Introdução

 

A crise capitalista mundial adensa-se e aprofunda-se. A aguda asfixia bancária europeia está a ser penosamente paliada com a austeridade imposta aos seus povos (em particular os periféricos, de momento) e maciças injeções de liquidez provindas dos E.U.A., quase que diretamente das impressoras à ordem do Federal Reserve System. Alívio temporário, em esforço, varrendo para o futuro próximo ameaças ainda mais pronunciadas. Generalizam-se as manifestações de revolta e descontentemento, que podem estar a começar a formar uma nova geração de militantes socialistas. Os meios populares não politizados ainda não compareceram à chamada, salvo o caso excecional da Grécia. As opções gémeas da guerra e do fascismo tornam-se novamente racionais, do ponto de vista da classe dirigente.

Iniciamos este 14º número de ‘O Comuneiro’ com uma oportuna reflexão estratégica de um dos gigantes do pensamento socialistas contemporâneo. ‘Audácia, mais audácia’ de Samir Amin, concita todos os críticos do sistema – por ele caraterizado como o capitalismo de monopólios generalizados - a pensar a sua intervenção política em termos de rotura revolucionária, na base de um programa de socialização dos meios de produção e banca, desfinanceirização da economia e desconexão internacional em relação aos ditames das potências imperialistas.

A desconexão propugnada por Samir Amin, há uns cinquenta anos já, ressurgiu em 2011 no debate político à esquerda, em França, sob o nome de “desglobalização” (démondialisation). Publicamos duas peças representativas desse debate, com ligações em hipertexto a várias outras intervenções disponíveis na internet. Frédéric Lordon é a voz que mais se tem destacado do lado dos defensores da desglobalização, enquanto Jean-Marie Harribey é um dos seus críticos mais interessantes, dentro do único ponto de vista que aqui nos interessa, que é o da luta pela superação do capitalismo. Lidas e relidas de forma conjugada, estas duas intervenções nos parecem bastante úteis e esclarecedoras, dando amplas bases para o desenvolvimento de uma reflexão urgente.

O movimento internacional ecossocialista é um dos mais promissores desenvolvimentos recentes do pensamento anticapitalista, na era post-Seattle. ‘O Comuneiro’ já lhe tem dedicado bastante atenção e vai certamente continuar a fazê-lo. Neste número, publicamos: ‘Os fundamento de uma estratégia ecossocialista’, um excelente ensaio do agrónomo belga Daniel Tanuro; uma palestra do ativista canadiano Ian Angus; uma entrevista com o vice-presidente da Bolívia, Álvaro Garcia Linera, que é um importantíssimo teorizador da nova praxis revolucionária latinoamericana.

Publicamos de seguida um novo diálogo inteletual. O académico norte-americano William I. Robinson é um dos mais destacados defensores da tese de que existe uma única classe dominante globalizada, aos comandos do último surto de expansão capitalista, agora colocado em cheque. Para o argentino Cláudio Katz, embora estejamos já longe da era do imperialismo clássico - estudado por Lenine e Bukharine – em que as disputas entre potências poderiam levar à agressão militar direta entre elas, não chegamos tão pouco a uma absoluta transnacionalização do capital. Há, isso sim, um processo em curso de integração parcial e seletiva, que é preciso compreender com rigor, nos seus limites precisos e nas repercussões que vai tendo ao nível ideológico e na arquitetura do estado capitalista contemporâneo.

O filósofo Jean-Claude Michéa, em tradução do filósofo João Esteves da Silva, é já uma presença recorrente em ‘O Comuneiro’. Trata-se de uma voz singular e singularmente oportuna, de denúncia intransigente da “esquerda” sistémica que temos, progressista e cosmopolita, socialmente elitista, conformista e conformada aos limites do pensamento único mediatizado, transgressora q. b. em matéria de costumes, no interesse da abertura de novos espaços de mercantilização da vida íntima, portadora de uma desconfiança horrorizada por todas as artes de vida tradicionais e pelos mecanismos ancestrais de solidariedade exibidos pela gente comum.

Agradecemos toda a divulgação possível do conteúdo deste número do ‘O Comuneiro’, nomeadamente em listas de correio, portais, blogues ou redes sociais de língua portuguesa. Comentários, críticas e sugestões serão benvindos. Desejamos construir e alargar continuamente uma comunidade de leitores interessada na transformação revolucionária do mundo putrefato em que vivemos. Mas gostaríamos sobretudo que, nessa comunidade, se firmasse um compromisso de luta – no pensamento e na ação consequentes - pela possibilidade de um outro mundo, solidário e convivial, em paz com os seus limites e circunstâncias, baseado na transparência e na decisão democrática esclarecida.

 

Pela Redação de ‘O Comuneiro’

Ângelo Novo

Ronaldo Fonseca