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A educação no capitalismo: Entraves e possibilidades
Rafael Rossi (*)
Vivemos ainda na sociedade capitalista. Isto não é discurso “de esquerda”, não é “doutrinação ideológica marxista”, não é “discurso” de pensadores modernos, da época das “grandes narrativas”. Esta constatação histórica é da mais fundamental relevância para compreendermos, efetivamente, as reais possibilidades e os concretos obstáculos e entraves que a educação enfrenta no mundo atual. Obviamente o capitalismo não é o mesmo do século XIX, mas isso não significa que suas tendências mais essenciais ainda não estejam operando na realidade social.
Antes de buscar compreender a educação e a sociedade por conceitos e mais conceitos que giram ao redor de si mesmos, devemos entender estas dimensões sociais a partir de sua entificação, tendo por base seu surgimento na história da humanidade, apreendendo a função que desempenham na reprodução da sociedade e, somente depois de tudo isso, poderemos assimilar as articulações que a esfera educacional exerce nesta forma de sociabilidade e aquilo que é possível realizar e o que é “murro em ponta de faca”.
Importante notar que é analisando o processo histórico real que alcançaremos um conhecimento realista da realidade objetiva. É necessário, nesse sentido, um enorme esforço teórico que procure apreender a dinâmica de surgimento dos seres humanos, as transições de um modo de produção a outro, a influência que cada dimensão desempenha entre si e, ainda, o modo de funcionamento do capitalismo.
Desse modo, evitaremos basicamente duas proposituras: o idealismo e o materialismo mecanicista. O primeiro coloca os anseios, as utopias, as fantasias e os desejos dos pesquisadores acima e em primeiro plano frente às possibilidades que emanam da realidade. O segundo, por sua vez, despreza o papel da consciência na criação e produção da vida social e, por isso mesmo, não consegue captar a atividade humana enquanto síntese da relação entre subjetividade e objetividade.
Vejamos mais sobre isso: primeiro sobre a educação e, depois, a sua inserção na sociedade capitalista.
Educação: Origem e Função Social
Como sinalizamos anteriormente, entender a educação – ou qualquer outra dimensão da vida humana – não deve ser um exercício enfadonho, academicista, com “firulas” de toda ordem e sem sentido para aqueles que estão lendo nosso texto. Ao contrário, precisamos rastrear as origens históricas da educação, o que implica em buscar o momento em que surge a educação na história humana e isto, por sua vez, significa entender esta esfera social em articulação com o processo humano do indivíduo se tornar membro do gênero humano.
Muitos pesquisadores entendem que o ser humano surge na face da Terra a partir do momento em que um animal passa a fabricar ferramentas ou desenvolver a linguagem. Todavia, é possível verificar na natureza uma série de animais que transformam a natureza de maneiras absolutamente formidáveis. Alguns chimpanzés, por exemplo, são capazes de fabricar uma espécie de chapéu com folhas para se protegerem. Portanto não pode ser meramente a transformação da natureza o critério para se definir o animal que é um ser humano daquele que não é.
O ser humano surge, efetivamente, quando se origina uma dimensão formada por: comunicação/linguagem, relações sociais e trabalho. Não existe trabalho sem relações sociais nem linguagem, assim como não existe nenhum dos outros dois a não ser inseridos neste sistema com todos. Não estamos nos referindo ao trabalho assalariado ou a relações de emprego.
O trabalho (1) aqui é entendido enquanto uma necessidade vital e ineliminável da sociedade. Onde quer que existam seres humanos, sempre haverá a prática do trabalho no sentido de transformação da natureza para a produção das condições materiais da vida humana. A natureza não nos dá tudo que precisamos para sobreviver. Casas, pontes, estradas, ferramentas etc. são certamente partes da natureza, mas partes transformadas de modo conscientemente intencional pela ação humana.
O trabalho, dessa maneira, permite o surgimento de uma articulação entre consciência e realidade objetiva que faz com que sempre haja a incessante e irreprimível produção do novo. A natureza nos fornece pedras e areia, por exemplo, mas a casa é uma construção exclusivamente social e histórica. A consciência humana, desse modo, possui um papel extremamente ativo na produção da vida social, pois caberá a ela refletir sobre os elementos que estão presentes na própria realidade, pensar em seus possíveis vínculos, articulações etc. e acumular estes conhecimentos para futuras situações.
Contudo, tenhamos atenção de que a consciência cumprirá muito mais eficazmente sua função se refletir corretamente a própria realidade do jeito que ela é em si mesma, sem lucubrações de qualquer ordem, sem fantasias mil. Ou seja: apesar do papel ativo que a consciência desempenha, o campo de limites e possibilidades reais e concretos é delimitado pela objetividade, o que significa que aqueles que colocam as suas vontades e desejos acima daquilo que a realidade oferece, termina, inevitavelmente, por querer realizar o impossível.
Com esta articulação inteiramente nova entre subjetividade e objetividade temos a criação incessante do novo. Um exemplo: quando os seres humanos trabalham e produzem um projeto em suas mentes (prévia-ideação) de como, mais ou menos, será fabricada uma vara de pescar. Refletindo sobre os elementos presentes na natureza, escolhendo aqueles que forem julgados os mais adequados e criando, de fato (objetivação), a vara de pescar, os indivíduos podem confrontar aquilo que conheciam da realidade com aquilo que a realidade de fato é em sua existência real. Ao fazerem isso, se transformam: as suas individualidades foram transformadas, pois adquiriram novos conhecimentos, habilidades, valores, comportamentos etc. que não possuíam antes e, ao mesmo tempo, as sociedades se modificam significativamente, pois se “enriquecem culturalmente” com este “patrimônio intelectual” que, agora, poderá ser utilizado em uma gama muito ampla de situações distintas da situação original de confecção da vara de pescar.
Este processo fará surgir, por uma necessidade da própria dinâmica de constituição da humanidade/ser social, outro tipo de interação entre os seres humanos que também estará presente aquela relação entre consciência e realidade que abordamos anteriormente. Entretanto, agora, já não diz respeito mais propriamente ao trabalho e à transformação direta da natureza. A única categoria social que opera o intercâmbio da sociedade com a natureza para a produção das condições materiais da vida social é o trabalho. Estas novas interações que se originaram em função da capacidade humana em efetivar atos de trabalho, exercerão a interação dos seres humanos entre si, com o objetivo de levarem os indivíduos a efetuarem praticamente novas criações, novos objetivações.
Justamente aqui é a raiz mais profunda da gênese da educação no seu sentido mais amplo possível. A educação é uma dimensão social que surgiu em decorrência do trabalho criar conhecimentos, habilidades, técnicas, valores, ideias, comportamentos etc. Se não fosse esse “patrimônio intelectual” não haveria bases sólidas para a educação surgir. Pois bem: caberá à educação a transmissão deste patrimônio e a sua apropriação entre os indivíduos para que se tornem membros de uma determinada sociedade. Esta é a sua função social.
Todavia, uma reflexão extremamente relevante precisa ser feita: as dimensões sociais (educação, trabalho, arte, ideologia, política, ciência etc.) sempre interagem entre si e, todas elas, devem a sua existência, em última instância, ao trabalho. Estas várias interações entre elas formam uma rede social, uma síntese que chamamos de totalidade. A totalidade (2) é esta síntese das dimensões que compõem uma sociedade e, também, será a totalidade que irá determinar os rumos gerais, ou seja, os limites e as possibilidades que cada uma destas esferas da vida humana irá atuar.
Se toda sociedade está baseada numa determinada forma específica de trabalho, também é correto dizer que toda sociedade terá uma totalidade social historicamente constituída. A totalidade é a mediação entre a maneira concreta do trabalho e a sua interferência em cada esfera da vida humana.
Com efeito, não serão quaisquer conhecimentos e habilidades que serão transmitidos e apropriados pela educação em uma dada sociedade e, menos ainda, em qualquer orientação ideológica. A educação sempre agirá de modo socialmente determinado. Isto quer dizer que ela sempre irá desempenhar sua função social perante as demandas e exigências que a respectiva totalidade social na qual está inserida lhe impõe. Pensemos, por exemplo, na sociedade escravista clássica: a educação que os escravos se apropriavam dizia respeito às atividades manuais brutas (como transportar grandes rochas, abrir estradas, domesticar animais selvagens etc.). As classes dominantes poderiam ter acesso a uma educação que lhes permitisse se dedicar à filosofia, política, ritos religiosos etc. Inclusive, perante a concepção de mundo daquele modo de produção escravista, os escravos nem eram considerados seres humanos, mas tão somente, “instrumentos que falam” (3).
Portanto, toda a educação – formal ou informal – atua em conformidade com os entraves e as demandas de uma totalidade social da qual interage e faz parte. Sem compreendermos a sociedade na qual a educação atua, escolheremos saídas de Ícaro (4) perante os problemas que existem na realidade. Tal como Leonardo Da Vinci que antes de elaborar suas obras de arte, estudava cientificamente os elementos que iria representar, que possamos compreender com a ciência e não com a emoção a sociedade atual antes de tirarmos conclusões sobre o que pode e o que não pode a educação realizar.
Capitalismo e Educação
O capitalismo é um modo de produção que se gestou a partir da crise da sociedade feudal. A partir do século XIV, mais ou menos, os servos são expulsos de suas terras, as próprias terras passam a ser comercializadas, os comerciantes aumentam o seu poder, o sistema colonial se alastra pelo mundo todo, a pirataria, o roubo, o tráfico de escravos passam a ser atividades lucrativas para as grandes potências econômicas, enfim, as relações sociais de produção feudais entram em suas ruínas e começam, num longo processo que dura vários séculos, a serem substituídas, cada vez mais, por relações sociais de produção capitalistas (5).
Vários eventos importantíssimos podem ser lembrados nessa questão. Dois deles que mais nos ajudam a entender as origens do capitalismo: a Revolução Francesa e a Revolução Industrial. A primeira destruiu o Estado Absolutista e os privilégios da nobreza e criou as bases para o surgimento do Estado Moderno, mostrando que os seres humanos fazem a sua própria história e não os desígnios do “alto”. A segunda, por sua vez, possibilitou a humanidade superar os limites da própria força física do homem. Se fizéssemos a proposta à um artesão da Idade Média para produzir mil selas de cavalo em 03 dias em troca de uma carroça cheia de ouro, o artesão ficaria completamente frustrado por ter de recusar tal oferta, mas, mesmo assim, teria de recusá-la, já que o desenvolvimento das forças produtivas (instrumentos de trabalho, meios de trabalho e força de trabalho) daquela sociedade não permitiam tal realização. Hoje, no capitalismo, após a Revolução Industrial, mil selas de cavalo não passam de brincadeira de criança.
Isto significa que, agora, no capitalismo, a abundância de tudo é uma possibilidade real e concreta. Não nos falta tecnologia, conhecimentos científicos, técnicas, “boa vontade política” ou “uma consciência ética das empresas” para a produção de casas, alimentos, roupas, remédios etc. para atender plenamente as necessidades de todos os seres humanos do planeta. O que entrava esta possibilidade de se manifestar concretamente são justamente as relações sociais de produção capitalistas, ou seja, a maneira como nós organizamos o trabalho no capitalismo que impede tal feito.
Para existir capitalismo quatro condições são, ao menos, absolutamente indispensáveis: 1) uma classe dominante, proprietária dos meios de produção e com dinheiro suficiente para ser investido como capital, ou seja, dinheiro que possa ser investido na compra de matérias-primas, máquinas, instalações etc. para produzirem mercadorias com a finalidade máxima de geração de lucros; 2) uma classe trabalhadora que tenha que vender, obrigatoriamente, sua força de trabalho para sobreviver; 3) as bases da cidadania moderna (6), em que todos (capitalistas e trabalhadores) precisam ser livres, iguais e proprietários (livres para venderem e comprarem a força de trabalho de quem julgar mais apto, iguais apenas perante a lei – uma igualdade formal – que emana de uma situação objetiva de desigualdade real entre as duas classes fundamentais e, por fim, proprietários de capital – os capitalistas – e de sua força de trabalho – os trabalhadores) e; 4) o Estado moderno (7), que exercerá a função de complemento do sistema do capital ajudando, primordialmente, os capitalistas a exercerem sua dominação sobre o processo de trabalho.
Tudo isto se baseia no ato fundante desta sociedade que é a compra-e-venda da força de trabalho: o trabalho assalariado. Na aparência da relação de assalariamento há um “verniz” que nos leva a acreditar que se trata de uma relação de equivalentes: um compra o valor da força de trabalho de outro e este último trabalha igualmente para apenas ter restituído o próprio valor de sua força de trabalho. Todavia, como o próprio Marx já nos alertou certa vez, em seu texto “Salário, Preço e Lucro” que: "As verdades científicas serão sempre paradoxais, se julgadas pela experiência de todos os dias, a qual somente capta a aparência enganadora das coisas” (8).
Apesar do conhecimento científico se basear na prática, se ele ficar preso na aparência dos fenômenos em investigação e não almejar a compreensão do movimento essencial (estrutura e desenvolvimento) do objeto que investiga, terminará a se enganar com a camada mais superficial da objetividade, com sua crosta mais epidérmica. Se apenas observarmos o movimento do sol durante o dia e não tivermos acesso ao conhecimento científico que a humanidade elaborou desde Copérnico, Galileu, Newton etc.; por exemplo, tenderemos a acreditar que a Terra está parada e quem gira ao seu redor é o sol. Todavia, dificilmente alguém defenderá isto hoje, em pleno século XXI, a não serem os irracionalistas que defendem a ideia da Terra ser plana! Todavia, o tema do irracionalismo é discussão para outro texto.
O mesmo ocorre quando observamos a nível fenomênico e imediato o trabalho assalariado: acreditaremos ser uma relação justa e que, por isso mesmo, a luta deveria ser por um “salário digno”, um “capitalismo mais humano”, um “Estado a favor dos trabalhadores” etc. Com conhecimento científico, podemos constatar que uma parte da jornada de trabalho do operário (9) se destina à reprodução do valor da sua própria força de trabalho e a outra parte – a maior, aliás! – se destina à produção de valor que será apropriado privadamente pelos capitalistas e não será restituída aos operários. Trata-se, efetivamente, desta parcela, de trabalho não pago, isto é, a base da mais-valia que constituirá o fundamento dos lucros do capital.
Esta dinâmica mostra que o trabalho assalariado possui uma desigualdade essencial que não pode ser amenizada, contornada ou reformada. Estado nenhum, nas mãos de partido político algum, no âmbito do capitalismo, irá considerar como desigual ou ilegal a extração de mais-valia do trabalho dos operários realizada pelo capital. Esta forma de trabalho faz com que, de modo mediado e com várias articulações, a educação – formal e informal – atenda aos interesses de reprodução do capital.
A orientação ideológica (10) educacional mais forte, isto é, mais presente nas escolas, universidades, mídias etc. será aquela que atender as demandas e exigências das classes dominantes. Nas escolas, uma variedade enorme de sérios e graves problemas nos assola: profissionais desmotivados, despreparados, com péssimas formações; estruturas físicas degradantes; índices e avaliações que não melhoram nada efetivamente e apenas ajudam a aumentar a precarização e a exploração daqueles que obtêm seus salários deste ambiente etc. Nas universidades a situação não é tão diferente: as públicas estão sucateadas, a cada ano que passa menos recursos são direcionados, mais índices e burocracias que atrapalham a produção do conhecimento científico que, nas raras vezes em que é produzido, passa a ser englobado, de modo geral, pela reprodução econômica e pelos interesses das empresas, latifundiários, bancos etc. As universidades particulares, salvo raríssimas exceções, são mercadinhos para obtenção de títulos: nada de ciência, nada de rigor e seriedade... Basta estar em dia com as mensalidades e o diploma (seja de graduação ou de pós-graduação) será seu!
Na educação em seu sentido amplo, sem ser propriamente em espaços formais de sua realização, também a orientação ideológica dominante é aquela que surge a partir da classe que efetivamente é o poder material dominante (11).
Somos educados por nossas famílias (que também foram educadas socialmente assim) a entender as desigualdades sociais como um fenômeno insuperável que emana, em última instância, da natureza “egoísta”, “mesquinha”, “ruim” e “avarenta” dos seres humanos. Somos educados a considerar esta forma de sociedade o suprassumo de toda a humanidade e, por isso mesmo, não seria possível superá-la revolucionariamente em sua totalidade, mas apenas, alguns corretivos parciais e episódicos que, de modo geral, serão conquistados com “alguém dos nossos” na administração do Estado.
O problema é que esta sociedade não tem como característica mais particular o fato de produzir mercadorias em abundância, mas, antes disso, trata-se de uma produção voltada diretamente para a extração de mais-valia do trabalho dos proletários e, com isso, voltada primordialmente para a geração de lucros. Isto é algo insano se analisado do ponto de vista humano e algo plenamente aceitável se pensado do ponto de vista do capital (12).
Essa desigualdade essencial do modo como organizamos o trabalho no capitalismo faz com que as desigualdades sociais não sejam superáveis no âmbito desta sociedade. Faz com que a concentração de riqueza num polo e de miséria em outro ocorra como lógica constitutiva da reprodução social. Faz com que o acesso ao patrimônio material e intelectual seja desigual entre as classes sociais.
Se o trabalho é privado, ou seja, se a atividade criativa dos seres humanos serve para desumanizá-los, então, neste caso, todas as dimensões da vida humana serão impactadas fortemente por esta apropriação privada da riqueza socialmente produzida. No caso da educação, tanto os trabalhadores serão educados para aceitarem ao máximo a lógica de funcionamento do capitalismo como uma “lógica natural” que sempre foi assim e não pode ser superada, quanto os próprios capitalistas serão educados para competirem até o fim pela apropriação da maior parte da mais-valia produzida na sociedade.
É muito comum pensarmos que a educação formal, por exemplo, é determinada pelo Estado (13), pelas secretarias de educação, enfim, pelos órgãos estatais. Todavia, nestas instituições ocorre a organização prática: qual política pública, qual material, avaliação, salário, jornada, formação etc. Todavia, como vimos, não é o Estado que funda a sociedade, mas a maneira como a sociedade organiza o seu processo de trabalho que colocará ou não a existência do Estado como uma necessidade de complemento para a reprodução da propriedade privada das classes dominantes.
Por isso mesmo, o Estado será responsável para concretizar no cotidiano as determinações mais gerais das demandas do capital: não por um acaso qualquer assistimos, na atualidade, uma desconsideração gigante com a transmissão e apropriação de conhecimentos, efetivamente, científicos e a defesa irracional pela maior parte dos intelectuais da educação dos relativismos de toda ordem, dos anseios da consciência acima do que a realidade oferece e da defesa desta sociedade e não de sua superação.
Perante tudo isso, resta-nos: o que fazer? Em primeiro lugar não esperar a salvação de ninguém (14). Em segundo lugar, estudar constantemente, com base em conhecimentos científicos e não com base no senso comum ou em misticismos de todo tipo, como o ser humano se forma, como se deu o processo histórico e como funciona esta sociedade capitalista. Esta atitude é enormemente importante e, igualmente, enormemente abandonada na maioria dos casos. Entretanto, se queremos, de verdade, contribuir na educação, a partir dos interesses dos trabalhadores (e não os do capital) temos que nos apropriar dos conhecimentos científicos, filosóficos, estéticos e culturais mais elevados que a humanidade já produziu e, nos esforçar, em nossas atuações, para transmitir estes mesmos conhecimentos. Todavia, frise-se enfaticamente que se trata de conhecimentos elevados e não banalidades vulgares que não se descolam da aparência dos fenômenos.
Em segundo lugar é preciso atuar criticamente junto às lutas educacionais e às lutas dos trabalhadores, num sentido mais amplo. Atuar criticamente deve ser entendido no sentido de imprimir à estas lutas um caráter contra o capital, contra o Estado e contra a subordinação do trabalho e não pelo rebaixado horizonte das reformas politicistas que apenas intentam o impossível: melhorar o capital e controlá-lo!
Portanto, o trabalho teórico (15) é enorme e o prático também. Não devemos sacrificar um em nome do outro. Sem compreendermos a essência desta sociedade capitalista tenderemos a confundir os seus entraves como possibilidades e as possibilidades como fantasias utópicas.
É um entrave uma educação que permita a todos se desenvolverem plenamente enquanto membros do gênero humano. É um equívoco pretender uma “educação emancipadora” no capitalismo ou uma “educação para o respeito da diversidade”.
Todavia, é uma possibilidade contribuir teórica e praticamente para a superação desta sociedade. É uma possibilidade - extremamente difícil e estreita em verdade – nos apropriar de conhecimentos científicos para captar a estrutura e dinâmica desta sociedade. Mas é preciso sempre lembrar: quem nos oferece as possibilidades e os entraves não é a consciência, mas a realidade objetiva em seu desenvolvimento histórico e na sua dinâmica própria.
(*) Rafael Rossi é licenciado e Mestre em Geografia pela UNESP/FCT de Presidente Prudente – SP. Doutor em Educação pela mesma instituição. É docente da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS – em Campo Grande – MS e atua no curso de Licenciatura em Educação do Campo e no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências.
____________ NOTAS:
(1) A esse respeito ver o capítulo V do Livro I de “O Capital” de Marx, o livro “Introdução à Filosofia de Marx” de Sergio Lessa e Ivo Tonet e, ainda, o capítulo “O Trabalho” da obra “Para uma Ontologia do Ser Social” de Lukács.
(2) Fundamental a leitura da dissertação de Mestrado de Mariana Andrade intitulada “Trabalho e Totalidade Social: O Momento Predominante da Reprodução Social na Ontologia de Lukács.”
(3) Fantástica a leitura do livro “Passagens da Antiguidade ao Feudalismo” de Perry Anderson. Além disso, para uma rápida apreensão do processo histórico vale a pena o estudo do livro “Proletariado e Sujeito Revolucionário” de Sergio Lessa e Ivo Tonet.
(4) Alusão ao mito grego em que o personagem Ícaro tentou voar com asas de cera e teve sua aventura completamente fracassada.
(5) “Para tornar-se livre vendedor de força de trabalho, que leva sua mercadoria a qualquer lugar onde houver mercado para ela, ele precisava ainda ter escapado do domínio das corporações, de seus regulamentos para aprendizes e oficiais e das prescrições restritivas do trabalho. Assim, o movimento histórico, que transforma os produtores em trabalhadores assalariados, aparece, por um lado, como sua libertação da servidão e da coação corporativa; e esse aspecto é o único que existe para nossos escribas burgueses da História. Por outro lado, porém, esses recém-libertos só se tornam vendedores de si mesmos depois que todos os seus meios de produção e todas as garantias de sua existência, oferecidas pelas velhas instituições feudais, lhes foram roubados. E a história dessa sua expropriação está inscrita nos anais da humanidade com traços de sangue e fogo” (MARX, K. O Capital – Livro Primeiro, Tomo II. São Paulo: Nova Cultural: 1996, p. 341).
(6) Sugestão de estudo: “Educação, Cidadania e Emancipação Humana” de Ivo Tonet.
(7) “A formação do Estado moderno é uma exigência absoluta para assegurar e proteger permanentemente a produtividade do sistema. O capital chegou à dominância no reino da produção material paralelamente ao desenvolvimento das práticas políticas totalizadoras que dão forma ao Estado moderno. Portanto, não é acidental que o encerramento da ascensão histórica do capital no século XX coincida com a crise do Estado moderno em todas as suas formas [...]” (MÉSZÁROS, I. Para Além do Capital. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 106).
(8) Referência: MARX, K. Salário, Preço e Lucro. In: MARX, K. O Capital – Livro Primeiro, Tomo I. São Paulo: Nova Cultural: 1996, p. 98.
(9) Operários ou proletários são aqueles trabalhadores assalariados que produzem a riqueza material desta sociedade: asfaltos, casas, prédios, hospitais, roupas, alimentos, carros etc. Para um entendimento mais profundo desta discussão ver o livro de Sergio Lessa, intitulado “Trabalho e Proletariado no Capitalismo Contemporâneo”.
(10) Ideologia aqui não é entendida apenas no seu sentido pejorativo como ocorre na maior parte do debate. Se tivermos como parâmetro o processo histórico real em sua dinâmica de desenvolvimento e complexificação, não é possível entender a ideologia apenas como sinônimo de falsa consciência. Isto faria com que os cientistas e pesquisadores tivessem que definir o que é ideológico como tudo aquilo que é enganador e a ciência seria o neutro, o verdadeiro no sentido imparcial da questão. Todavia, apesar deste posicionamento ser típico do positivismo, a ideologia é todo conjunto de ideias, de concepções de mundo, de sociedade e de ser humano que orienta a prática social perante um problema real e existente. Quando entra em cena as classes sociais, a ideologia continuará com essa função, mas, agora, serão as concepções que orientarem a prática social perante um conflito social entre as classes em luta de uma determinada sociedade. Certamente algumas ideologias se utilizarão de elementos falsos para ganharem evidência e aceitação, mas não é esse o critério para avalia-las, mas sim, a função que desempenharem na orientação da prática perante um problema ou questão social. A esse respeito ver a discussão de Lukács no “Para uma Ontologia do Ser Social”, a dissertação de Gilmaisa Costa intitulada “Trabalho e Serviço Social: debate sobre a concepção de serviço social como processo de trabalho com base na Ontologia de Georg Lukács” e, de nossa autoria, os textos “Ideologia: Uma breve introdução” e “Educação e Ideologia: Uma análise ontológica” disponíveis em: rafaelrossisite.wordpress.com
(11) “as ideias dominantes não são nada mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, são as relações materiais dominantes apreendidas como ideias; portanto, são a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante, são as ideias de sua dominação” (MARX, K. ENEGLS, F. A Ideologia Alemã: critica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão. São Paulo: Boitempo: 2007, p. 47).
(12) “A produção capitalista não é apenas produção de mercadoria, é essencialmente produção de mais-valia. O trabalhador produz não para si, mas para o capital. Não basta, portanto, que produza em geral. Ele tem de produzir mais-valia. Apenas é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista ou serve à autovalorização do capital. Se for permitido escolher um exemplo fora da esfera da produção material, então um mestre-escola é um trabalhador produtivo se ele não apenas trabalha as cabeças das crianças, mas extenua a si mesmo para enriquecer o empresário. O fato de que este último tenha investido seu capital numa fábrica de ensinar, em vez de numa fábrica de salsichas, não altera nada na relação. O conceito de trabalho produtivo, portanto, não encerra de modo algum apenas uma relação entre a atividade e efeito útil, entre trabalhador e produto do trabalho, mas também uma relação de produção especificamente social, formada historicamente, a qual marca o trabalhador como meio direto de valorização do capital. Ser trabalhador produtivo não é, portanto, sorte, mas azar” (MARX, K. O Capital – Livro Primeiro, Tomo II. São Paulo: Nova Cultural: 1996, p. 138).
(13) “Como o Estado é a forma na qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses comuns e que sintetiza a sociedade civil inteira de uma época, segue-se que todas as instituições coletivas são mediadas pelo Estado, adquirem por meio dele uma forma política. Daí a ilusão, como se a lei se baseasse na vontade e, mais ainda, na vontade separada de sua base real [realen], na vontade livre. Do mesmo modo, o direito é reduzido novamente à lei” (MARX, K. ENEGLS, F. A Ideologia Alemã: critica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão. São Paulo: Boitempo: 2007, p. 76).
(14) “Poucos negariam hoje que os processos educacionais e os processos sociais mais abrangentes de reprodução estão intimamente ligados. Consequentemente, uma reformulação significativa da educação é inconcebível sem a correspondente transformação do quadro social no qual as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais e historicamente importantes funções de mudança. Mas, sem um acordo sobre esse simples fato, os caminhos dividem-se nitidamente. Pois caso não se valorize um determinado modo de reprodução da sociedade como o necessário quadro de intercâmbio social, serão admitidos, em nome da reforma, apenas alguns ajustes menores em todos os âmbitos, incluindo o da educação. As mudanças sob tais limitações, apriorísticas e prejulgadas, são admissíveis apenas com o único e legítimo objetivo de corrigir algum detalhe defeituoso da ordem estabelecida, de forma que sejam mantidas intactas as determinações estruturais fundamentais da sociedade como um todo, em conformidade com as exigências intoleráveis da lógica global de um determinado sistema de reprodução” (MÉSZÁROS, I. A Educação para além do Capital. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 25).
(15) “Se dizemos que a teoria é importante e, contudo, não estudamos, é porque ela não é importante para nós. Nós somos o que nós fazemos, não o que desejamos ou pensamos que somos. Não é uma questão moral; há uma razão ontológica para esse fato” (LESSA, S. O revolucionário e o estudo – Por que não estudamos? São Paulo: Instituto Lukács, 2014, p. 11).
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