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Introdução
Portugal aproxima-se de um novo “resgate” da troika de credores, de um brutal aprofundamento da austeridade em curso e de uma vaga de extrema agudização da luta de classes. Na Europa, nada de novo. Merkel sorri, Hollande baixa os olhos. Aproxima-se uma tempestade perfeita mas não há ainda os atores certos para os papéis que se adivinham, se o desenlace tiver de ser de ruptura. No mundo, vivemos um estranho momento em que a ficção orwelliana se faz hiper-real. Assange, Manning, Greenwald e Snowden, são nomes para a revolta da decência comum contra a demência homicida e o controlismo totalitário da grande propriedade.
Abrimos este número 17 de O Comuneiro com um excelente artigo de Angeles Maestro sobre um tema a que devemos, sem dúvida, voltar mais frequentemente: o diálogo inacabado e a imbricação mútua entre marxismo e feminismo. Porque a luta das mulheres é parte integrante, frequentemente a mais viva, da contínua resistência oposta pelas comunidades humanas ao longo processo de espoliação de que são alvo.
Uma das ausências mais cruéis que nos foi imposta recentemente é a do pensamento vivo de Daniel Bensaïd. A falta que nos fazem, nestes dias de agressão “austeritária”, as suas reflexões sobre a história em acto presente, esse risco traçado com mão firme e intencional na grande álea dos possíveis. Ainda que em modo abstrato, quisemos rememorar algumas das suas reflexões sobre o tema.
De Marcos Barbosa de Oliveira reproduzimos um ensaio onde, de forma penetrante e com alguma dose de fina ironia, se desmontam os pressupostos ideológicos da mercantilização das atividades inteletuais. Por sua vez, Ivonaldo Leite, partindo de uma crítica à ideologia desenvolvimentista, faz uma análise das várias práticas existentes de “educação ambiental”, aderindo expressamente à perspetiva ecossocialista que a encara de forma integrada na luta contra-hegemónica pela transformação das relações sociais. Armando Boito, numa poderosa síntese centrada na atualidade brasileira, analisa linhas de correspondência entre ideologias económicas e os interesses nus e crus das diversas frações da classe dominate.
João Esteves da Silva, a propósito de um velho ensaio de Paul Valéry, de que nos oferece uma luminosa tradução, dá-nos conta da conturbada agonia do espírito humano nesta última centúria, entre a massificação da vida social e a extrema mercantilização da indústria cultural, guiando-nos também por entre a variada conceptualização forjada pelos críticos desta última.
O fascismo é um fenómeno recidivo na crise do capitalismo e novamente lhe apercebemos as garras emergentes, com um resvalamento generalizado da hegemonia consensual para a agressão e a repressão sem peias. William I. Robinson traça algumas das caraterísticas mais marcantes deste fascismo de inícios do século 21, de que se destacam a vigilância total e a guerra urbana contra a juventude pobre. Por sua vez, Samir Amin, identifica na “nova questão agrária” mundial, a possibilidade de desencadeamento de um mecanismo genocidário sobre o campesinato, que constitui ainda nada menos que metade da humanidade atual. Juntamente com a democracia e a ecologia, este é um dos grandes desafios que uma resposta socialista à crise do capitalismo deve encarar de frente.
Miguel Judas, a propósito do Estado Social e seu questionamento atual, ultrapassando o entricheiramento defensivo, traça uma via de combate por uma sociedade alternativa de comunidades solidárias. Por fim, Jean-Claude Michéa, de forma muito elaborada e vivamente argumentada, num ensaio provocatório que convoca ao debate, explica porque, em sua opinião, os socialistas devem deixar de se identificar com a esquerda política dos sistemas representativos burgueses.
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Os Editores
Ângelo Novo
Ronaldo Fonseca
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