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Recuperação do modelo económico colonial em Moçambique
João Mosca (*)
Este texto tem como objectivo verificar se o recente percurso económico de Moçambique possui ou não diferenças com o modelo económico colonial. Para o efeito são considerados como elementos analíticos, os seguintes: * Os padrões de acumulação (onde se realizam, como se transferem e se distribui a acumulação). * Sectores e grupos sociais geradores e beneficiários da acumulação. * Papel do Estado na economia. * Alianças políticas e relações destas com a economia. Apresenta-se primeiramente as características mais importantes do modelo colonial e seguidamente as similitudes e diferenças com a prática actual no país, considerando os elementos analíticos eleitos para a análise. O modelo económico colonial assentava nos seguintes pressupostos e objectivos: * Extracção de excedentes económicos (sobretudo recursos naturais, bens agrícolas e mão-de-obra) para o exterior (na altura Portugal), com base em sectores intensivos em trabalho para aproveitamento do factor produtivo menos escasso e barato. * Consequentemente, um padrão de acumulação privado, centrado nos sectores relacionados com o exterior, sendo esta realizada principalmente no estrangeiro (Portugal). * Secundarização da agricultura e transferência de recursos do campo para a cidade e para o exterior. * Subjugação das economias locais (chamadas na altura de “tradicionais”, hoje “informais”) pelas economias “modernas” (hoje “empresariais”), estabelecendo-se relações de funcionalidade, cujo desenvolvimento dependia das necessidades de acumulação do segundo sector. * Políticas de urban bias para benefício dos colonos que residiam maioritariamente nas cidades e desenvolvimento de sectores considerados então prioritários para a colonização. * Estado intervencionista e proteccionista dos sectores internos desde que relacionados com o exterior não português, fiscalizador e regulador, sobretudo em defesa dos interesses económicos do capital português e da missão colonial. O que se passa actualmente em Moçambique? Primeiro, a economia de Moçambique, assenta sem dúvida na extracção de recursos minerais (areias pesadas, pedras semi-preciosas, carvão, etc.), energéticos (hidráulicos e gás), agrícolas (açúcar, algodão, tabaco, etc.) e pescas, cujo destino principal é a exportação. Igualmente nos serviços para o hinterland. As tecnologias utilizadas são intensivas em trabalho, umas das poucas vantagens oferecidas aos investidores. O que há de novo? Mais e melhores comunicações, alguns grandes projectos e uma maior exploração de recursos, como é o caso do gás. Também, a paralisação ou baixa exploração dos recursos existentes e das capacidades instaladas, agora obsoletas em muitos casos. Segundo, é evidente que o fundamental da acumulação transfere-se, como no passado, para o exterior. Surge agora, uma classe capitalista nacional que se beneficia de rendas ou de lucros, nem sempre correspondentes à participação real em capital ou conhecimento, mas sim ao tráfego de influências. Antes, também havia uma classe capitalista cuja acumulação se iniciou em Moçambique, estrangeira (pelo menos no momento da independência), mas empreendedora e produtiva. Hoje existe sobretudo uma elite de renda. Terceiro, a agricultura continua marginalizada e os pequenos produtores ainda mais. Com excepção de alguns produtos de exportação, as políticas e os recursos não se destinam aos pequenos produtores ou, à sua transformação económica e social. É no meio rural, com poucas excepções, onde menos se investe nos serviços públicos, em infra-estruturas e em apoios aos produtores e aos cidadãos. A economia informal é aliada económica do governo porque atenua a pobreza, criando algum emprego, prestando serviços e produzindo bens que a chamada economia “formal” não satisfaz, simultaneamente que liberta recursos para os sectores onde se concentram os interesses das elites e “acalma” os pobres. A economia informal reproduz-se por mecanismos que pouco têm a ver com políticas públicas específicas. Muito parecido entre os dois momentos em análise. Quarto, o Estado agora, protege quanto pode. Antes protegia no que lhe interessava. O proteccionismo colonial pretendia defender os interesses de Portugal e dos portugueses; hoje, apoia o capital externo (porque a indústria com capitais internos é muito exígua). Hoje, o Estado vive fundamentalmente de financiamentos e donativos externos; no passado, a metrópole recebia recursos das colónias. O Estado colonial intervinha directamente na economia desde que isso interessasse aos objectivos da acumulação na metrópole e à consolidação do poder; actualmente, as intervenções públicas são para facilitar a acumulação dos interesses económicos e em defesa do poder. O que persiste no essencial? A acumulação centrada no exterior, a extracção de recursos, a exploração do factor trabalho, a marginalização do meio rural e a secundarização da agricultura. O que mudou de fundamental? De um Estado discriminatório através da regulação existe outro, que desregulando, beneficia elites. O capitalismo colonial, dependente e regulado passou a capitalismo selvagem e de mão estendida. Melhorou o acesso à educação e saúde mas piorou a qualidade destes serviços. Há mais infra-estruturas rodoviárias mas as ferroviárias são, no respectivo contexto, muito menos eficientes. Mudou a coloração da maioria dos agentes económicos locais, porque o principal da riqueza realizada continua a ser exportada. O discurso de que os recursos são nossos é, talvez, mais que uma meia mentira e menos que meia verdade. Estes eram os objectivos da libertação nacional? O discurso oficial antes e após a independência é radicalmente diferente. Muito provavelmente, para alguns dirigentes de então que permanecem no poder, esta era a agenda subterrânea mas real, assente em alianças pacientes a longo prazo, em pactos de silêncio e não sei em quê mais. Possivelmente em muito, muito mais. A história o revelará.
(*) João Mosca é natural de Moçambique tendo aí vivido até 1989. De 1977 a 1988 desempenhou funções directivas e técnicas em órgãos centrais e regionais do Ministério da Agricultura moçambicano, bem como em empresas públicas. Em 1993 completou um doutoramento em Economia Agrária na Universidade de Córdoba, onde lecciona neste momento. É autor de diversas obras como ‘A Experiência Socialista em Moçambique (1975-1986)’, Instituto Piaget, Lisboa, 1999, ‘Economia de Moçambique – Século XX’, Instituto Piaget, Lisboa, 2007 ou ‘Agricultura e Desenvolvimento em África’, Instituto Piaget, Lisboa, 2008. |
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