Introdução

 

 

A ascenção de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos da América, dez anos depois da crise “financeira” de 2007-8, assinala a entrada de uma era de grandes turbulências, perigos extremos e, porventura, rasgadas oportunidades. A ansiedade da classe dirigente, perante a persistente baixa lucratividade, dá lugar a um estado de pânico agressivo. As rivalidades inter-imperialistas vão-se exacerbar. No “Ocidente”, será agora cada um por si e salve-se quem puder. Quanto às potências emergentes, as garantias de “destruição mútua assegurada” vão ser testadas até ao limite. A impulsividade e o erro de cálculo podem, em minutos, ter efeitos catastróficos. Falamos de guerra, sim. Económica, política, diplomática, informática, ecológica, ou, enfim, aquela que se prossegue por outros meios. Perante isto, as forças da humanidade livre, além das bandeiras da razão, da decência e da sustentabilidade, têm agora a importante bandeira da paz. Há aqui um certo déja vu histórico, é certo. Mas esta agora não é a paz garantida pelo aceno benfazejo de Estaline sobre as muralhas do Kremlin. É a nossa paz. É a nossa luta.

 

Abrimos o presente número de O Comuneiro com um ensaio de François Chesnais sobre um tema que tem estado na mente de muitos nós desde, pelo menos, a crise de 2007-8: terá o capital encontrado limites absolutos ao seu típico movimento de expansão? É uma interrogação que coloca certamente algumas questões a quem procura desenhar linhas estratégicas para o derrube deste sistema iníquo e ruinoso, mas nunca nos poderá afastar da única certeza que temos, a da luta. Um dos problemas fundamentais do futuro da humanidade – se esta houver de tê-lo, enquanto tal – é a questão camponesa ao nível global, da qual nunca ouvimos falar. Sobre essa matéria não há “especialistas” com tribuna em nenhum meio de comunicação social. Walden Bello traz-nos aqui essa voz que falta, a voz da terra, do equilíbrio e da razão, que tem hoje de ser também uma voz de luta.

 

Na viragem do milénio, a mundivisão marxista revelou-se ser o mais poderoso instrumento inteletual de estudo e combate à degradação ambiental conduzida pelo capitalismo. Hannah Holleman traz-nos uma exposição e defesa cerrada do método materialista dialético, a partir da experiência acumulada já pelo terceiro estádio do pensamento ecossocialista. George Monbiot é também um naturalista anticapitalista. Embora não tenha formação marxista, as suas posições têm evoluído, revelando aprendizagem com a experiência da luta. No texto dele que publicamos neste número de O Comuneiro, coloca os bens comuns como eixo central de uma estratégia de defesa das comunidades humanas contra a dissolução mercantil e a anomia que vem no seu rasto. Daniel Tanuro, em entrevista, faz uma defesa do ecossocialismo como instrumento de luta e afirmação de um projeto de civilização, com base de uma nova cosmogonia. Prabhat Patnaik chama a atenção para o facto de que as correntes migratórias mundiais contemporâneas, pela primeira vez na história do capitalismo, não são induzidas pelo capital, para serviço das suas necessidades próprias, sendo movimentos da iniciativa dos próprios trabalhadores, com efeitos potencialmente anti-sistémicos.

 

Na sequência da crise de 2008 surgiram novos paradigmas económicos para entreter e maquilhar o desemprego e a precariedade extrema, com a ajuda dos tão celebrados smartphones e das miraculosas apps. Adam Booth ajuda-nos a percorrer essas perspetivas e realidades novas, separando as falácias ideológicas do que podem ser efetivamente novos caminhos na sociabilidade produtiva, se for desbravado o caminho político que lá possa conduzir. Bernard Stiegler é, também ele, um pensador preocupado com o pesadelo climatizado que nos é oferecido pelas novas tecnologias da informação, sob o domínio da mercantilização à outrance de todos os espaços vitais. Mas há um outro horizonte possível, que ele conceptualiza como o da desautomatização por meio da partilha dos saberes.

 

Ivonaldo Leite revisita uma das mais debatidas questões deixadas em aberto pelo pensamento de Marx, a da transformação dos valores em preços de produção. Ora, os movimentos do capital não são redutíveis a prova por uma qualquer formulação matemática. Tentá-lo é já não perceber a questão, que se joga a um outro nível de complexidade, numa tensão entre o abstrato e o concreto, o real e a aparência, que só a história humana faz e desfaz. Outro texto de Marx frequentemente incompreendido é o Prefácio de 1859 à Contribuição à Crítica da Economia Política. Rafael Rossi revisita também essas questões, fazendo incidir nelas o enfoque ontológico de Lukács.

 

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Os Editores

 

Ângelo Novo

 

Ronaldo Fonseca

 

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