Trabalhar todos, menos, de outra forma

 

 

Tom Thomas (*)

 

1. Trabalhar menos não é ganhar menos

Sendo o desemprego um aspecto essencial da crise actual, tal como a vivem as massas, a questão da redução do tempo de trabalho é hoje objecto de uma literatura abundante. Mas o que caracteriza estas obras é que elas encaram o problema apenas pelo ângulo da partilha do desemprego e dos salários entre os trabalhadores. Nunca esta literatura parte do princípio e do fundo da questão: a massa de sobre-trabalho acumulada pelos produtores.

O mais estimulante destes autores, Adret (1), baseia o essencial do seu raciocínio sobre uma redução da produção (regresso ao nível de 1965) para chegar à sua conclusão: "trabalhar duas horas por dia". Este regresso atrás é um pouco uma concessão à tendência "mais vale a vela e o ar puro que a electricidade e as centrais nucleares". Como se não se pudesse colocar o problema de outra maneira. A questão não é de produzir mais ou menos, mas de produzir outra coisa, melhor, de outra forma. O progresso não é inelutavelmente uma calamidade e não se pode pôr sequer a questão de voltar atrás. Nem aliás de continuar a ir em frente sem rectificar o curso actual de coisas que conduz efectivamente às catástrofes.

É por isso que, embora chegando a conclusões próximas das de Adret (2 horas por dia), colocaremos o problema de uma forma diferente: é preciso ligar a diminuição do tempo de trabalho a uma redefinição das necessidades, das produções e a uma perspectiva central e determinante de supressão da divisão entre trabalhadores intelectuais e manuais, entre decisores e executantes.

Tomemos então como hipótese de base que o proletariado toma o poder na sociedade actual. Encontrar-se-á então confrontado com um aparelho de produção, um tipo específico de técnicas que não poderá transformar de cima a baixo em 24 horas. Suporemos pois, para fixar um quadro ao nosso raciocínio, que a massa das riquezas produzidas restará mais ou menos idêntica num primeiro momento, as transferências de um ramo para outro compensando-se mutuamente. Por exemplo, poder-se-á suprimir ou diminuir certos trabalhos (automóveis, casas de campo, publicidade, etc.), aumentando outros julgados mais necessários (alojamentos, creches, transportes colectivos, etc.). Resumidamente, tomaremos em conta uma massa de horas de trabalho social globalmente inalterada, a fim de modificar apenas duas variáveis: a definição do trabalho necessário e a sua repartição entre todos.

Uma massa de horas de trabalho inalterada quer dizer uma mesma massa de valores, de riquezas produzidas. Isto aqui permite já fazer face a uma primeira objecção: aquela que pretende que toda a partilha do trabalho de modo a incluir os desempregados deverá implicar uma baixa dos salários para que os custos de produção se mantenham idênticos. Como assim?

Mesmo mantendo-nos num raciocínio em valores, portanto determinado pelo tempo de trabalho, este aqui não muda se a riqueza produzida o for por 5 milhões de trabalhadores trabalhando 8 horas por dia ou por 10 milhões trabalhando 4 horas. O que muda é que, neste último caso, é preciso repartir essa riqueza produzida por 10 e não por 5 milhões.

O capitalista, de todo o modo, não reparte a riqueza produzida, mas paga simplesmente o preço da força de trabalho sob a forma de salário. Como ele não vê o produto senão sob a forma de uma soma de custos (salário, juro, renda, impostos, etc.) que tem de manter o mais baixa possível para se manter competitivo, não pode obviamente considerar sequer a hipótese de duplicar a "massa salarial", fazendo trabalhar o dobro das pessoas metade do tempo.

No entanto, o valor produzido permaneceria o mesmo. E, sem diminuir os salários - mantendo-nos sempre no domínio mercantil dos custos - poderíamos chegar a esse resultado diminuindo antes a parte da riqueza produzida que vai para os impostos, rendas, juros, desperdícios, etc. (isto é, a mais-valia).

Bastará, para nos convencer de que isso não tem nada de insolúvel por princípio, recordarmo-nos de que os 5% de lares do topo da escala social auferem tanto rendimento líquido como os 50% de baixo. Se déssemos a esses 5% da população apenas 5% dos rendimentos, isso permitiria aos 50% duplicar os seus (2). (Trata-se aqui apenas de rendimentos, isto é, depois de descontadas já todas as outras despesas: investimentos, custos sociais, etc..)

Mais genericamente, para clarificar as ideias: se fosse igualmente distribuído, o rendimento médio de um lar teria sido em 1986 de 16.000 francos mensais (3) (A). Pode bem viver-se com isso! Tanto mais que consideramos aqui a repartição apenas da parte das riquezas actualmente produzidas que são distribuídas sob a forma de rendimento. Essa parte podia ser consideravelmente aumentada se nela integrássemos, suprimindo-os, todo o tipo de desperdícios dispendiosos actualmente existentes: custos comerciais, desperdícios de matérias-primas, especulações financeiras, etc., sem falar das despesas militares. É uma avaliação que ainda está por fazer.

Para dar um simples exemplo, citemos o INSEE (B), que estabeleceu que cada lar francês despende em média 3.000 francos (€457) por mês para o seu alojamento, e cerca de 1.500 francos (€229) para os transportes. Só a anulação do preço dos terrenos reduziria em pelo menos 1.000 francos (€152) os encargos com o alojamento. E uma outra política urbana (ligação emprego - trabalho, diminuição do papel da viatura automóvel) reduziria a metade o custo dos transportes.

A hipótese de um rendimento de 16.000 francos (€2.440) ao mês por lar, acompanhada de uma diminuição notável do custo de vida, não é assim de todo absurda nas condições actuais (4). Sem entrar aqui em detalhes sobre o modo como se poderia aí chegar, concluamos somente pelo que nos interessa verdadeiramente neste momento: uma melhor partilha dos rendimentos torna possível a partilha do trabalho sem baixa dos salários para a grande maioria dos trabalhadores. Evidentemente, isso será sempre impossível no quadro dos pressupostos burgueses, que são de partilhar o trabalho e o rendimento somente entre os trabalhadores da parte inferior da escala social.

Cada um terá pois a garantia de receber a sua quota-parte das riquezas produzidas, desde que participe num trabalho julgado socialmente necessário para satisfazer as necessidades que a sociedade julgou merecedoras de satisfação (e serão os próprios trabalhadores que irão decidir destas necessidades, no momento próprio, tomando em consideração a massa de trabalho de que necessitarão para prover às suas escolhas).

De onde se conclui que aquilo de que falamos aqui é de repartir o trabalho exigido, ou trabalho "constrangido". É necessário precisar este ponto, pois que é unicamente deste tipo de trabalho que trataremos na sequência deste texto. Quando avançamos, por exemplo, a exigência de 20 horas de trabalho por semana, isso corresponde, é claro, à parte "mínima" que a sociedade exige de cada um, para que ele receba em troca a sua parte das riquezas produzidas, em função do que haja sido democraticamente decidido produzir. Como é óbvio, isso não quer dizer que para lá disso o indivíduo se mantenha ocioso. Para lá disso, ou seja, no que concerne à sua actividade livre, ele escolherá fazer o que entender: cantar ou escrever, participar mais na vida da cidade, viajar, fazer desporto, inventar qualquer coisa, ou ainda prosseguir com o seu trabalho normal, se é isso que lhe agrada (5).

Diremos em breve uma palavra sobre a dialéctica trabalho constrangido / actividade livre, para mostrar que o processo que a revolução proletária deve encetar é o do avanço do domínio da liberdade até à abolição total do constrangimento. De momento, contentemo-nos com um primeiro domínio de investigação, limitado à questão: qual poderia ser o tempo de trabalho constrangido (e portanto também o tempo livre), nas nossas hipóteses de uma massa globalmente inalterada de tempo de trabalho social e de riquezas produzidas, sendo o problema dos rendimentos regulado no sentido indicado acima?

2. Trabalhar menos é trabalharmos todos

Trabalharíamos todos, aí incluídos os desempregados. Mas trabalharmos todos é ainda muito mais do que isso: é transferir uma parte dos trabalhos "improdutivos" para trabalhos produtivos. Quer dizer, é trabalhar num emprego que terá sido decidido como útil pelos trabalhadores, em função das necessidades que eles terão decidido satisfazer e não da lógica do lucro como o é hoje.

É este propósito que iremos ilustrar com o pequeno cálculo que se segue. O leitor desculpará o carácter um pouco fastidioso destes números (muitos serão remetidos para as notas a fim de facilitar a leitura). Não se trata, como é óbvio, de um cálculo "científico", de um projecto de Plano. Não somente porque falta o conjunto necessário de dados, mas sobretudo porque, justamente, só aos trabalhadores caberá dizer quais as necessidades e quais os trabalhos que serão suprimidos, conservados ou desenvolvidos. É pois apenas um quadro que aqui propomos para fixar um primeiro objectivo.

Mostraremos que podemos fixar em 20 por semana o número de horas de trabalho para cada um, nas condições actuais para as nossas hipóteses de base. Isto mantendo-nos no limite de empregarmos como único meio uma definição e uma repartição do trabalho necessário diferentes das actuais.

A população activa, no sentido empregue pelo INSEE (B), portanto incluindo os desempregados declarados, é de 24 milhões de pessoas. Se lhe retirarmos os desempregados (3 milhões em finais de 1988) e os trabalhadores que exercem já 20 horas ou menos por semana (consideraremos apenas 1 milhão dos 2 milhões reais - cf. nota 6), restam cerca de 20 milhões de activos com emprego, que suporemos trabalharem todos 39 horas por semana. É pois a estes que o trabalho poderá ser reduzido a 20 horas. Partamos então destes 20 milhões.

2.1. Desempregados

Supressão do desemprego. A população activa passa então a contar com 23 milhões de trabalhadores. Para o mesmo trabalho necessário e a mesma produção. De 39 horas, o horário semanal de cada um se vê assim reduzido a 33,9 horas (20 X 39 h = 23 X 33,9 h).

2.2. "Improdutivos"

Supressão ou redução de certos trabalhos de entre os "improdutivos", isto, recordemo-lo, sem diminuir a massa dos bens materiais produzidos.

Aqui não se poderão fazer as contas tão exactamente como no caso anterior, pelo que o faremos em traços muito largos. É em cada comuna, em cada instituição, cada empresa na qual invistam que as massas farão as suas contas e decidirão do que é que têm necessidade, o que é que conservam, o que é que suprimem, etc.. Uma vez mais, o nosso fim aqui é apenas fazer uma apreciação geral e ter uma ideia das ordens de grandeza envolvidas. Sendo o propósito de fundo ilustrar a necessidade de reduzir ao mínimo aqueles que vivem de mais-valia não produzida por si próprios e que todos trabalhem em ofícios que o povo julgará úteis.

Reagrupamos em quatro categorias as funções que serão assim afectadas (o detalhe dos cálculos será remetido para as notas).

1º) "Serviços mercantis às empresas e aos particulares"

Mais ou menos 1,3 milhões de empregos podem aqui ser suprimidos e deslocados, de entre os 4 milhões do total, correspondendo a actividades tornadas inúteis pela supressão da propriedade privada e seus arcanos jurídico-financeiros (os serviços prestados apenas à burguesia enquanto tal) ou pela eliminação dos enormes desperdícios causados pela concorrência comercial (cf. nota 7).

2º) Outro "terciário"

Bancos, seguradoras e organismos financeiros diversos representam cerca de 800.000 empregos. A maior parte estão ligados a funções de gestão e aplicação de dinheiro que são específicas ao capitalismo moderno (e imperialista). A multiplicidade das agências bancárias é, só por si, um indício evidente de desperdício. As actividades seguradoras seriam vantajosamente substituídas pela solidariedade organizada à escala da empresa e da comuna, no que concerne aos indivíduos, e suprimidas, no que concerne aos riscos comerciais e aplicações financeiras. Mantendo-nos prudentes (e sem falar na perspectiva da abolição do dinheiro), pode-se estimar em metade o número de empregos excedentários, em relação aos que deveriam ser necessários numa sociedade não fundada sobre o individualismo e sobre os movimentos do dinheiro. Digamos 400.000.

O comércio emprega 2.500.000 pessoas (fora o automóvel e a restauração), dos quais 800.000 "independentes". Outras formas de distribuição (cooperativas) e de consumo (restauração colectiva de qualidade, produtos mais standardizados e mais duráveis, etc.), bem como a supressão das funções de venda (expositores, apresentação, etc.) economizariam bastante trabalho neste domínio. Digamos à volta de ¼, ou seja 600.000 (aliás, esta tendência existe já sob o capitalismo, com as grandes superfícies, as caixas automatizadas).

Ou seja, 1 milhão de empregos economizados nestas categorias.

3º) Quadros e burocracia de empresa

1,9 milhões de quadros superiores; 3,8 milhões de quadros médios; 5,5 milhões de empregados. No total, 11,2 milhões. Consideramos aqui uma economia de empregos de 1 milhão apenas, fazendo-a incidir sobre as subcategorias "administrativas e comerciais" (cf. nota 8).

4º Os funcionários públicos

Em 3,8 milhões de funcionários, reduzidos a 2,7 milhões sem os professores, admitiremos uma economia prudente de 500.000 empregos correspondentes à supressão de uma burocracia tornada inútil (por exemplo, os seguros-emprego, os impostos directos, a Segurança Social, em grande parte dispensável com a medicina gratuita) e a redução das funções de justiça (80% dos litígios decorrem do direito de propriedade privada), de polícia, de controlo (administração) e de enquadramento das massas (cf. nota 9).

São pois, no total dos quatro conjuntos que acabamos de examinar, cerca de 3,8 milhões de empregos "improdutivos" que podem, sempre sem modificar a massa dos bens (e serviços que permaneçam úteis) produzidos, passar ao emprego produtivo (ou útil). Com isso, o trabalho necessário passa de 33,9 horas a 28,3 horas semanais para cada um (10).

Notemos que é assim apenas um emprego "improdutivo" sobre quatro que é transferido. Examinaremos mais adiante as objecções.

2.3. Os jovens, as mulheres, os desempregados

Adret realça muito justamente (11) que somente 40% da população é "activa" (esta categoria incluindo os desempregados e os precários). Examinemos um pouco alguns desses 60% restantes.

1º) Os jovens

Aqueles com idades entre os 15 e os 24 anos são 3,2 milhões de activos, mas também 4,4 milhões de escolares e 700.000 inactivos (dos quais 550.000 mulheres).

Se a escolaridade fosse até aos 20 anos para todos, haveria 500.000 activos a menos e 4,9 milhões de escolarizados. Restaria o equivalente a 200.000 inactivos.

Os jovens escolares dos 15 aos 24 anos, no quadro de uma necessária reforma da escolaridade, poderiam bem trabalhar num emprego produtivo (considerando em parte as suas longas férias) o equivalente a 1 hora por dia. Isto num emprego prático ligado aos seus estudos. Ou seja 7 horas por semana para 4,9 milhões, o que corresponde ao equivalente de 20 horas por semana para 1,7 milhões.

Se lhe juntarmos o potencial de 200.000 inactivos e de 150.000 tirados do precário (230.000) pela diminuição do tempo de serviço militar, chegamos ao equivalente de 2 milhões de pessoas a mais disponíveis para trabalhar 20 horas por semana.

2º As mulheres

Dos 24 aos 59 anos, elas são 4,1 milhões de inactivas (para lá das tarefas domésticas). Considerando que um horário de 20 horas por semana para todos e todas permitiria facilmente a partilha equitativa das tarefas domésticas (das quais uma larga parte poderia aliás ser mais socializada e facilitada), pode-se admitir que há possibilidade e interesse em incluir esses 4,1 milhões de mulheres no trabalho necessário.

3º) Os reformados

Dos 55 aos 64 anos, eles são 1,9 milhões (12). Muitos desejariam continuar a ter um trabalho, uma actividade social que lhes seja adaptada. Quase todos o podem, e o poderão tanto mais facilmente quanto será em condições muito diferentes (poder operário) e após uma vida onde a semana de trabalho terá sido reduzida a 20 horas, e os trabalhos penosos partilhados mais equitativamente.

Dos 65 aos 69 anos são 1,8 milhões. Tendo em conta uma taxa de indisponibilidade de alguns 12% (13) e considerando um trabalho de apenas 10 horas por semana, obter-se-á o equivalente de 800.000 empregos de 20 horas.

Ou seja, no total (entre jovens, mulheres e reformados), o equivalente a 8,5 milhões de empregos (14). O que faz passar a nossa massa total de 23 a 31,5 milhões de trabalhadores. Ou seja, podemos passar às 20,6 horas semanais (em vez das 28,3 onde nos tínhamos detido acima) para cada um.

Não estamos pois longe das 20 horas que havíamos anunciado. Obtê-las-emos facilmente, e até menos, pela eliminação pronta dos desperdícios mais gritantes, tanto na organização do trabalho como na escolha da produção. Digamos sobre isso algumas palavras, sem poder, como é óbvio, quantificar este fenómeno em toda a sua amplitude.

3. Os desperdícios

O assunto é infinito e não redutível a números. A verdade da desordem da ordem capitalista é conhecida de qualquer patrão, que não sabe que mais inventar para motivar os seus empregados, oscilando sem cessar entre a multiplicação de uma pesada hierarquia, da qual logo deplora o custo e o peso, e os ensaios de "responsabilização". Quando o desgosto do trabalho alienado acarreta um absentismo que vai até aos 20% do tempo de trabalho, sem contar todo o escoamento subterrâneo, toma-se a medida de uma enorme ineficácia.

A verdade dos desperdícios aparece também nas escolhas capitalistas de produção, onde os custos sociais (acidentes, saúde, poluição, etc.) não são nunca tomados em conta, onde se produz sem preocupação com a utilidade nem com a eficácia real ao nível social, onde a substituição acelerada dos produtos e a pesquisa de efeitos de moda têm preferência sobre a sua durabilidade.

Evocamos já aqui um certo número de funções "parasitas" no domínio comercial ou da finança. Podemos continuar com exemplos na aparência menos evidentes, como o do automóvel, esse motor essencial da expansão dos "30 gloriosos". Muitos autores demonstraram já como, o mais frequentemente, a sua utilização seria vantajosamente substituída pelos transportes em comum (sem falar aqui da possibilidade de uma redução considerável das necessidades de transporte através de uma outra concepção das ligações habitat - trabalho, cidade - campo, etc.); quanto a civilização automóvel é poluente, desperdiçadora de energia, causadora de centenas de milhares de mortos e de incapacitados (15).

Adret calculou (16) que um trabalhador que possui uma viatura despende alguns dois meses de trabalho por ano para a sua aquisição, os gastos de funcionamento, de manutenção, etc.. Ele mostra que - mesmo sem falar da redução altamente desejável e possível do número de viaturas (substituídas pelos transportes em comum, um uso "locativo" mais colectivo e sobretudo um outro modo de vida, outras necessidades) - limitando-nos à produção de viaturas simples, robustas, económicas, poder-se-ia reduzir esse tempo a metade. Ou seja, para cima de três horas de trabalho a menos por semana! E não falamos aqui do tempo inaudito representado pelos acidentes, os feridos graves, os engarrafamentos, as construções de vias "periféricas" e auto-estradas.

Este exemplo serve para mostrar que existe um enorme potencial de economia de tempo de trabalho subjacente às escolhas de produção e às necessidades que suscitam o capitalismo e o seu modo de vida. Poder-se-iam citar muitos outros, como a multiplicação das embalagens dispendiosas, dos imóveis de escritórios luxuosos, ou ainda a "obsolescência calculada" dos produtos para lhes acelerar a substituição, ou enfim os produtos de luxo para ostentação de uma minoria.

Não poderíamos esquecer, nesta panóplia, o exemplo mais frequentemente citado: o das despesas militares. Sem contar com o exército, mas somente os empregos civis directos e indirectos (repercussão nos fornecedores das encomendas militares), chegamos a um mínimo de 1,5 milhões de pessoas trabalhando para o armamento (revista 'Défense Nationale', Julho 1983). Ou ainda: a contribuição financeira para a Defesa é de cerca de 10.000 francos por ano e por lar!!

Vêmo-lo pois: a redução do tempo de trabalho não se limitará a algumas medidas imediatas de economia sobre as funções mais inúteis. Mas está ligada a um problema: o que produzir (para que necessidades) e como produzir (que conteúdo para o trabalho constrangido)? Voltaremos ao tema.

É claro, tudo isto não será possível de imediato. Por exemplo, poder-se-á certamente produzir rapidamente o automóvel económico de que falamos (que economizará 3 horas por semana). Mas será muito mais demorado reduzir fortemente o papel do automóvel, o que necessitará não apenas de novos transportes em comum, mas sobretudo de uma mudança na ligação trabalho - habitat, uma outra concepção da cidade, das relações cidade - campo e uma outra concepção dos próprios lazeres (nomeadamente na sua faceta "necessidade de evasão").

Entretanto, há no domínio dos desperdícios, isto é, repitamo-lo, no das escolhas de produção e da maneira de produzir, um potencial de economia de tempo de trabalho considerável que não fizemos aqui senão evocar com alguns exemplos limitados. Os biliões que se evaporaram aquando do crash da bolsa, os milhares de fábricas encerradas, os milhões de inteligências deixadas de pousio, permitem algum conforto à nossa opinião de que não somente as 20 horas semanais não são utópicas, mas que 10 horas poderão muito rapidamente ser um objectivo realista para os 5 ou 10 anos seguintes a uma tomada de poder pelo proletariado.

O proletariado, dizia-o já Marx, não se limita a reclamar a diminuição em geral do tempo de trabalho, mas fixa a sua duração. Para o imediato, 20 horas semanais é o que pode razoavelmente exigir da sociedade contemporânea.

4. As objecções

Poderá sempre contestar-se esta ou aquela "exageração" de uma estimativa que é evidentemente grosseira. Mas poderão também realçar-se algumas subestimações. Finalmente, o problema de fundo não é o do cálculo mas da própria abordagem, dos seus objectivos e do que eles põem em causa na sociedade capitalista. Pois, de todo o modo, nenhum "cálculo" dará conta de uma luta que não poderá sem levada a cabo senão pelas próprias massas.

É pois às objecções feitas à própria abordagem que é preciso dar resposta.

4.1.

Muitas das funções cuja redução ou supressão encaramos acima poderão parecer indispensáveis ou "úteis" a alguns.

É certo que a burguesia considera que produzir viaturas de luxo, hotéis de quatro estrelas, auto-estradas de 14 vias e estolas de visão são tarefas de uma absoluta utilidade. Ademais, não fornecem elas trabalho a milhões de pessoas que de outro modo estariam no desemprego? Mas, e se essas pessoas trabalhassem noutra coisa, ao serviço das massas? Porque haverá necessidade de que cerca de 3 milhões de pessoas, 14% da mão-de-obra, trabalhem para satisfazer as necessidades dos 5% mais ricos? Ou ainda que um membro de uma família de industriais açambarque, por ano, 21 meses de trabalho de uma pessoa, enquanto um membro de uma família mediana consome apenas 4 meses (17)? Diminuir o tempo de trabalho é diminuir este sobre-consumo do tempo de trabalho dos outros por uma minoria.

Mais genericamente, as necessidades, a utilidade, são função da sociedade onde se vive, mudando com ela. Hoje, ser iluminado a electricidade é um mínimo, enquanto há dois séculos era um luxo ter uma vela. Se elas não são imutáveis, as necessidades também não são, frequentemente, "necessárias".

A necessidade de vivendas, consumidoras de espaço e de transportes, não nasce de um gosto inato do homem por este tipo de alojamento mas do individualismo, ligado à concorrência como ideologia dominante. Do mesmo modo, a necessidade de automóvel está ligada à desregrada urbanização capitalista (trajecto domicílio - trabalho, hiper-mercado, etc.), às necessidades de evasão e de fuga que ela engendra. Necessitamos dele porque este modo de vida cria essas necessidades.

O capitalista não responde tanto "às" necessidades quanto às suas necessidades.

«O criminoso não produz somente crimes mas também o direito criminal, o professor que dá cursos de direito criminal e até o inevitável manual onde esse professor condensa os seus ensinamentos com vista à venda. (ele) produz ainda toda a organização da polícia, da justiça criminal, os agentes, os juízes, os algozes, os jurados, etc.; e as diversas profissões que constituem outras tantas categorias da divisão social do trabalho, desenvolvem as diversas faculdades do espírito humano, criam novas necessidades e novas maneiras de as satisfazer. ele produz arte, literatura, romances. Poderíamos mostrar em detalhe as influências do criminoso sobre o desenvolvimento das forças produtivas. A indústria dos serviços conheceria a sua actual prosperidade se não houvessem ladrões?

Com os seus ataques constantemente renovados à propriedade, o crime provoca novas medidas de defesa e tem a mesma influência produtiva que as greves na invenção das máquinas. E se deixarmos a esfera do crime privado, teríamos nós um mercado mundial se não houvessem crimes nacionais?»

Esta passagem irónica de Marx refuta a teoria burguesa das necessidades: elas são apenas relativas a uma dada organização social. Poderíamos ainda acrescentar que o capitalismo engendra a miséria e os assistentes sociais, a angústia e os padres, a fome e as "O. N. G.", o desemprego e os funcionários do desemprego, a desordem e os polícias, os baixos salários e a publicidade, etc..

A questão "que produzir?" não acarretará, quando as massas estiverem em condições de lhe responder, uma mudança imediata de todas as necessidades, uma vez que elas evoluem em função das modificações do próprio modo de produção? Mas a questão, colocada sob a forma "produzir para quem?", receberá uma resposta imediata e evidente, fonte das economias de tempo de trabalho que evocamos acima.

Não houve nunca uma revolução que não tenha feito uma limpeza nas repartições, nos castelos e em todo o género de instituições. Isto leva-nos a uma segunda objecção.

4.2.

Trata-se, como vimos, da supressão de cerca de 1 emprego "terciário" em cada 4. Uma boa parte das pessoas afectadas não fará objecções pois que se tratará de trabalhar menos num trabalho mais enriquecedor: o empregado de banco ou de seguradora terá tudo a ganhar. Uma outra parte, nomeadamente entre os quadros administrativos e comerciais, opor-se-á, clamando por deportação, "pol-potismo", etc.. Existe o perigo de movimentos mal preparados, mal aceites e que acarretem a necessidade de uma coerção exercida "de cima" demasiado forte e massiva. É um problema político de determinação de alianças de classe e de resolução de contradições no seio do campo popular.

Mas qualquer que seja a habilidade e a perícia que se tenham a gerir estes problemas tácticos, tal não impede que haja violência e que efectivamente a revolução exige dos privilegiados, das "potências intelectuais", dos parasitas, etc., que trabalhem num emprego socialmente útil - "quem não trabalha não come". E que os altos funcionários, os quadros superiores, filhos de papá, estudantes, etc., sejam enviados a ganhar o seu pão no campo ou na fábrica não tem em si nada de chocante, mesmo que isso provoque gemidos lancinantes da parte dos visados. Eles aliás não se queixaram nunca de viver do sofrimento dos outros.

Seria aqui banal lembrar que hoje o filho de operário ou de empregado não tem qualquer hipótese de aceder à quietude dos corpos do Estado e às viagens "de negócios", às glórias dos "media" ou às carreiras intelectuais. Ele tem apenas o direito de morrer dez anos antes que aqueles privilegiados, após uma vida passada a sustentá-los.

É por isso que, falando de redução do trabalho, não o podemos fazer sem falar de reduzir o fardo que pesa sobre os ombros das massas de ter de sustentar regaladamente tantas bocas inúteis. A verdadeira redução do tempo de trabalho, para o proletariado, é essa aí: trabalhar todos. E é justamente isso de que hoje ninguém fala.

4.3.

Uma outra objecção, acompanhante das precedentes, consiste em dizer que um simples cálculo aritmético como aquele que foi aqui exposto deixa entender que o problema se reduziria a uma simples reafectação mecânica das forças de trabalho. O que deixa, evidentemente, pelo menos dois problemas em suspenso:

- Como modificar o próprio conteúdo do trabalho, que é bem o objectivo perseguido? Voltaremos a falar disso.

- A nova repartição do trabalho constrangido por todos não pode ser apenas um problema de organização. Necessitará de uma mudança de mentalidades, logo de uma luta política. Isso é perfeitamente exacto. Por exemplo, para vencer o individualismo e a concorrência entre trabalhadores, iniciar caminho na gestão e na responsabilidade colectiva, laborar tendo em vista as necessidades de todos e não somente as dos principais e dos ricos, etc.. É por isso que não se pode compreender as "20 horas" senão como uma medida que corresponde às potencialidades do estádio de desenvolvimento atingido pela sociedade contemporânea. Uma medida, entre outras, a tomar pela revolução proletária, as quais visarão também os domínios político, ideológico e cultural. Uma medida como primeiro passo para a criação de um homem novo (mesmo que este termo esteja maltratado, mantemo-lo).

4.4.

A sociedade que queremos construir não poderá negligenciar o problema da "dívida" que todos os países imperialistas têm para com os países dominados que pilharam. Trata-se antes do mais de um problema político. A ajuda ao "terceiro mundo", vemo-lo todos os dias, não pode ter eficácia real e ultrapassar a inoperante caridade, senão quando aqueles que ajudam, como também aqueles que recebem, o façam no sentido da emancipação dos povos e não para confortar as burguesias. A questão é pois, em primeiro lugar, a do regime político e social dos dois lados. Vimos por exemplo a China, quando ela era ainda vermelha, ser obrigada a passar sem ajudas norte-americanas ou russas e desembaraçar-se. Vemos também, ao inverso, biliões de ajudas capitalistas que, hoje em dia, não melhoram em nada a sorte dos países sub-desenvolvidos.

A questão permanece pois em aberto. Digamos, para dar uma ideia a título indicativo, que um quarto de hora por dia de trabalho a mais por cada francês forneceria mais que toda a ajuda pública actual do conjunto de todos os países desenvolvidos (18). Esta quantidade - que não é, repitamo-lo, o aspecto principal do problema - não está fora do alcance, nem é incompatível com o objectivo das 20 horas por semana.

4.5.

Sucede também que se invoque, face à experiência histórica, o facto de todas as revoluções se terem, até hoje, realizado em situações de guerra, de invasões, de ruínas. Desde logo, as tarefas de defesa e de reconstrução necessitam de multiplicar e não de diminuir as horas de trabalho. É efectivamente por esse meio que os imperialistas colocaram as revoluções nas maiores dificuldades, pois que o tempo disponível é uma das condições de base para o exercício do poder pelo proletariado.

Evidentemente, é possível. Mas porquê prever o pior?

Ele nem sempre é certo. O melhor pode também acontecer. Por exemplo uma revolução à escala mundial, ou ao menos de numerosos países, o que pelo contrário ofereceria possibilidades ainda mais vastas de redução do tempo de trabalho e de progresso.

Como quer que seja, não podemos estar a imaginar a partir de hipóteses, que podem ser tão variadas quanto incertas. Devemos sim partir das potencialidades da sociedade contemporânea tal como ela existe hoje sob os nossos olhos. E mudar os nossos objectivos se a situação se alterar.

5. Os efeitos multiplicadores

Abordamos acima algumas objecções importantes. Mas, inversamente, há que abordar também os efeitos "multiplicadores" inegáveis da redução do tempo de trabalho constrangido a 20 horas, depois 15, depois 10, por semana. Efeitos multiplicadores que constituem uma "reserva" suplementar de economia de tempo de trabalho.

5.1.

Dentro desta "reserva", pode citar-se o potencial de ganhos de produtividade que existe, simplesmente, nas condições actuais, isto é, sofrendo ainda o entrave da esclerose das relações sociais capitalistas (a sua transformação constituindo uma reserva suplementar não quantificável: a libertação e desenvolvimento do potencial criativo de milhões de homens).

Com outros, André Gorz nota que uma alta de produtividade de 4% ao ano, que é a média dos últimos 20 anos em França, e um acréscimo da riqueza produzida (PNB) de 2% ao ano, acarretam uma baixa da quantidade de trabalho necessário de 20% em dez anos. O que representa 4 horas a menos em 20 horas semanais. Quer dizer que, a este ritmo, atingir-se-ia, em "potencial", todos os outros factores mantendo-se iguais, uma semana de 16 horas de trabalho. E ainda um crescimento do PNB de 2% ao ano, o que é muito.

Mas a produtividade horária cresce também com a diminuição do tempo de trabalho. É-se muito mais eficaz nas primeiras horas de labor (menos fatiga). Alguns pesquisadores calcularam que a produtividade cresce 5% de cada vez que a duração da jornada de trabalho se reduz numa hora (19). Marx notava já: « Quanto mais o trabalho ganha em força produtiva, mais a sua duração pode diminuir, e quanto mais a sua duração é encurtada, mais a sua intensidade pode crescer» (20). É certo, poder-se-ia escolher não aumentar esta intensidade e trabalhar mais "cool", mas, para um tempo já reduzido, pode ser preferível trabalhar "em pleno" a fim de o poder reduzir ainda mais: a 20 horas por semana, a intensidade maior das primeiras horas permitirá assim ganhar cerca de 5 horas a menos suplementares. Passar-se-ia então, de facto, para tomar em conta a intensidade decrescente ao logo de uma jornada de trabalho, a 15 horas semanais, para uma produção equivalente à que calculamos para as 20 horas.

5.2.

Pode assim também haver importantes economias em capital constante, pois que, a 3 horas por dia, a utilização das máquinas e instalações em contínuo, ou semi-contínuo, é muito menos penalizante para a saúde.

5.3.

Falemos, justamente, da saúde. Diminuir o tempo de trabalho de cada um, e partilhar mais os trabalhos penosos assim diminuídos, terá inegavelmente efeitos positivos sobre a saúde. Donde a redução das despesas da saúde (e portanto do tempo de trabalho que lhe é consagrado), a qual será reforçada por uma outra concepção do seu tratamento: educação e auto-cuidados, prevenção, transformação das condições de vida, organização diferente da medicina. Porque razão, de facto, as despesas de saúde duplicam hoje em dia aproximadamente em cada dez anos, sem que isso acarrete nenhum prolongamento assinalável da esperança de vida? Podemos bem interrogarmo-nos sobre isso, constatando que essa despesa necessita em média de cerca de 6 ou 7 anos de trabalho para a cobrir. E responderemos que uma causa essencial é ser cada vez mais necessário reparar os desgastes da vida alienada, além de que a concepção vigente de tratamento e de pesquisa médica provoca um grande desperdício (medicina de prestígio, desperdícios conhecidos da indústria farmacêutica).

5.4.

Um outro ordenamento do espaço pode contribuir para acentuar os ganhos de tempo. Não tomemos aqui senão o exemplo da questão dos transportes domicílio - trabalho nas aglomerações urbanas. Esse tempo faz na verdade parte da jornada de trabalho. Um estudo recente do INSEE indicava que 45% dos activos saía da sua comuna para trabalhar em 1975: são agora 60% (C). E a distância que eles percorrem aumentou 30%. Os 2,8 milhões de moradores dos arrabaldes que vão trabalhar fora da sua comuna passam em média cada um 1 hora e 12 minutos por dia em transportes. Para o conjunto da França, a média por activo é de 9 km por dia e 1 hora de transportes. Em conclusão, a jornada de trabalho não diminui quando o tempo de transporte aumenta. O tempo que se passa fora de casa para o exercício da profissão continua à volta de uma dezena de horas por dia.

Podíamos bem ver outros exemplos possíveis. Um deles seria a modificação da concepção de actividade livre e dos lazeres.

Resumindo, há uma dialéctica do tempo livre e do modo de vida que se conclui por ainda mais tempo livre. Veremos como, nesse enquadramento, podemos encarar a evolução das relações tempo de trabalho / tempo livre. Concluamos sobre este ponto: 20 horas por semana, é "imediatamente" possível. Isso quer dizer: corresponde às potencialidades da sociedade contemporânea. O que lhe impede a realização são os interesses de classe da burguesia, ou seja, a necessidade em que ela se encontra de produzir sempre mais-valia acrescida à medida que acumula capital. Necessidade pois de produzir sempre mais, diminuindo o tempo de trabalho necessário, apropriando-se do sobre-trabalho assim resgatado, enquanto aumenta a massa dos desempregados e dos "improdutivos".

Portanto, 20 horas é um objectivo que só o poder de uma outra classe, de uma classe antagónica, o proletariado, poderá realizar. Antagónica porque fundada sobre um interesse inverso: não produzir por produzir, mas produzir para satisfazer as necessidades úteis definidas; não extorquir o máximo de sobre-trabalho, mas suprimir tanto quanto for possível de trabalho; não o desemprego, os desperdícios, a divisão de trabalho (e dos rendimentos), mas uma outra e equitativa repartição do trabalho (logo, necessariamente, de um outro trabalho) entre todos.

O que podemos resumir na fórmula: "Trabalhar todos, menos, de outra forma".

20 horas é o tempo que a sociedade exigirá de cada um. Referimo-nos ao trabalho "constrangido", no sentido de obrigatório, o que não quer portanto dizer que toda a actividade se reduza a isso: o suplemento de actividade será livre, voluntário, benévolo. Este tempo, 20 horas, foi estimado como vimos tomando em conta as economias em tempo de trabalho que são à primeira vista facilmente realizáveis. Sem revolucionamentos extraordinários do aparelho produtivo (o que levará bastante mais tempo) e conservando uma grande margem de tempo de trabalho para as tarefas suplementares que serão implicadas nas primeiras disposições propostas (por exemplo, a socialização de certas tarefas domésticas ou o crescimento dos transportes em comum). Além disso, trata-se de uma média, que poderá ser repartida diferentemente, do modo que for mais cómodo - em 3 horas por dia ou semana sim, semana não, etc. - em função das especificidades dos diferentes ramos, das necessidades de formação, da participação em outras actividades sociais (poder político, etc.).

Esta média de 20 horas pode também ser objecto de uma repartição diferente entre camadas sociais para tomar em conta a necessidade de colmatar o mais rapidamente possível a divisão manual - intelectual. Pelo exercício de um direito "desigual" justificado, os intelectuais poderão trabalhar, por exemplo, 25 horas, e os operários 15, para terem estes mais tempo ainda (além do tempo livre obtido) para se consagrar à sua formação, à gestão, etc.. Sempre dentro da mesma ordem de ideias, a rotação de tarefas, sempre que possível, contribuiria a este objectivo.

20 horas não é uma palavra de ordem puramente aritmética. Não é um sobrelanço demagógico para estar "mais à esquerda" que aqueles que propõem 30 ou 35. É, antes do mais, uma estimativa fundada sobre um objectivo diferente. Aquele que liga a redução do tempo de trabalho a uma outra definição dos fins que a sociedade fixa a si própria, às suas escolhas de produção, ao lugar tomado por cada um na realização destas escolhas. Em termos práticos: é o proletariado e os trabalhadores que a ele se aliarão que decidirão o quê e para quem produzir, e por quem (afectação da força de trabalho): tal é a base de uma redução realmente significativa do tempo de trabalho e de uma nova repartição das riquezas produzidas. É o que poderemos denominar de Plano Democrático do poder proletário.

É o nível de consciência e de luta das massas, a sua capacidade de se organizar, de decidir, que será o factor principal. Como dizia Engels: « nós não temos por tarefa a construção de sistemas utópicos para a organização da sociedade futura » (21). E seria isso precisamente que faríamos se quiséssemos tudo descrever ao pormenor, para lá das orientações gerais de que falamos aqui.

20 horas, é uma primeira medida que cria as condições (que não são certamente as únicas) de uma outra organização social, de uma real participação das massas no poder, de uma passagem relativamente rápida às 15 e às 10 horas, por acção de numerosos "efeitos multiplicadores", de que falamos acima e dos quais o mais importante é a libertação da criatividade de milhões de indivíduos a quem o capitalismo aliena hoje a inteligência e a humanidade. Progressivamente, desaparecerão assim as funções especializadas do poder político e intelectual em favor do comunismo, ou comunidade de homens livres.

6. Do tempo livre ao homem livre

« O tempo livre, que é ao mesmo tempo de lazer e actividade superior,
terá naturalmente transformado o seu possuidor num sujeito diferente,
e é enquanto sujeito novo que ele entrará no processo de actividade imediata» (22).

O capitalismo, desenvolvendo de forma considerável o "sobre-trabalho" (parte da jornada de trabalho em que o operário produz para lá do equivalente aos seus meios de subsistência) produzia também o desemprego, as tarefas improdutivas e os desperdícios. A partir deste "potencial" existente, vimos já que um eixo essencial da solução da crise geral do capitalismo que conhecemos hoje consiste em repartir de outra forma o trabalho, suprimir certas tarefas improdutivas que podemos de imediato dispensar sem mudança completa do modo de produção que herdamos, bem como certas produções (luxo, etc.) e desperdícios. É aquilo que podemos chamar o eixo do programa imediato da revolução socialista: "trabalhar todos, menos, de outra forma". Então, o proletariado, tomando o poder, apropria-se do sobre-trabalho, transformando grande parte dele em tempo livre, decidindo da afectação da outra parte: investimentos, fundos de reserva e de seguros, necessidades sociais colectivas, etc. (23).

Este objectivo concretamente resumido em "trabalhar 20 horas" (de trabalho concreto) é não somente aquele que permite sair da crise, transmutando de cima a baixo a lógica capitalista actual de produção (trabalhar menos em lugar de trabalhar mais), mas, mais ainda, é ela que abre a via ao nascimento de um homem novo, liberto da alienação de ter de perder a sua vida a tentar ganhá-la (luta por arrancar a sua subsistência à natureza) e também da alienação, para a grande massa, de ser desapossado dos conhecimentos intelectuais que permitem dominar e elevar a sua actividade (divisão entre trabalho manual e intelectual).

Dissemos bem "abre a via", pois que é preciso estar bem consciente de que com estas "20 horas", estamos ainda longe do objectivo. Neste primeiro estádio, com efeito, subsiste uma contradição entre tempo de trabalho e tempo livre. Do mesmo modo que existe ainda a contradição intelectual / manual, a divisão do trabalho, logo a desigualdade real na capacidade de dominar a produção, a sociedade, de decidir e exercer realmente o poder.

Enquanto exista a contradição trabalho constrangido / trabalho livre, é porque o trabalho, seja ele 20 horas, 10, ou ainda menos por semana, é ainda vivido como um aborrecimento, um trabalho alienado, raiz das divisões de classe, oposto ao tempo livre, este vivido mais ou menos como uma fuga para além do constrangimento social, logo da sociedade. Não é aqui uma questão essencialmente quantitativa de número de horas de trabalho que está em causa. Mas o conteúdo deste trabalho. Nada é mais justo e mais mal conhecido que este facto: « O que são (os indivíduos, n.d.r.) coincide com a sua produção, com o que eles produzem, tanto como com a maneira como eles produzem. Deste modo, o que os indivíduos são depende das condições materiais da sua produção » (24).

É a actividade do homem que produz o homem. E enquanto existir nesta actividade uma parte ainda significativa de trabalho alienado, o seu desenvolvimento será limitado. Ora, uma partilha do trabalho que se limitasse a uma partilha do tempo de trabalho no estado actual dos seus conteúdos, conservando o mesmo tipo de produtividade, de tecnologia, de organização da produção, reproduziria sempre a dinâmica polarizadora da divisão entre trabalho intelectual e manual, que nos esforçaríamos em vão a querer colmatar por intermédio de meios exteriores (tempo de formação, por exemplo): seria o tonel das Danaídes, uma tarefa sem fim que depressa perderia todo o conteúdo concreto.

O fim não é pois somente trabalhar menos, mas trabalhar diferentemente (e também deste modo produzir outras coisas) a fim de que desapareça a contradição trabalho constrangido / trabalho livre, em proveito de um tempo único: a actividade livre, a vida, consciente, dominada, construída.

Antes de concluir sobre este ponto, abramos um parêntese sobre uma tese que minimiza a importância da luta imediata para a redução do tempo de trabalho a 20 horas, tomando como pretexto que só contaria justamente o fim do trabalho alienado, a transformação do conteúdo do trabalho e não o tempo livre, o qual não seria senão uma questão secundária, vulgar. Para os sustentadores desta tese, em França a corrente por vezes dita "alternativa", a luta pelo tempo livre no limite desviaria o proletariado do objectivo de transformar o trabalho.

Eles tentam pois orientar as lutas imediatas em favor das cooperativas (SCOP), a co-gestão e o enriquecimento das tarefas. Lutando por ter o direito de participar na gestão, de dizer a sua palavra sobre o conteúdo do trabalho, a sua organização, ou mesmo sobre a escolha da produção (como: produzir uma viatura popular na Renault), o proletariado transformaria progressivamente a sua actividade, e portanto também a sua consciência, até se elevar àquela que lhe permita dirigir a sociedade.

É o velho refrão da auto-gestão. Sabe-se bem que a co-gestão, a auto-gestão, o conteúdo enriquecido do trabalho, etc., não podem, absolutamente, inelutavelmente, conduzir senão a enriquecer a sua própria exploração, a cogeri-la, enquanto estivermos num sistema que funciona segundo a lei do máximo de mais-valia. Não faremos pois aqui a crítica destas teses, o que já foi largamente feito, tanto na prática como em teoria. Em contrapartida, é interessante notar o seu carácter idealista, para lhe opor a abordagem concreta aberta pela questão do tempo livre.

É, com efeito, impressionante constatar nestas posições uma enorme subestimação da contradição intelectual - manual. Em suma, bastaria quase permitir aos operários falar de igual para igual com os quadros e os patrões, para que eles tenham um ponto de vista independente e possam fazê-lo valer espontaneamente. Isto é negar, justamente, que o capitalismo se caracteriza não somente pelo facto de que explora os operários mas de que os esvazia de conhecimentos, que os aliena no sentido estrito do termo. Como dizia Marx, quanto mais de um lado se desenvolvem as potências intelectuais da produção, mais se desenvolve do outro um proletariado desprovido de tudo, nomeadamente desse factor intelectual, mais ainda do que de bens materiais. Pode-se sempre decidir que os operários dirigirão, levá-los a postos de direcção, proclamar que eles têm poder: isso não passará de palavras enquanto o saber permanecer acumulado do mesmo lado. E é evidente que nem esta diferenciação, nem a cultura e as "mentalidades" que dela decorrem, poderão se dissolver rapidamente, mas apenas mediante um processo longo e complexo.

É por isso que a posição dos "alternativos" é de facto perigosa: subestimando a dificuldade, ela desvia a solução. Isto sob a camuflagem de proclamações na aparência muito radicais sobre uma mudança rápida e em profundidade do conteúdo do trabalho.

Contrariamente ao que eles pensam, a reivindicação do tempo livre não se opõe a este fim. Ela é, pelo contrário, a condição, o primeiro passo, como o afirma aliás constantemente Karl Marx: « Na verdade, o capital emprega a máquina com o único fim de que o trabalhador consagre uma maior parte do seu tempo ao capital, que ele trabalhe mais longamente para outrem: uma parte cada vez maior do seu tempo não pertence ao trabalhador. Graças a este processo, a quantidade de trabalho necessária à produção de um objecto é reduzida a um mínimo, e isto a fim de que um máximo de trabalho seja empregue para produzir um máximo de objectos. O fenómeno não é sem importância pois, de uma forma totalmente inconsciente, o capital reduz desde já o trabalho e o esforço humano ao seu mínimo. Isso será de um grande proveito para o trabalho emancipado e é a condição da sua emancipação » (25).

Sublinho "condição de sua emancipação", pois que aqui é fundamental não saltar a pés juntos sobre o problema a resolver. O que é preciso ver é como o tempo livre é uma condição que permite por sua vez transformar o trabalho - não automaticamente, mas travando-se uma luta nesse sentido - por uma dialéctica entre estes dois pólos desembocando na sua supressão pela criação de um novo tempo, a actividade livre.

Na primeira etapa, perante o quê nos encontramos? Modificações importantes nas relações sociais foram introduzidas: numerosos "improdutivos" foram afectados a tarefas úteis, toda a gente trabalha, uma rotação de tarefas tão importante quanto possível é posta em marcha entre operários e quadros, dirigentes e dirigidos (mas aí chocamo-nos também com os limites legados pela velha divisão do trabalho). Outras medidas serão tomadas, como por exemplo um "direito desigual", afectando mais tempo disponível aos operários para poder aprender a gerir, a formar-se nas técnicas, etc..

Mas, globalmente, o proletariado não pode ainda estar em condições de adquirir todo o saber necessário para dominar efectivamente a produção e gerir verdadeiramente a sociedade. Deve também tirar proveito do considerável tempo livre que se outorgou como primeira medida revolucionária para se investir em todos os locais de poder, aprender tanto pelo estudo como pela experiência, exercer o seu direito de controlo em todas as coisas a fim de analisar e discutir as decisões, etc.. Fará do tempo livre uma luta para se apropriar da ciência, das artes, e transformar a realidade à medida que a for assim apreendendo. Pouco a pouco, ele faz assim emergir uma nova realidade, uma nova ciência, novas técnicas, uma nova cultura. Como o indica a citação de Marx em epígrafe a este capítulo: « O tempo livre, que é ao mesmo tempo de lazer e actividade superior, terá naturalmente transformado o seu possuidor num sujeito diferente, e é enquanto sujeito novo que ele entrará no processo de actividade imediata. » O tempo livre é uma base material indispensável para que o proletariado se eduque no exercício do poder, transforme o trabalho e a sociedade.

Como o poderia fazer se devesse ainda ficar pregado 8 horas por dia à máquina? E quando, com a ajuda do tempo livre, ele transforma as condições da produção, ele modifica também a sua concepção do mundo e portanto a sua concepção do tempo livre. Tempos de lazer amesquinhantes, pobres, estreitos sob o capitalismo, eles tornam-se tempos ricos para uma actividade criativa larga e superior. Deste modo, o tempo livre é um meio para começar a transformar a actividade do homem, reinvestir esta transformação no trabalho e, por sua vez, elevar o conteúdo do próprio tempo livre. Desta forma o trabalho enriquece-se realmente e uma nova produtividade, decidida pelos próprios produtores, diminui sempre cada vez mais o seu tempo, nomeadamente no que ele tem de sujeitado. Tempo livre e tempo de trabalho se transformam mutuamente até se tornarem um único tempo: a vida.

Este processo dialéctico, assim muito sumariamente descrito, entre diminuição/transformação do trabalho e actividade superior, entre necessidade e liberdade, não é evidentemente automático. Necessita, pelo contrário, de lutas, de numerosas "revoluções culturais". É um processo por etapas e, em cada uma, consolidam-se certas relações sociais que é preciso destruir e transformar na etapa seguinte, enquanto subsista a contradição intelectual / manual e a oposição entre tempo de trabalho e tempo livre.

Tomemos alguns exemplos. Enquanto subsista o tempo de trabalho constrangido, subsiste também a necessidade de o medir, quanto mais não fosse para o repartir equitativamente entre os diferentes membros da sociedade. Contar, repartir, quer dizer que o tempo de trabalho continua a ser ainda a medida da produção da riqueza e de sua repartição. Subsistem pois ainda oposições entre aqueles que têm capacidades diferentes, estão colocados em condições diferentes de produtividade ou na divisão social do trabalho, das tarefas, das funções, etc.. A lei do valor subsiste também ainda neste estádio e pelas mesmas razões: medida pelo tempo de afectação das forças de trabalho nas trocas de mercadorias, etc., o que implica, entre outras condições, a necessidade de um poder político de Estado, contraditório com a liberdade do homem. Não se está aqui senão no estádio inferior, incontornável, do comunismo (ou fase de transição, socialismo). E neste estádio, por todas as razões indicadas acima, que são os "estigmas" da velha sociedade, subsistem e reproduzem-se necessariamente as classes.

O estádio comunista é quando a actividade é una, ao mesmo tempo "lazer e actividade superior", logo exercida livremente como expressão da natureza profunda do homem: actividade criativa, consciente de transformação do mundo e de si mesmo. Actividade que faz apelo ao exercício de todas as suas habilidades, intelectuais e práticas, desenvolvendo-as. Actividade da qual ele sabe que satisfaz também as necessidades de outros homens e por essa via o faz reconhecer-se, aos seus próprios olhos, como plenamente humano.

Evidentemente, nem todo o mundo poderá ser ao mesmo tempo matemático, arquitecto, agrónomo, músico, cineasta, etc.. Mas cada um terá a opção e a possibilidade de praticar e desenvolver as actividades que correspondem melhor às suas inclinações, aos seus dons, de tal forma que a sua existência e o seu ser social estejam "em sintonia" e não desfasados, como hoje, em dois pólos opostos, alienados um do outro, um pelo outro.

Toda a crise permite ver mais claro. A crise actual revela-nos o extraordinário desenvolvimento da produtividade do trabalho. Não é o menor dos paradoxos do capitalismo que ele seja obrigado a perseguir precisamente aquilo que o coloca em crise. Mas aquilo que consigo não se desenvolve senão como factor de desemprego, de miséria, de conflitos, de crashes, de fome, é também para o proletariado um formidável potencial de libertação, se ele conseguir, literalmente, inverter a situação: menos trabalho e não mais.

Este formidável potencial é um factor que não existiu nunca nas revoluções precedentes (Rússia, China), que tiveram de consagrar-se às tarefas de "produzir pão", em sociedades que não tinham ainda atingido um nível de desenvolvimento histórico suficiente para se libertarem de ter de trabalhar 8, 10 horas por dia em condições arcaicas e alienantes. Não é nosso propósito aqui analisar estas revoluções e dizer (sendo isso possível) se esta dificuldade poderia ter sido superada ou em que medida elas o conseguiram mesmo, antes de fracassar.

Lenine dizia que as revoluções eram mais fáceis nos países atrasados (porque as massas são aí mais revoltadas, menos dominadas) mas a construção do socialismo muito mais difícil do que o seria nos países desenvolvidos (porque não existe aí a "abundância", base necessária para libertar o homem). De facto - e contrariando os bons espíritos que crêem que o ensino aí tenha mudado algo - vê-se bem nos nossos dias que o proletariado dos países avançados é mais dominado política e ideologicamente pela burguesia do que jamais o foi antes. Não é apenas o efeito de uma "corrupção" pelo consumismo. Ou melhor, esta aqui é o produto de um fenómeno mais profundo, já bem estudado por diversos autores. Fenómeno que viu, por exemplo, nos chamados "trinta anos gloriosos" (1945-75), a burguesia fazer aceitar pelo proletariado uma alienação maior no seu trabalho e na sua vida, em troca de compensações salariais, das quais ela aliás tinha necessidade para escoar uma produção crescente.

De facto, quanto mais o capitalismo é avançado, mais o proletariado é alienado, despossuído, dominado, pois maior é a distância cavada entre ele e o pólo das "potências intelectuais". Mais difícil é pois a revolução, num certo sentido. Mas também maior é a imensidão do potencial de libertação, em razão do tempo livre do qual ele se poderá apoderar para transformar rapidamente a sociedade.

Lutar pelas "20 horas" é lutar por fazer com que se tome consciência desse imenso potencial. E que o que se pode construir com ele estará certamente à altura dos esforços necessários para lá chegar.

Abril de 1987

 

 


(*) Tom Thomas é um ensaísta marxista francês, residente em Paris. Durante muitos anos militou em diversos agrupamentos da esquerda marxista-leninista, tendo fundado 'La Voie Proletarienne'. Actualmente é um escritor independente, sempre comprometido. É autor já de uma vasta obra, da qual alguns títulos foram publicados em português nas edições Dinossauro , como por exemplo 'A ecologia do absurdo' (1994) e 'Breve história do indivíduo' (1997). O presente texto é uma tradução (com algumas adaptações) dos capítulos VI e VIII de um dos seus primeiros livros, 'Crise, technique et temps de travail', ed. de l'auteur, Paris, 1988. Apesar de já bastante antigo este texto é porventura agora ainda de maior actualidade do que quando foi escrito. À excepção, naturalmente, dos dados sócio-estatísticos franceses aí citados, que já envelheceram, mas que podemos aqui tomar como meramente exemplificativos, típicos de uma qualquer sociedade capitalista desenvolvida.

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NOTAS:

(1) Adret (nome colectivo), 'Travailler 2 heures par jour', Ed. du Seuil. Toda a gente deveria ler este pequeno livrito estimulante.1 Tomei dele de empréstimo algumas coisas para esta minha reflexão.

(2) Ver Adret, ob. cit., pág. 150 e Anexo, pág. 183 a 188.

(3) Um lar em França são 2,7 pessoas. O rendimento disponível, tal como definido pela Contabilidade Nacional, inclui, para os proprietários dos seus próprios alojamentos, o aluguer estimado que eles pagariam por ele se fossem apenas locatários.

(A) [Nota do tradutor] 16.000 francos franceses seriam na moeda actual cerca de 2.440 euros. A partir daqui, sempre que em texto se faça menção de valores em francos, indicar-se-á entre parênteses o seu equivalente em euros.

(B) [Nota do tradutor] Sigla do Institut National de la Statistique e des Études Économiques.

(4) É claro que se trata apenas de uma hipótese de trabalho, que não resolve o problema político das alianças de classe. Não se podendo abolir a divisão social do trabalho de um momento para o outro, o proletariado necessitará de garantir os serviços de especialistas (engenheiros, médicos, etc.). Para isso será preciso, talvez, pagar-lhes mais, dependendo das condições políticas da revolução. A escala de rendimentos poderá então, por exemplo, ir de 1 a 2. Mas isso não mudará nada ao fundo da questão. De resto, pode pensar-se que um bom número destes especialistas, que continuarão a ser indispensáveis (embora já muito menos que hoje em dia), reconheceria um estimulante novo no facto de serem considerados e valorizados no trabalho enquanto homens, por aquilo com que contribuem para a sociedade, e não por quanto ganham. Estarão participando numa obra criadora e não mais estiolada pelas leis mercantis.

(5) Não abordo aqui a questão importante de que uma luta política e ideológica incessante - verdadeiras "revoluções culturais" - deve ser travada para que esta actividade livre seja desembaraçada dos lastros do passado e que cada um seja (inclusive no seu tempo livre) persuadido a participar na construção de um homem novo, e não a satisfazer-se com os ócios limitados e embrutecedores herdados da época burguesa. A luta é permanente. O constrangimento exerce-se apenas sobre um domínio limitado, de acordo com o preceito: quem não trabalha não come. Precisemos por fim que esta distinção constrangido / livre não coincide com a de trabalho alienado / trabalho enriquecedor, que diz respeito a um outro domínio de análise.

(6) Os trabalhadores a tempo parcial, de acordo com o inquérito de Março de 1987 do INSEE, são 2 milhões a trabalhar menos de 20 horas. No total são 2,5 milhões aos quais é preciso acrescentar os trabalhadores-estudantes, os estagiários, os contratados a termo certo, para chegar aos 3,5 milhões de trabalhadores, compreendidas todas as categorias. Deste número subtraímos os sectores de actividade de que tratamos na sequência deste texto, a fim de não os contar duas vezes (serviços aos particulares, funcionários, quadros, etc.). Para ser prudente sobre esta questão não conservamos neste estádio do cálculo mais que 1,5 milhões de trabalhadores a tempo parcial, dos quais, seguindo as proposições do INSEE, também aqui de forma prudente, não guardaremos senão 1 milhão trabalhando 20 horas ou menos. E suporemos (hipótese optimista e, uma vez mais, prudente) que os outros 500.000 trabalham todos 39 horas. Notemos que M. Elbaum, no seu artigo sobre "pequenos biscates" (em 'Economie et Statistiques', INSEE) nota que estes aumentam ao ritmo considerável de 15% ao ano. Resta, enfim, que pelo menos 1 milhão de trabalhadores a tempo parcial trabalhando mais de 20 horas serão considerados, na sequência dos nossos cálculos, como trabalhando 39 horas, o que maximiza o tempo de trabalho actualmente utilizado, sempre no propósito de não ser acusado de exagero.

(7) Sector classificado pelo INSEE "Serviços mercantis às empresas e aos particulares". Cerca de 4 milhões de empregos. Figuram nesse sector os seguintes empregos, que suprimi ou reduzi:

- As profissões parasitárias do imobiliário (fora as empresas de construção), agentes imobiliários, promotores, administradores de bens: 150.000.

- Os conselheiros jurídicos: 100.000.

- Os auxiliares financeiros e de seguros: 80.000.

- O pessoal de serviço aos particulares (mulheres de limpeza, motoristas, etc.): 300.000.

- A publicidade. Directamente: 50.000. Ao menos 200.000 (cf. Adret, ob. cit., p. 154), se lhes juntarmos os empregos ligados (imprensa, filmes, papel, imprensa, rádio, etc.). Além disso, sem falar de todos os outros empregos ligados à promoção comercial (embalagem, vendedores, etc.): viajantes de comércio: 115.000, representantes e agentes comerciais: 160.000.

- Transporte de fundos e guarda privada: 100.000.

- Clero: 60.000 (pois que deverão trabalhar, para além da sua eventual função religiosa).

- Peritos de contabilidade e de análise financeira: 85.000.

Ou seja 1.350.000 empregos que podem ser transferidos para empregos produtivos. Este número, reduzido a 1,3 milhões, não está sobrestimado, pois que não indico, para arredondar as contas, nenhuma diminuição em sectores tão pletóricos como os hotéis-restaurantes: 620.000 empregos, dos quais muitos para ricos; as lojas de bebidas: 134.000; o comércio e a reparação automóvel: 410.000; nem, já agora, entre os veterinários (12.000, dos quais quase metade para os cãezinhos e os gatinhos) ou entre os 2.000 "curandeiros e profissionais da parapsicologia".

(8) Entre os 1,9 milhões de quadros superiores, não tenho em conta os da função pública (250.000), as profissões liberais (230.000), os professores (350.000), tratados noutro lugar, nem os engenheiros (380.000). Restam os quadros administrativos e comerciais: 550.000, menos 100.000 dos bancos e seguros. Ou seja, 450.000. Economia considerada: 100.000. Entre os 3,8 milhões de quadros médios, a sub-categoria administrativa e comercial representa 923.000, e 860.000 sem os bancos e seguros (os outros são professores primários, profissionais de saúde e serviço social, função pública, técnicos, agentes do magistério). Consideramos aqui uma economia de 300.000.

Os 5,5 milhões de empregos incluem 2 milhões de empregados administrativos de empresa (fora os empregados de comércio). 1,6 milhões excluindo a banca e os seguros. Economia considerada: 600.000.

Total: 1 milhão de dispensas, correspondentes à diminuição da rigidez burocrática, hierárquica, e à libertação da iniciativa operária, da motivação dos indivíduos, que substituem as necessidades de controlo patronal, a despossessão do saber e do poder das massas.

(9) Há 2,7 milhões de funcionários sem os professores. Não retenhamos deste número senão certas categorias: magistrados e quadros superiores: 170.000 (fora as forças armadas); quadros médios (fora as forças armadas) 215.000; impostos, Tesouro: 75.000; amanuenses e agentes de escritório: 550.000; empregados de correios e telecomunicações: 250.000. Ou seja um total de 1.260.000, de que podemos economizar 1/3, ou seja 400.000. O exército e a polícia, 360.000, podem também passar sem 100.000 profissionais. Ou seja, 500.000 ao todo. (Para os correios e telecomunicações a redução se justifica pelo facto de que o correio comercial, publicitário e administrativo constitui mais de 2/3 dos encargos de trabalho).

(10) Retirando 3,8 milhões de empregos aos 23 milhões que tínhamos com os desempregados, reteremos 19,2 milhões de empregos úteis, com 33,9 horas cada um. Se se lhes juntar, por transferência, os 3,8 milhões agora com empregos úteis, reencontraremos 23 milhões. Seja 23 x X = 19,2 x 33,9 =>X = 28,3 horas.

(11) Adret, ob. cit., p. 170.

(12) Na verdade são 2.050 milhões segundo o INSEE, mas retiro 150.000 mulheres reformadas dos 55 aos 59 anos já tomadas em conta entre os inactivos no parágrafo precedente.

(13) cf. Adret, ob. cit., p. 173.

(14) Deixei de lado 300.000 "inactivos masculinos" dos 25 aos 54 anos, para tomar em conta, fundamentalmente, a parte da população adulta que não poderia trabalhar (portadores de deficiência, doentes profundos, etc.).

(15) De uma maneira geral, este tipo de desperdício é tanto mais inaceitável quanto dá consagração ao cinismo dos ricos. Assim, os Estados Unidos da América, que contêm 5% da população mundial, consomem 30% dos recursos renováveis. Se os países ditos do terceiro-mundo consumissem tanto como os E.U.A., era preciso produzir 30 vezes mais recursos não renováveis, de que o esgotamento seria então muito rápido. (cf. Adret, ob. cit., p. 147)

(16) Adret, págs. 132 a 135.

(17) Números tirados do estudo 'Qui travaille pour qui?', Bandelot et Establet, Ed. Maspero, 1979.

(18) Número fornecido por Adret, ob. cit., pág. 171.

(19) cf. Adret, ob. cit., pág. 163.

(20) Karl Marx, "Le Capital", Livre I, Tome 2, pág. 201, Éditions Sociales.

(C) [Nota do tradutor] A comuna é uma unidade administrativa francesa de dimensão semelhante ao Município português. Quando o Autor se refere aos dados actuais, refere-se naturalmente à data em que este texto foi escrito, Abril de 1987.

(21) Engels, "La question du logement": " Quanto à maneira pela qual uma revolução social resolverá a questão, isso depende não somente das circunstâncias nas quais ela se produzirá, mas também de questões muito mais extensas, de que uma das mais essenciais é a supressão da oposição entre a cidade e o campo. Como nós não temos por tarefa a construção de sistemas utópicos para a organização da sociedade futura, seria mais que ocioso alargarmo-nos sobre este assunto. ».

(22) Karl Marx, "Fondements." (Grundrisse), Tome 2, pág. 311, Éditions de la Pléiade.

(23) cf. Karl Marx, "Le Capital", Livre I, Tome 2, pág. 201, Editions Sociales: « O aumento da produtividade do trabalho e da sua intensidade multiplica a massa de mercadorias obtidas num dado tempo, e por esse meio encurta a parte da jornada de trabalho em que operário não faz senão produzir um equivalente dos seus meios de subsistência. Esta parte necessária mas contráctil da jornada de trabalho forma o limite absoluto que é impossível atingir sob o regime capitalista. Uma vez este suprimido, o sobre-trabalho desaparecerá e a jornada inteira poderá ser reduzida ao trabalho necessário. Entretanto, é preciso não esquecer que uma parte do sobre-trabalho actual, aquela que é destinada à formação de um fundo de reserva e de acumulação, contará então como trabalho necessário, e que a grandeza actual do trabalho necessário é limitada somente pelos custos de manutenção de uma classe de assalariados destinada a produzir a riqueza dos seus amos. »

(24) Karl Marx, "L'Idéologie allemande", pág. 1055, Editions de la Pléiade, Oeuvres philosophiques.

(25) Karl Marx, "Grundrisse", Tome 2, pág. 303, Editions de la Pléiade.