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Introdução
O esbulho da democracia no Brasil prossegue sem rebuço. Como é habitual nas classes dominantes, a agressão expropriadora acompanha-se com a injúria. O PT de Lula aceitou a passagem de testemunho de exercício do governo numa república burguesa estruturalmente corrupta. A decisão foi correta, porque o movimento popular não tinha então força suficiente para impôr uma reforma constitucional em profundidade. O problema é que a política nova teve assim que se fazer pelos velhos meios... ou não se fazia de todo. E numa virada da maré, o lulismo ficou com o flanco exposto à revanche direitista. A burguesia não tem problema de princípio com a corrupção, que é aliás o seu meio próprio. A corrupção ao serviço da inclusão popular, isso sim, é para ela uma sujeira absolutamente repugnante. Há que dar batalha em defesa da república democrática nascida do “Diretas já!” e da expansão de cidadania operada pelo projeto nacional-desenvolvimentista do PT. Isso posto, a esquerda tem de se recompor e refazer seu projeto, agora com total independência. Por causa da corrupção...
A União Europeia, em choque com a defeção do Reino Unido, começa a dar sinais de reação à hegemonia alemã. A periferia mediterrânica organiza-se, dispondo agora de uma minoria de bloqueio no conselho. Angela Merkel não será afinal a chancelerina europeia que sonhou ser durante todo o ano passado. As coisas mudam. A alta burocracia bruxelense coage, chantageia e ameaça com o habitual cinismo, mas de uma forma estranhamente desconexa e inconsequente, sem a mesma coesão implacável de que deu provas contra a Grécia. A panela de pressão do euro começa atingir uma tensão intolerável, sob um pano de fundo de grandes falências bancárias em perspetiva e movimentos populacionais incontroláveis.
No presente número de O Comuneiro, Ângelo Novo conclui o seu ensaio sobre Democracia, Capitalismo e Revolução iniciado no número de março passado. Revisitando velhas questões da teoria marxista do Estado capitalista, procura-se delinear uma estratégia de intervenção política para o socialismo revolucionário que tenha a democracia como eixo fundamental, de toque a reunir defensivo e também de busca prospetiva de sentido para as lutas ainda a vir.
Armando Boito prossegue também a sua esclarecedora análise da crise política brasileira, nomeando os diversos interesses sociais que se puseram em movimento, e entraram em choque, no contexto de um impasse do projeto nacional neodesenvolvimentista. Giovanni Alves faz a análise do golpe antidemocrático de 2016 no Brasil, situando-o agora no contexto da crise global do capitalismo neoliberal e das movimentações imperialistas daí decorrentes. Sem ceder ao pessimismo histórico, Ivonaldo Leite reflete sobre os atuais retrocessos populares na América Latina à luz trágica literariamente desvelada pelos Cem Anos de Solidão de Gabriel García Márquez.
A sociologia é um discurso científico contendo normatividade social e exclusão, nomeadamente na questão crucial da violência, denuncia António Pedro Dores. O impressionante surto de práticas fraudulentas na investigação científica é o resultado do modelo produtivista que lhe foi imposto, com a pressão das avaliações quantitativas. Assim o considera Marcos Barbosa de Oliveira que ajuíza como ineficazes, para lhe por cobro, prédicas moralizantes e ameaças repressivas. Tiago Donoso explora uma das últimas fronteiras da mercantilização integral da vida: o sono. É mais um arrepiante pesadelo da fase atual do capitalismo, a requerer um urgente despertar. Daniel Tanuro procede a um rigoroso levantamento histórico materialista da questão ecológica e com isso dá-nos chaves para as lutas futuras.
A revolução bolivariana na Venezuela atravessa horas de grande perigo, mas marcará sempre o despertar do socialismo no século XXI. Neste número de O Comuneiro publicamos duas peças de debate teórico, solicitadas diretamente por Hugo Chávez a grandes pensadores marxistas contemporâneos. A primeira é um ensaio de István Mészáros sobre uma Nova Internacional como indispensável instrumento de luta para a superação histórica do capitalismo. Michael Lebowitz apresenta duas exposições sequenciais sobre estratégia de transição ao socialismo, com algumas explicações que constituem, por si sós, curiosas revelações sobre o processo de autoreflexão revolucionária do bolivarianismo, instrutivo mesmo nas suas patentes fragilidades.
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Os Editores
Ângelo Novo
Ronaldo Fonseca
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