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A outra sociedade Nova modernidade e socialismo
Jacques Généreux (*)
I. Introdução Geral
Com La Dissociété (1) dei início a uma investigação que tem por objectivo refundar o discurso político e económico com base numa antropologia geral, ou seja, sobre tudo aquilo que as ciências naturais, humanas e sociais nos têm ensinado quanto ao funcionamento dos seres humanos e ao modo como coexistem em sociedade. Esse primeiro tomo centrou-se na análise crítica do modelo social e do modo de pensamento dominantes, nas sociedades modernas ocidentais na aurora do século XXI. Pus em evidência um processo de dissociação nas comunidades humanas, bem como entre os indivíduos que as compõem e a natureza inumana deste processo. “Inumana” no sentido de que é contrária a uma necessidade biológica própria aos seres humanos: estes, seres sociais por natureza (isto é, entes cuja singularidade e modo de existência se constituem na relação com os outros), não podem viver senão num quadro social que favoreça uma articulação harmoniosa entre o seu desejo de se ser si mesmo e o seu desejo de se ser com os outros.
Esta primeira etapa da minha investigação também mostrou como a filosofia política moderna e os seus desenvolvimentos se preocuparam muito pouco com a natureza social do ser humano, e como a cultura que nasceu deste erro antropológico limitou a nossa capacidade de resistir ao surgimento de uma dissociedade inumana. Nesse estádio da investigação iniciada na La Dissocieté, o meu discurso era apenas alusivo quanto aos fundamentos científicos da minha concepção do ser social e contentava-se com a definição de um modelo alternativo – “a sociedade de progresso humano” – sem precisar a natureza e os contornos desta – “outra sociedade”. Esse é o propósito do presente volume.
Trata-se de refundar um modelo de sociedade conforme à natureza social do ser humano. Este modelo é, pois, “socialista”, no sentido renovado (antropológico e metodológico) que confiro a este termo. Para superar os antigos erros da cultura política moderna e cumprir plenamente o projecto moderno de emancipação humana, sustento que é hoje tempo de ser verdadeiramente socialista. E meço com muita clareza até que ponto esta afirmação liminar pode parecer anacrónica a um bom número dos meus contemporâneos.
Para sermos modernos não seria, pelo contrário, tempo de superar o socialismo? (2) Essa parece ser a questão que se coloca à esquerda desde há dois ou três decénios, período em que assistimos ao naufrágio dos regimes comunistas, à conversão do mundo ao capitalismo e ao livre-câmbio, ao triunfo do individualismo e do consumismo, à “crise do Estado-providência”, à morte das ideologias, etc. etc.. Essa parece ser a pergunta que se fazem todos aqueles que, à direita ou à esquerda, pretendem “modernizar” a política. No final do século que findou, estes “modernizadores” explicaram-nos, primeiro, que se os valores da esquerda (a solidariedade, a igualdade, etc.) continuavam a ser pertinentes, os velhos instrumentos políticos da sua execução prática (a redistribuição, os serviços públicos, a regulamentação dos mercados, etc.) se teriam tonado obsoletos. Este discurso - característico do que se chamou a “terceira via” - admitia a relevância residual da clivagem esquerda-direita tão só no plano dos valores, para concluir, no mesmo fôlego, pela necessária adesão de todos os espíritos razoáveis às mesmas políticas liberais. A “modernização” era entendida como uma adaptação dos instrumentos da acção política ao novo estado do mundo definido pela mundialização do capitalismo e da economia de mercado. A partir dos anos 2000, os modernizadores alargaram o seu empreendimento adaptativo aos próprios valores que, num primeiro tempo, haviam sido poupados. Em sua opinião, tendo sido demonstrada a inadaptação dos instrumentos usuais da “velha” esquerda, seria, então, necessária a rendição a esta nova evidência: os próprios ideais de igualdade, de solidariedade, de justiça social – numa palavra, as ideias socialistas – não passam de simples ingenuidades tornadas obsoletas num mundo povoado por individualistas impenitentes que não acarinham outros valores que não sejam o da sua independência, a sua responsabilidade pessoal, a sua liberdade, o seu bem-estar, a sua identidade. Tanto os valores como os instrumentos da velha esquerda, estariam, portanto, fora de moda, ultrapassados, inadaptados ao “mundo tal como é”. Fruir avidamente dos bens, das imagens, dos sons, das diversões, mesmo sabendo que a gozação é desigual, não será hoje o ideal comum que transcende todas as clivagens sociais?
Teria sido, portanto, ultrapassado o tempo da mobilização da “classe operária” na “acção colectiva” em nome da “justiça social”. Isso não impede que continue a existir uma minoria militante sempre mobilizada na crítica do capitalismo de acordo com as ideias socialistas que nasceram no século XIX. Mas não estaremos também aqui perante um anacronismo folclórico? Não se tornou já evidente que, desde o século XIX, face às mutações de um sistema que incessantemente se mostra capaz de se adaptar, avançando, por entre as críticas que suscita, a crítica do capitalismo tem muita dificuldade em respirar? (3)
Uma herança insuperável?
Marx havia anunciado o naufrágio do capitalismo minado por crises económicas recorrentes, a pauperização das massas proletárias e a exacerbação da luta de classes. A história ter-lhe-ia rapidamente dado razão se o capitalismo e a sociedade “burguesa” houvessem permanecido no estado em que se encontravam no final do século XIX. Mas, desde essa época, os progressos materiais engendrados pelo capitalismo e os progressos políticos e sociais autorizados pelo direito burguês, anunciavam, em vez da revolução proletária, a futura integração da classe operária. Na euforia dos anos vinte, o “fordismo” – que fora temporariamente afectado pela Grande Guerra – prometia ao operário americano um salário que lhe permitiria vir a comprar um dia os automóveis que construía, promessa que foi efectivamente cumprida na generalidade dos países ocidentais durante os “Trinta Gloriosos”. E quando, nos anos trinta, o capitalismo e a democracia burguesa ameaçaram naufragar, verificou-se que este afundamento não abria a porta ao socialismo e à libertação da classe operária mas preparava, pelo contrário, o fascismo e o nazismo. Saíu-se, então, do horror totalitário com a preocupação geral de evitar a desordem económica e social que o haviam engendrado e, logo a seguir, sob a ameaça do inimigo soviético. De onde resultou o compromisso histórico entre todas as forças políticas no sentido de uma melhor regulação do capitalismo e uma repartição mais equitativa do progresso económico de modo a preservar o que aparecia já como “o menos odioso dos sistemas” (W. Churchill) (4). A oeste da cortina de ferro, socialistas e comunistas participaram em diversos governos reformistas e defenderam as suas políticas, isto é, abandonaram de facto um projecto anticapitalista revolucionário, mesmo quando ele continuava a fazer parte de uma retórica oficial destinada aos militantes. Por fim, cinquenta anos depois da guerra, “o menos odioso dos sistemas”, o par democracia-economia capitalista, aparecia muito simplesmente como o “único sistema”. A história não deu à luz o anunciado naufrágio do capitalismo, mas ilustrou o desenvolvimento monstruoso do comunismo em regime totalitário e a impossibilidade de construir uma sociedade viável contra a liberdade individual.
Ainda hoje, no momento em que o capitalismo se arrasta de crise em crise, cava desigualdades monstruosas e sobrevive graças à intervenção de Estados postos ao seu serviço, a resignação popular parece sobrepor-se a qualquer veleidade revolucionária. Quando a concorrência mundial instaura um capitalismo cada vez mais duro para com os trabalhadores, quando o poder ataca os direitos sociais e o Estado-providência, quando a crítica anticapitalista se reforça em cada novo dia que passa, o povo maltratado dos assalariados não se mobiliza automaticamente à esquerda e contra “o sistema”; pelo contrário, vota muitas vezes por uma direita decidida a romper todos os compromissos sociais do pós-guerra e a endurecer cada vez mais o sistema, em nome de uma quase religião da concorrência e da responsabilidade individual. Assistimos hoje a uma viragem à direita das camadas populares?
Os socialistas haviam feito a escolha da democracia porque pensavam que, pelo sufrágio popular, o povo saberia originar uma mutação no sentido de uma sociedade solidária fundada na cooperação e na igualdade. Era não contar com a transformação do próprio povo! Hoje, o sufrágio popular apoia governos que promovem a “dissociedade”, fundada na competição, no “cada um por si” e na desigualdade. A suposta contradição entre democracia e capitalismo parece coisa do passado. Será que o compromisso coxo entre a igual liberdade política e a corrida desigual na acumulação das riquezas produziu bens suficientes e egoísmo bastante para se transformar em aliança duradoura? Enquanto uma maioria de indivíduos puder entregar-se livremente à fruição de si e dos seus bens, ela sustentará o capitalismo por mais duro que ele seja para com os perdedores na luta de todos contra todos em que a dissociedade se transformou; esta maioria dará o seu apoio de bom grado a uma filosofia da responsabilidade que faz de cada um de nós o responsável pela sua própria desgraça.
E, de facto, aquilo que se produziu na Europa não está em vias de se reproduzir no Leste e na Ásia? O frenesim com que diversos povos se entregam nas mãos de uma sociedade capitalista extremamente inigualitária, após decénios de planificação comunista, não mostrará a adaptação universal deste modelo de sociedade às aspirações da humanidade? Lá, como entre nós, pode esperar-se que a ascensão do individualismo e do poder dos marchantes force a marcha no sentido de uma democracia liberal e que esta, por sua vez, sustente o florescimento da livre concorrência e do capitalismo puro e duro. Os indivíduos de todos os povos verão o seu futuro na liberdade de ser e de gozar, e não na construção colectiva de uma sociedade solidária.
Eis, no fundo, a razão pela qual o acasalamento da economia de mercado e da democracia liberal pareceu constituir o horizonte insuperável da humanidade: foi esta união do liberalismo económico e do liberalismo político que engendrou o indivíduo livre e responsável de si mesmo, que libertou o indivíduo do peso de uma sociedade opressora com o eventual preço de uma sociedade deslaçada, desigual e violenta (a “dissociedade”), mas com o benefício de uma tal gozação, que ninguém poderá almejar o regresso ás limitações de uma sociedade onde a igualdade e a solidariedade tinham a primazia sobre a livre gestão de si mesmo.
A verdadeira preocupação do indivíduo moderno não será já, pois, a justiça, mas a ordem, e menos a solidariedade do que a segurança; e uma vez que uma sociedade inigualitária de competição generalizada alimenta a inveja, a incivilidade e a predação e uma sociedade consumista e individualista já não ensina aos seus filhos como e porquê transmutar a frustração do desejo pessoal em satisfação de um imperativo moral, fica reaberto o campo das pulsões outrora delimitado pela moral laica ou pela religião. O indivíduo moderno não exige do Estado uma providência social cara que é incompatível com o seu desejo de consagrar o essencial dos seus rendimentos ao seu gozo pessoal. Ele espera, pelo contrário, do Estado que meta na ordem os preguiçosos que sobrecarregam os custos sociais e a exclusão dos marginais que ameaçam a segurança.
Num ambiente deste tipo, é a direita dita “liberal” que parece adequar-se mais ao mundo contemporâneo e ser mais “realista”. É então que emerge uma esquerda desejosa de se inscrever também neste novo ar do tempo, uma esquerda dita “moderna” (5), que a direita felicita pela sua conversão ao liberalismo económico e à filosofia da responsabilidade individual. Em suma, uma esquerda moderna porque é de direita (6)! A Esquerda moderna é individualista e liberal; ela acredita que “as ideias liberais são o futuro do socialismo” (7); na realidade ela abole a clivagem esquerda-direita e situa-se no centro ou em parte nenhuma, mesmo quando as exigências do marketing político a levam, aqui ou ali, a explorar ainda a etiqueta de “esquerda”. Ser de esquerda designaria doravante uma sensibilidade, uma personalidade, um carácter, uma inclinação para as preocupações com a desigualdade social. Uma simples questão de psicologia, portanto, e não já de sistema económico-social, porque nesta matéria, todos os “modernos”, tanto de direita como de esquerda, estão de acordo sobre o “facto” de que as sociedades de mercado ocidentais são as mais “eficazes” e as mais adaptadas à irreprimível aspiração dos homens à autonomia individual. A ironia da história é de que a maioria dos socialistas e dos sociais-democratas europeus tenha proclamado a sua conversão ao culto do mercado livre, no preciso momento em que este tomava a sua forma mais insensata e que veio a desembocar na mais grave crise mundial desde os anos 1930. Esta pseudo-esquerda, temendo o súbito descrédito do seu novo dogma, procura demarcar-se, mas, sem nenhum modelo a propor, fá-lo ao modo da direita, isto é, denunciando não o fracasso da livre concorrência, mas o seu desvio por más práticas que careceriam apenas de um melhor enquadramento. A alternância política parece que já não opõe o socialismo ao liberalismo, mas um outro liberalismo ao ultraliberalismo, um bom capitalismo moralizado ao mau capitalismo à rédea solta. O debate político reduzir-se-ia doravante à avaliação dos cuidados necessários para aliviar as feridas de um sistema universal. A procura de uma “outra sociedade” estaria mais do que ultrapassada, deixou de ter objecto real pela pura e simples razão de que nenhum outro modelo seria possível!
Em busca de verdade
Então, decididamente, para ser moderno, não é evidente que se deve superar o socialismo, ele mesmo já ultrapassado pelos acontecimentos? Suscitar a questão é já responder-lhe! Dirão os espíritos simples que se esquecem sempre de questionar as questões que levantam. Mas, tratar-se-á, realmente, da boa questão?
Na verdade, o essencial do conjunto de lugares comuns que acabo de expor é o produto de um pensamento oco que coloca os problemas adaptados às respostas que já foram escolhidas antes de todo o questionamento! Este “ersatz” de pensamento assenta numa série de preconceitos não debatidos cuja lista pode esboçar-se assim:
- ser moderno consiste em adaptarmo-nos ao estado do mundo; - é preciso ser moderno; - a finalidade do liberalismo é a liberdade e a do socialismo a igualdade ou a solidariedade; - a procura da igualdade contraria a da liberdade e reciprocamente; - o individualismo não cessa de alargar-se e opõe-se necessariamente à acção e às solidariedades colectivas; - vivemos em economias de mercado; - a livre concorrência assegura o uso mais eficaz dos recursos; etc..
Ora, precisamente, todos estes preconceitos são asneiras ou contrassensos para quem se der ao trabalho de colocar as questões prévias: O que é a modernidade? É preciso ser moderno? O que é o socialismo, o liberalismo, o individualismo? A que aspiram verdadeiramente os indivíduos? O mundo é “tal como é” ou “tal como o fazemos”? De onde vêm as mutações a que deveríamos “adaptar-nos”? Em que é que consistem? São sofridas ou escolhidas? O que é uma economia de mercado? O que deve entender-se por eficácia e por progresso? Etc..
Por não colocar, com seriedade, estas questões e as palavras usadas para as colocar ou deixar de o fazer, o debate público limita-se a agitar um cozinhado conceitual onde se chama “modernos” àqueles que lutam pelo regresso a uma ordem moral pré-moderna, onde se designam por “idealistas” aqueles que denunciam injustiças bem reais e se pretendem “realistas” aqueles que supõem a realidade imutável, onde se baptizam como “liberais” aqueles que querem submeter os indivíduos às leis do mercado e onde os defensores da liberdade dos trabalhadores se designam a si próprios como “antiliberais”. Os especialistas incomodam-se ou irritam-se com estes abusos de linguagem, mas não se dão ao trabalho de dotar a sua ciência de conceitos acessíveis a toda a gente. Por minha parte, dedicar-me-ei a propor uma filosofia política que constitua uma pedagogia para uso do cidadão e introduza um mínimo de rigor no discurso político. Prolongando o método já utilizado da La Dissocieté (8), procurarei refundar o discurso político sobre o estado actual das ciências humanas e sociais. Para me exprimir do modo mais claro possível: não debitarei “opiniões” sobre o liberalismo ou sobre o socialismo; preocupar-me-ei apenas em distinguir o verdadeiro do falso (9), e em definir em termos rigorosos um debate onde nenhuma verdade se impõe à razão.
Por exemplo, para a ciência económica contemporânea é duplamente falso dizer que “as nossas economias de mercado são as mais eficazes”. Em primeiro lugar, não existe nenhuma economia que funcione nas condições que a teoria económica considera uma “economia de mercado” (10) e, em segundo lugar, isso não é inconveniente porque a mesma teoria demonstra que uma economia que funcionasse nessas condições seria perfeitamente ineficaz. À leitura destas palavras, os “marchantes” (que também se chamam neoliberais (11) ) poderão engasgar-se mas é rigorosamente assim, é um facto. Poderão inclusivamente citar alguns antigos ideólogos do “mercadismo” coroados com “o prémio Nobel” da economia (como Milton Friedman ou George Stigler); isso não muda nada em relação ao estado de facto incontestável da ciência contemporânea (12).
Tomemos outro exemplo de erro conceitual, um exemplo característico do meu método porque incide sobre um “valor” político: a responsabilidade individual. Se postularmos a existência de um sujeito autónomo que se construi por si mesmo, não poderemos deixar de aderir à filosofia da responsabilidade individual. Mas se partirmos daquilo que as ciências nos ensinam sobre a construção do sujeito (capítulo 2) esta filosofia é pura e simplesmente falsa, uma simples invenção, uma manipulação destinada a mascarar a responsabilidade da sociedade. Apresentarei a demonstração mais tarde, mas vejamos, desde já, em que é que este exemplo é emblemático do meu modo de proceder. Ouve-se muitas vezes dizer que a escolha dos instrumentos da política deixou de relevar da ideologia (13) e pode ser analisada objectivamente, independentemente dos “valores” ou das preferências ideológicas dos decisores, as quais só podem decorrer das inclinações de cada um, escapando, por isso, ao alcance da ciência. Trata-se de um contrassenso monumental e de uma temível técnica de manipulação. Na verdade, não existe nenhuma decisão política – incluindo as escolhas que são aparentemente técnicas e instrumentais – que não tenha incidência sobre a repartição dos custos, das vantagens, dos constrangimentos, das responsabilidades entre os indivíduos, por um lado, e/ou sobre a repartição dos meios colectivos entre as diferentes esferas da acção pública, por outro. A quase totalidade das escolhas ditas “instrumentais” supõe, na realidade, uma escolha (ou pelo menos um preconceito) sobre as prioridades da sociedade, sobre a “justiça” da repartição e a contribuição de cada cidadão. Esta é a primeira, e mais detectável, manobra de manipulação: escolhas que, de facto, refletem preferências ideológicas, isto é, uma teoria geral da natureza e a hierarquia das finalidades sociais, são apresentadas como opções puramente técnicas e instrumentais. Esta é mais uma razão para nos interrogarmos sobre a validade dos argumentos que fundamentam os “valores” políticos! É aí que se revela a face mais insidiosa da manipulação, mais difícil de detectar do que a primeira. Faz-se passar a opinião de que os valores que fundamentam a maior parte das escolhas que se dizem “instrumentais” estão fora do alcance de qualquer discussão racional e não admitem nenhum debate científico. É assim que jamais se discutem, com seriedade, as ideologias que foram dadas como mortas mas que, na realidade, determinam sempre as políticas públicas.
Uma refundação científica do discurso político
O ar do tempo, relativista quanto aos valores e racionalista quanto aos instrumentos pretende que preferências ideológicas, indemonstráveis por princípio, não podem fundamentar acções políticas concretas, as quais devem ser determinadas objectivamente sem nenhum a priori ideológico (14). Defendo exactamente o contrário: as escolhas políticas são sempre, pelo menos implicitamente, determinadas por pressupostos ideológicos pelo que são estes que devem ser submetidos, sempre que possível, a um exame científico. Eis a característica mais importante do que poderá chamar-se “uma nova modernidade socialista” ou “um socialismo neomoderno”: um socialismo que não se limita a reactivar o ideal de justiça dos pioneiros, nem se reduz à absorção acrítica da primeira teoria marxista da história, mas entende apoiar-se numa antropologia geral, isto é, sobre o estado actual dos saberes sobre o ser humano (15). Esta refundação antropológica não pretende dissolver a dupla herança da moral e da ciência socialistas do século XIX. Ver-se-á que, de certo modo, ela reunifica estas duas tradições efectuando uma síntese das suas intuições verdadeiras. O ideal humanista de Jaurès ou de Malon e o materialismo histórico de Marx e de Engels são insuficientes quando se contrapõem. Abrem, pelo contrário, um novo horizonte quando se submete o humanismo dos primeiros à ambição científica dos segundos, alargando-a em função do estado actual dos saberes sobre o funcionamento dos seres humanos. O socialismo neomoderno é o discurso político fundado sobre uma ciência da natureza humana (16).
Esta ciência do homem ensina-nos, entre outras coisas, que todo o indivíduo e toda a liberdade singular se constroem na relação e na comunicação com os outros. Os indivíduos independentes que construiriam a sociedade, pura e simplesmente não existem; só há seres humanos constituídos nas relações sociais. Chamei “socialismo metodológico” (17) o método de análise dos comportamentos humanos e dos factos sociais que se baseia nesta concepção social do ser humano. Entendo estabelecer aqui um socialismo que não assenta em pressuposições ideológicas a priori (pela igualdade, a justiça, a solidariedade, etc.) mas se baseia numa realidade antropológica que funda rigorosamente estas preferências. Esta realidade antropológica desqualifica as duas outras principais grelhas de leitura que são o holismo e o individualismo metodológico, seja, para simplificar, os discursos que explicam tudo a partir dos determinismos sociais desprezando a liberdade e a responsabilidade dos actores; e os discurso que explicam tudo a partir das iniciativas e das escolhas individuais esquecendo o seu encastramento nas relações sociais em que se inserem.
A ciência do homem abre o caminho para um novo materialismo histórico. Por um lado, as condições materiais da produção da existência dos homens não são infraestruturas que determinam as superestruturas ideológicas (ideias, crenças, convenções sociais, cultura, etc.); na verdade, todas as actividades intelectuais, morais e simbólicas dos seres humanos são tão materiais e tão determinantes como as condições materiais de existência. Por outro lado, a história da humanidade não é, primariamente, a das relações de força entre classes antagonistas. A constituição biológica e a psicologia dos humanos forjaram-se (durante milhões de anos) e estabilizaram-se no quadro de pequenas comunidades de caçadores-colectores. Neste quadro, a humanidade não conheceu nem o móbil do ganho pessoal nem a preocupação primária da produção. A preocupação central destes humanos foi a de manter a coesão do grupo de que dependia a sobrevivência de todos e de cada um. A religião foi o instrumento indefectível da aliança e foi a aliança religiosa entre diferentes grupos humanos que esteve na origem das grandes sociedades tradicionais que se formaram há apenas alguns milhares de anos. Os antagonismos de interesses económicos só se tornaram um factor determinante (entre outros), e de forma progressiva, no seio de grandes sociedades agrícolas, e depois industriais; estes antagonismos são certamente incontornáveis na análise de uma sociedade capitalista moderna, mas não são mais de que um breve avatar da história da humanidade, uma espécie de motor auxiliar da história. O novo materialismo histórico do socialismo neomoderno terá que pôr em evidência um motor principal da acção humana, uma dialéctica do desenvolvimento das sociedades que seja específica da natureza dos seres humanos e não dependa do contexto sistémico de uma época particular.
Trata-se de reconstituir as bases de um socialismo científico. Mas há que procurar dissipar, desde logo, o conjunto de contrassensos que esta minha afirmação não deixará de provocar. Recuso o cientismo com o mesmo vigor com que recuso o relativismo, isto é, a pretensão de que uma ciência do homem possa explicar tudo, estabelecer prescrições políticas indiscutíveis, prever o futuro com a mesma precisão com que a astrofísica é capaz de prever o regresso de um cometa, determinar o “sentido da História” e desenhar “o” melhor dos sistemas. Este cientismo é, na verdade, o oposto de tudo aquilo que a ciência nos ensina. Por um lado, e vê-lo-emos em breve, o novo materialismo do histórico exclui toda a teleologia: a história humana é contingente e não está submetida a nenhuma direcção necessária. Por outro lado, um socialismo verdadeiramente científico não tem a pretensão de justificar cientificamente um sistema específico, nem mesmo qualquer medida política particular. Muito pelo contrário, ele conduzirá muitas vezes a uma indeterminação objetiva das “boas” políticas, diferentemente do discurso dito moderno que tem a pretensão de que as suas políticas decorrem de leis universais, designadamente as da economia. Porque as ciências do ser humano e da sociedade jamais nos dizem “o que devemos fazer”; elas informam-nos sobre aquilo que nós somos, sobre o modo como interagimos uns com os outros, sobre a construção das relações sociais, sobre as convenções e as instituições que constituem uma sociedade. Mas, quando se trata de traduzir uma grelha de leitura e princípios cientificamente fundamentados, em escolhas políticas concretas, o decisor é confrontado com uma variedade de acções possíveis entre as quais não há nenhuma ciência que possa decidir. Além disso, como dissemos, toda a acção colectiva implica uma partilha de custos e vantagens que a comunidade dos cidadãos só pode avaliar pela discussão, a negociação e o voto, de acordo com os procedimentos que ela reconhece como legítimos.
Fundar a nossa acção sobre um princípio verdadeiro não nos conduz matematicamente à “boa” solução, porque existem, muitas vezes, várias que apresentam vantagens e inconvenientes que abrem um espaço de debate. Em contrapartida, fundar a acção sobre um princípio falso inspirará, com elevado grau de certeza, uma política ineficaz e danosa. É por isso que a procura da verdade dos princípios permite uma triagem que pode evitar à sociedade algumas catástrofes. Para lá desta triagem, a determinação das políticas concretas relevará sempre de um debate e de um procedimento de escolha democráticos. Nem por isso a fase de triagem é menos útil ou dispensável: penso ter demonstrado, em obras anteriores, como os rudimentos de antropologia contemporânea permitem estabelecer a falsidade da quase totalidade das hipóteses e dos princípios em que pensa fundar-se o discurso da direita neoliberal e da direita conservadora (18). Este livro procura estabelecer os princípios políticos que resistem à prova desta primeira triagem e ganham o seu lugar na caixa de ferramentas de um responsável político em busca de verdade.
Pode acontecer que o leitor fique assustado com tal apresentação. A história do século XX preveniu-nos, de facto, contra as derivas totalitárias a que as ideologias nos conduziram em nome da verdade. Socialismo científico? Muito obrigado! “Já comprámos disso” e pagámos caro pelo preço de milhões de mortos em nome da ciência marxista-leninista da história! Seria naturalmente necessário acrescentar algumas dezenas de milhões de vítimas suplementares para os efeitos directos e as sequelas do nazismo, e mais alguns pelas vítimas sacrificadas em nome das religiões. Certamente, mas assegurai-vos bem de que estes espantalhos são agitados para perseguir os inimigos da liberdade e não para intimidar aqueles que buscam a verdade.
O socialismo de que aqui se trata é, desde as suas origens históricas, uma filosofia da emancipação que nada tem que ver com o leninismo ou com o estalinismo, um socialismo democrático e republicano que em nada se assemelha ao socialismo pretensamente “real” que teria sido ensaiado nos países comunistas. Não nos enganemos no combate. Os horrores perpetrados pelos tiranos justificam que se abra o processo da tirania, mas o processo da busca da verdade. A procura da verdade é um movimento do pensamento que jamais fez uma única vítima. O que provoca vítimas é a vontade de impor uma verdade, a democracia pode e deve prevenir-nos contra isso. Mas a democracia não existe para nos prevenir contra a verdade! Ela exige a adesão livre e a discussão livre, mas, certamente, não o relativismo e a indigência do pensamento.
Sim, eu sustento que existe um socialismo fundado sobre princípios verdadeiros e que o neoliberalismo hoje dominante se funda sobre princípios falsos. Será que esta pretensão vos inquieta? Sejamos sérios: preferis ser guiados por um pensador que mobiliza a vossa atenção para defender princípios que sabe serem falsos? Medi bem aquilo que vos mete medo, e não vos enganeis na identificação dos pavores! Não deveis desconfiar de quem pretende deter uma verdade. Desconfiai sim, de quem se recusa a submeter as suas verdades à dúvida científica, ao debate e à adesão livre. E desconfiai mais ainda daqueles que se dizem desprovidos de todo o sistema de pensamento e pretendem fazer modestamente “aquilo que é possível”, “o que funciona”, como os cegos que caminham às apalpadelas num labirinto e vão até onde os levam as paredes a que se agarram. O pretenso “pragmatismo” (19) arvorado pelos perseguidores dos “a priori ideológicos” é muitas vezes apenas uma cortina de fumo que oculta uma ideologia incapaz de suportar a luz, dada a sua evidente falta de fundamentos.
Não é a ideologia com pretensões abertamente científicas que ameaça a democracia é a ilusão pseudo-pragmática mantida pela direita contemporânea e por uma parte da esquerda autoproclamada “moderna”.
Esta ilusão impede o debate a todos os níveis. Ao nível dos valores e dos princípios, ela recusa submeter a um exame rigoroso e ao debate as suas inevitáveis bases antropológicas e filosóficas. Ao nível das medidas políticas, ela sustenta o mito da “única política possível”, imposta pela “realidade do mundo tal como é”, e, ao fazê-lo, nega a liberdade dos cidadãos de escolher o seu destino.
Entendamo-nos bem: não contesto a necessidade de vermos com a maior clareza “as realidades” e o estado dos possíveis num momento dado. Pelo contrário, sou um verdadeiro realista: verifico que a história da humanidade é a de uma realidade em movimento, a história de sociedades que se transformam pela acção humana. Rejeito apenas o falso realismo dos neoliberais que nos apresentam algumas realidades por eles selecionadas como dados fixados para toda a eternidade. Esta tirania da realidade (20) reconhece à humanidade uma liberdade de pensar perfeitamente vã, visto que lhe concede a liberdade de caminhar sonhando, mas não a de escolher o caminho. Cada um pode pensar aquilo que quiser sobre a natureza humana, a sociedade, os valores, etc.. Mas este direito é-vos retirado quanto à escolha de uma política económica e social porque, nesta matéria, há apenas uma única via possível. Eu sustenho exactamente o contrário. Todos têm o direito de debater as políticas públicas porque mesmo quando resultam de valores e finalidades bem fundadas, nunca são as únicas possíveis. Em contrapartida, não se pode pensar seja o que for quanto aos valores e aos princípios que inspiram as políticas porque muitos deles são incontestavelmente falsos, quer isso vos agrade ou não. Mas um socialista não entende dever obrigar-vos a aderir a esta verdade, o que não teria nenhum sentido já que a adesão é livre por definição.
De um lado, tendes uma ideologia dissimulada e uma realidade indiscutível; do outro, um sistema de pensamento explícito que remete para a soberania dos cidadãos a decisão sobre a execução prática que qualquer política; deixo à vossa apreciação qual destas posições é mais respeitadora da democracia.
Refundar o discurso político sobre a razão e o conhecimento preservando a liberdade do debate e a liberdade de aderir ou não a este discurso: nada é mais moderno no sentido histórico e filosófico do termo. Mas, então, por que razão qualifiquei o socialismo científico e democrático de “neomoderno”? Em primeiro lugar, mesmo se, no fundo, isso é acessório, é melhor evitar a confusão com os múltiplos e efémeros discursos de campanha que entendem por “moderno” uma salada variegada de inconsistência ideológica, imitação da direita e lugares comuns que estão na moda. Este pensamento “moderno” limita-se a passar um pouco de brilhantina sobre ideias suficientemente aligeiradas para, como as folhas mortas, voar com o ar do tempo. Compreender-se-á, pois, a minha preocupação de evitar uma proximidade puramente semântica com os florilégios do socialismo “moderno”. Todavia, essa não é a minha preocupação essencial. O essencial é que uma antropologia rigorosa mostre, com a máxima evidência, que a modernidade está ultrapassada! Ou, mais exactamente, a superar.
O “pseudomodernismo”
Antes de me explicar, com mais pormenor, sobre o adjectivo “neomoderno”, e para retomar o fio do propósito essencial deste livro, lembremos, em linhas gerais o teor do discurso pretensamente moderno a que quero contrapor-me:
“Todo o projecto político tem que ser moderno, o que implica uma adaptação permanente da acção pública à evolução do mundo. O liberalismo, porque a busca da liberdade e da iniciativa individual, propõe a forma de acção política mas sintonizada com esta exigência de adaptação permanente e com a aspiração crescente dos indivíduos à autonomia.
Em contraponto, o socialismo clássico, mais preocupado em construir, por decreto, uma sociedade igualitária e solidária do que em libertar as energias individuais, entrava e atrasa as adaptações necessárias, limita a produção de riquezas e contraria assim a aspiração individualista e consumista dos indivíduos modernos. Este desfasamento entre uma ideologia herdada do século XIX e as realidades contemporâneas explica, em larga medida, as dificuldades da esquerda.
Alguns partidos trabalhistas e sociais-democratas, conscientes deste desfasamento, compreenderam a necessidade de uma “terceira via” entre o socialismo de antanho e o neoliberalismo dos nossos dias e já iniciaram a sua modernização. Esta passa por uma série de conversões: a adopção de uma filosofia da responsabilidade individual em vez da antiga lógica da entreajuda social; o reconhecimento da livre concorrência e do capitalismo como a base comum e insubstituível do sistema económico; a prioridade à produção competitiva de riquezas em lugar da preocupação com a sua redistribuição; o recuo da legislação universal em favor dos contratos livremente celebrados entre os interessados.
Outros partidos de esquerda e, singularmente, o partido socialista francês, tardaram em assumir a impossibilidade de ruptura com o sistema hoje mundialmente instalado e têm hoje por único horizonte, ou o declínio ou a recuperação do processo de modernização empreendido pelos seus congéneres inglês, neo-zelandês, alemão, etc. No termo deste processo a clivagem esquerda-direita será definitivamente abolida e substituída por uma tranquila alternância de “sensibilidades”, mais ou menos sociais, mais ou menos intervencionistas, no quadro de uma filosofia geral e de um sistema comum, tal como acontece nos Estados Unidos com a alternância de democratas e republicanos.”
Eis a caricatura (sumária, mas, no entanto, significativa) do discurso pseudomodernista que pretendo avaliar e rejeitar, não por inclinação pessoal, não por idealismo, menos ainda por nostalgia da Grande Noite em que jamais acreditei, mas porque a antropologia, a sociologia, a etologia, a neurobiologia, a história, numa palavra, toda a panóplia de conhecimentos mobilizáveis para a avaliação rigorosa deste discurso conduzem invariavelmente à demonstração de que é falso.
Para começar, este discurso a que, por comodidade, chamei “pseudomodernista” nem sequer é “moderno”, no sentido que o historiador e o filósofo conferem a este termo. A modernidade, longe de ser uma adaptação da acção humana à realidade do mundo, é um movimento de emancipação da acção dos homens que repudia todos os determinismos estranhos à vontade dos sujeitos autónomos que a modernidade supõe que ao seres humanos são. Nada é mais autenticamente moderno do que o desejo (e a ilusão) de fabricar o mundo, construir a história; nada é mais moderno do que a ambição de uma sociedade que se engendra a si mesma e molda o seu destino. Em contrapartida, nada nos reenvia mais directamente à idade pré-moderna das sociedades tradicionais do que a ideia de uma ordem natural das coisas a que a acção privada ou pública teria que conformar-se.
Superar a modernidade para cumprir a sua promessa
Será que encaro a minha tarefa como o esforço de construir um discurso autenticamente moderno? Sim e não.
Sim, porque se trata de retomar a vontade de emancipação da humanidade, incluindo a emancipação perante as novas formas de alienação engendradas pelo próprio movimento da modernidade. Sim, porque se trata de refundar a ideia de progresso, nesta época em que o termo “reforma” designa um regresso.
Não, porque este movimento, tão prenhe de promessas, está a enfrentar os seus limites e enfiou-se no beco sem saída onde o levaram os dois grandes erros antropológicos que estruturam o pensamento moderno, a saber: o fantasma do homem sobrenatural e o mito do indivíduo autónomo.
O primeiro destes dois erros desviou o pensamento político moderno de uma ciência do homem. O homem moderno pensou-se como um ser moldado pela cultura e já não pela natureza; um ser diferente dos animais, precisamente porque poderia libertar-se da Natureza e dominá-la graças ao poder da razão e da técnica. Assim, o progresso foi concebido como uma saída da natureza e o ser humano, numa denegação orgulhosa da sua animalidade, pôde acreditar-se livre da sua própria natureza. Assim, o mundo novo engendrado pelo progresso daria à luz um homem novo. Erro fatal para toda a reflexão porque, na verdade, a humanidade não se modifica. Os funcionamentos físicos, psíquicos e sociais constitutivos da nossa natureza – os invariantes antropológicos – existem desde que foram fixados no período paleolítico há dezenas de milhares de anos antes da formação das primeiras grandes cidades. Desde então, os nossos comportamentos evoluíram, é certo, com as mudanças culturais, mas a natureza das nossas aspirações e dos mecanismos funcionais que concorrem para a nossa existência mantiveram-se os mesmos. Se a ideia de progresso social tem um sentido para os humanos, ela implica precisamente a ideia de que a organização da sociedade deve adaptar-se à natureza humana e não o inverso (o que é, por definição, impossível). Mas a cultura moderna ofuscada pelo seu fantasma de um homem sobrenatural, preocupou-se tanto em convencer os homens a adaptarem-se ao progresso que se esqueceu de conceber um progresso adaptado aos homens. A correcção deste erro de agulhagem é hoje urgente perante o desafio ecológico do século XXI. Com efeito, a ciência do homem ensina-nos que, para o ser humano, ser social por natureza, os laços valem mais do que os bens (les liens valent mieux que les biens) e que as verdadeiras tragédias da nossa história começaram a partir do momento em que a obsessão da produção se sobrepôs à preocupação da preservar a aliança entre os homens. Veremos como a concepção social do ser humano conduz a outra ideia do progresso; um “progresso humano” em que o crescimento simultâneo da liberdade e dos laços nos pode arrancar finalmente ao fatal beco sem saída para onde nos arrasta hoje o crescimento dos bens.
O fantasma do homem sobrenatural, liberto da sua própria natureza está obviamente correlacionado com o segundo erro antropológico do pensamento moderno: o mito do indivíduo autónomo, do ser humano autoconstruído pela sua razão e pela vontade. Ao partir deste mito, a liberdade foi mais ou menos concebida como uma independência do outro e um relaxamento dos laços sociais. Ora, este modo de conceber a liberdade é um contrassenso absoluto em relação ao processo real de construção de um sujeito singular. Está hoje perfeitamente estabelecido que o indivíduo singular se constitui na e pela relação com os outros e é incapaz de crescer sem eles. Sabemos hoje, sem nenhuma espécie de dúvida, que a liberdade real não se forja na independência em relação ao outro, mas na interdependência e no encadeamento de múltiplos e diversificados círculos de relações sociais. Não é a destruição dos laços que nos liberta, mas a sua multiplicação. Sabemos que, para crescer como sujeito singular, um ser humano tem necessidade da presença simbólica de um outro si, em si, de um lugar do Outro, que, impondo um limite à expansão do eu, cria o espaço consistente, onde esta expansão se torna possível. O ser isolado e sem limites, privado de transcendência, não pode ser livre nem autónomo; fica submergido no abismo do espaço infinito. Para o dizer em termos mais comuns, a liberdade não pode ser aprendida sem uma autoridade com que se confronte; a consciência de si não pode sequer existir sem um outro cuja diferença, ou mesmo oposição, confere consistência à singularidade.
Nuna palavra, o ser singular e a sua liberdade não se constroem contra a sociedade e sem os outros, mas graças a eles e com eles. Por não ter sabido integrar esta verdade antropológica (21), o pensamento e a política moderna não pôde explorar a sinergia positiva entre o que chamei as “duas aspirações ontogenéticas” (22) dos seres humanos: “ser si para e por si”, de um lado, e “ser com, para e por os outros”, do outro lado. As construções políticas modernas oscilaram entre os modelos que privilegiam cada uma destas aspirações em detrimento da outra (em vez de as combinarem), entre um liberalismo que insiste no individualismo e de um socialismo que insiste na associação, entre a utopia hiperliberal de uma “dissociedade” justapondo indivíduos desligados e autónomos e a utopia híper socialista de uma “hiper-sociedade” fundindo os indivíduos numa comunidade indivisa.
O Ocidente vive, desde há alguns decénios, o termo de um ciclo político da modernidade que pouco a pouco instalou a figura do indivíduo autónomo, no âmbito de uma oscilação permanente entre a preocupação pelo indivíduo e a preocupação pela sociedade, entre o cuidado pela liberdade e o cuidado pela igualdade, entre o liberalismo e o socialismo. O século XX levou até aos extremos este movimento de báscula. Vimos um hipersocialismo comunista construir uma sociedade colectivista contra a liberdade, antes que o seu naufrágio deixasse livre curso à generalização do seu contrário, o hiperliberalismo que instrumentaliza ao culto da liberdade individual para desconstruir a sociedade. Pelo caminho, após a morte de Deus, a rejeição das ideologias desacreditadas por uma história sangrenta, acabou por deixar as consciências entregues ao vazio da sua pretensa autonomia. Este triunfo do indivíduo, único senhor e responsável do seu pensamento e do seu destino, parece representar a finalização do projecto moderno. Mas é uma vitória pirrónica. A sociedade hiperliberal é uma “dissociedade” violenta e instável porque só liberta verdadeiramente o capital e a competição e instaura uma pressão tremenda sobre o indivíduo submetido aos imperativos do desempenho, à aleatoriedade da conjuntura económica e à exigência de competitividade. Após dois séculos de expansão, o capitalismo, mesmo nos países mais avançados, continua a matar gente no trabalho. O pretenso emagrecimento do Estado em benefício da iniciativa privada, mascara o poder crescente de um Estado privatizado que restringe os direitos e as liberdades fundamentais do maior número para o submeter às exigências de uma minoria. A pretensa “autorregulação” pela livre concorrência desemboca numa economia criminal e crises de repetição. Além disso, o progresso incontestável da liberdade de pensar transmuta-se numa inconsistência do pensamento que não conhece nenhum ponto fixo onde ancorar uma verdade. A juventude educada no relativismo, no culto de si e da mercadoria, não sabe gerir a sua frustração e já não reconhece nenhuma autoridade. Em matéria de libertação, a cultura triunfante do indivíduo, dito único senhor de si mesmo, apenas nos “libertou” dos laços sociais, deixando vago o lugar do Outro em nós, sem o qual nenhum ser pode construir a sua liberdade.
A dissociedade dos indivíduos libertos de toda a autoridade moral transcendente e entregues à competição permanente alimenta a violência. Em face das desordens, os liberais aliam-se com os conservadores que almejam o regresso de uma ordem pré-moderna, um misto de repressão policial, integrismo religiosos, controlo comunitário e embrutecimento pelo trabalho. Não é anódino que esta aliança seja mais forte no país onde a simbiose do capitalismo e da democracia liberal foi mais continuada e mais profunda, os Estados Unidos. Vimos aí, com efeito, como o casamento da livre concorrência e da liberdade política facilmente se volta contra a democracia e a modernidade: o medo da desordem e da violência justifica toda a espécie de atentados às liberdades públicas e aos direitos do homem. Ao que se acrescentou um novo espírito de cruzada de uma cristandade branca americana convicta do seu direito de impor o seu modelo pela força das armas, mesmo depois do fiasco da cruzada contra o Iraque. A Idade Média está de volta (23)!
O hiperliberalismo pode assim tornar-se fundamentalmente antiliberal. O próprio movimento da modernidade, ao atingir o seu termo, engendra uma reacção anti moderna. Como explica Marcel Gauchet, no seu monumental percurso histórico da modernidade (24), a tentação do regresso atrás e da restauração conservadora são recorrentes e participam de uma dialéctica que, feitas as contas, nunca interromperam a dinâmica da emancipação dos indivíduos. Só que, eis que hoje, no termo deste processo, e no Ocidente, ultrapassámos o estádio em que a dialéctica indivíduo-sociedade ainda tinha espaço para explorar novos modelos sociais e novas possibilidades de expansão e autonomia. O século XX esgotou a exploração das três saídas possíveis (na verdade três becos sem saída) do dilema de uma sociedade constituída por indivíduos que se supõem independentes uns dos outros: 1) a fusão dos indivíduos numa hiper-sociedade que garanta a ordem pela alienação da autonomia individual; 2) a separação dos indivíduos (ou comunidades) numa dissociedade que procura substituir as relações humanas por relações mercantis; 3) a síntese totalitária que consiste na instauração de uma dissociedade temporária que atomiza os indivíduos, para melhor aniquilar, em seguida, tanto os indivíduos como a sociedade, fundidos num único ser residual e total, o Estado.
Enquanto se mantiver dentro do quadro de pensamento dominado pelo mito do indivíduo autónomo, o Ocidente, conduzido pela dialéctica moderna, até à dissociedade não tem qualquer saída que não seja o regresso a uma hiper-sociedade colectivista ou ao totalitarismo. Como ninguém é seriamente seduzido por estas “saídas”, vive-se o sentimento de um fim da história política. Para superar as contradições e os limites do nosso modelo social, já não há mais nada a explorar, já não há nenhum mundo desejável a atingir. Tão pouco existe um espaço simbólico a conquistar pela autonomia de um indivíduo já liberto de toda a transcendência e intimado a encontrar em si mesmo, e sozinho, as suas razões de ser e de agir.
O indivíduo hipermoderno (25), no fim de uma viagem que não cumpriu a sua promessa, é naturalmente tentado a revisitar etapas anteriores. Quando se chega ao fim do caminho, a única maneira de continuar a andar é às arrecuas. É isso, a meu ver, e para simplificar ao extremo, o que distingue as pulsões regressivas contemporâneas das tentativas de restauração que se verificaram no início dos séculos XVIII e XIX. Já não se trata hoje de uma pausa dialéctica capaz de projectar um novo avanço da modernidade. Trata-se, e, vem disso, de espasmos destrutivos de um processo que chegou ao seu termo e esgotou o seu futuro: uma “Grande Regressão” que, desde os anos 1980, pôs a civilização moderna em marcha atrás (26).
Assim, o pseudomodernismo dos políticos tem trinta anos de atraso sobre o movimento de pensamento que, desde os anos 1970, debate a “condição pós-moderna”, os tempos “hipermodernos” e as derivas de uma “super-modernidade” ou de uma “neomodernidade” (27), numa palavra, a necessidade de imaginar um novo quadro de pensamento, uma outra concepção do viver juntos, diferente daquela que deu origem ao surgimento do indivíduo autónomo e ao “desencantamento do mundo”. Já não estamos no tempo de ser moderno, é tempo de inventar uma nova modernidade. Aquilo que está hoje em jogo na política, já não é a libertação do indivíduo dos laços socias e da transcendência que parecia obstruir a marcha para a autonomia. O novo caminho, como mostrarei, é o de ultrapassar o mito moderno do indivíduo autónomo que obstrui a marcha para verdadeira liberdade e o de substituir um “laissez-faire” que aliena pelos laços que libertam. Face à nova sociedade, desligada, desregulada e desencantada, o grande desafio político (28) do século XXI é o de descortinar princípios de ordem e de autoridade que possam de novo manter os homens juntos, sem destruir liberdade e sem apagar três séculos de emancipação.
Durante os três últimos séculos, a inversão liberal do mundo, esforçou-se por construir uma sociedade harmoniosa pela expansão das liberdades individuais e da produção. Este método estava baseado num grave erro antropológico porque, na realidade, é a expansão, a diversificação e a intensificação dos laços sociais que constroem a liberdade de um ser singular. São os laços e não os bens (les liens et pas les biens) que permitem o crescimento e o progresso humanos. É certo que, exactamente como as falsas teorias astronómicas conduziram durante muito tempo os navios a bom porto, este erro de base permitiu arrancar o indivíduo das garras do obscurantismo, o recuo do despotismo, o progresso dos conhecimentos e o florescimento da democracia, coisa que ninguém poderá lastimar e muito menos contestar. Mas, desde que este projecto patina no beco sem saída fabricado pelo seu próprio êxito, e nos defrontamos hoje com o fracasso do liberalismo, com a impossibilidade de viver livres e juntos, sem moral e sem laços, com a impossibilidade de consumir sempre cada vez mais, é chegado o tempo de corrigir finalmente o erro dos modernos para salvar os adquiridos da modernidade e esconjurar a tentação da grande regressão. Chegou o tempo de inverter a perspectiva moderna e de oferecer à liberdade um novo futuro retomando a pista de uma construção social da liberdade.
A inversão socialista
Uma construção social da liberdade. Foi essa precisamente a essência original do projecto socialista, de Leroux a Blum, passando por Marx e Jaurès, ou seja, apoiar-nos sobre os laços sociais, a comunidade política e a acção colectiva, para construir a liberdade dos indivíduos.
Será necessário aqui dissipar um contrassenso frequente no que toca à relação entre o socialismo e liberalismo. O liberalismo não é a doutrina ou a política que visa a liberdade, desprezando a coesão social, a justiça e o bem comum. O socialismo não é a doutrina ou a política que visa a instauração de uma sociedade justa e solidária, desprezando ou restringindo a liberdade individual. Estes preconceitos correntes enunciam, pouco mais ou menos, o contrário daquilo que constitui a verdadeira natureza das duas filosofias políticas em questão. Os diferentes ramos do liberalismo (29) visaram sempre o bem comum e/ou a justiça, pensando que o melhor meio de os alcançar consistiria em dar livre curso à iniciativa individual. Trata-se, portanto, para os liberais de construir a boa sociedade pela liberdade. Por seu lado, o socialismo, herdeiro da filosofia das Luzes e do liberalismo, reconhecia os progressos conseguidos graças à liberdades políticas e aos direitos do homem, mas aponta a incapacidade do método liberal de cumprir a promessa feita a todos os homens de uma igual e real liberdade de conduzirem a sua vida. Porque o direito liberal para à porta das empresas e dá livre curso às trocas entre actores desigual, a sociedade liberal instaura uma desigual liberdade, um domínio dos mais fortes e dos mais ricos, e a alienação dos trabalhadores deixados à mercê dos detentores dos meios de produção. O socialismo não tem por missão abolir pura e simplesmente o liberalismo e as suas conquistas. Entende dever cumprir a promessa (não cumprida) da Revolução francesa de uma igual liberdade para todos, construindo uma sociedade solidária e democrática, não como um fim em si mesmo, mas como instrumento da emancipação da humanidade. O projecto socialista é o da construção da liberdade pela boa sociedade.
Sob este aspecto, o socialismo das origens representou, desde meados do século XIX, um esboço de superação da modernidade. Mais precisamente, o socialismo democrático e republicano francês, antes da sua conversão táctica ao marxismo truncado de Jules Guedes, constituiu o primeiro ensaio de um pensamento neomoderno com o projecto de cumprir a promessa moderna de emancipação, corrigindo, a verdadeira relação entre os indivíduos e a sociedade. É a esta inversão de perspetivas que chamo “a inversão socialista”: já não se trata, como acreditavam os liberais, de construir a sociedade a partir dos indivíduos, mas de construir a liberdade real de todos os indivíduos pela transformação da sociedade; a emancipação não surgirá da simples destruição dos laços sociais antigos entregando os sujeitos à falsa liberdade da competição dos interesses privados; ela só pode progredir graças à substituição dos laços que alienam pelos laços que libertam (os direitos sociais, pela fraternidade, a solidariedade, a livre associação). Esta inversão do pensamento pode situar-se por volta dos anos 1830 e 1840, ou seja, perto de um século e meio antes das descobertas científicas que permitem hoje fundar o socialismo metodológico sobre conhecimentos sólidos e não apenas sobre simples intuições. Este “velho” socialismo é bem mais que moderno, ele é já neomoderno cento e cinquenta anos antes das primeiras inquietações emocionadas sobre os becos sem saída da modernidade; ainda hoje, ele está muito à frente dos “modernizadores” que nada sabem da ciência moderna.
É consternador ler hoje “homens de esquerda” que, em nome de uma modernidade com a falta de fôlego de quem chegou ao fim de uma corrida, querem acabar com o “velho socialismo”, no preciso momento em que o novo liberalismo ameaça naufragar. Ignaros, arrogantes e preguiçosos, estes pseudossocialistas jamais souberam quem eram e o que pensaram estes seus antepassados, nos quais aqueles que ainda sabem ler e pensar poderão muito rapidamente reconhecer um pensamento do século XXI. O essencial do que eles censuram aos “velhos” socialistas (o estatismo, a crispação doutrinária, a retórica revolucionária, etc.) é justamente tudo o que estes recusavam energicamente. Crianças mandrionas ou políticos devorados pela ambição, abriram o livro das recordações de família no penúltimo capítulo e parece que jamais pegaram num livro de ciência desde que, na escola primária, receberam as suas primeiras “lições das coisas”. Há apenas uma circunstância atenuante para tamanha ignorância: os seus pais e avós já tinham arrancado as primeiras páginas da herança dos seus maiores. Desde há um século, como mostrou Vincent Peillon (30), o partido fez como se o socialismo tivesse nascido em 1905, isto é, depois da conversão puramente táctica a um catecismo marxista elementar que soterrou as pistas abertas pelos verdadeiros pais do socialismo.
Retomemos, então, o fio desta história soterrada. Como disse, no momento da inversão que operaram no pensamento moderno, os primeiros socialistas não estavam muito longe de empreender a revolução antropológica cuja necessidade anteriormente indiquei. Mas, diferentemente de Marx e, como aliás, alguns liberais que, já desde o século XIX, contestavam a concepção estreita do indivíduo que havia presidido às teorias do contrato social e do utilitarismo, eles não têm o projecto de construir uma ciência da história e da sociedade. Desejosos de salvaguardar os adquiridos liberais da Revolução francesa e da Republica – incessantemente ameaçados pelos reaccionários – empenhados na luta democrática pela conquista de novos direitos sociais, os socialistas republicanos procuravam mais a unidade e a eficácia do movimento operário do que com a coerência e a perfeição doutrinárias. Acima de tudo apaixonados pela liberdade, desconfiavam dos pensamentos sistemáticos que pretendiam formular verdades definitivas e poderiam inspirar políticas autoritárias. Mas, no final do século XIX, o espírito moderno está fascinado pelos êxitos prodigiosos da ciência e da técnica. Todas as ciências humanas querem imitar as ciências da natureza a fim de se enfeitarem com uma parte do seu prestígio. Por não se terem inclinado perante esta moda cientista, os socialistas democratas e republicanos viram-se submergidos pela sedução teórica da ciência marxista da história. E, em nome da unidade, sob a égide de Jaurès, aceitaram, por fim, a conversão táctica ao marxismo vulgar dos guesdistas (31). Este marxismo economicista (caricatura enganosa dos escritos de Marx) não deixa nenhum espaço para reflexão sobre os fundamentos antropológicos da política: as relações entre as classes sociais, determinadas pelas condições materiais de produção são quanto basta para compreender a humanidade e toda a sua história! A partir daí, as pistas abertas pela primeira inversão socialista foram soterradas. Nem pode dizer-se que exageramos se dissermos que, após a unificação do partido socialista em 1905, a reflexão doutrinal dos socialistas franceses não marxistas é quase inexistente, se entendermos por isso qualquer tentativa de construção de um sistema de pensamento completo e coerente sobre as bases filosóficas e antropológicas erigidas por Pierre Leroux e Jean Jaurès. Esta reflexão é, pelo contrário, aprofundada na Inglaterra e na Itália, em diversos trabalhos que podem ser agrupados sob a etiqueta de “socialismo liberal” (32).
A partir dos anos 1920, após a revolução bolchevique e a cisão entre comunistas e socialistas, teria sido possível retomar o fio de uma construção teórica de um socialismo neomoderno, aí mesmo onde a preocupação unitária o havia interrompido. Inúmeras reflexões novas teriam podido alimentar uma refundação antropológica do socialismo: a etnologia de Mauss, a psicologia interaccionista de George Herbert Mead, a antropologia e a sociologia económica de Karl Polanyi, o anarquismo conservador de Georges Orwell, etc.. Não faltavam os ingredientes para retomar um pensamento fundado numa concepção mais abrangente e mais justa do ser humano. Mas parece que este fio não estava apenas quebrado; fora simplesmente perdido. O quadro de reflexão marxista tornou-se o único instrumento de referência, quer se tratasse de o adoptar ou repudiar. E quando o socialismo começou a ser uma força política susceptível de governar, os imperativos da luta eleitoral, o debate sobre a oportunidade de participar ou não no governo, a relação entre reforma e revolução, isto é, considerações tácticas e estratégicas sobrepuseram-se à reflexão doutrinal.
A partir de então, na ausência de uma alternativa ideológica, a vulgata marxista começou a ser o instrumento táctico onde os socialistas iam recolher inspiração para um discurso convincente e mobilizador para uso dos militantes, quando já tinham definitivamente abandonado a ideia de qualquer revolução proletária que substituísse o capitalismo pela socialização dos meios e produção. Com maior ou menor demora, todos socialistas e sociais-democratas europeus acabaram por ajustar a sua retórica oficial à sua prática efectiva. Mas todos, incluindo o PS francês, considerado o mais lento na matéria, escolheram, de facto, a democracia e a reforma da sociedade pela lei. E quase nenhum considerou que houvesse alguma urgência em forjar uma nova doutrina de referência.
O pensamento foi assim adormecendo mas não a sociedade cujo movimento acabaria por fazer acordar os socialistas, mas intelectualmente desarmados para apreender um mundo transfigurado.
A ilusão da terceira via
A obra do socialismo no século XX não foi doutrinal mas política. De facto, pelo combate democrático, o socialismo participou na realização do progresso social no quadro que erradamente mas comumente se chama “economia de mercado” capitalista. Sob muitos aspectos, o período dos “Trinta Gloriosos” pôde ser interpretado como a vitória das ideias do socialismo democrático: a regulação do mercado pela lei democrática permitia o progresso social e a expansão simultânea da coesão social e das liberdades individuais. Vitória cujo efeito perverso foi o de dissipar ainda mais profundamente a necessidade de uma reconstrução ideológica.
Ora, ao mesmo tempo, o perfazer do processo de modernização da sociedade e da cultura, a abertura crescente do mundo ao capitalismo mercantil, o consumo de massa, a liberalização dos costumes, a explosão dos meios de comunicação e, pouco depois, o naufrágio dos países comunistas, engendraram uma nova sociedade, um capitalismo diferente, um ambiente internacional metamorfoseado, uma reviravolta nas relações de força, numa palavra, um outro mundo onde os êxitos anteriores da regulação democrática ficaram comprometidos, e o movimento de báscula da modernidade iria inverter-se conferindo ao movimento liberal um último impulso planetário. Hoje, com alguma distância, percebe-se facilmente a ambiguidade complexa do período dos “Trinta Gloriosos”: o êxito da social-democracia foi também o êxito do capitalismo liberal, o progresso da solidariedade social acompanhou a ascensão do individualismo, a melhoria da situação material da classe operária correspondeu ao desenvolvimento do consumismo, etc.. Esta fase de compromisso e de equilíbrio foi, do mesmo passo, o terreno que preparou as patologias da hipermodernidade, do hipercapitalismo e do hiperliberalismo.
Por não ter sido capaz de retomar o fio da reflexão doutrinal – se abstrairmos dos verdadeiros marxistas – os socialistas e sociais-democratas não viram chegar, não impediram, e muitas vezes nem sequer combateram o surgimento da dissociedade liberal. Foram arrastados na vaga do mundo novo, sem bússola nem compasso, e sem outras referências que não fosse o marxismo truncado de uns e o antimarxismo inculto dos outros.
Foi neste contexto que apareceu a vontade de modernizar o socialismo. Face ao mundo novo engendrado pela mundialização do capitalismo e pelo afundamento do comunismo, a necessidade de uma renovação doutrinária era, de facto, patente. Mas a antiga focagem do debate sobre a pseudo alternativa - revolução marxista ou reformismo democrático - orientou a busca desta renovação para um verdadeiro impasse: o da terceira via. Com efeito, após três quartos de século de glaciação do pensamento socialista, teria sido preciso retomar a esquecida busca de uma síntese entre o socialismo republicano e a crítica marxista do capitalismo e da economia política liberal. Em vez disso, os “modernizadores” da esquerda europeia agiram como se o socialismo clássico se resumisse ao marxismo-leninismo e apresentaram esta pretensa herança como obstáculo a abater para erigir as novas fundações. Entre o estatismo e a planificação central, de um lado, e o ultraliberalismo do outro, seria fácil desenhar uma terceira via. Mas era o desenho de uma quimera, porque a terceira via era já, na prática, o modelo de referência da esquerda europeia, a saber: a regulação democrática de uma economia mista com vista a uma transformação social progressiva.
A persistência, aqui e ali, de um retórica marxista revolucionária de fachada servia também de pretexto aos teóricos da teceria via, para apresentar o seu discurso vazio como o surgimento, finalmente assumido, de um reformismo “pragmático” visando soluções concreta e exequíveis. Mas, na medida em que a prática real da velha esquerda ao longo de todo o século XX, era já a da regulação democrática de uma economia de mercado, não existia obviamente terceira via entre ela e a desregulação generalizada do novo capitalismo mundializado. Como a velha esquerda não era particularmente adaptável a sua modernização só poderia consistir na sua adaptação à desregulação integral! Sob a aparência teórica de um reformismo moderno opondo-se a um marxismo estatista imaginário, as prescrições da terceira via resumiam-se e integrar nas políticas de esquerda toda a panóplia das políticas neoliberais. Bastava improvisar uma mixórdia sociológica-filosófica destinada a demonstrar que não havia qualquer traição aos ideais de esquerda, já que doravante os ideais de esquerda serviam perfeitamente para justificar as políticas decorrentes dos valores eternos da direita (33)! Eis a obra meritória dos teóricos da terceira via. Que uma obra deste jaez tenha podido conhecer um franco êxito em larga parte da esquerda europeia mostra bem a abissal inconsistência de pensamento que durante largo tempo foi mascarada pela aparente virulência do debate entre reformistas e revolucionários. O que está hoje em causa para ao socialistas democratas é ultrapassar este falso debate, que já estava decidido há mais de um século, quando o socialismo republicano escolheu a democracia.
Não sem ironia, terminarei esta introdução levantando esta questão: “Para ser moderno, não será tempo de ultrapassar o socialismo?”. Não é difícil adivinhar a reposta: “Para ultrapassar a modernidade é já tempo de ser socialista”. No fundo, trata-se de retomar seriamente a questão que foi deixada jacente após a primeira inversão socialista do pensamento moderno: qual pode ser a nossa concepção da história, da sociedade, da economia, das instituições, etc. quando se abandona a premissa errónea do pensamento moderno: a autonomia do indivíduo como caminho para emancipação e para a boa sociedade, quando se faz assentar o discurso político sobre esta verdade antropológica: os laços sociais são o caminho da liberdade? Procurarei mostrar neste livro que esta pista de investigação é susceptível de fundar um socialismo científico que estava ao alcance dos pioneiros do socialismo e deverá integrar o contributo insubstituível de Marx, em vez de se desintegrar na adesão a um marxismo vulgar que o próprio recusou no final da sua vida. Este outro socialismo, cujos percursores permaneceram, durante demasiado tempo, quase esquecidos, nestes últimos anos foi trazido à luz do dia por inúmeros trabalhos de diversos autores (34). Não teremos oportunidade de dar a estes últimos o eco que mereceriam porque não se trata neste livro de refazer a história do pensamento político. Assim, os dois próximos capítulos serão consagrados à identificação das características invariantes do funcionamento psíquico e social da espécie humana e os capítulos seguintes determinam os princípios políticos que podem ser deduzidos deste fundamentos antropológicos.
Neste livro o termo “socialismo” não designa um “modo de produção” fundado na apropriação colectiva dos meios de produção; designa uma doutrina política fundada numa concepção social do ser humano estabelecida a partir dos adquiridos das ciências do homem. Sob este aspecto a minha abordagem inscreve-se na linhagem dos primeiros socialistas franceses para quem “socialismo” designava uma filosofia da associação que se opunha à filosofia individualista do primeiro pensamento liberal.
É certo que, na segunda metade do século XX, a maior parte dos socialistas defenderam a propriedade social dos grandes meios de produção, mas isto não é uma razão pertinente para ressequir sentido do termo “socialismo”, reduzindo-o à simples designação de um modo de produção oposto ao modo de produção capitalista. Este erro semântico conduziu a qualificar de “socialismo real” o regime totalitário instaurado na União Soviética sob o pretexto que ele se baseava na nacionalização de uma boa parte dos meios de produção, a despeito do facto de que ele não tinha nada que ver com a ideia que Marx, que Leroux, que Proudhon ou que Jaurès faziam de uma sociedade socialista.
Repitamo-lo, o socialismo é, em primeiro lugar, a vontade de instaurar a plena liberdade de todos os indivíduos graças à sua associação numa sociedade solidária onde a cooperação prima sobre a rivalidade. Mostrarei que esta construção social da liberdade não depende principalmente do modo de apropriação dos meios de produção, o que não põe em causa o essencial da crítica marxista do capitalismo nem a necessidade de superá-lo.
As intuições dos socialistas humanistas e/ou cristãos não merecem ser desprezadas como o foram, não por Marx, mas por tantos marxistas-leninistas. O materialismo de Marx não justificava o anticomunismo que anima até aos nossos dias demasiados socialistas impregnados de filosofia cristã. Sustento que estas duas tradições são complementares e não antagónicas e porque cada uma delas põe o acento numa dimensão negligenciada pela outra, só a sua síntese teórica e a sua unidade política poderão abrir a via de um ideal socialista cientificamente fundado e politicamente eficaz. Essa foi a via procurada por Jaurès e esse é o trabalho teórico para o qual tento contribuir.
Há hoje quem pense que a “teoria” não serve para grande coisa em política porque as pessoas desconfiam das ideologias e esperem sobretudo resultados concretos. Esta é uma ilusão funesta que a direita jamais partilhou. Será que terá lido Gramsci que explicava longamente que o combate político é sempre uma batalha cultural? Terá meditado Foucault que demonstrava que a exploração moderna já não repousa sobre o constrangimento dos corpos, mas sobre a manipulação dos espíritos?
Seja como for, o certo é que a direita sempre compreendeu a necessidade e a eficácia prática da ideologia ao ponto de procurar dissimulá-la sob as aparências do bom senso.
A experiência recente ensina-nos que não basta a um governo de esquerda apresentar um bom balanço económico e social para ser reconduzido pelos eleitores e tão pouco basta a um governo de direita exibir um balanço desastroso para ser derrotado nas urnas. As eleições ganham-se e perdem-se, ainda hoje, e talvez ainda mais do que anteriormente, pelos discursos dos políticos e pela história que contam ao país (35). Quanto mais o mundo é complexo e anxiogénico, mais os cidadãos esperam dos seus responsáveis políticos um discurso que englobe o mundo, a história e a vida e lhes permita projectar-se num futuro que faça sentido, mais apreciam um discurso que articule ao fins e os meios, que funde a acção pública sobre uma verdade partilhável e não sobre as areias movediças da opinião: em suma, aquilo que dantes de chamava uma ideologia, e que hoje se diz uma “Grande narrativa” (grand récit): a grande narrativa aqui hoje falta ao socialismo para sair da inconsistência.
(*) Jacques Généreux (n. 1956) é um economista universitário francês, mestre de conferências, presentemente colocado no Institut d’Études Politiques (IEP) de Paris. Adversário intelectual de longa data do chamado “neoliberalismo” (que ele prefere chamar “mercadismo”) publicou diversas obras de grande relevo, com destaque para Manifeste pour l'économie humaine (2000), Les vraies lois de l'économie (2001), La Dissociété (2006) e L'Autre société (2011). Em Novembro de 2008 abandonou o Partido Socialista para participar na fundação do Partido de Esquerda (Parti de Gauche ), do qual é secretário nacional para a Economia. Este texto é o capítulo inicial de L'Autre société apresentando um resumo muito geral da obra; faz apenas uma exposição sumária de argumentos cuja fundamentação será exposta no decurso dos desenvolvimentos ulteriores no livro. Tradução de João Esteves da Silva. Da parte de 'O Comuneiro', compreendemos que o Parti de Gauche procure filiar-se numa tradição socialista puramente "franco-francesa", mas não subscrevemos a ligeireza com que se descarta o contributo de Lenine para toda a história do século XX, nem que o mesmo seja reduzido a um precursor do estalinismo e dos fracassos do "socialismo real".
____________ NOTAS:
(1) La Dissocieté. À la recherche du progrès humain I (2006) 3ª edição, Seuil, Points-Essais, 2011.
(2) Compreender-se-á que a assuma aqui muitas vezes o papel de advogado do diabo. Espero que as almas sensíveis não se impressionem demasiadamente com o ardor que ponho na explicitação de argumentos que não me convencem. O rigor do debate exige sempre que se apreenda plenamente, até na sua paixão, o pensamento a que nos opomos.
(3) O ciclo dialéctico das críticas do capitalismo e das adaptações deste último para integrar e amortecer as suas críticas foi descrito por Luc Boltansky e Ève Chiapello, Le Nouvel Esprit du capitalisme, Gallimard, 2002.
(4) Churchill aplicava esta definição à democracia. Por extensão, ela descreve com fidelidade o estado de espírito de uma esquerda oficialmente crítica do capitalismo mas para quem o capitalismo da Europa ocidental parecia menos detestável do que a planificação autoritária da União Soviética.
(5) Ponho, por vezes, entre parêntesis algumas palavras comuns do debate público, como “moderno”, “liberal”, “socialista”, etc., para indicar que me refiro ao discurso público vulgar que emprega estes termos de forma errónea num sentido muito distante daquele que têm no âmbito das ciências humana e sociais.
(6) O primeiro partido que se designou “A Esquerda moderna” foi criado em França por um ministro de um governo de direita.
(7) É este o subtítulo do livro de Monique Canto-Sperber, Les Règles de la liberté, Plon, Omnibus, 2003.
(8) La Dissocieté. op. cit.
(9) Esta exigência de verdade não implica minimamente a ilusão de que toda a questão política possa ser decidida por um teorema científico. Ela opera apenas como um primeiro critério de triagem indispensável numa época que se deleita no relativismo, onde reina a “opinião pessoal” e o “direito de se exprimir” e onde a ausência de referências seguras facilita a manipulação dos espíritos pela comunicação de massas. Mas sabemos que esta triagem serve apenas para clarificar o debate público coroado por decisões democráticas. Regressarei mais longamente sobre esta questão um pouco mais adiante.
(10) No sentido estrito, numa economia de mercado, o essencial das operações económicas efetuar-se-ia por via de contratos livremente negociados permanentemente entre actores independentes. Na realidade, o essencial das operações correntes é realizado no quadro de relações hierárquicas no seio de instituições (de empresas ou administrações).
(11) Em La Dissocieté, propus a substituição de “neoliberalismo” por “mercadismo”, já que aquele é um desvio do liberalismo mais do que um novo liberalismo e o termo “mercadismo” tem a vantagem de designar directamente o objecto desta ideologia, ou seja, uma sociedade fundada na generalização de uma relação de troca mercantil entre indivíduos independentes.
(12) Para conhecer o estado da ciência sobre esta questão, pode ver-se Jacques Sapir, Quelle économie pour le siècle XXI, Odile Jacob, 2005.
(13) Tomo o termo ideologia no sentido muito geral de um sistema de pensamento coerente que pretende oferecer uma compreensão do ser humano, da sociedade e da sua história, da qual deduz os seus juízos e as suas receitas.
(14) É neste sentido que deve entender-se a frase dita por Tony Blair perante os deputados do Parlamento francês: “As políticas não são de direita ou de esquerda; há políticas que funcionam e políticas que não funcionam”.
(15) Entendo por “antropologia geral” ou “ciência do Homem” o conjunto das disciplinas que aportam informação sobre a constituição, o funcionamento e o desenvolvimento pessoal e colectivo dos seres humanos. O que inclui a paleoantropologia, a etologia, a psiquiatria, a psicanálise, a neurobiologia, a psicologia, a economia, a história, a arqueologia, etnologia, etc..
(16) No capítulo 3, explanarei em que sentido preciso tomarei a expressão controversa de “natureza humana”. Sublinhei aqui apenas que não pretendo esgotar o debate sobre a natureza humana pelo recurso à ciência. Trata-se apenas de fundar o debate político sobre o que pode considerar-se estabelecido pelo estado actual dos nossos conhecimentos.
(17) Cf. La Dissocieté. op. cit. Capítulo 4.
(18) Ibidem, Capítulo 6 a 9.
(19) Sublinho “pretenso” porque a verdadeira filosofia pragmática é algo de completamente diferente do vazio doutrinal e da improvisação empírica habitualmente reivindicados pelos políticos que se dizem pragmáticos. O “pragmatismo”, termo introduzido na filosofia por Charles Pierce em 1878, é um método para clarificar as nossas ideias e evitar debates destituídos de interesse prático. Em 1907, William James precisou: “…O método pragmático visa interpretar cada noção em função das suas consequências práticas… Se nenhuma consequência prática surgir é que as duas noções são praticamente equivalentes e a discussão é vã”. William James, Le Pragmatisme, Flammarion, Champs, 2007.
(20) Ver o belo livro do Mona Cholet, La Tyranie de la realité, Calmann-Levy, 2004, reedição Gallimard, Folio-Actuel, 2006.
(21) Evoco aqui o movimento geral da sociedade e não o pormenor histórico dos pensamentos, dos discursos e das práticas. O erro antropológico de que aqui se fala foi reconhecido por diversos pensadores liberais e socialistas do século XIX; mas este reconhecimento não conduziu à elaboração de um novo sistema de pensamento especificamente construído para tirar todas as lições de uma refundação antropológica.
(22) La Dissocieté, op. cit., capítulo 4.
(23) Veja-se a constatação inquieta da célebre urbanista americana Jane Jacobs, Dark Age Ahead, Random House, 2004.
(24) Marcel Gauchet, L’Avènement de la démocratie, t 1. La Révolution moderne, t. 2, La Crise du libéralisme, 1880-1914 t. 3. À l’épreuve des totalitarismes, 1914-1974, Gallimard, 2008-2010.
(25) Nicole Aubert (direcção) L’Individu hipermoderne, Ères, 2004.
(26) Ver o terceiro opus da presente série, La Grande Régression, Seuil, 2010.
(27) Ver, designadamente, Jean-François Lyotard, La Condition postmoderne, Éditions Minuit, 1979; Giles Lipovetsky, Sébastian Charles e Pierre-Henri Tavoillot, Les temps hypermodernes, Grasset. 2004. LGF, 2006.
(28) A ele acresce o desafio ecológico que apela a outra ideia de progresso.
(29) Há que sublinhar que, para mim, o liberalismo não engloba o ultraliberalismo, o neoliberalismo e libertarianismo que são desenvolvimentos patológicos que, por isso, proponho agrupar sob o termo clínico de “hiperliberalismo”, segundo o modelo da “hipertensão”.
(30) Vincent Peillon, Pierre Lerroux et le socialisme républicain. Le Bord de l’eau, 2003.
(31) Jules Guesde, (1845-1922) é, então, com Paul Lafargue (1842-1911), o líder dos marxistas franceses.
(32) Não confundir com o que hoje se designa como “social-liberalismo” que é mais ou menos o oposto do “socialismo liberal”.
(33) Neste caso o verdadeiro método pragmático é muito útil: se duas teorias políticas têm as mesmas consequências práticas é que não existe entre elas nenhuma diferença pertinente.
(34) Ver, designadamente, Serge Audier, Le Socialisme libéral. La Découverte, 2006; Alain Caillé e Pierre Chanial, «L’Autre socialisme, Entre utilitarisme et totalitarisme», Revue du Mauss, nº 16; La Découverte, 2000; Jean-Claude Michéa, Orwell anarchiste Tory, Climats, 2000, Vincent Peillon, op. cit.; Bruno Viard, Anthologie de Pierre Leroux, Le Bord de l’eau; Jacques Viard, Pierre Leroux et les socialistes européens, Acte Sud, 1992.
(35) Vide Christian Salmon, Storytelling. La machine à fabriquer des histoires et à formater les esprits. La Découverte, 2007.
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