes nos subsídios alimentares na Tanzânia, ocasionados pela necessidade de reembolsar a dívida externa. Este artigo sugere que uma reinterpretação da teoria de Marx sobre a acumulação primitiva pode nos dar algumas ideias importantes sobre o caráter social comum daquilo que prima facie aparentam ser políticas diferentes provocadas por diferentes circunstâncias.

 

De acordo com uma das mais correntes interpretações tradicionais, o conceito de Marx de acumulação primitiva refere-se ao processo histórico que deu origem às pré-condições de um modo de produção capitalista. Essas pré-condições se referem principalmente à criação de uma secção da população sem outros meios de subsistência senão a sua força de trabalho para ser vendida num nascente mercado de trabalho e à acumulação de capital que pode ser usado em indústrias nascentes. Nesta conceção, o adjetivo "primitivo" corresponde a uma dimensão temporal clara (o passado), que se torna a condição para um futuro capitalista. Alternativamente, o mesmo conceito de acumulação primitiva foi interpretado como um fenômeno contínuo dentro do modo de produção capitalista, especialmente em conexão com análises marxistas descrevendo a subordinação do Sul ao Norte na economia mundial.

 

Neste artigo, argumento que a teoria de Marx da acumulação primitiva pode ser vista como contendo tanto um sentido histórico como um sentido de continuidade, mas em formas que divergem das interpretações tradicionais. Na segunda secção, revisito brevemente as duas abordagens clássicas da acumulação primitiva dentro da tradição marxista. Na secção três, discuto a definição de Marx de acumulação primitiva e localizo-a dentro de sua análise mais ampla do modo de produção capitalista. Isso me levará a destacar duas implicações teóricas principais da ideia de Marx de acumulação primitiva, ou seja, o fato de que ela descreve uma separação forçada entre pessoas e meios sociais de produção e o fato de que essa separação pode assumir várias formas. Na secção quatro, desenvolvo brevemente este último ponto e examino algumas das formas de acumulação primitiva discutidas por Marx. Finalmente, na secção cinco, retorno ao significado social da acumulação primitiva identificada na secção três. Baseando-nos no aparelho teórico de Marx - principalmente sua análise da relação entre sujeito e objeto, sua teoria da alienação e sua distinção entre acumulação e acumulação primitiva - argumento que a acumulação primitiva está necessariamente presente em sistemas capitalistas "maduros" e, dada a natureza conflitual das relações capitalista, assume um caráter "contínuo". Na conclusão, discuto brevemente as implicações políticas desta análise.

 

Para nos concentrarmos na discussão teórica de Marx, vou abstrair-me aqui dos debates em torno do papel e significado de "acumulações socialistas primitivas". Além disso, pelo mesmo motivo, não me vou envolver na dissecação do significado das diferentes nuances tomadas pela categoria estudada, quando na literatura ela é referida como acumulação "original", "primitiva" ou "primária". Meu uso de "acumulação primitiva" neste artigo é apenas uma escolha de conveniência, pois acredito que esta tenha sido a denominação mais comum dada a esta categoria (seguida de "original" e, por fim, "primária"). Desafiar este costume estabelecido teria de ser objeto de um outro artigo.

 

2. Uma breve revisão das interpretações tradicionais

 

O conceito de acumulação primitiva é uma dessas ideias que entrou no vocabulário comum dos estudiosos de Marx, sem ter gerado muita controvérsia ou debate teórico (2).

 

Dentro da literatura, é possível identificar dois quadros interpretativos principais da acumulação primitiva. O primeiro pode ser representado pelo estudo do jovem Lenine sobre O desenvolvimento do capitalismo na Rússia (1899). Esta abordagem vê a acumulação primitiva principalmente como a premissa histórica para o modo de produção capitalista e, portanto, se concentra no processo de separação entre pessoas e meios de produção no momento da transição entre modos de produção. Em sua polêmica contra os populistas (que acreditavam que a ausência de um mercado desenvolvido impediria o desenvolvimento do capitalismo na Rússia) Lenine argumentou que o desaparecimento dos camponeses e sua expropriação, juntamente com a das suas comunidades, foram as condições para a criação do mercado capitalista na Rússia. Lenine viu esse processo como inevitável e, finalmente, positivo, embora tenha muitas vezes sublinhado as suas contradições. No entanto, entre essas contradições não se incluem padrões de resistência contra a expropriação e como essa resistência poderia ter contribuído para criar resultados que contrariassem os requisitos do desenvolvimento do capitalismo russo. Como ele não prevê uma resistência camponesa, não prevê a criação de uma "legislação sangrenta" russa (Marx 1867: 896) para vencer essa resistência.

 

A Acumulação de Capital (1913) de Rosa Luxemburgo representa uma segunda interpretação. Embora ela tenha aceite formalmente o entendimento da acumulação primitiva como um fenômeno localizado no tempo e no espaço, conduzindo ao capitalismo (para uma crítica, ver Rosdolsky 1977: 279), o quadro teórico que formou aponta para uma interpretação diferente. No quadro de Luxemburgo, os esquemas de reprodução alargada de Marx são apenas uma representação das condições matemáticas para a acumulação no caso em que existem apenas duas classes. Na realidade, afirma ela, a produção capitalista depende sempre ainda de terceiros (camponeses, pequenos produtores independentes, etc.) para serem compradores de mercadorias. Assim, a imposição de relações de intercâmbio entre produção capitalista e não capitalista torna-se necessária para a realização da mais-valia. No entanto, essa relação de troca entra em conflito com as relações sociais de produção não-capitalistas. Para superar a resistência ao capital que decorre desse choque, o capital deve recorrer à violência militar e política.

 

Aqui, Luxemburgo apresenta uma tese crucial que, independentemente da validade do seu raciocínio e da sua interpretação dos esquemas de Marx, me parece fundamental: o pré-requisito extraeconómico da produção capitalista – aquilo que chamamos de acumulação primitiva - é uma condição inerente e contínua das sociedades modernas e o seu campo de ação se estende ao mundo inteiro. Consequentemente, Luxemburgo é capaz de combinar a sua análise teórica da acumulação com uma conjetura política: uma vez que todo o mundo se torne capitalista, a acumulação capitalista alcançará seu fim histórico. Aqui a luta de classes entra em cena como um deus ex machina antes que o colapso seja trazido por condições objetivas. Como no caso de Lenine, também para Luxemburgo a resistência e a luta não são elementos constitutivos da acumulação primitiva, mas apenas um subproduto possível, embora importante.

 

As duas interpretações clássicas de Lenine e Luxemburgo deixaram a sua marca em abordagens posteriores. Talvez seja útil rotular a interpretação de Lenine como "acumulação primitiva histórica" por indicar uma era, definida histórica e temporalmente, descrevendo o padrão de separação entre pessoas e meios de produção. A abordagem de Luxemburgo à acumulação primitiva poderia ser rotulada como "acumulação primitiva contínua-inerente", para indicar o fato de que o característico processo extraeconómico de separação entre pessoas e meios de produção é aí um processo contínuo e inerente à produção capitalista. As interpretações subsequentes e mais modernas parecem compartilhar as características básicas destas duas abordagens. Por exemplo, em seus estudos clássicos sobre o desenvolvimento do capitalismo, Maurice Dobb usa a categoria de acumulação primitiva para indicar uma era bem definida de acumulação de direitos de propriedade mais conhecida como idade mercantil:

 

“Se algum sentido deve ser reconhecido, portanto, à noção de uma "acumulação primitiva" (no sentido que o termo tem em Marx) anterior no tempo ao florescimento completo da produção capitalista, isso deve ser interpretado em primeiro lugar como uma acumulação de créditos de capital - de títulos para ativos existentes que são acumulados principalmente por razões especulativas; e em segundo lugar como acumulação nas mãos de uma classe que, em virtude de sua posição especial na sociedade, é capaz, em última instância, de transformar esses títulos acumulados em meios reais de produção. Por outras palavras, quando se fala de acumulação em um sentido histórico, devemo-nos referir-se à propriedade de ativos, e a uma transferência de propriedade, e não à quantidade de instrumentos tangíveis de produção existentes” (Dobb 1963: 178).

 

De acordo com Dobb, portanto, a acumulação primitiva é a acumulação "no sentido histórico". Vale a pena notar que também Paul Sweezy, o principal oponente de Dobb no famoso debate sobre a transição do feudalismo ao capitalismo publicado na revista Science and Society em 1950-53, reconhece o "excelente tratamento dos problemas essenciais do período de acumulação original" feito por Dobb (Sweezy 1950: 157). O debate agora histórico sobre "transição" (coletado em Hilton 1978) e seus desenvolvimentos e transfigurações posteriores, como o debate de Brenner nas páginas da revista Past and Present nos anos 1970 (recolhido em Astor e Philperin 1985) e trocas de argumentos posteriores em Science and Society (Gottlieb, 1984; Laibman, 1984; Sweezy, 1986; McLennon, 1986) caracterizam-se por uma geral aceitação comum dessa definição histórica de acumulação primitiva.

 

Diferente da abordagem de Dobb da acumulação primitiva como um período historicamente anterior, é a abordagem de Samir Amin, que está mais próxima da noção de acumulação primitiva inerente e contínua, ocorrendo através daquilo que Amin define como transferências de valor dentro da economia mundial:

 

“Relações entre as formações do mundo "desenvolvido" ou avançado (o centro) e aquelas do mundo subdesenvolvido (a periferia) são afetadas por transferências de valor, e estas constituem a essência do problema da acumulação à escala mundial. Sempre que o modo de produção capitalista entra em relações com modos de produção pré-capitalistas e sujeita estes a si próprio, as transferências de valor decorrem das formações pré-capitalistas para as formações capitalistas, como resultado dos mecanismos de acumulação primitiva. Estes mecanismos não pertencem apenas à pré-história do capitalismo; eles também são contemporâneos. São estas formas primitivas de acumulação, modificadas mas persistentes, em benefício do centro, que formam o domínio da teoria da acumulação à escala mundial” (Amin 1974: 3).

 

Uma outra interpretação dentro deste mesmo quadro geral pode ser considerada a noção de sistema mundial de Immanuel Wallerstein (1979). O caráter contínuo da acumulação primitiva nestas conceções enfatiza os mecanismos objetivos de acumulação e circulação de capital.

 

Um exame cuidadoso da definição de Marx de acumulação primitiva nos permitirá avaliar criticamente os argumentos empregues pelas interpretações históricas e contínuas, reformulando-as politicamente. A ideia crucial no núcleo da abordagem de Marx é o conceito de separação entre produtores e meios de produção (no que se vai seguir, me referirei a isso simplesmente como separação). Este conceito, quando inserido dentro da lógica contrastante da acumulação ilimitada de capital e das lutas populares pela liberdade e dignidade, não só nos ajuda a descrever a natureza recorrente da "acumulação primitiva" mas também aponta para a questão política central de qualquer alternativa ao capitalismo: a do acesso direto aos meios de existência.

 

3. O conceito de Marx de acumulação primitiva

 

3.1. A definição de acumulação primitiva

 

Nos oito capítulos da Parte Oito do Volume I de O Capital, Marx discute "a chamada acumulação primitiva". Para qualquer período de tempo dado, o processo de acumulação pressupõe, é claro, que algum capital pré-acumulado foi lançado no processo de produção. Parece, portanto, que a produção capitalista como um todo pressupõe alguma acumulação "original" ou "primitiva". Embora ele nunca use este termo, Adam Smith foi o primeiro a se referir a esta noção, ao alegar que "o acúmulo de estoque" é uma condição prévia para a divisão do trabalho (Smith 1776: 277) e, consequentemente, para a melhoria do poder produtivo do trabalho. A abordagem de Marx à acumulação primitiva aparece desde o início ligada ao diferente significado teórico que ele dá à categoria de capital. A noção de acumulação primitiva baseia-se para ele na noção de capital como relação de classe, em vez de capital como "estoque":

 

“A relação de capital pressupõe uma separação completa entre os trabalhadores e a propriedade das condições para a realização do trabalho” (Marx 1867: 874. Ênfase minha, MdA).

 

Dado o significado do capital como relação de classe, segue-se que

 

“o processo… que cria a relação de capital nada pode ser senão o processo que divide o trabalhador da propriedade das condições de seu próprio trabalho; é um processo que opera duas transformações, segundo as quais os meios sociais de subsistência e de produção são transformados em capital e os produtores imediatos são transformados em trabalhadores assalariados” (Marx 1867: 874. Ênfase minha, MdA).

 

Assim, a

 

“chamada acumulação primitiva… não é mais do que o processo histórico de divorciar o produtor dos meios de produção” (Marx 1867: 874-5).

 

Podemos também encontrar indícios da ênfase de Marx nas relações de classe na estrutura desta seção de O Capital. Marx dedica dois capítulos desta seção à formação da classe trabalhadora (capítulos 27 e 28) e três capítulos à formação da burguesia (capítulos 29, 30 e 31).

 

Existem três pontos centrais que considero importantes na compreensão da abordagem de Marx à acumulação primitiva. O primeiro é que a separação entre produtores e meios de produção é uma caraterística comum da acumulação e da acumulação primitiva. O segundo é que essa separação é uma categoria central (se não a categoria central) da crítica de Marx à economia política. O terceiro é que a diferença entre acumulação e acumulação primitiva, não sendo uma diferença substantiva, é uma diferença nas condições e formas nas quais essa separação é implementada. No que se vai seguir, analiso esses três aspetos em sequência.

 

3.2. Separação e o segredo da acumulação (primitiva)

 

A idéia de separação aplica-se tanto à acumulação como à acumulação primitiva. Marx é extremamente preciso sobre isso. No volume III de O Capital, ele enfatiza que a acumulação propriamente dita não é nada senão a acumulação primitiva - que Marx definiu no volume I em termos de separação - "elevada a um poder superior" (Marx 1894: 354). Em Teorias da Mais-Valia ele é ainda mais preciso, escrevendo que a acumulação "reproduz a separação e a existência independente de riqueza material contra o trabalho em uma escala cada vez maior" (Marx, 1971: 315. Ênfase minha, MdA) e portanto, "simplesmente apresenta como um processo contínuo o que na acumulação primitiva aparece como um processo histórico distinto" (Marx 1971: 271; 311-2). Novamente, nos Grundrisse ele afirma: "Uma vez que esta separação é dada, o processo de produção só pode produzi-la de novo, reproduzi-la, e reproduzi-la numa escala expandida" (Marx 1858: 462. Ênfase minha, MdA).

 

3.3. O significado e a centralidade da "separação" na teoria de Marx

 

Sabe-se que o método de investigação próprio de Marx começa a partir das "leis da economia burguesa"… [como] uma chave para a compreensão do passado" e não da "história real das relações de produção" (Marx 1858: 460-1). Assim, entender o que Marx quis dizer por separação, no contexto da acumulação do capital, nos permite apreciar o significado que ele dá à separação "original" ou primitiva.

 

No contexto da acumulação, a separação de produtores e meios de produção significa essencialmente, que as "condições objetivas do trabalho vivo aparecem como valores separados e independentes opostos às capacidades do trabalho vivo enquanto ser subjetivo, que, portanto, aparecem para elas apenas como um valor de outro tipo" (Marx 1858: 461). A separação de produtores e meios de produção ao nível social significa a colocação de trabalho vivo e condições de produção como valores independentes, subsistindo em oposição um ao outro:

 

“As condições objetivas de capacidade de trabalho vivo são pressupostas como tendo uma existência independente dela, como a objetividade de um sujeito distinto da capacidade de trabalho vivo e subsistindo independentemente e contra ela; a reprodução e realização, ou seja, a expansão dessas condições objetivas, é, portanto, ao mesmo tempo, a sua própria reprodução e nova produção como a riqueza de um sujeito alheio, subsistindo de forma independente e indiferente à capacidade de trabalho. O que é reproduzido e produzido de novo é não apenas a presença dessas condições objetivas de trabalho vivo, mas também sua presença como valores independentes, isto é, valores pertencentes a um sujeito alheio, confrontando essa capacidade de trabalho vivo” (Marx 1858: 462).

 

Esta separação, portanto, é uma condição fundamental para a teoria de Marx da reificação, da transformação do sujeito em objeto. Por outras palavras, por causa desta separação "as condições objetivas de trabalho alcançam uma existência subjetiva em relação à capacidade de trabalho vivo" (Marx 1858: 462). Isso significava que os meios de produção são submetidos ao impulso para a autovalorização e autoexpansão, e isso, da perspectiva do capital, é tudo o que conta. Por outro lado, o trabalho vivo, o "ser subjetivo" par excellence, é transformado em uma coisa entre as coisas", é meramente um valor de um valor de uso particular ao lado das condições de sua própria realização como valores de outro valor de uso" (Marx 1858: 462). A especificidade deste sujeito reificado – o trabalho vivo – é que

 

“O material em que funciona é material alheio; o instrumento é igualmente um instrumento alheio; seu trabalho aparece como um mero acessório de sua substância e, portanto, objetiva-se em coisas que não lhe pertencem a ele. De fato, o próprio trabalho vivo aparece como alheio em relação à capacidade de trabalho vivo, cujo trabalho é, cuja expressão da vida é, pois foi entregue ao capital em troca de trabalho objetivado, pelo produto do próprio trabalho” (Marx 1858: 462).

 

A ideia de separação, portanto, faz um estrito eco da análise de Marx sobre o trabalho alienado, como trabalho alienado do objeto de produção, dos meios de produção, do produto e dos outros produtores (Marx 1844). A oposição que vimos estar implícita nessa definição, é, obviamente, uma oposição antagónica que expressa uma "relação específica de produção, um relacionamento social específico em que os donos das condições de produção consideram a força de trabalho viva como uma coisa" (Marx, 1863-66: 989) (3). Estes mesmos proprietários são considerados apenas como "capital personificado", em que o capital é entendido como tendo "uma única força motriz, o impulso para se valorizar, criar mais-valia, para fazer a sua parte constante, os meios de produção, absorver a maior quantidade possível de trabalho excedente" (Marx 1867: 342). O conceito de separação nos permite esclarecer a referência de Marx a acumulação de capital como acumulação de relações sociais: "O processo de produção capitalista… visto como um processo total, conectado, ou seja, um processo de reprodução, produz não apenas mercadorias, não só mais-valia, mas também produz e reproduz a própria relação de capital; de um lado o capitalista, do outro, o trabalhador assalariado" (Marx 1867: 724).

 

3.4. A distinção entre acumulação e acumulação primitiva

 

Tendo definido o caráter comum de acumulação e acumulação primitiva, Marx está, é claro, também ansioso por apontar a sua distinção. Ao contrário da acumulação propriamente dita, o que "pode ser chamado de acumulação primitiva… é a base histórica, em vez do resultado histórico, da produção especificamente capitalista" (Marx 1867: 775). Compartilhando o mesmo princípio – a separação - os dois conceitos apontam para duas diferentes condições de existência. O último implica a produção ex novo da separação, enquanto o primeiro implica a reprodução - em uma maior escala - dessa mesma separação:

 

“É na verdade este divórcio entre as condições de trabalho, por um lado, e os produtores, por outro, que forma o conceito de capital, tal como ele se ergue com a acumulação primitiva… subsequentemente aparecendo como um processo constante na acumulação e concentração de capital, antes que, finalmente, seja expresso aqui como a centralização de capitais já existente em umas poucas mãos e a descapitalização de muitos” (Marx 1894: 354-5).

 

A diferença fundamental, portanto, reside, em Marx, não tanto no momento da ocorrência desta separação - embora um elemento sequencial esteja naturalmente sempre presente – mas nas condições e circunstâncias em que essa separação é imposta. Nos Grundrisse, por exemplo, Marx enfatiza a distinção entre as condições do surgimento do capital (tornar-se) e as condições da existência do capital (ser). As primeiras, "desaparecem quando surge o capital real", enquanto as últimas não aparecem como "condições de seu surgimento, mas como resultados de sua presença" (Marx 1858: 460-1). Marx enfatiza aqui um ponto simples mas crucial: "Uma vez desenvolvido historicamente, o próprio capital cria as condições de sua existência (não como condições para o seu surgimento, mas como resultados do seu ser)" (Marx 1858: 459), e, portanto, conduz à reprodução (em escala crescente) da separação entre meios de produção e produtores. No entanto, a produção ex novo da separação implica forças sociais que estão postadas fora do domínio das leis económicas "puras" e impessoais. A separação ex novo entre meios de produção e produtores corresponde à criação ex novo da oposição entre os dois, à fundação ex novo do caráter especificamente alienado adquirido pelo trabalho no capitalismo.

 

Este é o elemento de novidade, de "originalidade" que Marx parece indicar quando enfatiza que, enquanto a acumulação depende primariamente da "compulsão silenciosa das relações econômicas [que] marcam o selo da dominação do capitalista sobre o trabalhador", no caso da acumulação primitiva a separação é imposta primariamente através de "força extraeconómica direta" (Marx, 1867: 899-900), como o Estado (Marx 1867: 900), secções particulares de classes sociais (Marx, 1867: 879), etc. Podemos dizer, portanto, que a acumulação primitiva para Marx é um processo social instigado por algum ator social (o Estado, classes sociais particulares, etc.) dirigido às pessoas que têm alguma forma de acesso direto aos meios de produção. Esse processo social geralmente toma a forma de uma estratégia que visa separá-los dos meios de produção.

 

A discussão acima exposta nos permite explicar as duas principais bases teóricas para uma reformulação da teoria de Marx da acumulação primitiva. Primeiro, a separação não indica apenas a rotura entre modos de produção em um período epocal de "transição". Isso implica que a acumulação primitiva não pode ser confinada a um passado distante. Na interpretação de Marx que estou propondo, não há nada que indique que esta separação não possa ocorrer a qualquer momento, mesmo dentro de um modo de produção capitalista "maduro", em que as condições para uma separação ex novo já estão adquiridas. Vou discutir esta questão com mais detalhes na secção 5, ao avaliar os elementos de continuidade da teoria da acumulação primitiva de Marx dentro do modo de produção capitalista. Em segundo lugar, insistindo no papel da separação na definição de acumulação primitiva e enfatizando que a distinção entre acumulação e acumulação primitiva se baseia nas condições de implementação desta separação, abre-se o caminho para investigar quais são as diferentes formas possíveis de acumulação primitiva. Isso, está claro, pode levam à formulação de uma taxonomia da acumulação primitiva que não pode ser discutida aqui. Na secção 4, em vez disso, discuto algumas das variantes de acumulação primitiva propostas por Marx.

 

4. Diferentes formas de acumulação primitiva em Marx

 

Sabe-se que a discussão de Marx sobre o processo das vedações de terras na Inglaterra foi uma mera ilustração da acumulação primitiva, uma ilustração específica da Inglaterra (4). Além disso, mesmo a discussão de Marx sobre a acumulação primitiva em Inglaterra leva-nos, por arrastamento, a terras distantes, na medida em que essas áreas estiveram ligadas e subordinadas ao processo de acumulação em Inglaterra (5). Um típico exemplo é o tráfico de escravos. Entre 1690 e 1721 novos portos foram criados (como Liverpool), enquanto antigos ganharam uma nova vida em resultado do florescente comércio de escravos (como Bristol). O número dos escravos transportados subiu de 27.500 no século XVII para uma estimativa de entre 40.000 e 100.000 no século XVIII (Linebaugh 1991: 46). Marx não teve dificuldade em apontar que "Liverpool engordou com base no comércio de escravos" e que, de fato, "esse foi o seu método de acumulação primitiva" (Marx 1867: 924). No entanto, esse método de acumulação primitiva não implicava um clássico modelo marxista de transição do feudalismo ao capitalismo aplicado a África. Esse modelo, que era ortodoxia marxista comum até há pouco tempo, enfatizando o papel desempenhado pelas vedações de terras na "transição" do modo de produção feudal para o capitalista em Inglaterra, contribuiu para transformar o conceito de acumulação primitiva em uma pedra angular de um edifício monumental geralmente referido como “teoria dos estádios” (6). Em vez disso, o exemplo do tráfico de escravos mostra que a acumulação primitiva pode ocorrer através da interação entre o Norte e o Sul, uma divisão internacional do trabalho, a destruição de comunidades africanas e a escravização. Marx estava, naturalmente, muito bem ciente de todas estas formas. Portanto, neste caso, o "processo histórico de separação dos produtores dos meios de produção" revelou características e dimensões bastante diferentes das representações estereotipadas de vedações de terras retratando a passagem do "feudalismo" para o "capitalismo" na Europa. Aqui, a acumulação primitiva é consistente com a compreensão da economia capitalista como uma economia-mundo em sentido braudeliano (Braudel, 1982), em que a acumulação em um lugar pode corresponder a acumulação primitiva em outro lugar, em que a produção ex novo da separação pode ser a condição da reprodução da mesma separação em outro local interligado. Neste ponto, podemos agora apreciar plenamente os novos horizontes fornecidos pela interpretação da acumulação primitiva que denominamos de "contínua-inerente".

 

Marx se refere a outras formas de acumulação primitiva. Estas são as obtidas através da manipulação de dinheiro pelo Estado. Marx considera a dívida pública, o sistema de crédito internacional e os impostos como meios fundamentais para promover a acumulação primitiva. A dívida pública

 

“torna-se uma das alavancas mais poderosas da acumulação primitiva. Como com um golpe de varinha mágica, dá a dinheiro improdutivo o poder de criação e assim o transforma em capital, sem forçá-lo a se expor aos problemas e riscos inseparáveis do seu emprego na indústria ou mesmo na usura” (Marx 1867: 919).

 

Complementar à dívida pública é o sistema fiscal moderno,

 

“cujo pivô é formado por impostos sobre os meios de subsistência mais necessários (e, portanto, por aumentos em seus preços), assim contendo em si próprio o germe da progressão automática. A sobretaxação não é uma ocorrência acidental, mas sim um princípio. Na Holanda, portanto, onde este sistema foi instaurado pela primeira vez, o grande patriota De Witt, exaltava-o, nas suas Máximas, como o melhor sistema para tornar o trabalhador assalariado submisso, frugal, trabalhador... e sobrecarregado com o trabalho” (Marx 1867: 921).

 

Do mesmo modo, o sistema de crédito internacional, que cresce com a dívida nacional

 

“muitas vezes esconde uma das fontes de acumulação primitiva neste ou naquele povo… Um excelente negócio para o capital, que aparece hoje nos Estados Unidos sem qualquer certificado de nascimento, que foi ontem, na Inglaterra, o sangue capitalizado das crianças” (Marx 1867: 920).

 

Todos esses exemplos apontam para o facto de que a acumulação primitiva para Marx não assume apenas a forma de vedação territorial direta, como no processo de acumulação primitiva inglesa, mas também ocorre por outros meios. Uma breve pesquisa da literatura atual sobre o vínculo entre dívida do Terceiro Mundo e a pobreza generalizada revela que as características do capitalismo do século XVIII-XIX podem ter uma semelhança impressionante com as do capitalismo do século XXI, uma vez que, é claro, os diferentes contextos históricos sejam levados em consideração.

 

5. O caráter contínuo da acumulação primitiva

 

5.1. Introdução

 

Em um recente e importante estudo, Michael Perelman (2000, cap. 2) (7) apoia a ideia do caráter contínuo da acumulação primitiva em Marx ao longo de três linhas principais de interpretação (8), fornecendo algumas provas textuais (9). Além disso, Perelman realça que Marx quis desenfatizar o conceito de acumulação primitiva por uma razão política e estratégica, e não teórica. A ênfase excessiva na acumulação primitiva teria distraído o leitor da "silenciosa compulsão do mercado" (Perelman 2000: 31). O argumento é que Marx queria sublinhar o papel das forças do mercado, onde as forças do mercado substituíram a acumulação primitiva como dispositivo disciplinar que impõe a separação entre mão-de-obra e meios de produção. Embora esta interpretação possa explicar a discussão relativamente menos extensa de Marx sobre a categoria da acumulação primitiva, não aborda a questão de saber até que ponto o quadro teórico de Marx é compatível com o caráter contínuo da acumulação primitiva.

 

5.2. Continuidade, conflito de classes e comunismo

 

A interpretação da análise de Marx sobre a acumulação primitiva apresentada até agora revelou dois pontos básicos interconetados: primeiro, a acumulação primitiva é a produção ex-novo da separação entre produtores e meios de produção e, portanto, em certas condições, representa uma estratégia. Em segundo lugar, esse processo ou estratégia social pode assumir formas diferentes. A historicidade contida no conceito é revelada não tanto pelo facto de que a acumulação primitiva ocorre antes da existênciado modo de produção capitalista - embora seja esse também o caso - mas por ser a base, a pressuposição, a condição básica necessária para que a acumulação de capital possa ocorrer. Deve notar-se que esta última definição é própria de Marx e é mais geral do que a adotada pela clássica "interpretação histórica", e, portanto, engloba-a. Isto porque se a acumulação primitiva for definida em termos das condições prévias que ela preenche para a acumulação de capital, a sua dimensão temporal inclui, em princípio, tanto o período de estabelecimento de um modo capitalista de produção como a preservação e expansão do modo de produção capitalista em qualquer momento em que os produtores se constituam como um obstáculo à reprodução da sua separação em relação aos meios de produção, separação compreendida em termos descritos anteriormente.

 

Outra maneira de colocar a questão seria através do conceito de "duplo movimento" de Karl Polanyi (Polanyi 1944). De um lado, há o movimento histórico do mercado, um movimento que não herdou qualquer limite e, portanto, ameaça a própria existência da sociedade. Por outro lado, existe a propensão natural da sociedade para se defender e, portanto, criar instituições para sua proteção. Nos termos de Polanyi, o elemento contínuo da acumulação primitiva de Marx poderia ser identificado nesses processos sociais ou conjuntos de estratégias destinados a desmantelar as instituições que protegem a sociedade do mercado. O elemento crucial de continuidade na reformulação da teoria de Marx da acumulação primitiva surge, portanto, uma vez que conheçamos o outro movimento da sociedade.

 

Derivamos o caráter estratégico da acumulação primitiva de sua definição: "o processo histórico de separação do produtor dos meios de produção", enquanto na definição de acumulação esse divórcio ocorreu numa escala crescente. Em Marx, este último divórcio é, claramente, o resultado da força motriz do que podemos chamar de um sujeito histórico principal - embora ele seja despersonalizado - isto é, o capital, que Marx define repetidamente em termos de seu impulso interminável para autoexpansão, para a acumulação (10). Este impulso interminável para a expansão é obrigado a entrar em conflito com limites, como os que são colocados por áreas geográficas ainda não afetadas pela produção capitalista ou situadas nas suas margens. Exemplos de expansão em áreas geográficas incluem, por exemplo, o já citado comércio de escravos, mencionado por Marx. A discussão promovida por Luxemburgo pode, pelo menos, servir para realçar esta visão existente dentro do texto de Marx (11). No entanto, Marx frequentemente se refere ao capital também como reativo em relação às forças sociais que colocam um limite à acumulação. Em especial, o capital é visto como reagente contra os efeitos das várias lutas empreendidas pelo que Marx acreditava ser o sujeito histórico da transformação social por excelência – a classe trabalhadora (12).

 

O choque dessas duas forças históricas revela a natureza oposicional da "forma atual de relações de produção", o que "dá sinais do seu devir - prefigurando o futuro" (Marx 1858: 461). Vimos que Marx define a natureza oposicional embutida na relação de produção capitalista em termos de separação entre produtores e meios de produção. Assim, a definição de acumulação primitiva - da origem dessa separação - está ligada ao núcleo central da visão de Marx de uma sociedade humana, pois que reflete uma visão do seu oposto: que os produtores tenham acesso direto aos meios de produção (é evidente que este acesso se refere a uma condição de produção coletiva e não apenas a uma estratégia de sobrevivência individual no mercado alternativa ao salário laboral). Para Marx, o acesso direto aos meios de produção pode certamente adquirir muitas formas, algumas das quais podem coexistir historicamente também com formas de exploração (veja alguns exemplos de Marx (1867: 170-1)). No entanto, todos eles mostram diferentes graus daquilo que é, sem dúvida, absolutamente central no pensamento de Marx: a autonomia e autodeterminação dos produtores na organização e administração do trabalho social. Assim, a acumulação primitiva, definida em termos de separação (que é tratada na última seção de volume I de O Capital) é apenas uma imagem espelhada do salto de Marx para uma hipotética sociedade pós-capitalista (sugerida na primeira seção do mesmo volume), na qual ele imagina, "uma associação de homens livres, trabalhando com os meios de produção detidos em comum, e gastando suas muito diferentes formas de força de trabalho, em plena autoconsciência, como uma única força de trabalho social" (Marx 1867: 171. Sublinhado meu, MdA).

 

Numa secção anterior, indiquei que o caráter alienado do trabalho resulta da reprodução da separação entre produtores e meios de produção dentro do processo de acumulação. O caráter alienado do trabalho é, naturalmente, uma das principais fontes de conflito de classe inerente e contínuo dentro da teoria do capitalismo de Marx. Além disso, sua transcendência é para Marx o horizonte principal ao longo do qual ele pode imaginar uma sociedade pós-capitalista. Dentro do enquadramento teórico e crítico de Marx, portanto, o divórcio incorporado na definição de acumulação primitiva pode ser entendido não apenas como origem do capital em relação às relações sociais pré-capitalistas, mas também como uma reafirmação das prioridades do capital em relação às forças sociais que atuam contra essa separação. Portanto, os espaços pré-capitalistas de autonomia (a terra comum dos yeomen ingleses, os bens comuns de África, alvo dos traficantes de escravos) não são os únicos objetos das estratégias de acumulação primitiva. Objetos de acumulação primitiva também se tornam quaisquer equilíbrios de poder entre classes que constituam uma "rigidez" na promoção do processo capitalista de acumulação, ou que ajam na direção oposta. Uma vez que, para Marx, as lutas das classes trabalhadoras são um elemento contínuo da relação capitalista de produção, o capital deve se envolver continuamente em estratégias de acumulação primitiva para recriar a "base" da própria acumulação.

 

Este elemento de continuidade da acumulação primitiva não é apenas consistente com a análise empírica de Marx descrevendo o processo de acumulação primitiva, mas também parece estar contido no seu quadro teórico. Isto porque a acumulação é igual à acumulação primitiva "a um mais elevado grau" e "uma vez que o capital existe, o próprio modo de produção capitalista evolui de tal forma que mantém e reproduz essa separação em uma escala em constante aumento, até que uma reversão histórica ocorra" (Marx 1971: 271. Minha ênfase, MdA). Assim, a "reversão histórica" é definida como um limite para a acumulação e a acumulação primitiva é definida como um desafio – lançado da perspetiva do capital - a essa "reversão histórica". Na medida em que o conflito de classe cria estrangulamentos ao processo de acumulação, no sentido da redução da distância entre produtores e meios de produção, qualquer estratégia utilizada para recuperar ou reverter esse movimento de associação tem direito à categorização – consistentemente com a teoria e a definição de Marx - de acumulação primitiva.

 

O texto de Marx é bastante claro sobre isso. Conforme citado anteriormente - reproduzo aqui por conveniência - a acumulação baseia-se na "compulsão silenciosa das relações econômicas [que] marca o selo da dominação do capitalista sobre o trabalhador". Neste caso,

 

“a força direta extraeconómica ainda é, naturalmente, usada, mas apenas em casos excecionais. No curso ordinário das coisas, o trabalhador pode ser entregue às ‘leis naturais da produção’, ou seja, é possível confiar na sua dependência do capital, que decorre das próprias condições de produção, sendo garantida em perpetuidade por elas” (Marx 1867: 899-900).

 

Diferentemente

 

“durante a génese histórica da produção capitalista. A burguesia em ascensão precisa do poder do Estado e o usa para ‘regular’ os salários, ou seja, comprimi-los para os limites adequados para o lucro, prolongando o dia útil de trabalho e mantendo o próprio trabalhador no seu nível histórico de dependência. Este é um aspecto essencial da chamada acumulação primitiva” (Marx 1867: 899-900).

 

A principal diferença entre o "curso ordinário das coisas" e "acumulação primitiva", portanto, parece ser a existência de "uma classe trabalhadora que, por educação, tradição e hábito, encara os requisitos desse modo de produção como leis naturais autoevidentes" (ibid.). Portanto, na medida em que a classe trabalhadora aceita os requisitos do capital como leis naturais, a acumulação não precisa de acumulação primitiva. No entanto, as lutas de classe dos trabalhadoras representam precisamente uma rotura naquela aceitação, uma não conformidade com as leis de oferta e procura, uma recusa da subordinação ao "curso ordinário das coisas". Quando isso acontece, dois fenômenos interrelacionados acontecem, na opinião de Marx.

 

Primeiro, o uso ideológico da economia política para legitimar o "curso ordinário das coisas", ou as "leis naturais da produção capitalista":

 

“assim que os trabalhadores aprendam o segredo de porque acontece que quanto mais eles trabalham, mais riqueza alheia produzem... assim que, ao estabelecer sindicatos, etc., eles tentam organizar a cooperação planejada entre os empregados e os desempregados, a fim de evitar ou enfraquecer os efeitos ruinosos desta lei natural da produção capitalista na sua classe, logo o capital e a sua sicofanta economia política clamam pela violação da ‘eterna’ e, por assim dizer, ‘sagrada’ lei da oferta e da procura. (Marx 1867: 793).

 

Na medida em que identificamos a ideologia como uma forma de poder social (Bobbio 1990), então esse uso ideológico da economia política neste enquadramento é, em si mesmo, um meio extraeconómico para reimpor o "curso ordinário das coisas".

 

Em segundo lugar, Marx, é claro, enfatiza outros meios extraeconómicos mais materiais:

 

“Toda combinação entre empregado e desempregado perturba a ação ‘pura’ dessa lei. Mas, por outro lado, assim que... circunstâncias adversas impedem a criação de um exército de reserva industrial, e com ele a dependência absoluta da classe trabalhadora em relação à classe capitalista, o capital, juntamente com seu prosaico Sancho Pança, se rebela contra a ‘sagrada’ lei de oferta e da procura, tentando compensar as suas insuficiências por meio do uso da força” (Marx 1867: 794).

 

Segue-se, portanto, que não só é a "acumulação primitiva,… a base histórica, em vez do resultado histórico, da produção especificamente capitalista" (Marx 1867: 775), mas ela também adquire um caráter contínuo - dependente da continuidade inerente ao conflito social - dentro da produção capitalista. Nas duas secções seguintes, forneço duas ilustrações curtas desses elementos de continuidade, extrapolado do texto de Marx.

 

5.3. Ilustração I: A continuidade da acumulação primitiva e as vedações

 

O primeiro exemplo não implica um modo de produção capitalista "maduro", mas serve como uma melhor maneira de apontar a relevância conceitual da luta de classes para a definição de acumulação primitiva em Marx. Tomo este exemplo de um evento que aconteceu durante o período "clássico" de vedação de terras em Inglaterra. No domingo, 1 de abril de 1649, um pequeno grupo de homens pobres juntou-se na colina St. George, nos arredores de Londres e à beira da grande floresta de Windsor, campo de caça do rei e da realeza. Eles começaram a cavar a terra como uma "assunção simbólica de propriedade comum de terras" (Hill 1972: 110). Dentro de dez dias, o seu número cresceu para quatro ou cinco mil. Um ano depois, "a colónia havia sido dispersa à força, sus cabanas e móveis queimados, os cavadores expulsos da área" (Hill 1972: 113). Este episódio da história inglesa podia ser consistentemente adicionado ao capítulo 28 de O Capital, intitulado "Legislação sangrenta contra os expropriados". No entanto, enquanto a maior parte desse capítulo aborda a legislação dos Tudor visando criminalizar e reprimir o comportamento popular induzido pela expropriação de terras (vagabundagem, mendicidade, roubo), este episódio dá um passo adiante, deixando claro que a acumulação primitiva adquire sentido em relação aos padrões de resistência e luta. Este episódio implica a atividade consciente e organizada de uma massa de pobres urbanos e sem terra visando a reapropriação direta de terra para sua transformação em terra comum. Parafraseando Marx, era uma atividade visando "associar o produtor aos meios de produção". É claro, portanto, que a força usada pelas autoridades para dispersar os cavadores (“diggers”), pode ser entendida, de acordo com a teoria de Marx, como um ato de "acumulação primitiva", porque reintroduz a separação entre produtores e meios de produção. Embora Marx não tenha incluído esse episódio no seu tratamento da acumulação primitiva, no capítulo 28 de O Capital ele se refere a um punhado de casos em que as lutas são contrapostas à legislação estatal que representa, seja um "recuo" do capital face a essas lutas (13), seja uma tentativa de contê-las (14).

 

5.4. Ilustração II: A continuidade da acumulação primitiva e a "barreira social" contra o capital

 

Outro exemplo envolve uma produção capitalista "madura" e leva-nos à descrição de Marx da relação entre a mais-valia absoluta e relativa, no caso o limite para o dia de trabalho. No final do capítulo 10 de O Capital sobre o dia de trabalho, Marx aponta como as ações da classe trabalhadora são responsáveis por erigir uma "barreira social" à extensão do dia de trabalho.

 

“Para ‘proteção’ contra a serpente das suas agonias, os trabalhadores devem juntar as suas cabeças e, enquanto classe, forçar a aprovação de uma lei, uma barreira social poderosa pela qual eles sejam impedidos de se venderem e às suas famílias, em escravidão e morte, por contrato voluntário com o capital. Para o lugar do catálogo pomposo dos ‘direitos inalienáveis do homem', entra a modesta Magna Carta do dia de trabalho legalmente limitado, que pelo menos deixa claro ‘quando termina o tempo em que o trabalhador se vende, e quando começa o seu próprio tempo’" (Marx 1867: 416).

 

Esta "barreira social todo-poderosa" erigida pelas lutas dos trabalhadores e que define a extensão do dia de trabalho, estabelece um limite para a extração da mais-valia absoluta. A definição de uma barreira social evoca a ideia de um limite social para além do qual o capital não pode mais promover a oposição do trabalho morto ao trabalho vivo. Nesse sentido, esta barreira social é uma forma de "bem comum social" porque estabelece um limite à extensão, à escala da separação entre produtores e meios de produção.

 

É "juntando as suas cabeças… como uma classe", e impondo um limite para o dia de trabalho que os produtores afirmam suas necessidades humanas face ao sistema de produção alienante (15), colmatando a distância que os separa dos meios de produção.

 

Neste ponto, o capital introduz a maquinaria (16), que é "a arma mais poderosa para suprimir as greves, as revoltas periódicas da classe trabalhadora contra a autocracia do capital" (Marx 1867: 562) (17). A introdução da maquinaria neste contexto representa um ato de acumulação, de recriação da separação a uma escala maior, para além do limite imposto pela "barreira social". Racionalizando o dia de trabalho, reestruturando o processo de trabalho e dispensando força de trabalho, a introdução de máquinas visa contornar essa "barreira social" que foi erguida e, portanto, recriar a separação entre as forças de produção e os produtores a uma maior escala. Ao fazê-lo, intensifica o trabalho, na medida em que "a hora mais densa do dia de trabalho de dez horas contém mais trabalho, isto é, força de trabalho despendida, do que a mais porosa hora do dia de trabalho de 12 horas" (Marx 1867: 534). É evidente que qualquer tentativa de revogar a lei que define a extensão do dia de trabalho seria, isso sim, um ato de produção ex novo dessa separação, um ato de acumulação primitiva.

 

6. Conclusão

 

O quadro interpretativo aqui fornecido enfatizou a continuidade da acumulação primitiva e a sua fundamental persistência em economias capitalistas maduras. A base dessa continuidade é facilmente encontrada, uma vez que reconheçamos aquilo que Marx chama de "natureza antagónica da relação capitalista". O resultado é, assim o creio, uma imagem da teoria de Marx da acumulação primitiva que nos fornece vislumbres sobre a caraterística essencial da própria acumulação capitalista - o divórcio entre produtores e meios de produção - e sobre os limites impostos à acumulação capitalista pelas lutas sociais. Reformular a teoria de Marx da acumulação primitiva dessa maneira contribui para resgatar a teoria de Marx do modo de produção capitalista de sua irrelevância política, na melhor das hipóteses, e da sua instrumentalização para a opressão capitalista, na pior das hipóteses. Na verdade, considerar a "acumulação primitiva" como uma fase histórica em vez de uma estratégia recorrente em relação ao caráter contínuo das lutas, abriu o caminho para que mesmo "revolucionários" a acolhessem e a promovessem como uma etapa necessária para o "socialismo".

 

A ênfase aqui colocada sobre a semelhança conceitual básica entre esses processos ocorridos no período considerado pelos historiadores como o alvorecer da era capitalista e na idade considerada pelo simples senso comum como a do sistema capitalista maduro, não implica minimizar as suas óbvias e notáveis diferenças. As formas modernas de acumulação primitiva ocorrem em contextos bastante diferentes daqueles em que ocorreu o movimento inglês das vedações ou o tráfico de escravos. No entanto, enfatizar o seu caráter comum nos permite interpretar o novo sem esquecer as árduas lições do antigo. Os direitos e prestações socioeconómicos são, na maioria dos casos, o resultado de batalhas passadas. Instituições estatais desenvolveram-se e tentaram compatibilizar muitos desses direitos e prestações com as prioridades de um sistema capitalista. As prestações e os direitos garantidos pelo Estado providência do pós-guerra, por exemplo, podem ser entendidos como a institucionalização, em formas particulares, de bens comuns sociais. Juntamente com políticas de alto crescimento, a implementação de políticas de pleno emprego e a institucionalização de pactos de produtividade, o Estado providência foi configurado para acomodar as expectativas das pessoas após duas guerras mundiais, a revolução soviética e um crescente movimento sindical internacional. Portanto, o atual projeto global neoliberal, que de várias maneiras visa os bens sociais comuns criados no período do pós-guerra, se estabeleceu como uma forma moderna de vedação, apodado por alguns como "novas vedações" (18).

 

Assim, a compreensão do caráter contínuo das vedações aponta para duas questões políticas cruciais. Primeiro, o facto de que existe um terreno comum entre diferentes formas fenoménicas de políticas neoliberais, e que os povos do Norte, Oriente e Sul estão enfrentando estratégias fenomenicamente diferentes, mas substancialmente semelhantes, de separações em relação aos meios de existência. Em segundo lugar, nos permite identificar a essencial questão genérica que qualquer discussão sobre alternativas no ascendente movimento global anticapitalista deve colocar: a questão do acesso direto aos meios de existência, de produção e de comunicação, a questão dos bens comuns.

 

 

 

 

(*) Massimo de Angelis é um investigador e ensaísta de origem italiana, há já alguns anos residente em Inglaterra. As suas áreas de interesse são teoria do valor, capitalismo global, movimentos sociais e a leitura política de narrativas económicas. É atualmente professor de Política Económica e Mudança Social na Universidade de East London. É autor, entre outras, das seguintes obras publicadas em língua inglesa: Keynesianism, Social Conflict and Political Economy, Palgrave MacMillan, 2000; The Beginning of History: Value Struggles and Global Capital, Pluto Press, London, 2006; Collectivize! Essays on the Political Economy of Urban Form, Ruby Press, 2013; Omnia Sunt Communia: On the Commons and the Transformation to Postcapitalism, Zed Books, London, 2017. O presente artigo é uma versão ligeiramente modificada de "Marx's Theory of Primitive Accumulation: A Suggested Reinterpretation”. Na presente versão, o ensaio foi publicado originalmente na revista eletrónica The Commoner, N.º 2, Setembro de 2001. Esta revista, de que o autor foi editor fundador, foi uma das inspirações iniciais de O Comuneiro. A sua publicação foi infelizmente interrompida em 2012.

 

 

 

____________________

NOTAS:

 

(1) [NOTA DO EDITOR] Este ensaio foi escrito no final da década de 1990, pelo que, infelizmente, aos vinte anos a que aqui se faz referência há que juntar outros vinte em que nada de substancial se alterou quanto à matéria referida.

 

(2) Já não é isso o que se passa com a aplicação deste conceito a descrições históricas da chamada transição do feudalismo ao capitalismo. Como referirei brevemente mais adiante, isso aí gerou bastante debate.

 

(3) Para uma análise mais detalhada da conexão entre reificação e fetichismo da mercadoria na análise de Marx, veja-se De Angelis (1996).

 

(4) Em uma carta ao conselho editorial do Otechestvenniye Zapitski de novembro de 1877, Marx esclarece como "[o] capítulo sobre a acumulação primitiva pretende não mais do que traçar o caminho através do qual, na Europa Ocidental, a ordem econômica capitalista emergiu do útero da ordem econômica feudal. Portanto, apresenta o movimento histórico que, divorciando os produtores de seus meios de produção, converteu os primeiros em trabalhadores assalariados (proletários no sentido moderno da palavra) e os proprietários destes últimos em capitalistas" (Marx 1878: 135).

 

(5) O estreito confinamento geográfico, muitas vezes implícito na abordagem histórica tradicional, tem sido, naturalmente, objeto de algumas críticas. Por exemplo, em seu famoso estudo sobre o subdesenvolvimento africano, Walter Rodney (1972: 101) escreve: "O fosso ideológico é responsável pelo facto de que a maioria dos estudiosos burgueses escreve sobre fenómenos como a revolução industrial na Inglaterra sem mencionar uma única vez o comércio de escravos europeu como fator de acumulação primária de capital… Mas até mesmo os marxistas (tão proeminentes como Maurice Dobb e E. J. Hobsbawn) por muitos anos concentraram-se no exame da evolução do capitalismo a partir do feudalismo dentro da Europa, com apenas uma referência marginal à massiva exploração de africanos, asiáticos e índios americanos".

 

(6) De acordo com a interpretação da "teoria dos estádios", Marx divide a história mundial em estádios, cada um dos quais com a sua própria estrutura econômica e social. A transição de um estádio "inferior" para um "superior" deve seguir um caminho lógico e não é possível saltar etapas de desenvolvimento. Esta interpretação, que era dominante até há pouco tempo, constitui a estrutura básica do materialismo histórico clássico. Está ligada à interpretação histórica da acumulação primitiva, na medida em que uma acumulação primitiva claramente demarcada temporariamente criaria as condições para uma transição para o estágio capitalista da história mundial. Infelizmente, Marx escreveu contra transformar a experiência inglesa em um modelo universal para a história do desenvolvimento social e econômico. Por exemplo, na edição francesa de O Capital, a última editada pelo próprio Marx, ele limita claramente a sua análise da acumulação primitiva à Europa Ocidental (Smith 1995: 54). Numa clara declaração contra uma teoria dos estádios universal, a famosa resposta de Marx a Vera Zasulich é autoexplicativa: "A inevitabilidade histórica de uma completa separação de… o produtor dos meios de produção... é, portanto, expressamente restrita aos países da Europa Ocidental" (Marx, 1881: 124).

 

(7) Veja-se o ensaio de Michael Perelman sobre esta questão neste número de O Comuneiro.

 

(8) Estas são as seguintes: primeiro, o material na parte 8 não parece ser qualitativamente diferente do que é encontrado no capítulo anterior intitulado "a teoria geral da acumulação capitalista". Segundo: "Quando o estudo de Marx da acumulação primitiva finalmente chega ao assunto de Edward Gibbon Wakefield, Marx não qualificou sua apreciação do pai da teoria colonial moderna, limitando sua relevância a uma Inglaterra anterior. Em vez disso, ele insistiu em que Wakefield ofereceu vislumbres significativos sobre a Inglaterra onde Marx viveu e trabalhou" (Perelman, 1997, capítulo 2: 4). Terceiro, "lida a essa luz, a carta de Marx a Mikhailovsky também é consistente com a ideia de que a importância da acumulação primitiva não era o que ela ensina sobre sociedades atrasadas, mas sobre as sociedades mais avançadas... O próprio Marx, referindo-se às instituições do México, insistira em que ‘a natureza do capital continua a ser a mesma nas suas formas evoluídas como nas suas formas subdesenvolvidas’ (Marx 1867: 400n)" (Perelman 1997, capítulo 2: 4).

 

(9) Por exemplo, em relação à discussão sobre o decréscimo da taxa de lucro, a referência de Marx a "expropriar o resíduo final de produtores diretos que ainda tenham algo para expropriar" (Marx 1894: 348). Isto, obviamente, pressupõe que o processo de expropriação, de separação ex-novo entre produtores e meios de produção, não está concluído mesmo dentro de uma sociedade capitalista madura, em que a taxa de lucro está já sujeita à tendência para a queda.

 

(10) Por exemplo, Marx argumenta que "a circulação do dinheiro como capital é um fim em si próprio, pois que a valorização do valor ocorre apenas dentro deste movimento constantemente renovado. O movimento de capital é, portanto, ilimitado" (Marx, 1967: 253). Para uma discussão sobre a noção de Marx de infinitude da acumulação, veja-se De Angelis (1995).

 

(11) Há muitos outros exemplos mencionados por estudiosos radicais. Perelman (1997) cita a economia doméstica como alvo de acumulação primitiva, bem como a expropriação de outros bens comuns, como a conversão de feriados tradicionais em dias úteis. Federici (1992), Fortunati (1981) e Mies (1986), entre outros, referem-se à expropriação dos corpos das mulheres, isto é, dos poderes sexuais e reprodutivos das mulheres, para a acumulação de força de trabalho que se adeque às necessidades de valorização do capital. Federici (1988) refere-se ao terror da caça às bruxas nos séculos XVI e XVII, que abriu o caminho para as tentativas estaduais de controlo das taxas demográficas e da reprodução da força de trabalho.

 

(12) Aqui entra a abordagem mais ampla de Marx, em que a luta de classes desempenha um papel central (Cleaver, 1979; Caffentzis, 1995; De Angelis, 1995).

 

(13) "As bárbaras leis contra as combinações de trabalhadores entraram em colapso em 1825, diante da atitude ameaçadora do proletariado" (Marx 1867: 903).

 

(14) "Durante as primeiras tempestades da revolução, a burguesia francesa ousou retirar aos trabalhadores o direito de associação que eles acabavam de adquirir" (Marx 1867: 903).

 

(15) Esta separação, como vimos, é realizada pelo grau em que o trabalho morto comanda o trabalho vivo, isto é, em que "os meios de produção utilizam o trabalhador, de modo que o trabalho aparece apenas como um instrumento que permite um quantum de valor, ou seja, uma massa específica de trabalho objetivado por intermédio da ação de trabalho vivo. O capital utiliza o trabalhador, não é o trabalhador que utiliza o capital, e apenas os artigos que utilizam o trabalhador e, portanto, possuem independência, uma consciência e uma vontade própria no capitalista, são capital" (Marx 1863-1866: 1008).

Devido à separação entre os meios de produção e os produtores diretos, "o movimento e a atividade do instrumento de trabalho afirma sua independência em relação ao trabalhador. O instrumento do trabalho agora se torna uma forma industrial de movimento perpétuo. Ele continuaria produzindo para sempre, se não se deparasse com certos limites naturais na forma dos corpos fracos e das vontades fortes dos seus assistentes humanos" (Marx 1867: 526).

 

(16) "Assim que o surgimento gradual da revolta da classe trabalhadora… impossibilite, de uma vez por todas, o aumento da produção de mais-valias, pelo prolongamento do dia de trabalho, o capital se atira, com todas as suas forças e em plena consciência da situação, à produção de mais-valias relativas, acelerando o desenvolvimento do sistema de máquinas" (Marx 1867: 533-4).

 

(17) Marx argumenta que a maquinaria "não age apenas como um concorrente superior ao trabalhador, sempre a postos para o tornar supérfluo. É um poder inimigo para ele, e o capital proclama esse facto bem alto e de forma deliberada, além de fazer uso disso... Seria possível escrever toda uma história das invenções feitas desde 1830 com o único propósito de fornecer ao capital armas contra a revolta da classe trabalhadora" (Marx 1867: 562-3).

 

(18) Veja, por exemplo, Federici (1992) e o editorial de Midnight Notes dos anos 1990, ambos publicados no Nº 2 de The Commonor. Veja também Caffentzis (1995).

 

 

 

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