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Nós, filhos de Eichmann (1)
Günther Anders (*)
INTRODUÇÂO DO TRADUTOR
Devemos a Günther Anders (1902-1992) a invenção, ou a construção, de um novo conceito a que deu o nome de “supraliminariedade” (em alemão, Überschweligkeit) um neologismo que ainda não terá sido adoptado por nenhuma língua conhecida (2). Como é sabido, em meados do século XIX, dois psicólogos alemães, E. H Weber (1795-1878) e G. T. Fechner (1801-1887), estudiosos da sensação humana e animal, definiram a “lei psicológica do limiar diferencial”, também chamada “lei de Weber”, segundo a qual para cada tipo de sensação, existe uma relação constante entre a intensidade da excitação e a variação mínima que é necessária para que uma diferença possa ser sentida pelo paciente humano ou animal; a excitação que se situa abaixo deste limiar de sensibilidade foi designada “infraliminar” e ou “subliminal”, ou seja de intensidade insuficiente para que possa ser registada. Anders sustenta que existe um outro limiar, simétrico do limiar de Weber, acima do qual nenhuma diferença é registada; é a este limiar que chamou o “supraliminar”.
São supraliminares as acções e acontecimentos cuja enormidade é demasiada para que possa ser percebida e memorizada pelo homem. A origem deste novo conceito foi a viagem de Anders ao Japão em Agosto de 1958, quando tentou falar com as vítimas de Hiroxima e de Nagasaki sobre a deflagração atómica de 1945 e constatou que essas vítimas pura e simplesmente emudeciam: não por insuficiência do seu inglês, calavam-se igualmente em japonês, e o intérprete também emudecia. O acontecimento foi demasiado monstruoso para que pudessem recordá-lo ou o tivessem sequer percepcionado. E isto vale tanto em relação àqueles que o provocaram, como em relação aos que o sofreram. Assim como os primeiros não fazem a menor ideia da amplitude da devastação que causaram, as vítimas não conseguem recordar o mal que lhes foi feito. Como é sabido, logo após a sua estadia no Japão, Anders inicia a sua correspondência com Claude Eatherly (o “piloto de Hiroxima”) que, ao tempo vivia internado num hospital de veteranos, como doente psíquico e, mais tarde veio a suicidar-se. Esta correspondência veio a ser publicada em 1961 sob o título Off limits für das Gewissen (Para lá dos limites da consciência). Foi toda esta sequência de experiências-limite que permitiram a Anders escrever, no regresso da sua visita a Hiroxima, esta frase terrível: “O carácter inverosímil da situação é de cortar a respiração. No momento em que o mundo se torna apocalíptico… transmite-nos a imagem de um paraíso habitado por assassinos sem maldade e vítimas sem ódio. Em parte alguma há rastos de maldade, apenas escombros”.
Não sou capaz de imaginar um paraíso mais infernal.
Foi o receio de que o nosso mundo esteja a aproximar-se cada vez mais deste pesadelo, que me levou a cometer e dar a conhecer a tradução que se segue.
Os extractos que traduzi pertencem ao texto da carta aberta que Günther Anders endereçou a Klaus Eichmann, o filho do tristemente famoso Adolph Eichmann, o fiel executor da famigerada “Solução Final” e são aqueles onde Anders expõe, com grande clareza, aquilo que, numa entrevista concedida em 1977, a Mathias Greffrath (3), veio a considerar como os seus dois mais revelantes contributos para a compreensão do mundo contemporâneo: o conceito de “supraliminariedade” que explanei na nota introdutória e o conceito de “desfasamento “ (Diskrepanz) entre aquilo que os homens são capazes de fazer ou fabricar e aquilo que são capazes de imaginar.
João Esteves da Silva
O MONSTRUOSO
Como pano de fundo da presente carta, está “o monstruoso”.
Devo precisar aquilo que entendo pelo “monstruoso?
1) Que haja destruição institucional e industrial de seres humanos; e por milhões;
2) Que tenha havido dirigentes e executantes destes actos: Eichmann servis (homens capazes de aceitar estes trabalhos como quaisquer outros e de se desculpabilizar referindo-se à lealdade e às ordens recebidas); Eichmann sem honra (homens que se precipitaram para execução de tais tarefas); Eichmann obstinados (homens que de acomodaram com a perda total de qualquer semelhança humana, a fim de usufruir do poder total); Eichmann ávidos (homens que cumpriram o monstruoso justamente porque ele lhes era insuportável, mas lhes aparecia como o único meio de demonstrar a sua inquebrantabilidade); Eichmann cobardes (homens, felizes por poderem cometer com boa consciência, uma infâmia que não só não era proibida, como podia ser ordenada);
3) Que milhões de pessoas tenham sido colocadas e mantidas numa situação na qual ignoravam tudo isto; e ignoravam-no não só porque não queriam saber, mas não poderiam querer saber, já que lhes era negado esse direito, logo, que haja milhões de Eichmann passivos.
Sem esta evocação do monstruoso, que ontem foi real, não será possível avançar um passo que seja; só com ela se torna possível caminhar. A escuridão em que vamos mergulhar neste regresso ao passado só pode ter alguma valia se soubermos explorá-la e transmutá-la numa outra coisa. Devemos transformá-la:
1) Na ideia de que aquilo que ontem foi possível, é igualmente possível hoje, de novo e ainda, porque os pressupostos não foram fundamentalmente alterados; e
2) Na resolução de lutar contra estas possíveis repetições.
A assombração em que mergulhámos não será menos grave pelo facto destas transformações. Tanto menos quanto é certo que as repetições da monstruosidade são não só possíveis (em breve veremos porquê) como verosímeis, e tanto mais quanto a verosimilhança de virmos a ganhar a batalha contra a sua repetição é mais fraca do que a de perdê-la. Mas tal derrota só ocorrerá, se omitimos a tarefa de identificar os pressupostos daquilo que ocorreu uma vez, ou seja, caracterizar, sem ambiguidades, aquilo que precisamos de combater, hoje, com a maior tenacidade. Essa é a razão pela qual devemos ir até à raiz das coisas.
Mas, em relação àquilo que vos diz respeito, acresce um elemento decisivo. Com efeito, no vosso caso, trata-se de assunto de natureza estritamente pessoal: trata-se de tornar a vossa existência suportável. Não vos é possível sair da vossa pele. O pensamento de ser, entre milhões, justamente aquele que está condenado a ser o herdeiro desta era de monstruosidade deverá ter sido ressentido como se de um veneno se tratasse; e muito verosimilmente, a partir do instante em que tereis percebido quem sois, não terá havido um só dia, em que não tenhais sido acompanhado, desde manhã à noite, por estas palavras pesadas como uma maldição: “justamente, eu”. Se ainda não renunciastes definitivamente à esperança de vos libertares deste veneno, se continuais à procura de uma salvação, então, não há outra via que não seja a de ir “até às raízes”, e ver claramante o que vos conduziu ao vosso destino; compreender que tinha que ser assim; constatar que o acaso não desempenhou nenhum papel. Ao dizer isto, não quero naturalmente persuadir-vos de que teríeis merecido a vossa maldição; depois das palavras com que iniciei esta carta, não preciso repetir até que ponto tal coisa está longe do meu pensamento. O que quero significar é que não é um acaso que existências tão abomináveis como a do vosso pai ou como a vossa, tenham vindo a medrar no mundo que é o nosso, que os Eichmann são, pelo contrário, altamente significativos do nosso mundo actual, que são inclusivamente inevitáveis. Existem, nos mais diversos países, indivíduos que são obrigados a viver uma vida tão desafortunada como a vossa. Por exemplo, o piloto de Hiroxima, Claude Eatherly. E o que se passa com estes vossos companheiros de sofrimento, que vos são desconhecidos, é que não são casos isolados, mas casos representativos, não são simples avis raras de má sorte, mas aves de envergadura gigantesca, símbolos de qualquer coisa de enorme – e isto é válido igualmente para vós. E no que vos diz respeito, é também válido que ao debater-vos, não vos enraiveceis apenas contra a monstruosidade do vosso próprio destino, mas também – embora não o saibais – contra o destino da monstruosidade, contra algo que, dado o estado do nosso mundo actual, se tornou o nosso destino comum.
Antes de entrar na explicação do “monstruoso”, farei ainda duas observações preliminares.
A primeira é uma advertência. De facto, temo que vos feliciteis perante os meus argumentos, como se eles tendessem a absolver o vosso pai, como se o reabilitassem, e estivésseis tentado a deixar escapar um “bravo!” Não poderia imaginar-se pior mal-entendido. É certo que o mundo que procuro pôr em evidência está cheio de tentações de infâmia e de riscos de monstruosidade que anteriormente não existiam, pelo menos em tais proporções. Mas tal como o reconhecimento do instinto sexual não representa a reabilitação do criminoso sexual, o reconhecimento da nossa actual situação não constitui a reabilitação daqueles que sucumbiram às tentações ou daqueles que receberam com as duas mãos abertas as oportunidades de infâmia que elas albergam. Só pode sucumbir à tentação do “bravo!”, aquele que jamais se deu ao trabalho de rever, no seu espírito, as grandes figuras do passado.
A segunda observação respeita à escolha das raízes que vou pôr em evidência. Os historiadores poderão pensar que existem outras mais importantes. Em contrapartida, se somos movidos pela preocupação do futuro, pela preocupação de que a história ainda possa continuar, então é preciso escavar até à raízes que não pereceram com o regime de terror instalado por Hitler e pelo vosso pai, porque elas mergulham mais fundo do que todas as raízes históricas específicas e não poderiam perecer no naufrágio. Dito de outro modo, é preciso escavar até às raízes cuja permanência e persistência tornam possível e mesmo verosímil a repetição do monstruoso. É dessas raízes que iremos ocupar-nos.
O MUNDO OBSCURECIDO
Quais são as raízes que mergulham mais fundo do que as raízes políticas? O que é que tornou possível o “monstruoso”?
A primeira resposta a esta questão parece banal. Efectivamente, enuncia-se assim: o facto de que nos tornámos, seja qual for o país industrial em que vivamos, e seja qual for a sua etiqueta política, criaturas de um mundo da técnica.
Peço que me compreendeis bem. Em si mesma, a nossa capacidade de produzir em grandes quantidades, de construir máquinas e de pô-las ao nosso serviço, de construir edifícios, de organizar administrações e de coordenar organizações, etc., não é monstruosa, mas grandiosa. Como e porquê, pode isto conduzir ao monstruoso?
Resposta: Pelo facto de que o nosso mundo, apesar de inventado e edificado por nós, se tornou tão imenso, que deixou de ser, num sentido psicologicamente verificável, ainda realmente nosso.
Em primeiro lugar, aquilo que podemos hoje fazer (e que efectivamente fazemos) é maior do que aquilo que somos capazes de nos fazer uma imagem: entre a nossa capacidade de fabricação e a nossa capacidade de representação cavou-se um fosso que se vai alargando de dia para dia; já que nenhum limite é imposto ao acréscimo das nossas performances técnicas, a nossa capacidade de fabricação não tem qualquer barreira, ao passo que a nossa capacidade de representação é limitada por natureza. Em termos mais simples, os objectos que estamos habituados a produzir, com o auxílio de uma técnica impossível de conter, e os efeitos que somos capazes de desencadear são, hoje, tão gigantescos e tão esmagadores que já não somos capazes de os conceber e, menos ainda, de identificá-los como nossos. E a nossa capacidade de representação é não somente ultrapassada pela enormidade das nossas performances, como pela fragmentação ilimitada dos nossos processos de trabalho. Desde que nos dispomos a executar uma parcela mínima da totalidade dos gestos parcelares que executamos no seio de um complexo processo de produção, não só nos desinteressamos pela complexidade do mecanismo no seu todo, e pelo conjunto dos seus efeitos, como ficamos privados da capacidade de nos fazer uma imagem dele. Desde que ultrapassamos um determinado grau de mediação – e no trabalho actual, industrial, comercial, ou administrativo é essa a situação normal – renunciamos, ou nem sequer sabemos que renunciamos - a representar-nos o que estamos a fazer, nem sabemos seria nosso dever fazê-lo.
E o que vale para a representação ou para a imaginação, vale também para a nossa percepção. Se os efeitos do nosso trabalho ou das nossas acções ultrapassam um determinado limiar ou um certo grau de mediação, eles começam a nublar os nossos olhos. Quanto mais complexo for o aparelho onde se integra a nossa actividade, mais crescem os seus efeitos e menos conseguimos vislumbrar, mais se desvanece a nossa capacidade penetrar no desenvolvimento de que fazemos parte ou de adivinhar o que realmente se passa. Numa palavra: se bem que seja obra dos humanos, e mantido em funcionamento por todos nós, o nosso mundo, que se subtrai progressivamente tanto à nossa imaginação como à nossa percepção, torna-se de dia para dia, mais obscuro (4). Tão obscuro que já nem sequer somos capazes de reconhecer a sua obscuridade: tão obscuro que teríamos o direito de lhe chamar ao nosso século a Dark age, Idade Negra. Seja como for, é urgente que nos desfaçamos da esperança ingenuamente optimista do século XIX de que o homem será forçosamente mais esclarecido pelos progressos da técnica. Quem se deixa ainda embalar com esse tipo de esperança não é apenas simplesmente supersticioso, não é apenas uma relíquia de antes de ontem, é também vítima de grupos de pressão de hoje; a saber, estes homens da sombra do século da técnica, que têm o maior dos interesses em manter-nos na obscuridade do nosso mundo, ou melhor, em produzir incessantemente essa obscuridade. É nisso que consiste a engenhosa manobra de mistificação conduzida contra quem não tem poder. A diferença entre os métodos de mistificação do passado e os actuais é bem evidente: enquanto antes, a táctica consistia em excluir os sem poder de qualquer esclarecimento possível, a do nosso tempo consiste em fazer com que as pessoas acreditem que estão esclarecidas, enquanto, na verdade, nem sequer vêm que não vêm. De qualquer modo, o que acontece, hoje, não é que a técnica e as luzes caminhem lado a lado, mas obedeçam à “lei da proporcionalidade inversa”, isto é, quanto mais trepidante for o ritmo do progresso, mais significativos forem os resultados da nossa produção e mais imbrincada for a estrutura dos nossos aparelhos, tanto mais rapidamente se perde a força de manter em ritmo comparável a nossa percepção e a nossa imaginação e tanto mais depressa baixam as nossas luzes e tanto mais cegos nos tornamos.
E é bem de nós que se trata. Porque o que fracassa não é simplesmente isto ou aquilo, não é apenas a nossa percepção e a nossa representação, mas somos nós que falhamos nos próprios fundamentos da nossa existência, sob todos os pontos de vista. O que é que entendo por isto?
AS REGRAS INFERNAIS
Peço que me compreendais correctamente. Eu não protesto contra o facto de que nós, os humanos, nos tenhamos tornado tão maus, tão insensíveis. Um tal queixume seria não só demasiadamente sentimental, como totalmente problemático, porque a afirmação de que a nossa capacidade de sentir diminui e é, hoje, mais débil do que nos bons velhos tempos não é demonstrável. Aquilo que eu afirmo é, antes, que os deveres da nossa sensibilidade aumentaram, que são, hoje, incomparavelmente maiores do que antigamente; e que é assim que automaticamente o fosso entre estes deveres e a nossa capacidade de sentir (que provavelmente se manteve constante) também se alargou – numa palavra, que, no que concerne à nossa capacidade de sentir, já não estamos à altura das nossas acções, já que estas remetem para a sombra tudo que pudemos realizar no passado.
Regra: quando aquilo a que seria bem necessário reagir se torna desmesurado, o nosso sentir enfraquece, se esta desmesura diz respeito a projectos, performances de produção ou acções o “demasiado grande” deixa-nos frios e uma vez que o frio seria ainda uma modalidade do sentir, nem sequer frios, mas completamente “intocados”; tornamo-nos “analfabetos da emoção” que confrontados a algo demasiado grande, já nem sequer reconhecemos que temos uma enormidade diante dos olhos. Seis milhões, não passa de um número, enquanto a evocação de uma dezena de mortos poderá ter ainda alguma ressonância em nós e o assassinato de um só homem nos causa um calafrio.
Detenhais-vos um instante aqui, peço-vos, Klaus Eichmann; porque nos encontramos realmente face a uma das raízes do “monstruoso”. A insuficiência da nossa capacidade de sentir não é uma simples deficiência entre outras; é muito pior, não apenas pior do que nossas carência da percepção ou da representação, mas muito pior do que as piores coisas que já se produziram: quero dizer com isto, pior do que os seis milhões. Porquê?
Porque é esta carência que permite a repetição das piores coisas; que facilita o seu incremento; que torna, porventura, esta repetição e este aumento inevitáveis. Porque, entre os sentimentos que nos faltam, conta-se, não só o do estremecimento, o respeito ou a compaixão, mas também o sentimento da responsabilidade. Por mais infernal que isso possa parecer, podemos dizer deste sentimento, aquilo que afirmámos sobre a percepção e a imaginação: que ele se torna tanto mais impotente, quanto mais aumenta o efeito visado ou já atingido; e se torna igual a zero – o que quer dizer que o nosso mecanismo de travagem atinge a parálise total – desde que se ultrapassa um determinado limiar. E porque esta regra infernal funciona, fica aberto o caminho para a monstruosidade.
MAS O QUE É QUE ELE TINHA VISADO?
Tenho a certeza de que tereis pensado no vosso pai enquanto formulava esta regra. E muito justamente. Conheceste-o bem na vida de todos os dias como um homem que nada deixava transparecer daquilo que acabava de fazer, que tinha a capacidade de nada mostrar à luz, e nem revelava qualquer dificuldade em fazê-lo. Mais tarde tivesteis a oportunidade de ler as actas do processo, das quais ressaltava que de tudo o que havia dirigido a partir da secretária do seu escritório, até ao último dia, não tinha sabido “tirar qualquer lição”, que a sua atitude perante as suas obras monstruosas parecia indicar que não lhes atribuía grande importância, como se, no plano emocional, fossem “quantidades desprezáveis”. Será que se comportou com tanta indiferença, apesar da monstruosidade das suas obras? É essa a interpretação corrente. Ou, pelo contrário, porque eram tão enormemente monstruosas? Demasiado enormes para ele? Que se passou de facto?
Eis o momento que ressinto alguma inquietação, porque temo um “bravo!” por vossa parte. Face à questão que acabo de suscitar, podereis ter a impressão de que fiz um bom pedaço do caminho ao vosso encontro. Lastimo, Klaus Eichmann. A regra que acabo de enunciar - que a capacidade da nossa sensibilidade diminui à medida que aumenta a mediatização da nossa actividade e se incrementam os resultados das nossas acções, e que o nosso mecanismo de inibição se torna inoperante a partir de certo limiar – esta regra não basta para assumir a defesa do vosso pai, a título de vítima da situação actual que é nossa e apresentá-lo como a testemunha número um daquilo que, em virtude precisamente desta regra, pode acontecer a qualquer de nós, homens de hoje, para o absolver da sua culpabilidade. A sua culpabilidade na monstruosidade não passa a ser menos monstruosa. Porquê?
Pela seguinte razão: o vosso pai não pode ser equiparado a estes milhões de trabalhadores que se mantêm condenados à execução dos seus gestos especializados e que, através da mediatização da processualidade do aparelho em que estão integrados, se encontram realmente privados de qualquer possibilidade de imaginar últimas consequências e efeitos monstruosos. Deste grupo poderão ter feito parte as dactilógrafas do seu escritório ou os empregados que alinhavam em gavetas os nomes das vítimas do extermínio. A seu respeito, pode efectivamente dizer-se que a sua função especial terá sido a única que conheceram: que estavam impedidos de se representar o monstruoso efeito final. Mais ainda, que eles estavam inclusivamente impedidos de fazer o esforço (o vão esforço) de imaginar esse efeito. Mas ele? Foi ele apenas um deles? Um simples empregado na oficina da aniquilação? Uma simples vítima da maquinaria montada? Apenas o seu agente auxiliar?
Tal coisa, nem mesmo vós ousaríeis afirmá-lo. Fazer da maquinaria a única responsável da sua ausência de imaginação e de responsabilidade corresponderia a uma inversão da ordem dos acontecimentos. Porque, no que lhe diz respeito, a imagem do monstruoso efeito final foi o que, em primeiro lugar, esteve diante dos seus olhos; ele participou na programação, na edificação e na condução de toda a maquinaria construída com vista à realização do efeito final, e sem a qual tal efeito monstruoso jamais teria sido concretizável.
Certamente, não pretendo com isto que antes do começo efectivo e mais ou menos “satisfatório” de toda a aparelhagem ele tenha imaginado o efeito final nos seus mínimos pormenores. Com que precisão teria ele podido pensar o impensável, três vezes impensável: o não-ser de milhões de pessoas, o calvário dos morituri e a destruição dos indispensáveis executantes das matanças, isso é algo que jamais saberemos. Mas nada disso é decisivo neste caso. O que conta aqui, com efeito, e ninguém pode fazer com que não tivesse acontecido, é que a imagem ou o conceito final foi o trampolim da sua actividade e que, desde logo, tenha sido o monstruoso efeito a ser visado de algum modo, com menos ou mais pormenores.
Podeis hoje, tentar atenuar ou apagar esta realidade decisiva pondo o acento sobre o “de algum modo” e não sobre esta breve palavra “visado”. Sendo dado (poderíeis tentar objectar) que o vosso pai não pôde visar a monstruosidade senão “de algum modo” pode demonstrar-se que também ele foi vítima deste “desfasamento” entre a capacidade de fabricação e a capacidade de representação que é o nosso lote comum, e que só este “desfasamento” é responsável pela sua falta. E como sem este “desfasamento”, não poderia passar pela cabeça de ninguém propor-se o extermínio de milhões de indivíduos, tampouco ele poderia albergar tal ideia se não tivesse sofrido a lei deste “desfasamento” - numa palavra, ele só pôde participar no desenho da “solução final” porque só pode vê-la, diante de si, “de algum modo”; pelo que foi apenas um de nós; aquilo que lhe aconteceu, poderia ter acontecido a qualquer um, já que não é possível a ninguém escapar à lei do “desfasamento”.
A OPORTUNIDADE DE NÃO TER ÊXITO
Mas acontece, Klaus Eichmann que as coisas não são tão elementares. E não posso conceder-vos uma utilização tão simplista do meu argumento do “desfasamento”. É verdade (é isso que enuncia a minha regra) que à medida que a dimensão do efeito aumenta a nossa capacidade de representação e de responsabilidade diminuiu; que, depois de ter ultrapassado un certo máximo, ela se torna completamente inoperante; e que, hoje, ninguém escapa ao campo de aplicação desta lei. Mas que, por força disso, a nossa derrota moral esteja automaticamente selada, que todas as portas estejam escancaradas para receber o monstruoso; e que, por esse facto, possa acontecer a qualquer de nós, por erro, empreender planos eichmanianos e tornar-se assim um Eichmann, isso não é verdade.
Em todo o caso, não chegámos ainda ao ponto de estarmos submetidos como escravos à “lei do desfasamento” e não temos o direito de tratar estas questões com tamanha ligeireza. Porquê?
Não temos esse direito porque – e esse é um complemento indispensável à nossa regra do “desfasamento” – há uma outra regra que nos diz que a experiência da nossa impotência constitui também uma oportunidade moral positiva que pode accionar um mecanismo de inibição. Com efeito, inerente ao choque da nossa impotência, existe também uma força que nos adverte. É precisamente esse choque que nos ensina que atingimos um limite para lá do qual as duas vias, a da responsabilidade e a do cinismo sem escrúpulos, se separam de modo irremediável. Quem alguma vez teve a oportunidade de se representar os efeitos de uma acção que projectou (por exemplo, no âmbito de um projecto no seio do qual se viu integrado, sem desconfiar de nada) e que, após o fracasso desta tentativa de imaginação, se confessou a si mesmo esse fracasso, fica preso de um temor, um medo salutar perante aquilo que terá estado em vias de fazer; por aí, é chamado a reexaminar a decisão (eventualmente uma decisão que não foi tomada por si, mas para cuja execução esteve prestes a contribuir) e a fazer doravante depender a sua colaboração da sua própria decisão, abandonando a zona perigosa onde poderia acontecer-lha algo de eichmaniano, e onde poderia ter-se tornado um Eichmann:
“Não consigo imaginar o efeito deste acto”, diz ele Logo: é um efeito monstruoso, Logo: não posso assumi-lo, Logo: devo reexaminar a acção projectada, ou então recusá-la, ou combatê-la.”
A EXPLORAÇÃO DO DESFASAMENTO
A condição para que o fracasso se torne fecundo é, evidentemente, que as tentativas da imaginação sejam efectivamente empreendidas. E, neste ponto, as coisas não são fáceis porque para a maior parte de nós, nada é menos evidente do que empreender estas tentativas. Se raramente o fazemos é porque somos, na nossa grande maioria, trabalhadores subalternos que, como tal, não têm nenhuma interesse pelo resultado do trabalho nem pela representação do seu resultado final; ou, mais exactamente, somos impedidos de ter esse interesse, já que devemos limitar-nos – pois nisso consiste a “moral do trabalho” universalmente reconhecida – a interessar-nos apenas pela tarefa particular que nos foi atribuída e pela qual somos remunerados no seio da divisão de trabalho instituída.
Este impedimento do desenvolvimento do interesse arrasta uma reacção em cadeia de toda uma série de impedimentos, porque, quando somos impedidos de imaginar, somos naturalmente impedidos de fazer a experiência do nosso fracasso e, portanto, de perceber a oportunidade que representa esta experiência (a experiência da advertência) e, por consequência, impedidos também de opor ao monstruoso uma resistência efectiva. Aos milhões de trabalhadores do mundo actual, devemos conceder que, apesar de cúmplices do monstruoso, são cúmplices inocentes.
Mas será isto válido em relação ao vosso pai? Poderia ele justificar a sua participação no monstruoso pelo facto de pela sua função no seio do processo de divisão do trabalho, estar excluído da oportunidade de se representar o efeito final?
Já conheceis a resposta, que só pode ser negativa. E isto pelo facto da sua participação no planeamento do monstruoso; e porque, muito simplesmente, planos que não sejam acompanhados por representações concretas daquilo que se projecta contradizem a própria noção de plano. Retenhamos isto, Klaus Eichmann: Esta tentativa de imaginar, foi feita pelo vosso pai. E mais de uma vez: quando se elabora um plano, quando se planeia, não nos limitamos ao ensaio; pelo contrário, mantemos diante dos olhos, enquanto planeamos, a imagem da finalidade do que se projecta.
Também é certo, em segundo lugar, que estas tentativas fracassaram e isto pela razão muito simples de que não existe nenhum ser humano capaz de imaginar algo de tão arrepiante como a eliminação de milhões de pessoas.
As questões que exigem resposta são aquelas que se referem à sua reacção a este fracasso; a de saber se ele tomou nota deste fracasso, se o utilizou como uma oportunidade e que lição terá extraído dessa experiência.
Para responder a estas questões, gostaria, primeiramente, pelo menos virtualmente, fazer-vos uma concessão. Podemos supor, sem nenhum problema que, uma vez que o aparelho foi posto em marcha, de acordo com o programa, o vosso pai, no curso do seu trabalho quotidiano rotineiro, tenha perdido de vista a finalidade que fora fixada na origem; que a representação daquilo que estava em vias de executar deixava, com o tempo, de desempenhar um papel decisivo; que ele esta interessado, antes de mais nada, num funcionamento “satisfatório” da sua empresa.
Mas é preciso compreender o alcance desta concessão. Porque eu não quero significar que a falta de que se tornou culpado, como co-planeador da “solução final” se dissolveu no nada por detrás do trabalho rotineiro. E tampouco quero dizer que ele se terá tornado vítima do seu aparelho, deslizando para o estatuto dos seus próprios auxiliares, cegos.
Estas expressões, “tonar-se vítima” e “deslizar” são, neste caso, totalmente deslocadas. Apresentar o processo como um acontecimento puramente passivo constituiria uma mistificação. Muito pelo contrário, estamos aqui perante uma acção. Aquilo que se produziu foi que o vosso pai se fez vítima do seu próprio aparelho. Na realidade, ele não poderia achar ou inventar um meio mais prático, que garantisse o êxito mais seguro, do seu monstruoso programa do que este: o facto de que a sua capacidade de representação não estava à altura do objectivo fixado e que as suas tentativas de representação se mantinham votadas ao fracasso. Formulado sob forma negativa, este pensamento ser-vos-á perfeitamente claro. O que quero dizer aqui é que o vosso pai, nunca poderia ter-se permitido imaginar as filas de espera dos gazeados, dos queimados e dos semi-queimados. E isto porque, ao fazê-lo, seria posto incessantemente em perigo, teria arriscado a fraquejar e parar no meio do caminho; numa palavra, sabotar ao mesmo tempo o seu programa e a si próprio. Sobre este ponto, jamais o poderemos tomar suficientemente a sério, Klaus Eichmann.
Não temos nenhum motivo para subavaliar este risco de sabotagem. Porque, finalmente, não devemos esquecer que aqueles que dirigem empreendimentos monstruosos do nosso tempo, sem nenhuma espécie de inibição, são ainda, de algum modo, nossos semelhantes, em certo sentido, figuras em vias de se tornarem obsoletas; não quero dizer, com isto, que são tão pouco capazes como nós de se representarem aquilo que provocam; mas também eles – e é o que importa aqui – vieram ao mundo como seres humanos e que, enquanto tais, arrastam ainda consigo alguns rudimentos de inibições; rudimentos que por serem opostos aos seus empreendimentos, constituem, aos seus olhos, uma contrariedade incómoda. Um grande número daqueles que eram designados para servirem de homens de mão nos campos de extermínio, tinham que frequentar cursos de reeducação onde aprendiam a executar torturas e assassinatos e a “matar” igualmente as suas inibições. O vosso pai evocou um dia (e por essa miserável razão não podemos recusar-lhe, por completo, um mínimo de pertença ao humano) o facto de que, por vezes, se sentia mal e podia acontecer que seu estômago se revolvesse, perante a visão da massa de sangue dos assassinados jazendo no solo. O que será, então, mais horripilante: o facto que ele evoca, que, apesar disso tenha continuado, que o seu estômago se tenha tornado o último refúgio da moral e da piedade ou que o moral e o bestial tenha trocado de lugar? Verdadeiramente, já não sabemos que pensar; o que importa é que ele teve de fazer tudo para evitar esta intrusão fisiológica da moral na execução do seu programa.
Mas, notai: o meio de se privar destas inibições estava à sua disposição. Existia esta maravilhosa insuficiência da capacidade de imaginar e de sentir. Havia esta maravilhosa experiência do facto de que nenhuma das suas tentativas de representação teve êxito. Bastaria ao vosso pai agarrar-se a essa possibilidade.
E foi o que fez.
Designei anteriormente o fracasso destas tentativas de imaginação como uma “chance”. Isto porque, graças a ela, os nossos olhos se desanuviam; precisamente graças a ela, podemos compreender que chegámos à última bifurcação: somos avisados de que não devemos interpor no nosso caminho nada que seja um obstáculo ao alcance da nossa visão.
O vosso pai terá, do mesmo modo, utilizado o seu fracasso como uma oportunidade. Mas, com toda a evidência, num sentido diametralmente oposto ao nosso. O que tirou do seu fracasso não foi um aviso, mas inversamente, uma justificação dos seus actos. Se tivesse sido capaz de formular o seu princípio, teria dito:
“Não detecto nenhum monstruoso. Em virtude do “desfasamento” não posso, em qualquer caso detectá-lo Portanto, não posso imputar-me seja o que for, Logo, posso perfeitamente realizar o monstruoso”
Ou
“Não consigo ver diante mim os milhões que vou gasear Não posso vê-los à minha frente, Logo, posso facilmente gaseá-los”.
Não, encarar o vosso pai muito simplesmente como uma das vítimas da nossa actual fraqueza da imaginação, assumir a sua defesa como uma vítima desse tipo, equivaleria a falsear totalmente a sua figura. E não apenas isso: seria algo de infinitamente desonesto em relação a todos esses milhões de pessoas às quais não é efectivamente concedida a possibilidade de imaginar os efeitos daquilo em que colaboram sem se aperceberam disso. Aquilo que a estes acontece como uma fatalidade e que inspira um sentimento de angústia aos que, de entre eles, têm um pouco mais de consciência moral: a impotência da sua incapacidade de sentir – foi recebida por ele como uma bênção e foi utilizada e explorada para os seus próprios fins. Serviu-lhe de ajuda prática indispensável. Sem tal ajuda, não teria sido capaz de executar, sem hesitações, o plano monstruoso e não teria conseguido levar a cabo a sua obra de aniquilação.
O MONSTRUOSO E A VÍTIMAS
Ora, da fatalidade do “desfasamento”, ninguém está excluído. Não são apenas aqueles que o provocam que fracassam quanto à representação dos seus efeitos. Quando a monstruosidade é produzida a impotência daqueles que são atingidos iguala a daqueles que foram os agressores. Bastará que desviemos os olhos do vosso pai, e os dirijamos para as vítimas.
Destas sabemos que, em inúmeros casos, ficam sem voz nem compostura face à monstruosidade da situação. Podeis dar-vos conta, Klaus Eichmann, do que isto quer dizer: diferentemente do vosso pai e dos seus empregados, estes seres humanos, tinham todos os dias e em cada minuto, o monstruoso diante dos seus olhos. Mas, esta visão não era de grande auxílio. Aquilo que viam era “desmesurado”; também eles sofriam a lei do “desfasamento”. E isto significa que não eram apenas incapazes de perceber as causas da situação “percebida”, mas também incapazes de se representar aquilo que viam e enfrentá-lo de modo adequado – o que é que este termo “adequado” poderia querer dizer naquela situação? Um só exemplo bastará: o desta mulher transportada grávida para o campo e incapaz de entender que não era mais do que uma peça do um determinado material sem outra função do que a de partir, no dia seguinte, transformada em fumo como o que saía da chaminé que via diante dos seus olhos; e continuou a comportar-se como se fosse ainda uma mulher, como se ainda estivesse em sua casa, e como se aqueles sob cujo poder se encontrava fossem ainda seres humanos; pelo que solicitou a um dos criados do carrasco – no caso um criado do gás – que lhe deixasse um carrinho de bebé e que por este pedido absurdo – imagine-se uma peça numerada de material de queima que solicita um carrinho de bebé – desencadeou gargalhadas infernais, tendo precipitado a sua liquidação.
Quereria, por outro lado, sublinhar aqui que estas reacções erróneas ao monstruoso – o exemplo citado é apenas um entre milhares – serão tudo menos reacções vergonhosas. Bem pelo contrário, elas são mesmo, em certo sentido, consolantes, se o uso deste termo humano ainda for permitido aqui; entre as incapacidades humanas há algumas que os honram, como aquelas que foram anteriormente citadas. Elas dão testemunho da obstinação com que seres humanos comuns podem defender-se e dar fé da desmesura da desumanização. Seja como for, as vítimas, não poderiam ter reagido de maneira diferente. (E isto não se aplica apenas ao tempo que passaram nos campos, mas vale, de um modo geral, porque o monstruoso não começava só aí: a ameaça era já, só por si, monstruosa). Quem o contesta – e, por vezes, já aconteceu – quem pretende que estes milhões de pessoas, condicionadas de mil maneiras pelo mundo e pela história, habituadas a situações e reacções normais, poderiam ter reagido de modo mais adequado à situação monstruosa, revela uma cegueira das mais desesperadas perante a realidade. E pior ainda: quem mede estes seres humanos comuns pela bitola de postulados incondicionais ou de uma imagem ideal abstracta; quem pretende exigir deles, post festum, que tivessem reagido de outro modo, de acordo com uma imagem enfática do ser humano, como se, de repente, se tivessem transformado em super-homens, está a rejeitá-los como seres desprezíveis. Uma sentença deste tipo também já terá sido pronunciada. Que tenha sido precisamente a bela virtude da incondicionalidade que tenha levado certos filósofos a elevar-se a tal nível de dureza, é não só revoltante, como deprimente. E a quem não consegue deixar de recorrer a severas abstracções e inexoráveis critérios, para se proteger, para emitir sentenças, deveria ser mais atento aos perigos da doutrinação.
Não, reagir de forma adequada ao incomensurável era impossível. E quem exige isso das vítimas deveria exigir do peixe atirado para a margem da ribeira que se apresse a arranjar umas pernas que lhe permitam a regressar, a passo estugado, ao seu elemento húmido. A reacção errónea era inevitável pela simples razão de que aquilo que lhes era exigido ultrapassava totalmente a medida do que os seres humanos podem imaginar, sentir ou realizar. Não tinham outras escolhas, para além destas:
- Responder ao seu destino, de uma forma ou de outra, servindo-se das miseráveis noções da sua vida normal e dos modos de acção que lhes eram familiares e revelar-se, assim, desajustados; ou
- Entregar-se ao pânico, isto é, reagir desordenadamente e em total desorientação; ou
- (exatamente como o vosso pai que os tinha posto nesta situação indizível) não ter nenhuma reacção e reduzirem-se à apatia.
Qualquer quarta reacção ao monstruoso, pretensamente mais adequada, é uma invenção dos moralistas que esquivam a realidade dos humanos.
SEIS MILHÕES E UM
Por que razão vos falo destas vítimas indefesas? Será para suscitar a vossa piedade?
Dificilmente. Além de que este sentimento, se fosseis capaz de mobilizá-lo, seria totalmente inefectivo e tardio e, portanto, irreal, a tentativa de se apiedar de seis milhões de pessoas está forçosamente condenada ao fracasso, tanto para vós, como para qualquer outra pessoa.
Há uma outra razão; a de que aquilo que respeita às vítimas é algo que também vos diz respeito; porque vós também fazeis parte daqueles contra os quais foi cometido algo de monstruoso e aos quais é vedado reagir de modo adequado. No início desta carta já havia feito uma leve alusão a este facto, quando vos pedia que acreditásseis no meu respeito para com o carácter imediato do vosso sofrimento. Mas não tinha tido ocasião de explicar-vos a medida em que o vosso sofrimento é significativo para nós, hoje. Peço-vos que não vos zangueis, Klaus Eichmann se eu declarar agora que vós sois um parente destas vítimas dos campos. Não vos zangueis, porque o facto de serdes nomeado ao mesmo tempo que estes infelizes não é vergonhoso: a lama que se lhes colava ao corpo era a lama das botas dos que os espezinhavam. Que vós sejais filho de Eichmann e estes homens tivessem sido filhos de judeus, nada significa neste contexto: porque a vossa mãe e a deles é uma e mesma época. E quando esta época distribui os destinos dos seus filhos fá-lo sem preocupação pelas linhagens e pelas frentes que a nós nos parecem tão importantes; mesmo a diferença entre agressor e agredidos lhe é indiferente: estes destinos assemelham-se entre si, no que é mais essencial: nenhum de nós é livre de escolher de quem quereria distinguir-se ou assemelhar-se.
Vós sabeis que quando as vítimas de vosso pai chegavam aos campos, era-lhes marcado a fogo na sua carne, um número, o estigma do monstruoso. Também vós, uma vez que aquilo que vos foi feito ultrapassa toda a possibilidade de representação e de reação sensata, transportais convosco um estigma do monstruoso: o número SEIS MLHÕES E UM. E mesmo que esse número seja invisível, mesmo que não esteja inscrito na vossa carne, mas simplesmente no vosso destino – esse vosso número não é menos real do que os números que, depois, foram cremados e os que ainda hoje podem ser vistos nos braços dos que sobreviveram.
O SONHO DAS MÁQUINAS
Penso que vos recordais, Klaus Eichmann, de qual era o objectivo destas reflexões. O nosso argumento dizia: a vossa vida não pode tornar-se suportável a não ser que chegueis a compreender que a vossa infelicidade não foi simplesmente um azar gigantesco. E tal coisa jamais será compreensível se não tiverdes entendido como foi possível e inclusivamente forçoso, chegar a este acontecimento monstruoso que igualmente contaminou de monstruosidade o vosso destino.
Havia anunciado que duas das raízes do mal eram as principais responsáveis do monstruoso. Como estamos, agora, razoavelmente informados sobre a primeira: o “desfasamento”, podemos passar agora ao exame da segunda: a natureza maquínica, do nosso mundo actual. Não precisamos de fazer uma longa caminhada para alcançar o nosso objectivo porque as duas raízes da monstruosidade estão estreitamente ligadas. Desde a primeira descrição do “desfasamento”, pudemos verificar que a nossa incapacidade de ver, como nossos, os efeitos da nossa actividade era atribuível, não só à desmesurada enormidade desses efeitos, mas igualmente à desmesurada intermediação dos nossos processos de trabalho e acção. O agravamento da actual divisão de trabalho não significa senão isto: estamos condenados, ao trabalhar e agir, a concentrarmo-nos apenas em ínfimas parcelas, ou segmentos, do processo de conjunto: encerrados nas fases parcelares da tarefa a que somos afectados, somos como prisioneiros na célula de uma prisão. “Detidos”, amarrados à imagem do nosso trabalho especializado, eis-nos excluídos da representação da globalidade do aparelho que, no seu conjunto comporta milhares de fases e etapas. E, por maioria de razão, da imagem do resultado final ao serviço do qual está subordinado o aparelho.
E, todavia, por mais incontestável que seja esta constatação, ela não localiza ainda, com rigor, a “segunda raiz do monstruoso”; um exame mais aprofundado mostra que ela não chega ao fundo da questão, por ser insuficiente e anódina. A divisão do trabalho e aquilo que acabo de qualificar de “aprisionamento numa fase” são apenas efeitos secundários e consequências de um processo incomparavelmente mais fundamental e mais funesto. É apenas quando nos debruçamos sobre este processo que a “segunda raiz do monstruoso” surge aos nossos olhos. O que quero significar com isto – e sei bem até que ponto esta tese pode parecer aventurosa – é o facto de que o nosso mundo actual, no seu conjunto, estar a transformar-se numa máquina, em vias de se tornar uma máquina.
Por que razão me julgo no direito de avançar esta tese que parece exagerada?
Não apenas porque, hoje, existem tantos aparelhos e tantas máquinas (políticas, administrativas, comerciais ou técnicas) ou porque eles desempenhem um tão poderoso papel no nosso mundo.Isso justificaria esta designação. O que é decisivo é algo de mais fundamental ligado ao que constitui o princípio da máquina e é sobre este princípio que iremos agora debruçar-nos. Qual é o princípio das máquinas?
A máxima performance.
Não devemos representarmo-nos as máquinas como objectos insulares, isolados, segundo o modelo das pedras que estão ali onde estão e se mantém dentro dos seus limites físicos, coisais. Como a raison d’être (5) das máquinas reside na performance e inclusivamente na performance máxima, elas têm necessidade de meios ambientais que garantam este máximo. E conquistam tudo aquilo de que têm necessidade. Toda a máquina é expansionista, para não dizer “imperialista”, cada uma cria o seu império colonial de serviços (composto de transportadores, de equipas de funcionamento, consumidores, etc.). E destes “impérios coloniais” elas exigem que se transformem à sua imagem (de máquinas) que “façam o seu jogo”, que trabalhem com a mesma perfeição e a mesma fiabilidade do que elas, que se tornem – embora exteriores à “terra maternal” – notai bem este termo que virá a ser, para nós, um conceito chave co-maquínicos. Qualquer máquina original é expansionista, alarga-se, e devém “megamáquina”; e isso não acontece apenas por acidente ou de vez em quando; e, inversamente, se a máquina enfraquecesse, deste ponto de vista, deixaria de fazer parte do reino das máquinas. A isto acresce que o reino das máquinas é insaciável. Nenhuma megamáquina se satisfaz com a incorporação de um domínio de serviços, sempre necessariamente limitado, por maior que seja. A megamáquina é tão expansionista como a máquina original, também carece de um império colonial que se lhe submeta e “faça o seu jogo”, de forma óptima. Numa palavra, nenhum limite é imposto à auto-expansão: a sede de acumulação das máquinas é inextinguível. Dizer que, neste processo, elas expulsam para a marginalidade, como elementos nulos e sem valor, todos os pedaços de mundo que não se submetem à co-maquinação exigida, e que expulsam e aniquilam como dejectos todos os que, inaptos para o serviço ou rebeldes ao trabalho, ameaçam a sua expansão – dizer tudo isto pode parecer uma banalidade, mas essa é precisamente a razão por que devemos sublinhá-lo.
Porque não há nada de mais funesto, nada que mais seguramente possa garantir a ausência de tomada de consciência do princípio maquínico, do que a banalização, já em curso, dessa ausência de consciência: não se presta atenção àquilo que passa por ser uma banalidade; e aquilo a que não se presta atenção é aceite sem contestação.
Naturalmente, este processo de co-maquinização não se desenrola somente das máquinas contra o mundo, mas sempre, ao mesmo tempo, como uma luta concorrencial que as máquinas conduzem umas contra as outras. Mas que o combate seja conduzido constantemente em duas frentes, não diminui a clareza do objectivo final. Desde o início, este objectivo chama-se “conquista total” e continuará a chamar-se assim. O objectivo das máquinas é o de um estado em que não haja nada que não esteja ao seu serviço, nada que não seja “co-maquínico”: nem a “natureza”, nem “valores superiores” nem humanos (visto que, para elas, não seremos mais do que equipas de serviço ou de consumo).
Nem tampouco, elas mesmas, e chego assim ao essencial, ao conceito de “máquina mundial”. Que pretendo dizer com isto?
Suponde, por exemplo, que as máquinas tenham conseguido conquistar integralmente o mundo, tão integralmente como, a uma escala menos ampla, a máquina de Hitler conquistou a Alemanha: de tal modo que já nada restasse para além delas senão um parque gigantesco de máquinas integralmente perfiladas. O que aconteceria, nestas condições, a estes diferentes exemplares de máquinas?
Devemos considerar duas coisas:
1) Que sem auxiliares, nenhum destes exemplares poderia funcionar já que arrancar, só por si, ou alimentar-se a si mesma, nenhuma máquina pode fazê-lo, por mais elevado seja o seu nível de automação;
2) Que entre os auxiliares que estariam à disposição destes exemplares não restaria nenhum que não fosse também uma máquina – numa palavra, seriam dependentes, umas das outras, e só poderiam recorrer aos seus semelhantes num sistema de reciprocidade mútua.
Mas, a que conduziria esta reciprocidade?
A algo de extraordinariamente surpreendente: com efeito, como todas funcionariam numa perfeita engrenagem, os exemplares particulares já não seriam máquinas. Mas, então, o quê?
Peças maquínicas – A saber, peças mecânicas de uma só e gigantesca “máquina total” onde todas se teriam fundido.
E tudo isto, a que conduziria? O que seria esta máquina total?
Reflitamos ainda: peças que não estivessem integradas nela, não poderiam existir. Restos mantidos no exterior, não poderiam igualmente existir. Logo, esta máquina total seria o Mundo.
Eis-nos à beira do fim. Para lá chegar basta um passo; basta inverter a frase: “as máquinas tornam-se o mundo”; a inversão dá: “O mundo torna-se uma máquina”.
E isto: o mundo enquanto máquina, é verdadeiramente o Estado técnico-totalitário para o qual nos dirigimos. Notemos que isto não data de hoje ou de ontem; pelo contrário, uma vez que esta tendência decorre do próprio princípio da máquina, da sua pulsão de auto-expansão, ela existe desde sempre. Esta é a razão pela qual podemos afirmar tranquilamente que o mundo enquanto máquina é o império milenarista para o qual convergem os sonhos de todas as máquinas, desde a primeira que foi inventada. E ele está hoje no horizonte, dado que esta evolução entrou, desde há algumas décadas, numa aceleração imparável.
Digo no horizonte, diante de nós. Com efeito, que este império já tenha encontrado a sua plena realização não nos cabe afirmá-lo. Mas, tampouco temos o direito de consolar-nos com esta concessão. Porque a parte decisiva do caminho que conduz à “máquina mundial” já está detrás de nós. O Rubicão, isto é, o limite aquém do qual poderíamos, antes, dizer muito banalmente que “no” mundo também existem máquinas, já foi ultrapassado há muito; já nada corresponde a esta pequena palavra “no” que só voltará a ser legítima se invertemos o nosso enunciado, ou seja, em vez de afirmar que as máquinas estão no mundo, podemos dizer doravante do mundo que ele é o servente ou o alimentador da e “na máquina”. Mas isso equivaleria a confessar que já chegámos à beira do “reino milenarista”.
SOMOS FILHOS DE EICHMANN
Assim vai o mundo. E como não nos é possível a nós, seus habitantes, escondermo-nos num canto escuro da história ou esquivarmo-nos numa época utópica, pré-técnica, isto significa que, se nos abandonarmos a esta evolução, perderemos necessariamente a nossa especificidade humana e isso na medida em que aumenta o carácter maquínico do nosso mundo. Então, deixará de ser possível atrasar o dia em que se cumprirá o reino milenarista do totalitarismo técnico. A partir desse dia, seremos reduzidos à condição de peças mecânicas necessárias ao funcionamento da máquina; seremos liquidados enquanto seres humanos. Quanto ao destino dos que opuserem uma resistência à sua maquinizarão, não é difícil adivinhar o que os espera, após o que se passou em Auschwitz. Estes humanos serão liquidados não só como humanos, mas fisicamente. Não deveríamos antes dizer inversamente, que serão liquidados justamente “enquanto humanos”? Porque estes homens verão chegar o seu fim justamente porque tentaram continuar a “viver como humanos”.
A semelhança entre este império totalitário que nos ameaça e o monstruoso império de ontem é evidente. Evidentemente, há aqui uma provocação, porque nos habituámos a cultivar o hábito doce de considerar esse império, que ficou para trás – o terceiro Reich - como algo de único, de errático, atípico da nossa época e do nosso mundo ocidental. Mas, naturalmente, este hábito não tem nenhum valor argumentativo e é uma forma de olhar para o outro lado. Uma vez que a técnica é a nossa filha, seria tão cobarde como estúpido falar da maldição que lhe é própria como tendo vindo assombrar a nossa casa pela porta das traseiras. É a nossa maldição. Uma vez que o império da máquina se acumula, que o mundo de amanhã se alargará ao globo inteiro, e que as suas performances no trabalho não terão lacunas, a maldição está ainda à nossa frente. Podemos esperar que a assombração do império que se aproxima exceda amplamente a do império de ontem: quando os nossos filhos e os nossos netos, orgulhosos da perfeição da sua co-maquinização, olharem para trás, para o “terceiro”, desde as etéreas alturas do seu império milenarista, vê-lo-ão como um simples cenário provinciano experimental – já que apesar das suas pretensões de vir a “representar o mundo inteiro” e do seu cinismo no extermínio do inutilizável a que se dedicou, não logrou sobreviver. Naquilo que se desenrolou no velho cenário, eles não verão certamente mais do que um ensaio geral do totalitarismo real embelezado por uma ideologia inepta, que a história mundial se arriscou a representar de forma prematura.
Naturalmente, ainda não chegámos lá. Seria demasiado cedo para afirmar que já estamos integralmente transformados em peças mecânicas e prontos para assumir o papel de matéria-prima ou de dejecto ou que estamos obrigados a encarar os nossos semelhantes apenas como incarnações desses papéis; ou que já desprezo como zeros à esquerda aqueles que resistem à liquidação. Quem viver, verá. Ainda não estamos na noite derradeira. Mas derivamos para ela, para a aurora do totalitarismo maquínico e estamos a entrar no seu campo gravitacional; que estes enunciados sobre o amanhã se tornam mais verdadeiros a cada dia que passa – eis uma realidade que não é fácil contestar. As “tendências” também são factos. Um só exemplo basta como prova.
O do actual armamento atómico. O que significa?
Que existem actualmente milhões, de entre nós, que de dedicam, como se fosse a coisa mais natural deste mundo, a co-preparar a possível liquidação de populações inteiras e, ao limite, de toda a humanidade, e igualmente a co-realizá-la, em caso de conflito. E que estas pessoas aceitam estas tarefas e estes empregos com a mesma naturalidade com que lhes foram propostos ou distribuídos. O que significa que a situação actual se assemelha, da forma mais tenebrosa, àquela que conhecemos anteriormente: tal como aconteceu ontem, empregados desempenham as suas funções de forma conscienciosa,
- porque se vêm a si mesmos como peça de uma máquina;
- porque tomam, erradamente, a existência e o bom funcionamento desta como uma justificação;
- porque estão como que “presos” nas suas missões especiais, e completamente separados do resultado final por uma quantidade infindável de paredes;
- porque, dada a sua enorme dimensão e o fracionamento do seu trabalho, se tornam incapazes de percepcionar as massas de seres humanos para cuja liquidação estão a contribuir;
- e porque, exactamente como o vosso pai, exploram esta incapacidade.
Tudo isto é aplicável aos nossos dias. E aplica-se também – o que torna ainda mais estreita a semelhança com o passado – que aqueles que recusam a sua participação ou a desaconselham aos outros, se tornam suspeitos de alta traição.
Notais uma coisa, Klaus Eichmann? Reparais que este pretenso “problema Eichmann”, não é um problema do passado? Que não é um problema de ontem? Que não há nenhum motivo para nos mostrarmos arrogantes em relação ao passado – e este nós abrange toda a gente? Que todos nós, exactamente como vós, somos confrontados a algo que é demasiado grande para a nossa dimensão? Que todos nós recusamos esta ideia do demasiado para nós, e da nossa falta de liberdade perante ele? Que todos nós, consequentemente, somos filhos de Eichmann? Pelo menos filhos do mundo de Eichmann?
(*) Günther Anders (1902-1992) foi um filósofo judeu alemão, conhecido sobretudo por ter sido marido de Hannah Arendt na sua juventude. Contudo, é autor de uma obra copiosa e original, com destaque para a sua opus magnum ‘Die Antiquiertheit des Menschen’ (A Obsolescência do Homem) (I vol., 1956; II vol., 1990). Foi sempre um crítico intransigente da civilização técnica, e em particular um opositor precoce da energia nuclear. Com tradução e introdução de João Esteves da Silva, publicamos aqui parcialmente o seu livro ‘Wir Eichmannsöhne. Offener Brief an Klaus Eichmann‘ (Nós, filhos de Eichmann: carta aberta a Klaus Eichmann)(1964).
______________ NOTAS:
(1) Günther Anders, “Nous, fils d’Eichmann”, Payot, Paris, 1999.
(2) Como observa Jean-Pierre Dupuy, Günther Anders, deverá ser o filósofo alemão menos conhecido do século XX; só muito recentemente, designadamente graças aos trabalhos de Dupuy, a sua obra começa a ser discutida e a ser traduzida em França; o segundo tomo da sua obra magna “A obsolescência do Homem” só foi publicado na Alemanha em 2006 e a tradução francesa é de 2011, embora a tradução do seu primeiro tomo já estivesse disponível nas Éditions Ivrea desde 2001.
(3) Vide, «Et si je suis désespéré, que voulez-vous que je fasse», Éditions Alia, Paris, 2014.
(4) É certo que esta afirmação não é completamente original; existe há muito tempo uma expressão que designa este obscurecimento: a “alienação”. Mas as doutrinas de onde é retirada esta expressão não correspondem à situação actual. Com efeito, que o obscurecimento nasça do desfasamento entre “fabricação” e “representação” é o que os representantes da doutrina não admitem; pelo contrário, eles atêm-se, de um modo dogmático, à atribuição da falta exclusivamente às relações de propriedade (aos meios de produção) e pensam que a sua transformação arrastará que a alienação desapareça deste mundo. Um dia os teóricos socialistas saberão reconhecer também que há igualmente alienação em casa deles, como noutros locais, e que o obscurecimento sobre a origem do obscurecimento não pode manter-se a longo prazo.
(5) Em francês no texto.
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