Introdução

 

 

 

As placas tectónicas do imperialismo contemporâneo parecem ter entrado numa era de instabilidade. Os Estados Unidos da América, sob a errática presidência do inenarrável Donald Trump, podem bem estar a entrar num plano inclinado em direção a uma decisiva (embora, sem dúvida, cruel e massivamente sangrenta) humilhação militar, a complementar com o colapso financeiro e o ostracismo internacional. Em todo o caso, parecem obstinar-se na via do desenlaçamento completo em relação aos imperialismos concorrentes, até aqui seus cúmplices, em diversos graus, num arranjo ambivalente de colisão e colusão. O “brexit” terá tendencialmente esse mesmo efeito no espaço europeu. Imperialismos desavindos são sempre boas notícias para as massas laboriosas e os povos, aí incluídos os dos próprios países imperialistas, numa altura em que o descontentamento com a agressão neoliberal parece estar, finalmente, a começar a polarizar-se à esquerda.

 

A revolução de outubro foi há cem anos. Nenhum de nós assistiu a ela, pelo menos de forma politicamente consciente. Todavia, passe o lugar-comum, parece que foi ontem. Abrimos este número de O Comuneiro com a primeira parte de um ensaio motivado por esta co-memoração. Ângelo Novo procura refletir sobre as causas, consequências e novos horizontes revelados pela grande revolução dos sovietes.

 

É com pesar que anunciamos, neste número de O Comuneiro, a última colaboração do nosso companheiro João Esteves da Silva: a sua tradução de um ensaio de Jean-Claude Michéa. Trata-se de um ensaio notável, mas perdoar-se-nos-á que dediquemos este parágrafo à carinhosa saudade que sentimos do tradutor. Humanista integral, excecionalmente dotado, de uma cultura universal, livre, fraterno, intransigente, alegre até à extravagância, o João era uma razão palpável de otimismo no destino da nossa espécie. Sentiremos a sua falta, procurando desesperadamente novas razões para não desesperar.

 

As relações entre marxismo e ecologia não são fáceis nem incontroversas. John Bellamy Foster e Brett Clark procuram fazer o historial da forma como foram sendo percebidas essas relações, da Escola de Frankfurt até aos nossos dias. Colocando-se no ponto de vista daquilo que eles denominam o terceiro estádio do ecossocialismo, a sua conclusão é de que o marxismo fornece instrumentos críticos insuperáveis para uma luta ambiental consequente. A partir dessa mesma perspetiva, Daniel Tanuro indica as razões porque o capitalismo é absolutamente incapaz de resolver a crise ecológica a que nos conduziu a sua própria inexorável lógica acumuladora.

 

Sandra Ezquerra traz-nos o ponto da situação de um outro casamento difícil do marxismo, aquele que o confronta com o feminismo. Na sua análise do capitalismo, Marx não valorizou e não enquadrou teoricamente de forma adequada o trabalho reprodutivo, maioritariamente feminino. Só colmatando essa lacuna poderemos trilhar a senda de uma emancipação integralmente humana, para o que a autora procura indicar algumas pistas, a partir da experiência de luta pela segurança social no Estado espanhol.

 

O determinismo genético é um dogma social inquestionado há várias gerações e poucos se interrogam sobre quais são as suas reais bases científicas. Sucede que elas são bem escassas e cada vez mais fugidias a uma busca intensa, copiosamente financiada. Na primeira parte de um ensaio dedicado a esta questão, Jonathan Latham procura dissecar as razões deste fenómeno, enquanto vai procurando esquiçar os traços gerais de um novo paradigma para as ciências biológicas. Marcos Barbosa de Oliveira traça a história do conceito de “autonomia da ciência”, procurando reabilitar a noção de liberdade de inquérito em relação aos poderes estabelecidos, própria da tradição galileana, em confronto com a mercantilização integral da ciência neoliberal.

 

Há algumas décadas já que a robotização nos vem sendo apresentada simultaneamente como grande terror e grande esperança. Michel Husson reaproxima a questão à realidade, como ela se nos apresenta dentro dos parâmetros colocados pelas relações de produção vigentes. O capitalismo é um sistema “espontâneo” não porque corresponda a algo de natural, mas porque, uma vez implantado historicamente, segue sempre a sua lógica própria até às últimas consequências, sacudindo sempre os limites e as contemporizações que conjunturalmente lhe queiram impor. Prabhat Patnaik procura ilustrar este seu conceito com a experiência contemporânea pós-II Grande Guerra, procurando daí extrair lições e razões de esperança para o futuro.

 

Armando Boito questiona porque foi tão débil a resistência ao recente golpe antidemocrático no Brasil, mesmo entre as bases sociais beneficiárias e apoiantes do projeto neodesenvolvimentista do PT. Ivonaldo Leite interroga-se porque razão a corrupção política é socialmente sancionada apenas no seu polo passivo, deixando-se passar em claro que os donos do capital são afinal os primeiros a atropelar deste modo as míticas normas da concorrência livre e não-falseada.

 

Agradecemos toda a divulgação possível do conteúdo deste número de O Comuneiro, nomeadamente em listas de correio, portais, blogues ou redes sociais de língua portuguesa. Comentários, críticas, sugestões e propostas de colaboração serão benvindos. Agradeceríamos em particular a ajuda voluntária e graciosa de tradutores.

 

 

Os Editores

 

Ângelo Novo

 

Ronaldo Fonseca

 

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