Como fazer uma revolução ecossocialista

 

 

Ian Angus (*)

 

 

 

Cento e cinquenta anos atrás, Karl Marx previu que, a menos que o capitalismo fosse eliminado, as grandes forças produtivas desencadeadas por ele iriam se transformar em forças destrutivas. E isso é exatamente o que aconteceu.

 

Todos os dias vemos mais provas de que o capitalismo, que já foi a base para uma onda sem precedentes de criatividade e de libertação, se transformou em uma força para a destruição, a decadência e a morte.

 

Ele ameaça diretamente a existência da espécie humana, para não mencionar a existência de milhões de espécies de plantas e animais com os quais partilhamos a Terra.

 

Muitas pessoas propuseram já soluções tecnológicas ou reformas políticas para lidar com vários aspetos da crise ambiental global, e muitas dessas medidas merecem séria consideração. Algumas delas podem conceder-nos mais algum tempo, algumas delas podem atrasar o dia do acerto de contas ecológico.

 

Ao contrário do que alguns dos nossos críticos afirmam, nenhum socialista sério se opõe a medidas parciais ou reformas - apoiaremos ativamente qualquer medida que reduza, limite ou atrase os efeitos devastadores do capitalismo. E vamos trabalhar com qualquer pessoa, socialista ou não, que queira seriamente lutar por tais medidas. Na verdade, ninguém nos conseguirá deter nesse caminho!

 

Todavia, como socialistas, sabemos que não pode haver solução duradoura para as múltiplas crises ambientais do mundo, enquanto o capitalismo continuar a ser o sistema económico e social dominante no planeta.

 

Nós não reivindicamos ter todas as respostas, mas temos uma grande resposta: a única base para uma mudança definitiva a longo prazo na forma como a humanidade se relaciona com o resto da natureza, é uma revolução ecossocialista.

 

Se não fizermos essa transformação, podemos atrasar o desastre, mas o desastre continuará inevitável.

 

O lema e subtítulo da nossa revista ‘Climate and capitalism’ sempre foi: "Ecossocialismo ou barbárie: Não há terceira via".

 

Mas o que queremos dizer com ecossocialismo? E o que queremos dizer com revolução ecossocialista?

 

O que é o ecossocialismo?

 

Não há direitos autorais sobre a palavra ecossocialismo, e aqueles que se chamam a si próprios ecossocialistas não concordam sobre tudo. Portanto, aquilo que vou dizer reflete apenas a minha própria perspetiva.

 

O ecossocialismo começa com uma crítica de seus dois progenitores, a ecologia e o marxismo.

 

A ecologia, no seu melhor, nos dá ferramentas poderosas para a compreensão de como funciona a natureza - não como eventos ou atividades separados, mas como ecossistemas integrados, interligados. A ecologia pode e deve fornecer informações essenciais sobre as formas pelas quais a atividade humana está a minar os sistemas que tornam possíveis todas as formas de vida.

 

Mas, enquanto a ecologia se tem saído muito bem a descrever o dano causado pelos seres humanos, a sua falta de análise social significa que poucos ecologistas desenvolveram qualquer coisa que se assemelhe a um programa credível para parar a destruição.

 

Ao contrário de outros animais, a relação entre os seres humanos e o nosso meio ambiente não pode ser explicada pela quantidade em que existimos ou pela nossa biologia - mas é aí que a ecologia, tipicamente, se detém.

 

Na verdade, quando os ecologistas se voltam para as questões sociais, quase sempre obtêm as respostas erradas, porque eles supõem sempre que os problemas na relação entre a humanidade e a natureza são causados por nossos números ou pela natureza humana, ou então que eles são apenas resultado da ignorância e de mal-entendidos. Se ao menos todos nós soubéssemos a verdade, o mundo mudaria. Tudo o que precisamos fazer é mexer com os impostos e com os mercados, ou talvez promover o controle da natalidade de forma mais ampla, e tudo ficará bem.

 

A falta de uma crítica coerente do capitalismo tornou ineficazes a maioria dos partidos verdes ao redor do mundo - ou, pior ainda, permitiu que eles se tornassem parceiros menores em governos neoliberais, proporcionando uma camuflagem verde para as políticas reacionárias.

 

Da mesma forma, muitas das maiores ONGs verdes há muito tempo que desistiram de construir um movimento ambientalista, preferindo fazer campanha por doações junto de empresas poluidoras. Porque eles não entendem o capitalismo, acham que podem resolver os problemas fazendo amizade com os capitalistas.

 

Em contraste, a maior força do marxismo é a sua crítica compreensiva do capitalismo, uma análise que explica por que esta ordem social específica tem sido, ao mesmo tempo, tão bem sucedida e tão destrutiva.

 

O marxismo mostrou também que uma sociedade de outro tipo é possível e necessária, uma sociedade na qual a produção capitalista destrutiva é substituída pela produção cooperativa, e em que a propriedade capitalista é substituída por um bem comum (“commons”) global.

 

Aquilo que hoje chamamos de ecologia foi fundamental no pensamento de Marx, e, como John Bellamy Foster mostrou, no século XX os cientistas marxistas fizeram grandes contribuições para o pensamento ecológico. Mas, no geral, os movimentos marxistas do século XX, ou ignoraram totalmente as questões ambientais, ou adiaram alegremente toda a consideração do assunto para depois da revolução, quando o socialismo iria magicamente resolver todas elas.

 

O que é pior, alguns dos piores pesadelos ecológicos do século XX ocorreram em países que se diziam socialistas. Só temos que mencionar o horror nuclear de Chernobyl, ou o envenenamento e drenagem do Mar de Aral, para deixar claro que eliminar apenas o capitalismo não vai salvar o mundo.

 

Agora há uma resposta fácil para isso - poderíamos simplesmente dizer que esses países não eram socialistas. Eles eram capitalistas de estado, ou qualquer outra coisa, portanto a crítica de seus crimes ambientais é irrelevante. Mas os nossos críticos verdes chamam a isso, muito justamente, uma saída demasiado fácil.

 

As pessoas na União Soviética e nos outros países do bloco soviético pensaram que estavam construindo o socialismo. E para a maioria das pessoas em todo o mundo, aquilo era como o socialismo se apresentava.

 

Então, quer chamemos a essas sociedades de socialistas ou lhes demos outro rótulo qualquer, é preciso responder à pergunta fundamental: o que nos faz pensar que as próximas tentativas de construir sociedades socialistas vão fazer melhor do que elas conseguiram fazer?

 

Nossa resposta a isso tem duas partes.

 

A primeira é que eliminar o lucro e a acumulação como as forças motrizes da economia irá eliminar o impulso inato do capitalismo para poluir e destruir.

 

Embora políticas equivocadas e a ignorância tenham causado alguns problemas ecológicos muito sérios, a crise global que enfrentamos hoje não é o resultado de políticas equivocadas e da ignorância - é o resultado inevitável do modo como o capitalismo opera normalmente.

 

Com o capitalismo um mundo ecologicamente equilibrado é impossível.

 

O socialismo não o tornará certo, mas vai tornar isso possível.

 

A segunda parte da resposta é que a história não é feita por forças impessoais. A transição para o socialismo será alcançada por pessoas reais, e as pessoas podem aprender com a experiência.

 

Isto é demonstrado na prática por Cuba, que nos últimos 25 anos tem feito grandes avanços para a construção de uma economia ecologicamente sã, e que tem repetidamente sido um dos poucos países que respeitam aos critérios do Fundo Mundial para a Natureza (“World Wide Fund for Nature – WWF”) para uma sociedade global sustentável.

 

A lição que devemos aprender com essa conquista e com os erros ambientais do socialismo no século XX é que a ecologia deve ter um lugar central na teoria socialista, no programa socialista e na atividade do movimento socialista.

 

O ecossocialismo trabalha para unir o melhor do verde com o melhor do vermelho e, ao mesmo tempo, superar as fraquezas de cada um. Tenta combinar a análise marxista da sociedade humana com a análise da ecologia sobre o nosso relacionamento com o resto da natureza.

 

Destina-se a construir uma sociedade que vai ter duas características fundamentais e indivisíveis:

 

- Será socialista, comprometida com a democracia, com o igualitarismo radical e a justiça social. Será baseada na propriedade coletiva dos meios de produção e vai trabalhar ativamente para eliminar o lucro, a exploração e a acumulação como as forças motrizes da nossa economia.

 

- E será baseada nos melhores princípios ecológicos, dando prioridade máxima à cessação de práticas anti-ambientais, à restauração dos ecossistemas danificados e ao restabelecimento da agricultura e da indústria em princípios ecologicamente sãos.

 

Uma frase de John Bellamy Foster, no seu livro ‘The Ecological Rift, explica de forma precisa e concisa a razão de ser do ecossocialismo:

 

"Não pode haver nenhuma verdadeira revolução ecológica que não seja socialista, e nenhuma verdadeira revolução socialista que não seja ecológica."

 

O que é uma revolução ecossocialista?

 

Quando dizemos revolução, estamos falando de uma mudança profunda na maneira como os humanos se relacionam com a Terra, na forma como produzem e reproduzem, em quase tudo o que os seres humanos fazem e como o fazemos.

 

O que estamos buscando não é apenas uma reorganização do capitalismo, e não apenas mudanças no regime de propriedade, mas aquilo que Fred Magdoff, em artigo numa edição recente da revista ‘Monthly Review’, chama de "uma civilização verdadeiramente ecológica - que existe em harmonia com os sistemas naturais".

 

Magdoff lista oito características que uma tal civilização possuiria.

 

1. Pararia de crescer quando as necessidades humanas básicas estivessem satisfeitas;

 

2. Não motivaria as pessoas para consumir mais e mais;

 

3. Protegeria os sistemas naturais de apoio à vida e respeitaria os limites dos recursos naturais, tomando em conta as necessidades das gerações futuras;

 

4. Tomaria decisões baseadas nas necessidades sociais e ecológicas de longo prazo, sem negligenciar as necessidades de curto prazo das pessoas;

 

5. Funcionaria, tanto quanto possível, com recurso a energia atual (incluindo o passado recente) em vez de fazer uso de combustíveis fósseis;

 

6. Valorizaria as caraterísticas humanas e uma cultura de cooperação, partilha, reciprocidade e responsabilidade para com vizinhos e a comunidade;

 

7. Possibilitaria o pleno desenvolvimento do potencial humano, e;

 

8. Promoveria processos verdadeiramente democráticos de decisão política e económica para as necessidades locais, regionais e multi-regional.

 

Como diz Fred Magdoff, uma sociedade com essas características seria "o oposto do capitalismo, em praticamente todos os seus aspetos essenciais".

 

Não é fácil nem rápido

 

Alcançar uma tal mudança é absolutamente essencial - mas não nos devemos iludir que isso vá acontecer de forma simples ou rapidamente.

 

Descobri que a maioria dos ambientalistas e a maioria dos socialistas subestimam quão grande é a tarefa que nos propusemos, quão grande a mudança terá de ser, quão difícil será, e quanto tempo vai demorar.

 

Quarenta anos atrás, em 1971, Barry Commoner, um dos primeiros socialistas modernos a escrever sobre a crise ambiental, estimou que, a fim de reverter a destruição ambiental que ele podia, então, observar nos Estados Unidos da América, e para reconstruir a indústria e a agricultura numa base ecologicamente sólida, “a maioria dos recursos do país para investimento de capital teria de ser empenhada na tarefa de reconstrução ecológica durante, pelo menos, uma geração".

 

A taxa e a extensão da destruição ambiental se acelerou rapidamente nas quatro décadas desde que Commoner escreveu isso. O custo das repararações e da reconstrução a fazer, bem como o tempo necessário para isso, aumentaram substancialmente.

 

Por exemplo, as Nações Unidas recentemente estimaram que serão necessários 30 anos para limpar o devastador dano causado pela Shell Oil na terra natal dos povos Ogoni, no delta do Níger. Isso é para uma área de apenas 386 milhas quadrados - cerca de um nono do tamanho da cidade de Sydney (Austrália).

 

O delta do Níger é um exemplo particularmente horrível do papel ecocida do capitalismo, é claro, mas há muitos mais exemplos ao redor do mundo, o suficiente para frustrar qualquer esperança de uma reviravolta fácil.

 

Isso significa que o título desta minha palestra é um pouco enganador. Eu não posso aqui dizer como fazer uma revolução ecossocialista, porque as mudanças necessárias levarão décadas, em circunstâncias que não podemos prever.

 

Além disso, a transformação exigirá, sem dúvida, novos conhecimentos e nova ciência, ainda não disponíveis.

 

Parafraseando Marx, não há livro de receitas para os cozinheiros da revolução ecológica.

 

Chegar ao ponto de partida

 

Mas o que podemos e devemos discutir é como chegar até o ponto de partida.

 

Um dos pioneiros do socialismo revolucionário e do ambientalismo foi o grande poeta e artista britânico William Morris. Em 1893, ele descreveu esse ponto de partida da seguinte forma:

 

"A primeira vitória real da revolução social será o estabelecimento, não de um sistema completo do comunismo, de um dia para o outro, o que seria absurdo, mas de uma administração revolucionária cujo objetivo definido e consciente será preparar e promover, por todas as vias disponíveis, a vida humana para um tal sistema... "

 

Podíamos combinar a declaração de William Morris com a terminologia de Fred Magdoff, para resumir o objetivo central do movimento ecossocialista de hoje:

 

"Uma administração revolucionária cujo objetivo definido e consciente será o de preparar e promover, por todas as vias disponíveis, a vida humana para uma civilização ecológica".

 

Em nosso novo livro, ‘Too many people?’, Simon Butler e eu expressamos essa idéia da seguinte maneira:

 

"Em cada país, precisamos de governos que rompam com a ordem existente, que respondam apenas perante as pessoas que trabalham, os agricultores, os pobres, as comunidades indígenas e os imigrantes - em uma palavra, perante as vítimas do capitalismo ecocida, não os seus beneficiários e representantes."

 

E sugerimos algumas das primeiras medidas que tais governos poderiam tomar. Nossas sugestões incluem:

 

- Rápida eliminação gradual dos combustíveis fósseis e biocombustíveis, substituindo-os por fontes limpas de energia;

 

- Apoio ativo aos agricultores para os converter à agricultura ecológica; defesa da produção e distribuição local de alimentos;

 

- Introdução de redes de transportes públicos livres e eficientes;

 

- Reestruturação dos sistemas existentes de extração, produção e distribuição, de forma a eliminar o desperdício, a obsolescência planejada, a poluição, e a publicidade manipuladora, proporcionando total reciclagem a todos os trabalhadores e comunidades afetados;

 

- Readaptação das casas e edifícios existentes de forma a torná-los enegeticamente eficientes;

 

- Cancelamento de todas as operações militares, no país e no exterior; transformar as forças armadas em equipas voluntárias encarregadas da restauração de ecossistemas e da assistência às vítimas de desastres ambientais.

 

As nossas sugestões não são esculpidas em pedra, e tenho a certeza de que muitos de vocês podem pensar em muitas outras mudanças essenciais.

 

Para outras idéias valiosas sobre o que um tal governo faria, encorajo-vos a olhar também para a agenda de curto prazo para os ativistas ambientais no último capítulo do livro ‘What Every Environmentalist Needs to Know About Capitalism, de John Bellamy Foster e Fred Magdoff, e no programa proposto para a Austrália na ‘Carta sobre Mudanças Climáticas’ da Aliança Socialista (The Socialist Alliance Climate Change Charter).

 

Gostaria de ressaltar que não devemos esperar por um governo ecossocialista para fazer essas alterações. Pelo contrário, devemos lutar por cada uma dessas medidas, desde hoje, como elementos centrais de nossa luta por um mundo melhor.

 

Esses são os primeiros passos, apenas o começo - a construção de uma civilização totalmente ecológica vai envolver muito mais.

 

Quanto mais tempo levarmos a construir um movimento que possa iniciar o processo, mais difícil a revolução ecossocialista será.

 

Participação maioritária

 

Chamei a atenção para a complexidade e a enormidade da tarefa que temos perante nós, não para vos desanimar, mas para sublinhar um outro ponto essencial. Mudanças sociais com este alcance não vão acontecer só porque são a coisa certa a fazer.

 

As boas idéias não são suficientes. A autoridade moral, por si só, não é suficiente.

 

Uma revolução ecossocialista não pode ser feita por uma minoria. Não pode ser imposta por políticos e burocratas, por mais bem intencionados que sejam.

 

Ela exigirá a participação ativa da grande maioria do povo. Nas famosas palavras de Marx: "A emancipação da classe trabalhadora deve ser obra dos próprios trabalhadores".

 

Isso não é assim porque a democracia seja moralmente superior, mas simplesmente porque as mudanças necessárias não poderão ser realizadas, ou não serão duráveis, a menos que sejam criadas, implementadas e se apoiem ativamente na mais ampla gama possível de pessoas.

 

Somente o apoio e envolvimento da maioria podem eventualmente vencer os oponentes da mudança.

 

A única maneira de superar as forças que agora nos regem, as forças da destruição global, é pela organização de uma força contrária que possa detê-las e removê-las do poder.

 

Essa é uma outra verdade fundamental sobre as revoluções - não existe tal coisa como uma revolução ao gosto de todos, onde todos ganham e ninguém perde. Com uma verdadeira revolução, as pessoas que tinham poder e privilégios na sociedade antiga, perdem esse poder e esses privilégios na nova sociedade.

 

Algumas dessas pessoas podem juntar-se à causa revolucionária, e se assim for, vamos dar-lhes as boas-vindas. Mas grande parte delas, provavelmente, não irá suportar o poder da maioria.

 

Hoje, como em toda sociedade humana durante milhares de anos, há grupos sociais poderosos que se beneficiam da situação existente, e eles vão resistir a mudar, não importa o quão óbvia a necessidade de mudança possa ser.

 

Nós só temos que olhar para o presente Congresso dos E.U.A. ou para o Parlamento da Austrália para ver pessoas poderosas que resistirão à mudança, mesmo que isso conduza à destruição do mundo.

 

Os que negam a ocorrência das mudanças climáticas não são excêntricos isolados. São políticos bem financiados, apoiados por algumas das mais ricas empresas do mundo, e estão preparados para trazer a desgraça ao mundo para proteger o seu poder.

 

Vocês sabem, sempre que falamos sobre revolução, os poderes existentes nos acusam de conspirar violência. Na verdade, a maioria dos ecossocialistas que conheço são não-violentos em suas vidas pessoais. Admito que muitos de nós no Canadá gostemos de hóquei no gelo, e tenho a certeza que existirão também alguns fãs entre vocês, mas isso não se reflete em nossas perspetivas políticas.

 

Nós não queremos a violência e ficaremos satisfeitos se a transição para o ecossocialismo for inteiramente pacífica.

 

Infelizmente, ao contrário do que sucede nos esportes profissionais, o que acontece em uma revolução não depende inteiramente de nós.

 

Como vimos em muitos países, a eleição democrática de governos populares por grandes maiorias nunca impediu os defensores da velha ordem de tentar recuperar o poder por meios violentos.

 

E como os povos da Venezuela e da Bolívia têm demonstrado, a melhor maneira de minimizar e neutralizar a violência dos reacionários é mobilizando o maior número possível de pessoas para defender o processo revolucionário.

 

Uma estória de duas cidades

 

Que forças irão determinar o resultado da crise ambiental global no século XXI? Menos de dois anos atrás nós tivemos um prenúncio forte do alinhamento de classes.

 

Em dezembro de 2009, os países mais ricos do mundo enviaram delegações a Copenhaga com instruções para não salvar o clima, mas para bloquear qualquer ação que pudesse enfraquecer as suas economias capitalistas ou prejudicar suas posições competitivas nos mercados mundiais.

 

E eles conseguiram.

 

O acordo de bastidores imposto por Obama foi, como Fidel Castro escreveu, "nada mais do que uma piada". O acordo de sequência que eles negociaram em Cancún não foi melhor.

 

As reuniões de Copenhaga e Cancún deixaram claro que os nossos governantes não querem resolver a crise climática e ecológica. Ponto final parágrafo.

 

Eles colocaram seus estreitos interesses econômicos e eleitorais acima da sobrevivência da humanidade. E eles não vão mudar de curso voluntariamente.

 

Cinco meses após a reunião de Copenhaga, uma reunião muito diferente ocorreu em Cochabamba, na Bolívia.

 

A convite do presidente boliviano Evo Morales, cerca de 35.000 militantes, muitos deles indígenas, vieram de mais de 130 países, para fazer o que Obama e seus aliados se recusaram a fazer em Copenhaga - para desenvolver um programa de ação para salvar o meio ambiente.

 

Eles elaboraram um ‘Acordo dos Povos’, que atribui a responsabilidade pela crise climática ao sistema capitalista e aos países ricos que "têm uma pegada de carbono cinco vezes maior do que o planeta pode suportar".

 

A Conferência Mundial dos Povos adotou 18 declarações principais, abordando temas como os refugiados do clima, os direitos indígenas, a transferência de tecnologia, e muitos mais.

 

É impossível imaginar um programa deste tipo saindo de qualquer reunião das potências ricas, ou de qualquer conferência das Nações Unidas.

 

Essas duas reuniões, em Copenhaga e Cochabamba, simbolizam a grande divisão na luta pelo futuro da Terra e da humanidade.

 

De um lado, um encontro dominado pelos ricos e poderosos, determinados a salvar a sua riqueza e os seus privilégios, mesmo que o mundo arda.

 

Do outro lado, os povos indígenas, os pequenos agricultores e camponeses, ativistas progressistas e trabalhadores de todos os tipos, determinados a salvar o mundo das garras dos ricos e poderosos.

 

A conferência de Cochabamba foi um grande passo rumo a um movimento global que pode realmente mudar o mundo. Ela mostrou, de forma preliminar, a aliança de forças que deve ser forjada em cada país, e internacionalmente, para acabar com o sistema capitalista ambientalmente destrutivo.

 

Precisamos de estudantes e acadêmicos, de feministas e cientistas - mas não seremos capazes de mudar o mundo, a menos que ganhemos a participação ativa dos trabalhadores, dos agricultores, dos povos indígenas e de todos os oprimidos.

 

Estas são as forças com que a esquerda verde se deve aliar. Estas são as forças que temos de ganhar para a perspectiva da revolução ecossocialista.

 

O que fazer agora?

 

Agora, neste ponto, você deve estar se perguntando: "Como podemos fazer isso? Como é que vamos ganhar o apoio das massas para o programa e os objetivos que sabemos serem essenciais?"

 

Essa é exatamente a pergunta certa a fazer. Porque se não pudermos traduzir nossas idéias e nosso programa em ação, então as nossas ideias serão irrelevantes, e assim seremos nós.

 

Para citar outro famoso comentário de Marx, a nossa tarefa não é apenas a de explicar o mundo, a nossa tarefa é mudá-lo.

 

Como marxistas, usamos a nossa análise do mundo como base para determinar o que fazer. Primeiro, perguntamos "o que está acontecendo?" De seguida nós perguntamos: "o que deve ser feito?"

 

Quando formulamos essas questões hoje, todos nós estamos intensamente cientes de que, embora a necessidade de revolução seja muito clara para nós, estamos em minoria, não só na sociedade em geral, mas mesmo dentro da esquerda e dentro do movimento ambientalista.

 

Como o estudioso marxista Fredric Jameson escreveu, vivemos em uma época em que, para a maioria das pessoas, "é mais fácil imaginar o fim do mundo do que imaginar o fim do capitalismo".

 

A maioria dos ativistas verdes não vê o capitalismo como o principal problema - ou, se alguns o fazem, não acreditam que uma revolução ecossocialista seja possível ou desejável.

 

Assim, a tarefa fundamental diante de nós não é proclamar a revolução a partir de cada esquina, mas sim encontrar maneiras de trabalhar com a faixa mais ampla possível de pessoas, como elas são hoje.

 

A marxista latinoamericana Marta Harnecker expressou-o desta forma:

 

"Ser radical não é uma questão de avançar com as palavras de ordem mais radicais, ou de realizar as ações mais radicais...

 

"Ser radical reside, isso sim, na criação de espaços onde amplos setores possam se unir e lutar. Porque, como seres humanos, nós crescemos e nos transformamos na luta.

 

"Compreender que somos muitos e que estamos lutando pelos mesmos objetivos é o que nos torna fortes e nos radicaliza."

 

É através das lutas pela mudança que podemos convencer as pessoas que hoje acham mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo.

 

Nós não podemos criar artificialmente o apoio da maioria, mas, felizmente, podemos contar com o capitalismo e com o imperialismo para nos ajudar.

 

Há muito tempo, Marx e Engels disseram que o que a burguesia produz, acima de tudo, são os seus próprios coveiros.

 

Em 2011, vimos os futuros coveiros do capitalismo entrarem em conflito direto com governos autoritários, com o imperialismo, e com programas de austeridade capitalistas, em países tão diversos como o Chile, a Espanha, a Grécia, a Tunísia, o Egito, a Grã-Bretanha e até nos Estados Unidos da América.

 

Nós não podemos dizer antecipadamente onde as lutas de massas vão rebentar, ou que formas elas vão tomar. Isso não está sob nosso controlo. As melhores palavras de ordem do mundo não irão fazê-lo. Mas o capitalismo vai fazer com que isso aconteça.

 

A verdadeira questão é: irá a próxima radicalização esvair-se ou ser derrotada - ou irá avançar, e, finalmente, desafiar o próprio capitalismo?

 

O movimento de que precisamos

 

Não há garantias. O marxismo não é determinista. A revolução ecossocialista não é inevitável. Ela só vai acontecer se as pessoas conscientemente decidirem que é necessária, e tomarem as medidas necessárias para a realizar.

 

Já em 1848, Marx e Engels colocavam como alternativa: a luta de classes conduziria ou à "reconstituição revolucionária da sociedade no seu conjunto"... ou "à ruína comum das classes em conflito".

 

Neste século de crise ambiental, a ruína comum de todos, a destruição da civilização, é uma possibilidade muito real.

 

Um fator que irá determinar o resultado - na minha opinião o fator mais importante - é o papel que será desempenhado por pessoas como as que as participaram nesta conferência, as que estão lendo este texto, e outras semelhantes a elas, em todo o mundo.

 

Levantes espontâneos, como os que temos visto na Europa e no Norte da África são inevitáveis, mas não são, por si sós, suficientes para pôr em funcionamento "uma administração revolucionária cujo objetivo definido e consciente seja preparar e promover, por todas as vias disponíveis, a vida humana para uma civilização ecológica ".

 

Isso não será alcançado a menos que sejamos bem sucedidos na criação, com antecedência, de um movimento organizado com uma visão clara, um programa ecossocialista, que possa fazer a ponte entre a revolta espontânea de milhões de pessoas e o início da revolução ecossocialista.

 

Reuniões internacionais podem ser parte do processo de construção deste movimento.

 

Eu não tenho um modelo para construir o movimento de que precisamos. De facto, uma das lições que podemos aprender com os fracassos do socialismo no século XX é que os planos ditados centralmente, com modelos pré-definidos para a construção de movimentos, sempre falharão.

 

Ao invés de um plano, deixem-me sugerir quatro características que os movimentos comprometidos com o ecossocialismo devem compartilhar, se quiserem ter alguma hipótese de sucesso.

 

1. Os ecosocialistas irão aplicar e desenvolver a análise e o programa do ecossocialismo. Isso pode parecer óbvio, mas é muito importante. No século passado, muitos marxistas tentaram congelar o marxismo. Após a morte de Marx, ou Engels ou Lênin, ou Trotski, ou Mao - cada grupo tinha o seu formulário pronto a usar - seu marxismo parou de se desenvolver.

 

A partir de então, não importando qual fosse a situação, tudo o que havia a fazer era consultar os textos sagrados. Todas as respostas estavam lá. Algumas organizações de esquerda ainda fazem isso hoje.

 

Essa abordagem é completamente estranha ao marxismo, que nos dá um método, mas não todas as respostas. Nem sequer nos dá todas as perguntas.

 

Em sua vida, Marx e Engels estudaram as descobertas científicas, tecnológicas e outras do seu tempo, e aprenderam com as lutas do dia. Eles usaram estes seus novos conhecimentos para ampliar, aprofundar ou mudar as suas conclusões políticas.

 

O ecossocialismo deve seguir o seu exemplo.

 

Não há e não haverá um programa ecossocialista perfeito e imutável, nenhum documento que possamos apontar e dizer, "É isso aí, não haverá mais mudanças, sabemos o que fazer em todas as circunstâncias".

 

Uma tarefa-chave para os ecosocialistas em todos os lugares será tomar os pontos de partida que o ecossocialismo oferece hoje, e construir a partir deles, usando o método do marxismo, o melhor trabalho científico do nosso tempo, e as lições que aprendemos nas lutas para a mudança. Em seguida, devemos aplicar nosso novo entendimento em uma grande variedade de lugares e circunstâncias.

 

Isto é difícil de fazer, porque nos obriga a pensar, para entender nossas situações e responder apropriadamente e de forma criativa, não nos limitando a repetir as mesmas palavras de ordem antigas.

 

Só se fizermos isso poderá o ecossocialismo contribuir eficazmente para salvar a Terra.

 

2. Os ecosocialistas serão pluralistas e abertos. Outra lição que podemos aprender a partir do século XX é que grupelhos socialistas monolíticos não se transformam em movimentos de massas. Eles entram em estagnação e decadência, eles promovem disputas e operam cisões, mas eles não mudam o mundo.

 

Então, eu quero enfatizar que não vos estou pedindo para sair correndo ao encontro de ainda mais outra seita.

 

O ecossocialismo não é uma organização separada e independente, é um movimento para ganhar grupos vermelhos e verdes já existentes, bem como os indivíduos, para uma perspectiva ecossocialista.

 

Nossos programas ecossocialistas definem quem somos, eles são a cola que nos mantém unidos. Mas dentro desse amplo quadro geral, precisamos entender que nenhum de nós tem o monopólio da verdade e nenhum de nós tem as chaves mágicas para o reino ecossocialista.

 

Nós, sem dúvida, discordaremos em muitas questões, e os nossos debates serão vigorosos.

 

Mas se você concorda que "não pode haver verdadeira revolução ecológica que não seja socialista, nem verdadeira revolução socialista que não seja ecológica", então aquilo que nos une é mais importante do que as nossas diferenças, quaisquer que elas sejam.

 

Precisamos construir juntos um movimento democrático ecossocialista.

 

3. Os ecosocialistas serão internacionalistas e anti-imperialistas. Dentro do amplo movimento ambiental, os ecossocialistas devem ser as mais fortes vozes pela justiça climática global.

 

Todos os ambientalistas sérios devem ser internacionalistas, nem que fosse apenas porque os ecossistemas não respeitam fronteiras nacionais.

 

Em particular, não há solução nacional para as mutações climáticas. Devem ser combatida país a país, mas apenas uma mudança internacional pode derrotá-las. A comunicação, colaboração e solidariedade internacionais são absolutamente essenciais.

 

Mas para aqueles de nós que vivem nos países ricos, nos países imperialistas, deve haver muito mais que exigir do nosso internacionalismo.

 

Tem sido dito muitas vezes que os povos do Sul global, e os povos indígenas em todos os lugares, são as principais vítimas das alterações climáticas e outras formas de destruição ambiental.

 

O que não é dito tantas vezes, mas é ainda mais importante, é que os principais criminosos ambientais são os "nossos" capitalistas do Norte.

 

Isso coloca uma responsabilidade especial aos ecossocialistas dos países ricos para combater as políticas dos nossos governos e das corporações que estão baseadas em nossos países.

 

Hoje, as lutas mais poderosas e importantes pela justiça ecológica estão ocorrendo no chamado Terceiro Mundo.

 

No mínimo dos mínimos, nós nos países imperialistas precisamos divulgar esses movimentos e expor o papel desempenhado pelos nossos próprios capitalistas domésticos. Precisamos mostrar a nossa solidariedade tão concretamente quanto pudermos.

 

Devemos dar ênfase e apoio particulares às demandas levantadas no ‘Acordo dos Povos’ de Cochabamba.

 

- Devemos exigir que os nossos governos dêm apoio financeiro para a adaptação às alterações climáticas, incluindo o desenvolvimento de uma agricultura ecologicamente sã.

 

- Devemos exigir a transferência direta de energias renováveis e outras tecnologias, de modo a que os países mais pobres possam ter desenvolvimento econômico sem contribuir para o aquecimento global. (Quero enfatizar que, até que nós consigamos isso, ninguém no Norte tem o direito de criticar as escolhas energéticas e de desenvolvimento feitas por movimentos progressistas e governos do Terceiro Mundo.)

 

- Devemos nos opor às chamadas soluções de mercado, e à mercantilização da natureza. Isso inclui rejeitar o comércio de carbono em todas as suas formas.

 

- Devemos acolher os refugiados do clima nos nossos países, oferecendo-lhes uma vida decente com todos os direitos humanos.

 

4. Os ecossocialistas vão contribuir para a construção e participar ativamente nos movimentos por um mundo melhor. Finalmente, e mais importante que tudo o mais, os ecosocialistas devem ser ativistas. Precisamos refrear a cadência ecocida do capitalismo, tanto quanto possível, e revertê-la, onde o pudermos, ganhando todas as batalhas possíveis sobre as forças da destruição. Como já disse, os nossos governantes não estão dispostas a mudar - mas a oposição em massa pode forçá-los a agir, mesmo contra a sua vontade.

 

Há muitas questões ambientais que o mundo enfrenta hoje, e tenho a certeza de que os ecossocialistas estarão ativos em uma ampla variedade de campanhas.

 

Mas o alcance e potencial destrutivo da emergência climática tornam-na a questão mais importante, pelo que precisamos dar-lhe a mais alta prioridade.

 

Nosso objetivo deve ser o de reunir todos - socialistas, progressistas, verdes profundos, sindicalistas, feministas, ativistas indígenas e muitos mais - , todos os que estejam dispostos a exigir que os governos atuem de forma decisiva para reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa.

 

Ao mesmo tempo, precisamos unir as forças que entendem a necessidade de ir além de batalhas defensivas, lançando as bases para um movimento que pode iniciar de fato a revolução ecossocialista.

 

Felizmente essas duas tarefas não estão em conflito. Lutar por ganhos imediatos contra a destruição do capitalismo e lutar por um futuro ecossocialista não são atividades separadas, são aspectos distintos de um processo integrado.

 

É através de lutas unificadas por ganhos imediatos e por reformas ambientais que os trabalhadores, os agricultores e os povos indígenas podem construir as organizações e o conhecimento coletivo de que precisam para se defenderem a si próprios e pugnar pelos seus interesses.

 

As vitórias que obtenham em lutas parciais ajudarão a construir a confiança necessária para assumir metas mais ambiciosas.

 

É somente através da construção e da participação em lutas que o movimento ecossocialista pode crescer, pode ganhar a audiência de números mais amplos de pessoas, e pode, finalmente, tornar possível uma revolução ecossocialista.

 

O desafio que enfrentamos

 

O ‘Acordo dos Povos’ adoptado em Cochabamba exprime eloquentemente o desafio que temos diante de nós.

 

"A humanidade enfrenta um grande dilema: continuar no caminho do capitalismo, da depredação e da morte, ou escolher o caminho da harmonia com a natureza e o respeito pela vida."

 

"É imperativo que forjemos um novo sistema que restaure a harmonia com a natureza e entre os seres humanos."

 

“E para que haja equilíbrio com a natureza, primeiro deve haver equidade entre os seres humanos."

 

Em três frases, está aqui resumida a causa da construção de um movimento para salvar o mundo, a causa de uma revolução ecossocialista.

 

Como disse, não vai ser fácil, mas não consigo pensar em uma causa mais importante e que mais valha a pena.

 

Trabalhando juntos, podemos dar um fim ao capitalismo, antes que ele coloque um ponto final na experiência humana.

 

 

 

 

 

(*) Ian Angus é um ativista ecossocialista canadiano, editor da revista ‘Climate and Capitalism’, fundador e editor do Socialist History Project, editor da ‘Socialist Voice’ e membro fundador do comité coordenador da Rede Internacional Ecossocialista. Desde os anos 1960 militou em várias organizações revolucionárias marxistas. Entre os seus livros incluem-se ‘Canadian Bolsheviks: The Early Years of the Communist Party of Canada’ (Vanguard Publications, 1981; segunda edição Trafford Publishing, 2004), Too Many People? Population, Immigration, and the Environmental Crisis’ (Haymarket Books, 2011), em co-autoria com Simon Butler, sendo editor de ‘The Global Fight for Climate Justice: Anticapitalist Responses to Global Warming and Environmental Destruction’ (Resistance Books, 2009). Este texto é uma versão ligeiramente editada da comunicação apresentada à conferência Climate Change, Social Change em Melbourne, Austrália, a 2 de outubro de 2011. Tradução de Ângelo Novo. Alguns videos do período de resposta a questões da assistência, nesta mesma conferência, podem ser visto aqui.